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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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10 horas com Luís Buchinho: o dia em que preparámos um desfile

Futurismo, micro saias e 1200 pessoas na sala. É difícil antecipar triunfos na passerelle, mas este não nos escapou. Passámos 10 horas com Luís Buchinho, no dia em que desfilou no Portugal Fashion.

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Seis meses depois dos primeiros esquissos, ei-la, quase toda metida em porta-fatos, pronta a seguir viagem, apesar das horas — um dia inteiro, praticamente — que ainda faltam para a coleção outono-inverno 2018/19 de Luís Buchinho acontecer. Para o homem que pensou tudo isto de raiz, um desfile é isso mesmo, o acontecer de uma coleção, como se aquelas dezenas de peças, depois de terem viajado até Paris e Milão, de terem sido tocadas, cheiradas e examinadas ao detalhe em expositores de showroom e de terem sido fotografadas para um catálogo, só existissem plenamente a partir do momento em que são mostradas ao mundo no suporte para o qual foram criadas, o corpo de uma mulher em movimento. É a nova composição tocada pela primeira vez num concerto e até aí inaudita. Quase que caímos no erro de confundir a calma que paira no atelier em dia de desfile com a falta de entusiasmo em pisar a passerelle. Nada disso. Com quase 30 anos de carreira, 23 dos quais a apresentar coleções no Portugal Fashion, Luís vibra com o momento do desfile, apenas o faz com trejeitos muito próprios.

São 10h30, é sexta-feira, e o desfile está marcado para as 21h30. Onze horas de compasso de espera no atelier por cima da loja, nova por sinal, na Rua de Sá da Bandeira, centro do Porto. As correrias ficam para os documentários e reportagens de televisão sobre os bastidores da moda. Dos vestígios de que uma noite especial está para acontecer sobram os óculos de sol dispostos em cima da mesa — grandes, futuristas e, ao mesmo tempo, com tanto daquele exagero de cor e volumetria típico dos anos 80. Quando forem postos à venda, já virão diferentes, redimensionados para uma escala mais humana, ou seja, uns centímetros abaixo das mulheres altas e esguias que logo à noite vão entrar com tudo na passerelle. “Tive de berrar para estes chegarem a tempo”, desabafa, enquanto experimenta os ditos óculos, um a um praticamente, e os admira ao espelho. Ao lado, estão dois pares de botas de uma arquitetura exímia, cheia de rebordos, com recortes e assimetrias, e pequenos cartões com o casting completo do desfile. Pode parecer que está tudo pronto para o embarque, mas ainda falta qualquer coisa.

Quando dizemos que a manhã foi calma no atelier de Luís Buchinho é porque foi, de facto © João Porfírio/Observador

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“Isto é um processo que, se quisermos, nunca acaba. É bom deixar algumas peças para chegar à última da hora, não ter as coisas demasiado prontas para não me fartar muito delas. Quando chegam as últimas coisas, quase que consigo desenvolver uma coleção só a partir delas, por isso, é mesmo bom pôr um ponto final e ficar por aqui”, conta. Tão importante como encontrar um ponto de partida para desenvolver uma coleção é perceber quando é altura de parar e Buchinho parece ter encontrado esse equilíbrio eficiente. Trabalha cada vez mais no iPad, mas a vontade de regressar ao papel, nem que seja para matar saudades, está lá. O desenhador compulsivo, esse, ficou lá atrás. “Enchia um sketchbook A4 com desenhos, desenhos e desenhos. Desenhava em todo o lado, nas aulas, enquanto os meus alunos trabalhavam. Tenho macetes e macetes de folhas. Só que aí o processo de seleção era muito mais complicado, para mim e para quem trabalha comigo. Agora, quando desenho, vem a silhueta que resulta do que já foi mastigado mentalmente. É um processo muito mais editado logo de raiz”, explica.

