1 Quando após o último acorde da orquestra, percebi que pelo segundo sábado consecutivo, o que eu perguntava ao meu vizinho que tinha um telemóvel, era quem ganhara o futebol e não quem vencera no PSD, percebi que de facto fechara um ciclo. Ou “se” fechara, ou eu fechara, não interessa. Um acontecimento ímpar e sem medida portanto, e com cujas ainda (muito) brumosas consequências não será fácil de lidar. O PSD sempre foi uma coisa “natural” para mim, o ar que respiro. Mais que uma escolha reflectida, foi uma morada. Um porto de abrigo político, enérgico rompedor, vital, transversal, capaz de grandes lideranças que foram a sua marca e de patrióticas, inovadoras reformas que foram a sua assinatura. Eram as coordenadas da “casa” e eram conhecidas. Depois havia o tumulto e o sobressalto – houve sempre – mas não tinham efeitos secundários. Nunca lá militei, não foi preciso, era “dali”, com convicção, gosto e camisola, como se pode ser do Benfica, também vital e transversal e sem que me ocorresse sequer interrogar-me sobre a bondade ou a utilidade daquele destino político. E porque o faria? Estava bem.

2 Um dia, almoçando com António Costa – era ele presidente da Camara – no restaurante de um hotel na Baixa, lembro-me de ambos termos comentado o grau da nossa fidelidade aos partidos de quem éramos devotos, medindo a temperatura da respectiva fidelidade: ele votaria “sempre, sempre” no PS “houvesse o que houvesse”, eu no PSD “nem que lá estivesse o porteiro”. Era assim. Tudo isto começou para mim com Sá Carneiro, claro está, de quem eu imbecilmente de início dizia “mal” nos jornais até constatar quão medíocre era o meu critério de avaliação e sobretudo depois do próprio Sá Carneiro ter feito o favor de perder algum tempo comigo (e quanto lhe devo). Recuperei o atraso em relação a ele, como aqueles comandantes que recuperam os atrasos em voo, descobrindo depressa a importância da vontade na política, da tenacidade que interessa, do separar das águas contra todos os ares do tempo – para ficarmos por isto. E fui andando. Até hoje. De caminho louvei quanto pude as maiores vitórias políticas averbadas nos “registos” eleitorais desde Abril de 74 e que foram as de Cavaco Silva e as correspondentes reformas por ele concretizadas. A eloquência dessa lista torna aliás patéticas, ficcionais mesmo, as criticas ou desmentidos com que a má fé ora nega, ora adultera esse nutrido lote de benfeitorias, mas… um dia as falsas “narrativas” desabarão, e muito provavelmente com estrondo, sobre os seus autores, já esteve mais longe.

E depois percebi ainda que – ao contrário da martelada, obsessiva, mentirosa outra história, contada diariamente pela esquerda – a sorte grande de Portugal entre 2011 e 2015 foi ter alguém chamado Passos Coelho que içou o país do precipício para onde essa mesmíssima esquerda o atirara. Por alguma razão ele e o PSD ganharam de novo as eleições apesar da tal martelada, obsessiva, mentirosa história que enquanto Passsos governava já a esquerda se treinava em contar.

A soma destas recordações, isto é de gente decente que servia o país sabendo porque o fazia e sabendo fazê-lo, dava consistência e verosimilhança à minha morada política de sempre: o PSD continuava o PSD. Valia-me a pena a camisola.

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3 Há cerca de uns meses, talvez um ano, também me lembro de ter conversado com um amigo informado alertando-o para o facto de por vezes os partidos – mais subitamente ou menos subitamente – se sumirem dos radares políticos e dei-lhe o exemplo da UCD espanhola a quem a Espanha muito deve (e há mais exemplos em várias geografias politicas). Um dia a UCD sumiu-se, e de vez, do mapa partidário dos vizinhos. Não julgo que ocorra o mesmo com o PSD, mas antes ocorresse. Só nascendo outra vez, doutra maneira, com nova gente e outra geração. O que está não se recomenda, não serve, não muda. E não sei se “se” muda. Não me parece que vá a tempo da sua utilidade perdida. Ex-utilidade. Também poderia falar decência mas talvez não fosse boa ideia.

