– Ronaldo vai manter a braçadeira de capitão de equipa?

Fernando Santos é conhecido pelas conferências sérias, pela cara mais fechada, pelos poucos momentos de melhor disposição quando está inserido num contexto de treino ou de jogo. Perante a possibilidade de “castigar” Cristiano Ronaldo, na sequência da reação no final da partida com a Sérvia em que atirou a braçadeira de capitão para o chão por não ter visto validado um golo claro onde a bola passou de forma bem visível a linha de baliza, o selecionador riu-se. Riu-se, parou e disse “Sim, vai manter”. E explicou de seguida o porquê da decisão, sempre à luz de tudo o que o número 7 fez ao serviço da Seleção e não de um episódio. Até porque, reconheceu também o próprio, a forma de reagir ao erro da equipa de arbitragem foi diferente – e até ao técnico podia ter valido uma expulsão.

Portugal vence Luxemburgo na segunda parte com reviravolta e partilha 1.º lugar do grupo A para o Mundial com a Sérvia

“O Cristiano é um exemplo nacional, até os mais novos o dizem. Se tivesse ofendido o selecionador, os colegas ou a Federação, aí sim, teríamos de pensar. O que aconteceu não foi nada disso, o que aconteceu foi um momento de grande frustração que me podia ter acontecido a mim, pelo que disse ao quarto árbitro. Foi a frustração de alguém que quer ganhar sempre, que dá tudo pela sua Seleção. Vê uma bola dentro da baliza e dizem que não é golo? Foi interessante? Não foi. Mas ele escreveu um post passados dez minutos. Naquele momento de frustração, aconteceu a ele como podia ter acontecido a outro. Ninguém diz que é bonito mas pôr em causa se vai ser o capitão? Houve um jogo que deixei de contar com ele, atirou a camisola para o chão, aí… Não foi isso que o Cristiano fez, foi uma atitude e foi o primeiro a reconhecer que não devia ter feito mas capitão vai ser de certeza”, atirou.

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O resto da antevisão, essa, continuou a girar em torno do “golo fantasma” que apenas um árbitro assistente não conseguiu ver (ele e Mitrovic, o defesa que cortou para lá da linha mas que defendeu que não houve irregularidade nenhuma mesmo depois de ver as imagens…). “Há uma grande revolta, praticamente ninguém assistiu à parte final do jogo, eu próprio não assisti. Só depois é que vi que o Bernardo teve uma oportunidade nesse lance também… São jogadores muito habituados a isto. É um momento de frustração mas acabou”, destacara Fernando Santos, entre elogios a um Luxemburgo que ganhou fora à Rep. Irlanda na última jornada, que já na qualificação para o Europeu vendeu cara a derrota contra Portugal e que se tem tornado cada vez mais uma equipa competitiva. Porque esse era também o outro ponto que tinha sobrado do encontro em Belgrado: a própria exibição.

Depois de um encontro de serviços mínimos frente ao Azerbaijão, onde a vitória nunca esteve em causa após aquele autogolo de Medvedev mas a equipa portuguesa teve uma exibição abaixo do esperado no plano ofensivo sobretudo na segunda parte, os 45 minutos iniciais diante da Sérvia trouxeram o melhor da Seleção: organização coletiva, solidez defensiva, grande capacidade nas transições, velocidade pelos corredores laterais, eficácia. Depois, também pelo golo sofrido logo a abrir o segundo tempo, a equipa voltou a falhar. Podia ter ganho, devia ter ganho, no limite até ganhou mesmo que só tenha valido um empate por fatores externos, mas falhou durante 30 minutos depois do intervalo. E era também aí que iria entroncar a resposta de Portugal nesta qualificação para o Mundial, “sem ser preciso fazer reset a nada” por serem jogadores de altíssimo nível e sempre com concentração em alta.

Mais uma vez, a Seleção foi intermitente. Com menos ligações do que se esperava, com mais apagões do que se poderia antever. Na primeira meia hora, por muito mérito que o Luxemburgo possa ter na evolução que apresenta no seu jogo, Portugal não existiu. Lento, a perder bolas, a passar ao lado do jogo. Foi preciso sofrer para ter outra vontade marcar o empate com mais um cabeceamento de Diogo Jota, foi preciso depois acelerar para conseguir a reviravolta no início do segundo tempo com o regresso aos golos de Ronaldo, foi preciso por fim puxar dos galões para acabar de vez o encontro com a estreia a marcar de Palhinha. Mas esse não foi o único mérito do médio que fez apenas a terceira internacionalização: numa fase em que os visitados tentavam um último forcing para chegar ao empate, “trancou” o corredor central, ajudou na ocupação de espaços e nas recuperações Renato Sanches (o melhor em campo), deu outra liberdade aos criativos na frente e acabou com qualquer hipótese de surpresas de última hora que mesmo sendo contra a corrente do jogo podem sempre surgir neste tipo de encontros.

