Já se escreveram alguns artigos sobre o exercício de censura de Ferro Rodrigues contra o deputado André Ventura. Não disputo os argumentos usados, mas por vezes as explicações são mais fáceis do que parece. A minha explicação para o que aconteceu no parlamento é prosaica: Ferro Rodrigues é tonto, coitado. Não é o único, há muitos por aí. Mas ele é o tonto que ocupa o cargo de Presidente da Assembleia da República. Fica assim mais exposto do que os outros tontos. É óbvio que António Costa, que é tudo menos tonto, conhece bem Ferro Rodrigues. Quando o escolheu para se sentar na cadeira mais elevada da Assembleia da República, fez-lhe uma maldade.

Um dos aspectos mais extraordinários das imagens a calar Ventura é o sentido de auto-importância que Ferro Rodrigues transmite. Acredita genuinamente que, no fundo, está a lutar pelas conquistas democráticas. Ferro Rodrigues vê André Ventura como um jovem perigoso de extrema direita e que lhe compete, como velho senador socialista e democrático, zelar pela nossa democracia. Ferro Rodrigues olha para André Ventura e vê uma Marine Le Pen, um Salvini, até um Santiago Abascal, à frente de tropas extremistas a preparar-se para fazer uma revolução e derrubar o regime democrático. Naquele momento, Ferro Rodrigues sentiu-se um anti-fascista a lutar pelas conquistas do 25 de Abril.

Muitos dirigentes do PS alimentam a ideia de que o Chega é um partido populista e extremista, sabem que beneficiam desse discurso público, mas não levam isso demasiado a sério. Mas Ferro Rodrigues não percebe isso. Não tem essa subtileza. Ouve alguns dos seus camaradas tratarem o Chega como um partido de extrema direita, e leva isso a sério. Resultado: trata um pequeno partido, com um deputado, como se fosse uma ameaça salazarista. E sente-se de novo um anti-fascista. É patético.

Ferro Rodrigues é tonto, mas não é completamente tonto. Tem experiência política e percebe os sinais enviados pelo seu partido. Ferro Rodrigues já entendeu que há uma estratégia para diabolizar André Ventura. Mas o verdadeiro adversário não é o Chega; é o PSD. Sabendo que será muito difícil o PSD conquistar uma maioria absoluta nos próximos anos, interessa ao PS limitar as possibilidades de coligações à direita. O objectivo do PS é impedir que o Chega faça parte de uma maioria de direita, o que permitiria os socialistas governarem mesmo que o PSD seja o partido mais votado nas próximas eleições. O PS “derrubou” os “muros” à sua esquerda, para agora tentar construir “muros” à direita do PSD. Dito de outro modo, a diabolização do Chega serve para o PS continuar no poder mesmo sem ganhar eleições. Compete ao PSD permitir ou impedir a estratégia do PS.

Mas estas coisas devem ser feitas de um modo inteligente. Não pode ser feito do modo tonto como fez Ferro Rodrigues. A raiva de Ferro Rodrigues, a falar de um modo grosseiro e a espumar, só ajuda André Ventura. Um deputado solitário, calado pelo Presidente da Assembleia da República, com os aplausos da maioria das esquerdas, foi um presente de Natal antecipado para André Ventura. Quantos votos terá Ferro Rodrigues oferecido ao líder do Chega? António Costa deve ficar desesperado com as tontices de Ferro Rodrigues. Mas o PM é o verdadeiro culpado. Escolheu para presidente da Assembleia da República uma pessoa que nunca conseguiu deixar de se comportar como um militante do PS, quando o cargo que ocupa exige independência e elevação (compare-se com o modo como Jaime Gama exerceu a presidência da Assembleia da República).

Agora, além de militante socialista, Ferro Rodrigues quer portar-se como um jovem combatente anti-fascista. André Ventura parece funcionar como uma espécie de viagra ideológico para Ferro Rodrigues. Desconfio que vamos assistir a momentos de excitação pública. Isto promete.

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