4 Roído por um aparelho desgraçadamente todo poderoso, devorado por oportunistas, descaracterizado, sem ideias, sem viço, sem energia, sem mapa, sem rumo, sem sentido – e sem “anima” – para que serve hoje o PSD? E a quem serve? Não se pode ter medo de abordar esta inaudita decadência, nem vergonha de assumir que no actual estado de coisas, tanto fazia – sim- tan-to-fa-zi-a! – ter ganho Montenegro ou Rio. Se nenhum deles ousou escalpelizar de uma vez por todas o passado recente do PSD, recordando as culpas do PS no lodaçal financeiro em que deixou o país em 2011 – nem sequer puxando pelos galões dos resultados entrevistos em 2013 e vistos em 2014 – antes fugindo a sete pés do tema, porque se há de escolher entre Luís Montenegro ou Rui Rio? Se em vez de falar de política preferiram evocar episódios; se nenhum se ocupou do país, do seu propósito ou do seu destino e nem sequer das suas fragilidades ou aflições; se nenhum conseguiu elevar o debate a um grau audível e comestível; se nenhum interpelou, nem convocou, nem mobilizou, onde estavam as razões da nossa escolha, ou melhor, da escolha dos que tinham de escolher? Como querem que – numa versão bondosa – os respeitemos se eles parecem não “reparar” que há Portugal e que lhes compete tratar dele? Como esperam que os levemos a sério se damos com eles aparentemente entretidos com ocorrências pelas quais não passa nem o presente nem o futuro, os nossos? Como aspiram a que os ouçamos pela enésima vez a criticar Costa e os malefícios do governo e não a cativar gente para sair “desta” e entrar numa mais séria, que deveria mobilizadoramente… ser a deles?

5 Excesso de palavras? Talvez mas troco-as já por exemplos. Pelo directo e pelo concreto, pelo real, o vivido. Pelo que acontece às pessoas: ao principio juguei que era um caso aqui, outro ali, coisas esporádicas. Afinal não: tenho tropeçado em jovens formidáveis, gente de excelência com currículos invulgares que não encontram “emprego” a condizer com ele e as capacidades já demonstradas. A sua competência assusta, não há onde encaixar a excelência, a qualidade de tudo ou quase tudo entre nós é apenas média, o país é pobre. Além claro da cultura anti mérito que por aqui vigora em nada ajudar. Não havendo saídas – nem sequer de emergência – estes jovens, singulares ou casais, retornam ao estrangeiro – de onde alguns tinham aliás regressado na esperança de uma “vida” em Portugal; outros saem porque “aqui não dá”. Conheço casos, nada disto é de cor, nem a gravidade do assunto apela à fantasia. Para início de conversa política não pareceria mau que o PSD recorresse a ela. Para não falar de milhares de jovens que devido á consentida vergonha e ao silencioso abuso dos arrendamentos em Lisboa, são enxotados para distâncias que o transito e a morosidade dos transportes tornam intransponíveis. De brinde têm ainda uma baixa de qualidade de vida, o desamparo de um cenário urbano desconhecido, nenhuns atractivos, lonjuras familiares. Uma revolução. Mais injusto é impossível, nem toda a gente é das start ups.

E não, não é demais insistir na asfixia dos impostos que aparentemente, não é verdade? servem quase só para satisfazer o devorador apetite das esquerdas. Como dizia o outro, impostos do primeiríssimo mundo, serviços públicos do vigésimo

6 Aqueles dois golos secos em Alvalade – mesmo que irreconhecível era o Sporting e era Alvalade – encheram-me a alma. Felizmente há o Benfica. Fidelidade antiga.