À semelhança do que já tinha acontecido no segundo encontro em Belgrado, Fernando Santos promoveu várias alterações na equipa inicial entre as escolhas limitadas a meio-campo pelo castigo de Bruno Fernandes e as lesões de Danilo Pereira e João Moutinho: Nuno Mendes regressou à lateral esquerda com Cancelo a voltar à direita e Cédric Soares a ficar no banco; Rúben Neves e Renato Sanches ocuparam um meio-campo com apenas duas unidades em vez das três frente à Sérvia; João Félix colocou-se mais perto de Ronaldo na frente com Bernardo Silva e Diogo Jota no apoio pelas alas. No plano teórico, a equipa estava montada para ter um chip mais ofensivo, com muito envolvimento dos laterais, capacidade no remate de meia distância para furar a defesa contrária quando estivesse demasiado baixa e mais presença nas posições de finalização em ataque organizado ou transições. No entanto, e ao longo de 20 minutos, Portugal não foi capaz sequer de fazer um remate à baliza.

Tudo corria mal. Havia falta de velocidade, pouca projeção dos laterais, nenhum critério a meio-campo, inúmeros passes falhados (alguns ainda no primeiro terço). Ronaldo, num livre direto muito descaído na esquerda, teve o primeiro remate aos 23′ para defesa de Moris mas nem por isso houve um “abanão” para acordar a equipa e fazer aquilo que sabe. Foi preciso chegar quase à meia hora para Portugal ter uma boa jogada coletiva, com Bernardo Silva a ir para dentro, João Cancelo a receber na profundidade pela direita para cruzar atrasado e Renato Sanches rematar na passada à entrada da área para nova parada de Moris. No entanto, e se as coisas já estavam mal, pior ficaram no minuto seguinte: Sinani saiu do seu raio de ação, cruzou na direita para a área e Gerson Rodrigues, avançado do Dínamo Minsk nascido no Pragal, conseguir antecipar-se a Rúben Neves para o 1-0 (30′).

O Luxemburgo está longe de ser aquela equipa de bloco baixo, sem capacidade de saída e a tentar não perder por muitos. Muito longe. Ainda assim, a forma como o campeão europeu perdia era demasiado má para ser verdade. E foi preciso apanhar-se nessa posição de desvantagem para começar a aproximar-se dos mínimos, com outra linha de jogo, outra concentração e outra intensidade sobretudo nas ações do meio-campo para a frente. Bernardo Silva e Renato Sanches tentaram de novo de fora da área para defesas de Moris (36′ e 43′), Ronaldo teve o primeiro remate dentro da área de cabeça após cruzamento de Nuno Mendes ficando a queixar-se de um desvio de um defesa antes de atacar a bola (41′) e Diogo Jota conseguiu mesmo o empate no segundo minuto de descontos, cabeceando sozinho na área após cruzamento de Pedro Neto, que entrara para o lugar do lesionado João Félix.

Portugal tinha de mexer. Não nos jogadores, não na tática. Nos movimentos, na velocidade, nas combinações. E foi assim que chegou a reviravolta, premiando uma entrada mais assertiva em campo e numa jogada onde Ronaldo ganhou a bola a meio-campo, fez a diagonal para o meio, abriu na direita para João Cancelo (que teve uma outra projeção ofensiva) e foi depois à área desviar de pé direito para o 2-1 (51′). E a conta podia não ter ficado por aí, com Nuno Mendes a ter mais uma grande arranca pela esquerda até ao remate cruzado para defesa de Moris para canto (53′) e uma bola na trave de Diogo Jota, na sequência de um cruzamento de Renato Sanches na esquerda que o avançado do Liverpool voltou a desviar de cabeça (59′). O encontro ainda não estava decidido, até pelas saídas de Gerson Rodrigues que continuavam a criar perigo no último terço, mas o contexto estava alterado.

Fernando Santos tentou reforçar o corredor central com a entrada de Palhinha para o lugar de Bernardo Silva, refrescando também o ataque para as transições com a troca de Diogo Jota por Rafa. No entanto, e de novo com grande surpresa, era o Luxemburgo a agarrar mais no jogo, a ter um livre perigoso por Sébastien Thill que obrigou Anthony Lopes a defesa apertada para canto (70′) e a condicionar a saída de bola a partir de trás de Portugal, que tinha novamente quebrado o ritmo e a intensidade com e sem posse e abria outra esperança ao conjunto visitado. Durante dez minutos ainda ficou a ideia de que o encontro poderia ser discutido pelos luxemburgueses até haver o controlo do meio-campo, um falhanço inacreditável de Ronaldo sozinho frente a Moris depois de um passe para trás sem ver de Christopher Martins (78′) e o terceiro golo que matou de vez a partida, na sequência de um canto na esquerda e com João Palhinha a aparecer da melhor forma ao primeiro poste para desviar de cabeça (80′).