O governador do Banco de Portugal vai sentar-se novamente em frente aos deputados na Assembleia da República. A oposição não vai deixar de insistir na gestão do caso BES/GES, e vai perguntar a Carlos Costa se sente ter condições para continuar à frente do regulador mais importante em Portugal. É a primeira vez que uma personalidade indicada para governador do Banco de Portugal terá uma audição prévia para o cargo, mas esta servirá apenas para isso, para ouvir Carlos Costa que foi indicado pelo Governo para um segundo mandato. Ou seja, não muda nada numa nomeação que é polémica.

Carlos Costa tem estado debaixo do fogo da oposição sobretudo por causa do papel do Banco de Portugal no colapso do Banco Espírito Santo e esse será um ponto que vai dominar a audição desta sexta-feira de manhã. O governador esteve há quinze dias na mesma comissão (a do orçamento e finanças), para fazer um balanço do primeiro mandato, e será certo que algumas perguntas serão repetidas, sobretudo aquelas que ficaram sem resposta. O Observador selecionou oito tópicos que estarão em cima da mesa.

  • Condições para ser governador – Carlos Costa sabe que vai ser reconduzido sem o apoio dos partidos da oposição, em particular do PS, e esse será um dos temas sobre o qual será questionado. Os socialistas podem acenar com as sondagens e perguntar ao governador se sente que tem condições para ser o presidente do banco central sem o apoio (ou sequer simpatia) do partido. Foi isso que fizeram na última audição de Carlos Costa no Parlamento e também foi isso que foi dito por Ferro Rodrigues, líder parlamentar, no último debate quinzenal.
  • Gestão da equipa – Carlos Costa volta a entrar, mas os restantes membros do conselho de administração ainda mantêm o mandato. Três deles acabam o mandato em 2016, uma vez que entraram um ano depois de Carlos Costa. Apenas dois vice-presidentes, Hélder Rosalino e António Varela, vão continuar mais tempo, já que apenas foram nomeados em 2014. Este pode ser um dos pontos que irão fragilizar o governador. Num novo Governo, terá de ser o primeiro-ministro a dar o “OK” aos novos administradores. E se for António Costa será certo que, à semelhança das dificuldades que está a colocar à recondução de Carlos Costa, o fará também em relação a outros nomes.
  •  Auditoria interna – O Banco de Portugal fez sair as recomendações da auditoria interna à sua atuação no caso do BES/GES, mas não as conclusões. Pelo texto que foi disponibilizado, é possível perceber que uma das conclusões será a de que o BdP poderia ter agido mais cedo e de forma mais determinada, ao invés de recear uma resposta litigiosa por parte dos visados. A oposição acusou Carlos Costa de não divulgar as conclusões para se proteger e este respondeu com o segredo bancário. Será pois, esta, uma das questões: porque não revela as conclusões?
  • Processos de contraordenação – Os processos de contraordenação no caso BES ainda estão em investigação, disse Carlos Costa, e admitiu que estarão resolvidos apenas em 2016. Mas pode demorar mais. Até agora, o Banco de Portugal concluiu a nota de ilicitude (uma espécie de acusação preliminar) em um processo. Faltam pelo menos quatro. Os casos serão julgados ao abrigo do anterior Regime Jurídico das Instituições de Crédito e por isso o contraditório poderá demorar quase uma eternidade (não há limites ao número de testemunhas que podem ser chamadas). Além disso, Carlos Costa disse na última audição que estes casos são de difícil investigação porque exigem a recolha de provas no estrangeiro. Os deputados quererão garantias de que os casos serão resolvidos mais cedo e conhecer os planos do governador para acelerar o processo.
  • Lesados do BES – É um dos calcanhares de Aquiles do processo de venda do Novo Banco e do BdP e será uma questão obrigatória da direita à esquerda. Garante o reembolso a todos os lesados do papel comercial? O Banco de Portugal já disse que o comprador do Novo Banco não terá de pagar aos lesados, uma vez que no processo de resolução ficou excluída a transferência das obrigações contraídas e das garantias prestadas pelo BES perante terceiros, relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades do GES. Mas no BES não há dinheiro para reembolsar os clientes do papel comercial e há muitas ações em tribunal a contestar esta interpretação do Banco de Portugal. O risco jurídico vai pesar nas ofertas para a instituição.
  • Venda do Novo Banco – Como vai o Banco de Portugal assegurar que a venda do Novo Banco não terá impacto no sistema financeiro? Garante que vai vender o Novo Banco a um preço que cubra a injeção de capital feita pelo Fundo de Resolução e assegure o reembolso ao Estado? Muitas perguntas e poucas garantias poderão ser dadas. Este é um dos principais problemas para este início de mandato – e foi também a justificação dada por Paulo Portas para apoiar a continuidade de Carlos Costa à frente do banco central. Ou seja, “não se muda o vendedor do Novo Banco a meio da venda”.
  • Montepio – Aqui, as questões deverão sobretudo incidir sobre as competências que o Banco de Portugal precisa para realizar uma fiscalização eficaz à Caixa Económica. E porque está a demorar tanto tempo a aprovar a legislação que muda a supervisão das associações mutualistas? O que defende o Banco de Portugal que devem ser as suas competências de supervisão neste caso? O que está a fazer o BdP sobre este caso?
  • Nova legislação – O Parlamento está a discutir alterações à legislação, na sequência da comissão de inquérito ao BES. A maioria PSD/CDS aprovou as propostas socialistas, uma proposta do BE, uma da maioria e outra do Governo, que estão na Comissão de Orçamento e Finanças para discussão. Algumas das recomendações da auditoria interna do Banco de Portugal vão ao encontro das propostas que estão a ser debatidas e algumas serão aproveitadas pela maioria, garantiu ao Observador o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim. Resta saber quais. Este será o ponto mais consensual da audição de Carlos Costa, uma vez que há maior encontro de ideias entre oposição, maioria PSD/CDS e o Governador. Um dos aspetos em que a supervisão vai ser reforçada é na avaliação e reavaliação da idoneidade dos gestores. A atuação a este nível no caso BES foi aliás um dos mea culpa feitos nas recomendações da auditoria interna.

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