Um dia depois do Tribunal da Relação ter decidido que  José Sócrates podia ter acesso aos autos do processo, pondo fim ao segredo de justiça interno, o juiz Carlos Alexandre decidiu aceitar a indicação do Ministério Público e alterar a medida de coação do ex-primeiro-ministro: Sócrates deixa de estar em prisão domiciliária com vigilância policial e passa a estar sujeito à medida mais leve, o Termo de Identidade e Residência (TIR), acompanhada de outras medidas de coação a “proibição de ausência do território nacional, sem prévia autorização” e “proibição de contactos, designadamente com outros arguidos no processo”, refere a Procuradoria-Geral da República no comunicado emitido esta tarde.

O Ministério Público propôs, e Carlos Alexandre deu também seguimento, à alteração da medida de coação de Carlos Santos Silva, o amigo empresário do ex-primeiro-ministro, que estava em prisão domiciliária com vigilância (pulseira) eletrónica e fica com as mesmas medidas de coação de Sócrates: TIR, proibiçao de viajar para o estrangeiro sem autorização do juíz de instrução criminal e proibição de contactos com os restantes arguidos.

Esta informação foi entretanto reiterada pelo Tribunal Judicial de Lisboa, que em comunicado acrescenta que tanto José Sócrates como Carlos Santos Silva estão proibidos de contactar também “com administradores, gerentes ou outros colaboradores de sociedades na esfera jurídica de Carlos Santos Silva, do Grupo Vale de Lobo, Lena ou Caixa Geral de Depósitos”. Refere ainda o comunicado que Carlos Alexandre “procedeu à alteração das medidas de coacção nos exatos termos requeridos pelo Ministério Público”.

Com estas alterações das medidas de coação dos dois arguidos mais relevantes do processo “Operação Marquês”, deixam de existir quaisquer suspeitos (são nove os envolvidos) detidos: no dia 8 deste mês, Armando Vara tinha também sido libertado contra o pagamento de uma caução de 300 mil euros. No entanto, o ex-ministro ainda não foi libertado, uma vez que aguarda um despacho judicial.

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Em comunicado enviado às redações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) explicou que as novas medidas de coação (que, de acordo com a lei, só seriam revistas em meados do próximos mês), apenas determinam que os arguidos fiquem sujeitos “à proibição de ausência do território nacional, sem prévia autorização, e pela proibição de contactos, designadamente com outros arguidos no processo”.

O Ministério Público, explica ainda o comunicado, justifica esta promoção da alteração das medidas de coação, por considerar que “se mostram consolidados os indícios recolhidos nos autos, bem como a integração jurídica dos factos imputados. Pelo que, na atual fase da investigação, diminuiu a suscetibilidade de perturbação da recolha e da conservação da prova“. Esta justificação já tinha sido repetida no comunicado da PGR de dia 4 de setembro, quando Sócrates saiu da prisão de Évora e passou a estar em prisão domiciliária com vigilância policial.

No comunicado da PGR há ainda a informação de que a alteração das medidas de coação está diretamente ligada ao fim de segredo de justiça interno.

“Cessando o segredo de justiça interno, na forma que foi imposta, o que implica o acesso de todos os arguidos aos autos, subsiste a necessidade de conformação de versões e justificações dos arguidos, bem como a possibilidade de conformar factos desenvolvidos noutros países. Assim, considera-se que esses perigos e a eficácia das diligências a desenvolver podem ser acautelados com a aplicação de medidas de coação menos gravosas do que as até aqui impostas a estes arguidos”.

Araújo acusa: “MP quer esconder derrota”

Depois de se saber da libertação de José Sócrates os advogados João Araújo e Pedro DeLille estiveram reunidos com o ex-primeiro-ministro. À saída desse encontro, João Araújo teceu duras críticas à Procuradoria Geral da República e afirmou quem quem decidiu a libertação de Sócrates foi o Tribunal da Relação e não o Ministério Público secundado pelo juiz Carlos Alexandre.

“A versão que está a ser veiculada pela Procuradoria Geral da República é falsa. A procuradora e o procurador-adjunto insistem que foram eles que libertaram José Sócrates”, quando foi “a decisão da Relação de Lisboa” que o permitiu, afirmou o advogado.

“O que foi dito é mentira. Formalmente, o que se está passar é que o Ministério Público insiste em esconder que levou uma trepa. É uma vigarice o que se está a passar, uma tentativa de enganar as pessoas. Querem esconder uma derrota deles.”

João Araújo referiu que a partir de agora “há muita coisa a fazer”. Na segunda feira os advogados vão ter acesso ao processo e vão começar a analise-lo. “Ao fim destes meses todos vamos confirmar o que sabemos e o que sabemos é que José Sócrates está preso ilegalmente desde o dia 21 de novembro de 2014”, sublinhou Araújo.

