O sucesso de uma prática clínica moderna, à medida de cada doente, só é possível com uma abordagem multidisciplinar na formação dos futuros médicos. 

“Não há doenças, há doentes”. Esta é uma das mensagens mais importantes que recebi dos meus mestres – os quais já a tinham recebido também dos seus próprios mestres – e que procuro, com regularidade, transmitir aos meus alunos.

O que quer isto dizer? Que a nossa profissão de médicos nos obriga a ir além das descrições completas das doenças que aprendemos nos livros, com todos os detalhes sobre causas, sintomas, diagnóstico e tratamento. Não há dois doentes iguais, mesmo que apresentem a mesma doença. Até porque cada patologia tem variadas formas de manifestação, às quais não são indiferentes as características individuais de cada pessoa, assim como fatores sociais e a respetiva envolvente. Sabendo disso, a abordagem terapêutica terá de ser, forçosamente, diferente para cada caso.

O atual conceito dos cuidados de saúde centrados no doente vem responder a esta necessidade. Perspetiva-se, assim, uma oferta em serviços de saúde que é, tanto quanto possível, desenhada e adaptada a cada pessoa – até para uma maior eficiência e redução de riscos. É a chamada Medicina de Precisão. Trata-se de uma lógica moderna, na qual a individualidade e as circunstâncias específicas em torno de cada doente não podem ser descuradas.

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Sejamos claros: esta abordagem individualizada na prestação de cuidados de saúde é, na prática, muito mais exigente. São novas formas de prestação de cuidados de saúde que requerem os devidos conhecimentos, formação e experiência na resposta às particularidades variadas e dinâmicas do doente.  E que requerem, sobretudo, equipas clínicas alargadas, nas quais se incluem médicos e enfermeiros, mas também outros profissionais de saúde, como terapeutas, psicólogos, nutricionistas e farmacêuticos, entre muitos outros. Trata-se de uma abordagem a várias mãos e diversas experiências profissionais, que resulta numa ação clínica simultaneamente mais ampla e mais precisa.    

Tal como numa orquestra com as respetivas secções instrumentais, o sucesso destas equipas de saúde multiprofissionais baseia-se na perfeita integração entre todos os profissionais, num quadro de respeito mútuo. No entanto, para que essa abordagem seja efetivamente bem-sucedida, é preciso recuar e olhar para o início do caminho: a faculdade.

Só a inserção de uma componente multiprofissional durante o ensino da Medicina permite responder completamente a uma oferta de saúde centrada no doente. Aos currículos tradicionais é preciso juntar o conhecimento sobre outras profissões de saúde, num quadro de colaboração prática e aprendizagem partilhada com estudantes e profissionais dessas áreas. Colaborar, dialogar, partilhar são palavras-chave essenciais neste percurso.

Vivemos numa altura de mudança, com a certeza de que o ensino da Medicina está a adaptar-se às novas exigências, tal como se soube sempre adaptar ao longo dos tempos – desde os primórdios da arte médica, ensinada em Portugal desde a Idade Média.

Estes ensinamentos, obtidos desde os bancos da faculdade, farão certamente a diferença. Desde logo, na flexibilidade e atitudes dos futuros médicos, que passam a estar familiarizados com o trabalho em equipas multiprofissionais, numa moldura de respeito e reconhecimento do valor dos outros profissionais.

Mas são ensinamentos cujo impacto irá além da dinâmica interna das equipas clínicas. A introdução desta componente durante o ensino da Medicina resultará em melhores cuidados para os doentes, melhores resultados sobre o estado de saúde dos cidadãos e o aumento da satisfação de todos os profissionais de saúde envolvidos. E, em última instância, num contributo decisivo para a excelência da qualidade dos Serviços de Saúde.

*Médico Reumatologista
Professor Catedrático e Diretor da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa