“Come on!”. O gritou, mais do que bem audível, foi estranho. Não é usual ouvir isto da boca de quem quase nunca desfaz a cara séria, fechada, colada à concentração. Foi um “come on!” curto, até algo tímido, mas sentido, solto pouco depois de a bola batida pela esquerda a duas mãos de Novak Djokovic não ter dinheiro para pagar a portagem na rede. O suíço disparava uma reação porque, de repente, ficava com um ponto de break que lhe podia dar o primeiro set. Só não deu pois, do outro lado do campo, estava o sérvio que, se fosse um osso, era o mais duro de roer do ténis. Tanto o foi que, cada vez que o público gastava a voz com berros de apoio a Federer e de rejubilo por cada ponto que o suíço fizesse com estilo, o sérvio parecia crescer. E só parou de se agigantar quando pode gritar para o ar após ganhar o último ponto da final e a fechar em 7-6, 6-7, 6-4 e 6-3.
No arranque, Roger Federer pareceu mais calmo, a sacar pancadas que encostavam a bola às linhas, a subir à rede nos momentos certeiros, a ir buscar ases quando precisava deles. Demorou 17 minutos a quebrar o serviço a Djokovic, para depois Novak, que parecia estar a ceder, acordar e, logo a seguir, impor um break ao suíço — apenas o segundo que o tenista de 33 anos sofria neste torneio. Esta lengalenga durou e só no tiebreak é que um deles foi bem melhor do que o outro. Esse alguém foi Novak Djokovic, que só deixou Federer ganhar um ponto para fechar o primeiro set em 7-6.
Djokovic wins his 7,000th point at #Wimbledon en route to holding for 2-2. Bubbling nicely, this. pic.twitter.com/QmgRWt96Mn
— Wimbledon (@Wimbledon) July 12, 2015
Isto não era, de todo, um costume. Nas 39 vezes em que estes dois já tinham coincidido num court, o suíço vencera 20 jogos e o sérvio 19. No ano passado, também na relva de Wimbledon, Djokovic precisou de cinco sets para ganhar às raquetadas a Federer. Aí conquistou o seu segundo Grand Slam inglês e não deixou que o helvético que anda sempre de fita na cabeça ganhasse o seu oitavo. Nesta final era mais ou menos isso que se voltava a passar.
E no segundo set a relação entre os tenistas foi algo como “se tu me fazes isto, vou-te fazer igual”. De novo tudo se decidiu num tiebreak, depois de Djokovic, no 5-4, não aproveitar uma dupla falta de Federer para fechar o set. Não houve quebras de serviço. Às tantas, Novak bate palmas a Roger quando o vê a subir rede e a inventar um amorti em vólei para a anular um ponto de set. Depois, é o suíço quem aplaude no 5-5, quando o sérvio saca um ás num segundo serviço. Palmas à parte, o tiebreak só acabaria num 12-10 a favor do mais velhos em campo, após o mais novo desperdiçar sete pontos para fechar o set.
Ao terceiro parcial da final, e como o torneio previa, a chuva apareceu para dizer olá quando Djokovic vencia por 3-2, já com uma quebra ao serviço de Federer no bolso. As pingas caíram durante uns 20 minutos e a organização decidiu não fechar a pestana — leia-se, o teto amovível — do estádio do All England Club, em Londres. Portanto, se o diabo as tecesse e a chuva voltasse, haveria nova paragem. Enquanto ela não aparecia, Djokovic aproveitou o break de vantagem, foi-se mantendo a jogar no fundo do court, aguentava por lá as trocas de bola e obrigava Federer a arriscar pancadas difíceis para o tentar desposicionar no campo. Não lhe corria bem e Novak fechava o terceiro set por 6-4.
O público continuava a puxar, mais do que nunca, pelo seu preferido: Roger Federer. Cada ponto que o suíço fazia com subida à rede ou com uma daquelas esquerdas cruzadas, com estilo, o barulho rebentava. Mas, com mais de duas horas a jogar ténis, os quase 34 anos do homem que já tem 17 títulos do Grand Slam em casa começaram a notar-se. O suíço já não corria tanto, parecia estar cansado e já não conseguia trocar mais de 10 pancadas num ponto. O sérvio, que muito corre por todo o lado, crescia. Djokovic quebrou o serviço a Federer no quarto set para fazer o 3-2 e confirmava uma coisa — a paragem que a chuva causara não caíra nada bem a Federer.
As respostas de Novak Djokovic ao serviço saíam como nunca. Roger encolhia e de nada valia o apoio vindo das bancadas, que às tantas começou a irritar o sérvio. As pancadas de fundo do court saiam-lhe com mais força e os dois últimos jogos do encontro foram rápidos. Até ao final, Federer mal conseguiu fazer com que o número um do ranking parecesse desconfortável no court. O 6-4 foi uma questão de tempo e após bater a última direita cruzada, Djokovic ergueu os punhos no ar, à boleia de um grito de revolta — Wimbledon, quer o público quisesse, ou não, era dele pela terceira vez.
O sérvio sentiu, e muito, o momento. Ergueu o dedo indicador direito para o céu e dedicou a vitória a alguém, antes de se colocar de cócoras e, com a palma da mão, tocar na relva, como quem sente a respiração num peito. Djokovic parecia, ao seu jeito, estar a agradecer ao court. Depois, ainda se ajoelhou, colheu uma pitada de relva, levou-a à boca e comeu-a. Levou um pedaço de Wimbledon com ele, além da terceira taça que levantou, como já o tinha feito em 2011 e 2014. E também como Boris Becker, o seu treinador, o fez quando ainda era jogador. “Vamos tomar um copo de vinho ou uma cerveja. Levou algum tempo para nos entendermos, ele é alemão e eu sou sérvio”, brincou, no final, Novak, já com o caneco nos braços. O treinador já não se pode rir quando a conversa for sobre Wimbledon.
Para o suíço, esta foi a terceira final perdida — já não vence um Grand Slam, aliás, desde que conquistou o toneio de Wimbledon em 2012. “Jogou muito bem hoje, como o fez nas duas últimas semanas, neste ano, no ano passado e no ano antes desse”, confessou, após o encontro. E Djokovic também teve de falar sobre o pedaço de relva comida: “Este ano soube muito bem, não sei o que os tratadores fizeram, mas estava muito boa. É uma tradição, desde criança que sonhava ganhar este torneio, e tentamos sempre inventar algo especial para fazermos quando o conseguirmos.” Mas cuidado, Novak, porque Roger Federer bem avisou que continua “com fome”.