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11h05: Night Drive

Nostalgia ou futurismo? No caso de Luís Buchinho, a dúvida é escusada. O homem dos padrões gráficos e digitais começa a construir uma coleção precisamente aí, nos estampados. Embora recuse fazer planos a longo prazo, seis meses são a unidade de medida universal para antecipar uma estação, não há como contorná-los. “Nasce na minha cabeça. Muitas das coleções transmitem aquilo que eu estou a pensar ou a sentir numa determinada fase da minha vida”, afirma, enquanto dispõe sobre a mesa de corte os croquis de cada coordenado do desfile. A metáfora ganha a forma de roupa, mas sempre com uma história por detrás. É essa história que dita as cores e as silhuetas, que afunila o leque de materiais. A cada coleção, escreve um novo capítulo da mesma mulher. Não há espaço para conceptualismos descolados da realidade. À base criativa do universo do autor, junta aquilo a que chama “chamamento do público”. Nisso, o criador assume-se como um pragmático — não faz sentido olhar para catálogos de tendências, é na rua que elas estão.

“Há seis ou oito anos, vendia imenso agasalhos em lanifícios, pesados e estruturados. Hoje, o clima está a mudar e as pessoas preferem peças mais leves e que sejam mais para a chuva, querem nylons, acolchoados, tecidos técnicos. É uma tendência visual, sem dúvida, mas também tem a ver com pragmatismo, com o que as pessoas querem para terem uma vida mais descomplicada. Essas mudanças de mentalidade são importantes. Se não respondermos a isso, a roupa vai ficar parada na prateleira”, afirma.

Chegaram tarde, mas vieram, os três vestidos que estiveram até à última nas mãos das costureiras © João Porfírio/Observador

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“Night Drive” é a coleção do momento. Ainda há peças nas costureiras, com chegada ao atelier prevista para o início da tarde, mas já lhe tirámos a pinta. Justiça seja feita a Lillian Schwartz, artista plástica norte-americana dos anos 80, cuja obra, pioneira no universo da produção artística mediada por computadores, serviu de mote para o inverno de Buchinho. Um mundo visto a píxeis, numa década que também não está aqui por acaso. “Os anos 80 são sempre uma época muito presente no meu imaginário, talvez por ter sido adolescente nessa altura e por ter sofrido as influências que me marcaram para o resto da vida”, partilha.

Mas Blade Runner é o empacotamento final desta coleção. O primeiro, de 1982, foi mais marcante, o do ano passado está mais fresco na memória. Muito cabedal, peças carapaça, ombros implacáveis e uma paleta de cores importada diretamente do grande ecrã. De um lado, os laranjas quentes, do outro os tons apropriados das grandes metrópoles do futuro — cinzentos, verde tropa e preto com pontos de luz. “Se semicerrarmos os olhos acabamos por ver as luzes dos carros e os neons capturados através dos estampados. Uma paisagem urbana desfocada, fotografada ao longe”, mostra o designer. As saias, tal como os óculos de sol, foram pensadas para o desfile. “Num desfile, a ideia de minissaia capta-se melhor se tivermos uma micro saia”, conta. Dito e feito. Não vale a pena tirar-lhes as medidas na passerelle porque as que vão chegar à loja terão um comprimento mais usável.

Do mundo digital para o quotidiano da mulher, o criador resume o espírito da coleção numa sensualidade virtual. Ao mesmo tempo que há algo de não humano nestas silhuetas, os recortes, as assimetrias e as combinações de materiais dão-lhes a inteligência e a sofisticação que faz sentido hoje e que certamente fará em 2049.

11h50: a coleção perfeita existe e foi há oito anos

“Adoro aquele momento em que elas estão todas prontas, já a fazer a fila. É quando estou mais próximo da coleção antes dela acontecer, já que nunca vejo o desfile. Mas aquele momento em que estão as 20 e tal alinhadas, já penteadas e maquilhadas, é quase comovente. É a materialização da ideia na sua totalidade. Vejo tudo o que esteve no meu imaginário, de repente, vestido em 20 pessoas e fico wow. É incrível. O desfile é um fósforo, damos por nós e já se está tudo a despir, é uma sensação estranha, quase como se não estivéssemos ali”, reflete o designer de 48 anos.

