Quando se quer distinguir um lagarto de uma serpente, a forma mais fácil é pensar que um tem patas e o outro não. Mas esta não é certamente a melhor forma de distinguir os dois. O corpo em forma de serpente evoluiu independentemente 26 vezes durante a história natural dos répteis e existem espécies de lagartos sem pernas. E agora, para deixar os cientistas ainda mais confusos, foi encontrado um fóssil de um animal semelhante a uma cobra, mas com quatro patas, conforme publica a revista científica Science esta sexta-feira.

“É, regra geral, aceite que as serpentes evoluíram dos lagartos em algum momento do passado distante. O que os cientistas ainda não sabem é como evoluíram, porque evoluíram e de que tipo de lagarto evoluíram”, diz em comunicado de imprensa o líder da equipa que estudou o fóssil, David Martill. “Este fóssil responde a questões muito importantes, por exemplo, parece agora claro que as serpentes evoluíram de lagartos escavadores e não de répteis marinhos.”

O fóssil, ao qual David Martill chamou Tetrapodophis – serpente com quatro pernas -, ainda não é consensual, reporta a National Geographic. Enquanto o paleontólogo da Universidade de Portsmouth (Reino Unido) defende que se trata de um ancestral das serpentes, Michael Caldwell, paleontólogo na Universidade de Alberta (Canadá), considera que lhe faltam características para isso.

3 fotos

“Isto acontece sempre que é descrita uma cobra ancestral”, diz, citada pela National Geographic, Susan Evans, da University College de Londres. “As opiniões sobre a evolução das serpentes estão altamente polarizadas.” A professora de Morfologia e Paleontologia de Vertebrados considera que este fóssil apresenta algumas das características expectáveis em serpentes antigas e que são pouco comuns no grupo Squamata (que inclui lagartos e serpentes). Só lamenta que o crânio não tenha ficado tão bem preservado como o resto do corpo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Caso se prove que é realmente uma serpente, será a mais antiga descoberta até ao momento que ainda preserva pequenos membros – a serpente mais antiga terá 160 milhões de anos. Tetrapodophis amplectus viveu há 110 milhões de anos, durante o período Cretácico, o período de maior sucesso dos dinossauros, quando o subcontinente sul-americano (onde foi encontrado este fóssil) e o continente africano ainda estavam ligados. A descrição da descoberta foi publicada na revista científica Science esta sexta-feira.

Dentes que apontam para trás, uma fila única de escamas no ventre, a forma como as mais de 150 vértebras se ligam umas às outras e a cauda curta, são as características apontadas pela equipa de David Martill para incluir Tetrapodophis amplectus, o réptil de 20 centímetros, no grupo das serpentes, refere o comunicado de imprensa. A National Geographic refere que os lagartos sem pernas podem reunir alguns destes atributos, mas só as serpentes os reúnem todos.

David Martill vai mais longe na interpretação do fóssil. Os dentes virados para trás indicam que seria um predador ativo – um predador de outros vertebrados, como todas as serpentes modernas -, assim como as mandíbulas que permitem engolir presas muito maiores do que a própria cabeça. O paleontólogo acredita que esta cobra matava as presas por constrição (apertando-as e sufocando-as até à morte como faz uma pitão). “Se não para que precisaria de um corpo tão longo?”, pergunta. São 272 vértebras, 160 das quais na parte principal do corpo (onde se localizam as costelas), refere a Nature.