Creio que a opção de confinamento e isolamento social não foi a melhor opção para combater a epidemia da Covid-19 e que os que não morrerem da doença certamente morrerão da cura.

No passado as sociedades afectadas pelas pestes e pandemias, mercê da falta de meios de cura, optavam por isolar os doentes e os vulneráveis, não os saudáveis.

No entanto a opção escolhida pela maioria das sociedades modernas foi o isolamento generalizado, a qual não é a solução mais óbvia nem produtiva, dado que países que não se isolararam, exemplos do Japão e Suécia, não viram o seu número de casos e mortes aumentar exponencialmente.

Evidentemente que qualquer morte é de lamentar, mas temos de lembrar que a morte é um facto da vida: esta situação está a deixar claro  que nas sociedades modernas grande parte da população é doente ou tem uma saúde fragilizada devido às condições de vida destas: alimentação industrial de má qualidade, sedentarismo, generalização de consumos nefastos como o álcool, tabaco e produtos sintéticos, factores ligados a males como diabetes, hipertensão, obesidade e tantas outras maleitas; além disso,  uma parte significativa da população é idosa e sobrevive apenas devido ao esforço dos avanços médicos e científicos e aos cuidados continuados: são estas populações fragilizadas já afectadas de morbilidade que a Covid-19 ataca.

Para proteger um número reduzido da população idosa e doente, estamos a pôr em risco a sobrevivência de toda a sociedade: crianças e jovens  têm a sua vida escolar e relacional interrompida, os trabalhadores enfrentam o desemprego, as famílias encaram a pobreza e a destituição.

Para proteger esta população, que sobrevive artificialmente apenas com a intervenção médica, muitas vezes já sem qualidade de vida, estamos a condenar três gerações à pobreza, ao desespero e ao suicídio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De resto, a taxa de mortalidade da Covid-19 é relativamente pequena comparada com tantas outras causas de morte que não merecem tanta atenção da comunidade médica e política nem dos meios de comunicação.

É estranho que a eliminação de direitos e liberdades (associação e deslocação) tenha sido tão facilmente aceite pela população em geral, especialmente quando esta celebra com tanto entusiasmo o evento que terminou o Estado Novo, o qual, como é repetido a cada ano no aniversário do Movimento dos Capitães, negava ostensivamente estes direitos: este paradoxo não é, no entanto, por razões que escapam à minha compreensão, visível para a população em geral. No entanto, paradoxalmente, o consenso relativamente à eliminação destas liberdades e garantias é  amplo e generalizado.

De igual modo é estranho que não seja óbvio que determinados conceitos tão em voga sejam eufemismos de outros conceitos desagradáveis às consciências modernas: o isolamento social é sinónimo de ostracização voluntária; confinamento é sinónimo de recolher obrigatório e prisão domiciliária — no entanto a generalidade das pessoas aceita estas imposições autoritárias sem protestar ou duvidar.

O medo permeia as relações sociais e a desconfiança torna-se normal e aceite: a delação de prevaricadores às autoridades é aceite pela população em geral e incentivada pelas autoridades.

Por outro lado criam-se novas desigualdades: a distinção entre trabalhador essencial e não essencial, entre os que possuem meios tecnológicos para realizar teletrabalho e o que deles estão privados.

A nível geopolítico, assistimos ao êxito do autoritarismo chinês e ao fracesso do liberalismo ocidental; a nível económico, o enriquecimento daquele país oriental, donde se importam as máscaras e os ventiladores — no confronto de ideologias políticas sai claramente vencedor o autoritarismo.

A situação de quarentena generalizada, para além de reforçar o poder político da classe médica e o poder económico das grandes multinacionais, mostra que esta sociedade está orientada a proteger os moribundos e condenar os saudáveis, a prolongar a morbilidade em vez de proteger a infância e criar o futuro: é uma sociedade que valoriza o passado e condena o vindouro. Paradoxalmente sacrifica a vida de muitos para evitar a morte inescapável de muito poucos.

Ora uma sociedade assim orientada para o passado não terá futuro: uma sociedade envelhecida e doente, sem infância (a taxa de natalidade, como se sabe, é mínima e tudo é feito para evitar a gravidez com a generalização da contracepção e do aborto: o próprio António Guterres veio afirmar que uma das consequências do confinamento foi um número elevado de gravidezes indesejadas, como se a gravidez fosse uma doença afinal ), com a juventude em risco social, sem perspectivas de futuro (educação interrompida e deficiente, destruição da economia e do emprego), trará o conservadorismo à egípcia: as pirâmides que se construirem agora perdurarão no tempo sólidas como granito.

Temo que esta opção autoritária do confinamento terá consequências sociais e pessoais que se prolongarão durante muito tempo, cuja gravidade não pode ser quantificada nem tida em conta hoje em dia.