O sentido crítico mais aguçado é aquele a que submete o próprio trabalho. Fala em mau humor quando chega a altura de passar todos os ângulos de um desfile a pente fino, mas depois passa-lhe, com a ajuda de uma equipa de quatro mulheres, que podiam ser psicólogas, mas não, são braços direitos e esquerdos, mãos de corte e de modelagem dentro do atelier. O exercício de autocontemplação funciona no sentido inverso. Buchinho apresentou a primeira coleção em 1991, mas foi o verão de 1996 que lhe marcou a chegada à vida adulta enquanto designer. Há precisamente oito anos, exibiu aquela que ainda hoje considera a coleção perfeita: a de outono-inverno 2010/11. “Não costumava ser tão sucinto numa mensagem. Geralmente, gosto de criar narrativas um bocadinho mais dispersas, mas aquilo funcionou maravilhosamente bem. Isto tem quase dez anos e podia ter sido ontem. As cores, a contenção, a feminilidade, está super bem conseguido. É daquelas coleções que daqui a 20 anos vai continuar gira, não vai envelhecer”, admite.

E a “Night Drive”, o que falta para ser perfeita? “Falta ser apresentada, mas talvez venha a ser perfeita, sim. É difícil escolher isso. Ela é tão apreciada pelas meninas cá dentro que acho que também já fiquei sugestionado”, responde. Buchinho pode não ser designer de resgatar memórias da gaveta, mas há pontas que ficam meio soltas e ideias que são como rastilhos à espera de serem ateados, mesmo que seja anos depois. Mesmo que aconteça, a nostalgia não é o seu campeonato, da mesma forma que a famosa coleção de 2010 deverá permanecer cristalizada no seu tempo. Está tudo naquela primeira faísca, que está quase a dar-se novamente. “Para a semana, vamos começar a ver tecidos de verão. Vou tentar reunir o que vai ser o meu tema e começar a trabalhar prints. Daqui a três meses começamos a apresentar uma coleção comercial e há o circuito de feiras em junho”, explica.

Desenhar, só sozinho em casa. Diz-se mesmo incapaz de esboçar um vestido que seja no atelier, sem o isolamento necessário à produção criativa. “De preferência, com o telefone desligado. Pode ser ao meio-dia, às 11 da noite, não interessa, é deixar correr. Numa semana, posso não desenhar uma única peça, mas também posso chegar ao quinto dia e sai tudo cá para fora”.

12h00: o designer gestor

Luís lembra-se bem do primeiro desfile no Portugal Fashion. Foi em 1995, ano em que várias supermodelos internacionais passaram pelo Porto. Carla Bruni e Helena Christensen desfilaram com criações do criador, na época um jovem talento da moda nacional. “Foi muito confuso, super caótico. Tinha apresentado a coleção de inverno em Lisboa e o Portugal Fashion foi em julho com o verão do ano seguinte. Fizemos a coleção em 15 dias, um stress diabólico”, conta. A oportunidade não voltou a bater-lhe à porta. Sem margem financeira para contratar “Gigis e Kendalls”, como diz, deixa que seja Isabel Branco, diretora de casting do Portugal Fashion, a fazer as escolhas. Ainda assim, não custa imaginar como seria se os gordos orçamentos voltassem. “A Mica Argañaraz, sem dúvida, e a Natasha Poly. Essas duas escolhia de certeza absoluta.” Nada mal, Buchinho, nada mal.

14 fotos

Em março de 2014, despediu-se da ModaLisboa. Uma carreira de 27 anos também é feita de escolhas e a que levou o criador a deixar de desfilar na capital foi motivada por uma logística cada vez mais complicada. “Fazia duas coleções, uma para Paris e Lisboa, outra para o Portugal Fashion, ou seja, quatro coleções por ano. Deixou de fazer sentido para mim”, recorda. Saudades, vai tendo, embora as visitas continuem a ser frequentes. Quanto às histórias, ninguém lhas tira. “Fiz um desfile nas arcadas do Terreiro do Paço, em Lisboa. A Daria enfiou um tacão numa pedra e caiu. A culpa não foi dos sapatos, foi do piso e, como fui eu que escolhi o piso, talvez a culpa seja minha. Mas acho um bocado chato. Eu quero transmitir a imagem de uma mulher segura, forte e afirmativa e ela entra e espeta-se no chão”, recorda.

