Aproveitando a discussão pública do Plano de Gestão Integrada de Fogos Rurais – Estratégia 2030, e a publicação do 6º Inventário Florestal Nacional (IFN6), é oportuno pensar na floresta que queremos e que precisamos para a próxima década.

Reconhecendo a complexidade do problema e a dificuldade em obter respostas operacionais com impacto imediato, o Plano de Gestão Integrada de Fogos Rurais tem como mais valia transversal a incorporação do conhecimento adquirido e um conjunto de premissas estratégicas relevantes, que se espera possam alterar os aspetos menos positivos da abordagem nacional das últimas décadas ao problema dos Fogos Rurais.

Dessas premissas sobressaem desde já as seguintes, que representam alterações drásticas relativamente às estratégias anteriores:

  • Os incêndios não são um problema sectorial florestal
  • Os incêndios são e serão uma realidade presente no nosso território
  • O território rural não vai voltar a ter níveis de densidade populacional do passado
  • É fundamental revitalizar a paisagem e o Mundo Rural

Neste Plano espera-se que a importância da “prevenção” seja de facto reforçada pela sua componente de “Valorização dos Espaços Rurais” e que desta forma se inverta essa tendência “operacional de valorização do combate”.

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Sobre as Orientações Estratégicas e a “Valorização dos Espaços Rurais”

Esta é a principal mudança proposta e será positivo se o Plano conseguir concretizar o objetivo central de capacitar e potenciar as atividades rurais capazes de contribuir para a redução do impacto dos incêndios.

No entanto este Plano não define especificamente o que terá de ser feito, quem o fará, quais os instrumentos e qual o orçamento. Nesta matéria sugere mesmo a necessidade de alterações legislativas de alguma dimensão e profundidade, o que pode resultar numa maior fragilização dos proprietários e das suas organizações, que terão, mais uma vez que se adaptar a novas regras e regulamentos. Promover a valorização do território rural e das suas actividades económicas passa por simplificar e desburocratizar.

Por outro lado, as orientações dadas em matérias de valorização acabam por se restringir a instrumentos e ações já existentes ou semelhantes às já praticadas. O Plano é assim muito redutor nas soluções que apresenta, concentrando e privilegiando a abordagem de “Ordenamento do Território” relativamente à abordagem económica.

Esta falta de estratégia económica é a principal fraqueza do Plano, o que é relevante uma vez que o documento identifica a valorização do território como fundamental para o sucesso do mesmo.

Algumas áreas merecem que o Plano lhe dê importância especial, para que assim as alterações legislativas possam ter o resultado esperado. Destas destacam-se à partida uma estratégia de promoção do modelo cooperativo, uma estratégia vertical de desenvolvimento da fileira da “madeira nobre”, uma estratégia transversal para os modelos de produção de montanha quer de cariz silvícola que pastoril.

Promoção e desenvolvimento do modelo cooperativo enquanto modelo organização dos proprietários com capacidade de intervenção no mercado

As cooperativas agrícolas e florestais têm hoje um papel fundamental na coesão territorial e social dos territórios rurais, em especial daqueles mais fragilizados pelos incêndios e pelo abandono.

Esta estratégia de desenvolvimento deve privilegiar a produção com valor acrescentado, nomeadamente investindo na agro-indústria e no aproveitamento dos produtos com singularidade regional, bem como numa vertente florestal, promovendo mesmo uma primeira transformação dos produtos florestais.

Esta estratégia de índole cooperativa deve integrar não só aspetos de cariz produtivo, mas também de transformação e comercialização, criando e potenciando sinergias entre diversas entidades regionais por forma a diminuir os custos de contexto associados a pequenas produções e a custos de produção mais elevados.

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Estratégia de revitalização da “silvicultura de altitude”

As “zonas de montanha” precisam com urgência de soluções para a diversificação de produtos florestais, nomeadamente a madeira para serração. Esta fileira precisa de uma estratégia vertical e o Plano poderia ser a alavanca para tal estratégia, uma vez que será necessário conhecimento, formação e desenvolvimento de modelos de organização.

Em paralelo é necessária uma estratégia para a pastorícia nestas zonas, estratégia essa que permita que atividade seja realizada de acordo com as necessidades do Plano, mas também que permita desenvolver modelos de produção e de negócio adaptados às características voláteis dos mercados alimentares.

Esta valorização não pode ficar apenas por medidas avulsas, de objetivos de gestão do mato e de índole financeira. A valorização dos territórios passa necessariamente pela valorização das pessoas e das atividades rurais e nestas matérias o investimento não pode continuar o rumo do passado, uma vez que na prática não inverteram nem atenuaram a tendência geral para o abandono.

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Ainda em matérias de valorização, o Plano não define nem esclarece quais os “diferentes valores de cada território”, ou seja, por forma a clarificar diferentes prioridades que inevitavelmente serão dadas a diferentes regiões.

Esta “zonagem do território” é fundamental e deverá enquadrar componentes produtivas, como a espécie e sua produtividade, mas também ecológicas e sociais, abandonando a tendência actual de criar restrições apenas fundamentadas por critérios fundamentalistas contra sistemas de produção.

O envolvimento no processo de decisão

Se o Plano pretende um envolvimento e uma responsabilização de todos, então o Plano tem de ser de todos e não pode ser mais uma “estratégia pública para atividades e terrenos privados”.

A participação das organizações sectoriais de cariz rural não pode ser a de “participante na consulta pública”. Estas organizações são responsáveis por grandes mudanças nas práticas e comportamentos agrícolas e são por isso vetores fundamentais para a passagem de informação. Mas para que tal aconteça é necessário um maior envolvimento destas estruturas em todas as fases de planeamento.

Em suma, enquanto estratégia são reconhecidas as potencialidades do Plano de Gestão Integrada de Fogos Rurais – Estratégia 2030, embora o mesmo fique aquém em matérias de valorização e prevenção, nomeadamente na vertente económica e produtiva, abrindo um vasto leque de oportunidade sem ficar minimamente definido como vão ser operacionalizadas.