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Como serão os primeiros 100 dias de um Presidente Macron?

Depois do debate com Le Pen, um dos comentadores da France 24 disse: “Emmanuel Macron parece não ter um único osso nacionalista no corpo” tal é o seu compromisso com a globalização, com a internacionalização da economia, com a abertura das fronteiras e dos mercados.

Emmanuel Macron, que tem apenas 39 anos e uma carreira quase toda feita na banca privada, criou um partido há menos de um ano e tem sido atacado por Le Pen por causa disso: “paternalista”, “arrogante”, “superior”, “elitista”, “amigo das grandes empresas”. O debate entre os dois esteve cheio de críticas da candidata que se diz “do povo” ao candidato “das elites”. Mas não é apenas a sua arqui-inimiga que o tenta acantonar ao poder financeiro.

Antes de mais, Macron deverá anunciar quem será o seu primeiro-ministro, ou primeira-ministra. Marine Le Pen já fez a sua escolha, Emmanuel Macron ainda nada disse. Segundo o jornal Les Echos, Macron quer que a agitação legislativa comece já este verão com a apresentação dos seus planos para reduzir a despesa em cerca de 60 mil milhões de euros e eliminar as taxas sobre a habitação de cerca de 80% dos agregados familiares franceses.

Já ao L’Express, Macron explicou que quer fazer passar rapidamente “uma lei de moralização da política que acabe com o nepotismo e abuso do cargo” mas também detalha que, na área da economia, pretende conduzir uma auditoria às finanças públicas, simplificar a burocracia imposta a alguns setores e “fazer um tour das capitais europeias” para falar das possibilidades de “um mapa a cinco anos” para o desenvolvimento tecnológico, comercial e industrial do bloco, bem como para o controlo da imigração e da poluição.

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Logo a seguir na lista está a reforma na lei do trabalho, onde o parlamento “terá menos controlo”, como diz ao L’Express. Uma reforma que vem no seguimento daquela que foi feita com François Hollande e que levou milhares de franceses às ruas em protesto. Algumas destas novas medidas são controversas e colocam em causa o lugar dos sindicatos e da segurança social na vida dos franceses.

A gigante recrutadora Randstad disse recentemente que a “flexibilização do trabalho” e a “competitividade” da França eram fatores essenciais para o crescimento económico.

A competitividade na Europa tem um papel muito, muito importante. Se um país é o mais caro com custos de trabalho e há a Polónia perto ou até Portugal a pagar menos, pode entender-se o quão importante é que nos mantenhamos competitivos.” (Robert Jan van der Kraats, diretor financeiro da Randstad, ao canal CNBC)

Macron defende isso mesmo — mais flexibilidade, mais competitividade:

  • Autorizar que uma empresa possa negociar com os seus trabalhadores contratos individuais em vez de ter que se ajustar aos acordos coletivos para todo o setor, sempre que essa empresa consiga provar que está em dificuldades;
  • Legalizar a possibilidade de despedimentos nas companhias com menos de 10 empregados, no caso de se verificar que apresentam resultados negativos.

Ao mesmo tempo, Macron diz que os franceses “têm de se aperceber que trabalhar é melhor que não trabalhar”, e por isso aperta nas condições de acesso ao subsídio de desemprego ao mesmo tempo que investe na formação dos desempregados. Algumas das medidas que defende passam por:

  • Criar um seguro-desemprego universal porque “não podemos prometer a segurança no emprego num mundo onde as mudanças tecnológicas tornam certos empregos obsoletos”. Isto aplica-se também a quem esteja empregado por conta própria e a quem se despeça;
  • Desenvolver formação profissional para uma tarefa específica: quando uma empresa ou um setor inteiro desaparecem as pessoas terão que entrar em regimes que pressupõem a aprendizagem de uma nova carreira;
  • Desenvolver regras mais justas dentro da Europa para pôr um fim ao que chama “dumping social” — ou seja, impedir que as empresas possam mudar a sua produção para outro países.

Na questão da imigração, tão quente em todos os debates, Macron tem pouco (de crítico) a dizer. No seu manifesto refere que a situação não é assim tão dramática. No início do capítulo dedicado à imigração Macron diz que “França é um país velho nisto da imigração, com uma quota de imigrantes relativamente estável ​​– menos de 10% da população — e uma imigração legal anual moderada de cerca de 210 mil autorizações de residência emitidas por ano”.

A sua aposta é mais na integração dos novos imigrantes, do que na imposição de um limite no número de entradas — o que também se prende com a necessidade de apoiar comunidades com uma forte presença muçulmana, que Macron quer ver a abraçar os valores da República. Algumas medidas:

  • Todos os estrangeiros terão formação linguística adequada para atingirem o nível B1, necessário para aceder à naturalização;
  • Os valores da República devem ser “enfatizados” e o seu conhecimento deve estar presente nos serviços públicos e no mundo do trabalho. Foco nos direitos das mulheres e no secularismo;
  • Implementação de programas de integração ao nível local. Os municípios serão incentivados a realizar mais ações de integração (monitorização de potenciais elementos radicalizados, mediação sociocultural);
  • Mais 5,000 homens para a nova Agência Europeia de Segurança;
  • Desenvolver ações e projetos nos principais países de origem e de trânsito de migrantes.