Outras decisões apanharam-no na curva. Num momento em que a marca queria apostar todas as fichas na internacionalização, a redefinição da estratégia da ANJE suprimiu, no ano passado, o nome de Buchinho do calendário de Paris, onde, durante anos, desfilou estação após estação. “É lamentável porque nós estamos muito direcionados para o mercado internacional e o desfile é essencial para a marca continuar a ter visibilidade. Se fiquei desiludido? Claro”.

12h30: muitas marcas, pouca moda

Luís é hoje professor na escola onde estudou, o Modatex. A sala é que não é a mesma, mas já foi. “Os miúdos vêem-se gregos para conseguir dar continuidade às marcas que têm. Fazem uma ou duas coleções e quando vão para a terceira e para a quarta ainda estão com o peso das que já ficaram para trás”, explica. “Isso aconteceu-me em 1992 e tive uma conversa comigo mesmo: ‘ou isto vai para um sítio onde possa ser rentável ou acaba’. Estar a trabalhar para ficar com roupa encalhada em caixotes e gastar todo o capital que tenho a investir só em coleções para sempre, nem pensar. Fui atrás de agentes que pudessem comercializar a minha coleção a nível nacional e produzi-la em escala para ter retorno financeiro, senão teria acabado a marca em 1993. É preciso ser um gestor, talvez um pouco forçado, mas um gestor”, continua.

Buchinho é o primeiro a reconhecer que as mentes criativas raramente são as melhores para levar um negócio para a frente, mas o designer soube tornar-se gestor. Sempre produziu tudo em Portugal e, atualmente, 80% dos materiais que usa são também nacionais (há uns anos, era esta a percentagem de tecidos importados). Exporta dentro da Europa, embora considere que o velho continente está a mudar a forma como consome roupa. Estados Unidos e Ásia são os mercados fortes, especialmente o segundo, onde o fascínio pelos produtos europeus e a abertura a novas marcas só abona a favor dos criadores nacionais.

E faz sentido que Portugal tenha duas semanas da moda? “Não, de todo. Acho que nem faz sentido termos tantas marcas a apresentar. Podíamos ter apresentações em Lisboa e no Porto, sustentadas pelas duas organizações, mas com menos marcas. Acho que metade não deviam apresentar. O pessoal mais novo eventualmente poderá ter desculpa porque está a começar, ou seja, poderá vir a dar provas. Outros já tiveram todas as oportunidades e não acrescentam grande coisa”.

O casting do desfile e os croquis dos coordenados ocuparam a mesa de corte © João Porfírio/Observador

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Às criticas ao estado da moda em Portugal, Luís junta uma outra, à escrita especializada sobre o tema. “Está mais árido do que nunca. Transcrevem em três ou quatro linhas do que dizemos na memória descritiva. Se estivermos a apresentar uma coleção fantástica e maravilhosa, é isso que vai aparecer. Se disser que é péssima horrenda, é isso que escrevem. Há muito pouco critério”, remata. Não se lembra de ter lido uma crítica negativa e na hora de encarar os elogios, rejeita as hipocrisias do costume. “Gosto quando dizem bem, acho que toda a gente gosta e não me venham com tretas de que fazem para se agradarem a eles mesmos. Ninguém faz moda para se agradar a si próprio. As pessoas fazem moda porque geralmente são egocêntricas, vaidosas e porque querem ser consideradas os melhores criadores do mundo, ponto final”. O criador continua: “Quero que as pessoas digam que adoraram, que acharam maravilhoso, que estão ansiosas para ver a próxima, que querem vir comprar, que davam tudo para ter aquele vestido. Sim, é para isso que eu trabalho, é para as pessoas ficarem completamente apaixonadas por aquilo que apresento”.

15h00: “Sou assim, chego sempre demasiado cedo”

A saída do atelier está marcada para as 16h. “Isabel, podemos ir já para aí? Temos bastidores?”, sonda ao telefone. Chegaram as peças que faltavam, exemplares daquela que, para Luís, é o elemento central desta coleção, o vestido. São especiais. Numa deles, é como se um dos estampados escorresse sobre o outro. Na realidade, é uma alusão à mulher híbrida do futuro apocalíptico, metade dela é matéria humana, a outra é puro engenho digital.

