Não é verdade que a direita estava condenada a um acordo com o Chega para governar nos Açores. Pelo contrário, era André Ventura que estava condenado a deixar PSD, CDS e PPM governar, sem poder negocial para impor fosse o que fosse. Ao Chega, a direita precisava apenas de perguntar: quer chumbar o governo da esquerda ou o da direita? A mesma pergunta lhe poderia ser feita pelo Representante da República.

É verdade que, no dia das eleições, André Ventura tinha sido perentório sobre a possibilidade de viabilizar um governo liderado pelo PSD: “Totalmente indisponíveis para nos entendermos com os partidos do sistema”. Mas as palavras de Ventura não têm demasiado valor e o Chega não tinha alternativa senão viabilizar o governo de direita, sob pena de deixar os eleitores estupefactos com a perpetuação socialista por si patrocinada.

Era fácil ter submetido o Chega e era perfeitamente possível ter chegado ao poder nos Açores sem o valorizar. Basta ver os números. Bastaria que a democracia parlamentar funcionasse: na hora H, o Chega chumbaria a esquerda, tornando inevitável um governo de PSD, CDS e PPM. Poderia o Representante da República recusar uma viabilização parlamentar?

Mas a estratégia do PSD e do CDS não foi por aí. Em vez de sujeitarem Ventura ao dilema de viabilizar a direita ou a esquerda, deram-lhe o poder de escolher, de condicionar e de liderar a narrativa. E, pior, deixaram cristalizar a tese de que sem Ventura não há alternativa. Essa tese não se sustenta: o poder de Ventura para obrigar o PSD e o CDS fosse ao que fosse era zero. Foi um erro estratégico e político.

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Eu sei que há gente à direita que aplaudiu o acordo com o Chega. Uma parte, nem toda gostando do CDS, não vê problema em Ventura nem na forma como ele condescende com o ódio, alimenta a crispação, dissemina mentiras, destrata e desqualifica o CDS e os seus atuais dirigentes. É normal que, não vendo aí problema, não tenha concordado com um manifesto que subscrevi.

Outra parte, de certa forma resignada, foi levada a acreditar que era isto ou a perpetuação socialista, e com base nessa suposta inevitabilidade discordou desse manifesto. E acho importante esclarecer, pelo enorme respeito que me merece: se tivesse havido estratégia e vontade, a direita não corria risco de ser chumbada por Ventura, uma vez que o eleitorado jamais lhe perdoaria que viabilizasse o governo socialista. Faltou estratégia ou vontade ou ambas.

Se tivéssemos ido por aqui, teríamos o Chega relegado, a braços com uma discussão interna, e estaríamos a preparar o caminho para a construção de uma alternativa reformista ao socialismo para as próximas legislativas. Era a viragem. Mas não foi por aqui que fomos e o Chega foi elevado a parceiro essencial para essa alternativa. Foi um erro estratégico e político.

Que nos Açores, depois de um resultado que nos permitiu ser relevantes, tenhamos dispensado a possibilidade de submeter o Chega quando nos teria sido tão fácil e útil, é algo que deveria ter acordado o meu partido. Mas se alguém reparou neste erro, não falou, já para não falar de quem o avalizou em nome do pragmatismo.

Permitam-me que diga algo mais sobre o CDS, não só porque os órgãos do partido não reúnem, mas também porque fui acusado pelo presidente do meu partido de ser da “direita que prefere os salões do Bairro Alto e do Príncipe Real”, um daqueles comentários próprios de quem não percebe que a ameaça ao CDS não está nos críticos de um acordo com o Chega (primeiro negado, agora sussurrado – uma mentira que parece não ter comovido ninguém mas que dá bem conta do embaraço), mas nos falsos amigos que nunca votaram CDS e insistem que o CDS tem tudo a ganhar em deixar Ventura entrar no arco da governabilidade.

Sejamos claros. O país precisa de uma alternativa reformista ao socialismo. Quem me conhece sabe o que penso sobre o socialismo e sobre a sua responsabilidade nas décadas de crescimento medíocre que temos conseguido.

Mas essa alternativa não depende do Chega. E não é porque a esquerda o chama de extremista. Neste sentido é-me irrelevante o que diga a esquerda. É verdade que o meu partido foi chamado de extremista, nomeadamente na formação da AD. Isso nunca me comoveu, nem podia. O currículo político, a craveira intelectual, as referências ideológicas, os aliados internacionais de Freitas do Amaral e de Adelino Amaro da Costa eram resposta bastante e definitiva. Tentem encontrar o mesmo em Ventura e no Chega, se conseguirem – e essa é uma parte do problema.

Essa alternativa ao socialismo, em que firmemente acredito, não depende ideologicamente do Chega, porque o Chega é aliado dos populistas e autoritários, abraçado por vontade própria às Le Pen desta vida. Nem depende politicamente dele, porque o Chega é tributário de um protecionismo isolacionista que só pode trazer miséria e que é aliás partilhado pela extrema-esquerda.

Para a direita voltar ao poder precisa de um bom programa, de uma boa liderança, de um projeto inspirador, de uma cultura de união e de serviço, de uma resposta de esperança a quem está a ficar para trás e vê o Mundo avançar demasiado depressa: se tudo isso existir, o Chega só tem de ser colocado no dilema de deixar passar a esquerda ou a direita.

A maioria das pessoas que neste momento considera votar no Chega tem justíssimas razões de queixa e merece não só o nosso respeito e consideração como também, e sobretudo, uma verdadeira alternativa: uma alternativa que una o país num caminho de prosperidade.

É um erro deixar essa alternativa ao socialismo nas mãos do Chega, um partido que não tem ideias claras sobre quase nenhum dos desafios que, enquanto país, sociedade e economia, temos de enfrentar, e que, como se isso não bastasse, está, e cito o presidente do meu partido, “cada vez mais distante do valores do centro-direita democrático e popular”.

É aliás extraordinário que se continue a entrevistar Ventura perguntando-lhe apenas pelos temas que o popularizam, deixando tudo o mais de fora, como se não fosse pelo tudo o mais que se escancararia o vazio político que ali vai, incapaz por isso de dar resposta às reivindicações de quem já perdeu a esperança.

Deixar essa alternativa nas mãos do Chega compromete a possibilidade de um projeto reformista que resolva os problemas de todos os que perderam já a esperança e compromete a sobrevivência e a identidade do meu partido.

É por isso que o erro cometido nos Açores não deve repetir-se.