O outro advogado de José Sócrates, Pedro Delille, adiantou que a defesa do ex primeiro-ministro vai continuar a “insistir que o tribunal declare nulos e ilegais todos os atos [processuais tomados] desde 15 de abril”.

Para quando a acusação?

O procurador responsável pelo processo, Rosário Teixeira, com a concordância do juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre, entende assim que já reuniu as provas suficientes para avançar com o processo e que privar qualquer suspeito de liberdade não fazia sentido.

Até hoje, o Ministério Público era obrigado a deduzir acusação ou a arquivar o processo até ao dia 21 de novembro (um ano após o início do caso), uma vez que havia arguidos detidos. Nessa altura, caso não existisse acusação, os arguidos seriam automaticamente libertados. Com a libertação de José Sócrates e Carlos Santos Silva, o MP já não é obrigado a cumprir aquele prazo. Pode decidir mais tarde, mas também pode fazê-lo mais cedo.

Aliás, o facto de esta decisão ter sido tomada agora, pode indiciar que a acusação por parte do MP, que sempre disse estar em condições de avançar com a mesma, pode acontecer antes dessa data limite, ou seja, entre o fim deste mês de outubro e início de novembro. O fim do segredo de justiça interna, do qual o MP recorreu para o Constitucional, mas sem impedir que a defesa de Sócrates tivesse acesso aos autos, pode ter ajudado a acelerar ainda mais o processo.

Com o fim do segredo de justiça interno todos os arguidos passam a ter acesso a todas as provas reunidas pela investigação. Muitas delas, agora apenas de acesso muito restrito a cinco ou seis pessoas, passam a estar nas mãos de vários advogados, arguidos, assistentes. E rapidamente podem ser tornadas públicas. É esse perigo que o MP quer evitar, antecipando-se e revelando todas as provas em que baseou este caso.

Há, no entanto, quem faça a outra leitura e diga que, com o desagravamento das medidas de coação, o MP deixa de estar pressionado pelas datas da dedução de acusação, o que faria com que essa acusação pudesse surgir apenas mais tarde, no final do ano ou princípio de 2016.

Vara também quer acesso ao processo

A defesa de Armando Vara anunciou também que vai solicitar o acesso aos autos da investigação, depois de o Tribunal da Relação de Lisboa ter decretado o fim do segredo de justiça interno no caso.

“Naturalmente que queremos conhecer rapidamente o processo, para estarmos mais aptos a consolidar a nossa posição sobre a matéria” disse o advogado Tiago Rodrigues Bastos, que defende Armando Vara.

Tiago Rodrigues Bastos frisou ainda que a medida de coação aplicada ao seu cliente “foi decidida em circunstâncias que não deviam ter sido observadas”, referindo-se ao facto de o caso já não estar em segredo de justiça, quando o ex-ministro foi interrogado, no passado mês de julho.

“Quando o doutor Armando Vara foi ouvido, segundo o que agora diz o acórdão, já a consulta do processo lhe devia ter sido facultada e não foi. Consideramos que há aqui uma situação anómala”, adiantou o advogado, sem referir quais as consequências para o processo.

O defensor de Vara referiu ainda que o ex-ministro continua em prisão domiciliária, mais de uma semana depois de o juiz Carlos Alexandre ter substituído aquela medida de coação pela prestação de uma caução de 300 mil euros.

“Estamos neste momento à espera de um despacho do juiz que declare validamente prestada a caução”, disse Tiago Rodrigues Bastos, que espera que esta situação seja resolvida rapidamente, “com a cessação da medida de prisão domiciliária e a consequente retirada da pulseira”.

Além da caução, Vara está proibido de contactar os restantes arguidos no processo e de se ausentar para o estrangeiro.

O ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) está em prisão domiciliária com pulseira eletrónica, desde 10 de julho, após ter sido detido no âmbito da “Operação Marquês”, por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção passiva.

Recorde-se que José Sócrates e Carlos Santos Silva foram detidos a 21 e 22 de novembro do ano passado.

José Sócrates é suspeito de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. O Ministério Público suspeita que tenha recebido dinheiro por determinados negócios e que o seu amigo e empresário, Santos Silva, serviu de testa-de-ferro.

Santos Silva, um empresário com várias empresas e ligado ao Grupo Lena, amigo de curso de José Sócrates, é suspeito de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. Antes deste processo, o empresário, que chegou a partilhar casa com Sócrates nos tempos de estudante, já estava a ser investigado por suspeitas de ter ligações a empresas e a particulares a quem ‘lavaria’ dinheiro através de contas que tinha na Suíça.

Reações

O secretário-geral do Partido Socialista, António Costa, já reagiu de forma evasiva à libertação do ex-primeiro ministro José Sócrates. António Costa reafirmou a sua recusa em fazer comentários às decisões judiciais, acrescentando apenas que a recuperação da liberdade “é uma boa notícia para qualquer ser humano”.

Já antes o líder do CDS-PP, Paulo Portas, afirmara igualmente recusar comentar decisões judiciais.