“Eu chego sempre demasiado cedo, a jantares, a festas de anos. Até já me estava a dar o sono”, exclama. A calma é interrompida pelas primeiras intenções de começar a distribuir a coleção por dois carros. Entre ir e não ir, conhecemos Catarina Magalhães, de 23 anos. Ex-aluna de Buchinho, está entusiasmada com o seu primeiro desfile, ao mesmo tempo triste por ser este o último dia de estágio no atelier do criador. Durante cinco meses, foi uma ajuda preciosa a preparar a coleção de verão 2018 para a produção e ainda deu uma mão na modelagem da que está agora a caminho da passerelle. “Foi incrível”, deixa escapar por entre as emoções.

Luz verde para arrancar. Em dois carros, o designer e a equipa levaram a coleção para o Parque da Cidade do Porto © João Porfírio/Observador

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Cerca de 80 peças de roupa, 25 pares de botas e 20 óculos — carros à porta da loja e quatro piscas ligados, oito no total. Anabela Martins é a chefe de operações. Colega de Buchinho, do tempo da Jotex, foi convidada a integrar o atelier em 2000. É especialista em malhas, mas, pelos vistos, também em acomodar peças delicadas em bagageiras de ligeiros. Um deles é o do próprio Buchinho. Vamos arrancar, são 20 minutos de viagem. Próxima paragem: Parque da Cidade do Porto.

15h50: “Consigo identificar-me com o Lagerfeld”

“Estou? É melhor deixar comida aos cães e ao gato antes de sair. Hoje vou tarde para casa. Obrigado” — um telefonema rápido, já ao volante, só para garantir que a noite acaba bem para todos. “O desfile é sempre a cereja no topo do bolo. Para mim, é isto, mais do que uma produção, do que um lookbook, é a passerelle”, admite, à medida que a genica aumenta. Mas não fica por aqui: “Um desfile, quando é bom, é arrebatador. Há aqui uns 10 ou 15 coordenados que me entusiasmam, mas muitas vezes são os outros, os filhos pobres que, no corpo certo, com o styling certo, dão as melhores imagens.

Estar nos bastidores o tempo todo parece ser o fardo de todos os criadores de moda e, volta e meia, o de Buchinho pesa-lhe. Os retoques finais no styling e as mudanças de roupa a meio do desfile, no caso das modelos com mais do que um coordenado, exigem que esteja sempre por perto. O último toque, antes de pisar a passerelle, é sempre do criador. “Um dia, queria poder ter um desfile com 45 raparigas, ir para a régie e ver o desfile de lá, do princípio ao fim. Não é impossível, mas é difícil. O nosso lugar é nos bastidores, é lá que pertencemos. Se bem que passar, assim de repente, para o outro lado do espelho podia ser um exercício violento”, continua.

Os vestidos, as malhas, as formas ambiciosas — é complicado para o criador escolher uma única peça estrela. Rotunda da Boavista: Buchinho diz que não tem regras, que não nega materiais, peças ou técnicas por explorar, apenas ressalva que dificilmente o veremos a fazer alta-costura. Nervos? Ora essa, está quase tudo feito. “Sempre trabalhei assim. Estamos tranquilíssimos. Prefiro fazer as coisas com uma antecedência absurda e depois estar à espera, poder ir ao cinema ou jantar fora no dia anterior”.

Perguntamos em que casa se imaginaria como diretor criativo. A resposta foi tão pronta quanto surpreendente — “Chanel, sem dúvida. Era perfeita para mim, tem os códigos todos pelos quais sou apaixonado”. E há mais: “Consigo identificar-me com o Lagerfeld — ele desenha compulsivamente, é polifacetado, muito agarrado ao trabalho”, conclui. E em Portugal? Parece que Buchinho é fã de Aleksandar Protic. “Ele tem uma maneira de construir e uma linguagem muito própria que me agrada”, admite.

“Estas quatro horas são tramadas”, desabafa. Fala das provas das peças, das últimas opções de styling, dos sapatos, de eventuais trocas de modelos à última da hora, de manequins a serem maquilhadas e penteadas como se de uma linha de montagem de tratasse. “Tem tudo de correr muito bem. Em Paris, tínhamos dois dias para fazer este trabalho. Aqui, não temos esse tempo”, conclui. E figuras públicas, nunca vimos muitas a usar Luís Buchinho? A comunicação não tem sido um forte da marca, o designer reconhece, mas nada de lamentações. “A força da minha marca é a força do meu trabalho”.

20h: “Está um gelo”

“Os óculos não se seguram, tem de ser com ganchos”. Maquilhagem, cabelos, fitting — por esta ordem ou ao contrário, as modelos vão entrando na sala. Vestem o que lhes está destinado, desfilam para lá e para cá ao longo de três metros (ou dois passos, tendo em conta o porte do casting), sob o olhar de Luís Buchinho. Ups, um casaco com etiqueta. Ups, uma micro saia que revela mais do que é suposto. No minuto a seguir, a demanda por um aquecedor. Sim, faz frio nesta tenda do Portugal Fashion no Parque da Cidade do Porto, nem conseguimos imaginar o que será ter de tirar a roupa. “Precisamos de um aquecedor. Estou, Eduarda [Abbondanza?!]. Tudo bem?”, brinca o criador com o telemóvel junto à cara.

Fossem todos os fittings assim, incríveis logo à primeira © João Porfírio/Observador

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Os ponteiros do relógio voam e, de repente, está na hora do desfile. Nem mais, o desfile está atrasado. “Meninos cabeleireiros, preciso de ganchos nos óculos”, grita. O lineup, a linda fila de modelos, começa a ganhar forma, à medida que cabeleireiros e maquilhadores se aproximam da entrada na passerelle. “Onde é que está a Francisca Perez?”. Minutos depois: “Ela descolou a franja”. A sala está à pinha, não cabe mais um alfinete, e nos bastidores começam os sprints. Laca, escovas, retoque de batons e, claro, os benditos ganchos. As luzes da sala apagam, sinal de partida. Quais as últimas palavras de Buchinho antes do blackout? “Esta fila está demasiado bonita”.

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22h: dançar, dançar, dançar

Pode parecer despropositado, mas dançar foi o que mais se fez do lado de dentro da entrada da passerelle, enquanto o desfile acontecia, entenda-se. A começar por Margarita Pugovka, uma das quatro modelos que abriu o desfile e, claramente, companheira de pista de Buchinho. Elas avançaram, como se fossem um esquadrão saído de um filme de ficção científica. Poucas paravam quietas enquanto aguardavam o toque no ombro para avançar. Se era do frio ou do eletro rock dos anos 80, não temos a certeza, mas se tivermos de apostar é na segunda. Há sempre qualquer coisa de super heroína numa mulher vestida por Luís Buchinho e, nesta noite, o seu super poder foi a confiança. A maquilhagem também evocou a paleta Blade Runner — um laranja quente nos olhos, um azul cortante nos lábios. Cabelos húmidos e gráficos, quase como se fossem elmos. A volta final chegou cedo demais para um designer que não tirou os olhos do ecrã que tinha à frente, no fundo, o mais perto que teve de ver o desfile na sala. Buchinho também não parou de dançar. Maria Clara, manequim internacional portuguesa, passou para a frente. O criador foi dar a cara por um dos seus desfiles (e coleções) mais triunfantes de sempre. Na sala, tinha 1200 pessoas à espera.

De volta aos bastidores, tal e qual como tinha dito de manhã: um fósforo, mais de metade das modelos já em marcha, ou para casa ou para o desfile seguinte. Margarita, que há oito anos desfila para o “tio Buchinho”, como lhe chama, fala no power transmitido pela coleção. O criador perde-se entre abraços e selfies. Ter a atenção de Luís foi mais difícil do que em qualquer outro momento do dia. “Estava a rebentar pelas costuras. A música eleva muito o espírito e então aí mergulho de cabeça na emoção que o desfile transmite, é algo que tem de ser exteriorizado e vivido com alegria. E elas… vêem-me contente ficam contentes”, comenta, ainda com os olhos a brilhar. Duvidamos que deixem de brilhar tão cedo. Está na altura de arrumar as coisas e voltar a pôr tudo no atelier. E a seguir, Luís? “Depois, espero ter uma noite longa, não sei onde”.

Depois do desfile, Margarita abraça o "tio Buchinho" © João Porfírio/Observador

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