Do seu manifesto constam ainda várias medidas culturais, uma preocupação que, de resto, aparece no primeiro ponto do programa eleitoral, ao lado da educação. Além de querer instituir a paridade nas posições de direção nas instituições culturais Macron propõe também a criação de um “Netflix” europeu com as melhores séries e os melhores filmes produzidos na Europa.

E os “100 dias” de Le Pen, como seriam?

Marine Le Pen tem 53% dos votos. A França acorda para mais uma segunda-feira de trabalho mas não está tudo igual. Há protestos nas ruas e a bolsa abre no vermelho. Mas há franceses, talvez longe da azáfama de Paris, que celebram ainda uma vitória que há muito esperavam. Nos edifícios públicos já não se vê a bandeira da União Europeia e é mesmo Marine, altiva, ali na passadeira vermelha, a entrar no Palácio do Eliseu.

Não é o primeiro exercício de futurologia que se faz sobre as presidenciais francesas. Até há uma banda desenhada que já vai na terceira série, mais ou menos a meio do segundo mandato de “La Présidente”. É uma possibilidade. Negada pelas sondagens, que cada vez colocam Emmanuel Macron mais distante de Marine Le Pen, mas, ainda assim, uma possibilidade. Se for ela a próxima inquilina do Eliseu, que fará? Como serão os seus primeiros 100 dias?

Em linha com o que tem sido o soundbite mais repetido da sua campanha, Le Pen quer “restaurar a soberania de França”, o que, no seu entender, passa por oferecer aos franceses um referendo à permanência da França na União Europeia.

Nas 144 “promessas” para mudar a França, Le Pen elege o referendo como forma “ideal” de consulta popular (tanto que propõe que qualquer iniciativa civil que garanta pelo menos 500 mil assinaturas possa ir a referendo). É uma forma de legislar sem ter de passar por um parlamento que lhe pode ser adverso (as legislativas são em junho) mas também acaba por oferecer aos franceses oportunidades para a derrotarem nas urnas. É uma espécie de mecanismo de auto-regulação auto-imposto.

Do manifesto da candidata da Frente Nacional sobressaem as medidas que visam reduzir a imigração, eliminar o extremismo islâmico, repor a lei e a ordem e aquilo a que Marine Le Pen chama “protecionismo inteligente”, um pacote de medidas económicas que a sua equipa desenvolveu que visam beneficiar empresas francesas e empregadores que contratem trabalhadores franceses. Eis as prioridades que Marine Le Pen levaria na sua pasta no primeiro dia no Eliseu.

  • Referendar, pouco tempo depois de iniciar a sua presidência, se se revoga ou não o artigo número 88 da Constituição francesa, através do qual a lei europeia se sobrepõe à francesa criando, por exemplo, condições para que cidadãos europeus possam votar e ser eleitos em eleições locais;
  • Cerca de seis meses depois, avançar com um referendo à permanência da França na União Europeia — o já chamado Frexit (à semelhança do Brexit);
  • Sair do euro e repor o franco (“os franceses terão francos no seu bolso em menos de dois anos”, disse recentemente Le Pen) é também uma medida idealizada por Marine, mas que muito assusta os mercados financeiros, uma vez que a considerável dívida francesa poderia passar de euros para francos, deixando muitos investidores com enorme prejuízo.

Os franceses podem ter ficado um pouco mais eurocéticos ao longo dos anos — uma sondagem publicada no jornal francês Le Monde em março de 2016 mostra que 53% quer um referendo — mas a experiência britânica do Brexit pode tê-los assustado. Dois meses depois, o Le Figaro dava conta de outros números: 45% dos inquiridos queriam ficar na União Europeia, 34% preferem a saída.

De acordo com os apoiantes da Frente Nacional mais próximos de Le Pen, ouvidos pelo jornal Politico, a candidata tem planeada uma viagem a Bruxelas, na qual entregaria a Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, uma carta com as “exigências” francesas no que toca às mudanças no seio da União Europeia. Apesar da posição de confronto, o seu círculo mais próximo acredita que Le Pen tem “um genuíno desejo em negociar”.

Diretamente dependente desta primeira preocupação, com as amarras de Bruxelas, votar em Le Pen será sempre votar em alguém que considera que a imigração em França atingiu níveis insustentáveis. “Queremos travar a imigração, não podemos continuar a acudir a centenas de milhares de pessoas”, escreveu Le Pen na sua conta na rede social Twitter.

Uma primeira ação para começar a controlar a imigração seria restabelecer as fronteiras e sair do espaço Schengen (prevendo um dispositivo especial para trabalhadores perto da fronteira para facilitar a passagem de fronteira), uma das promessas que Le Pen diz querer cumprir “imediatamente” depois de chegar à presidência. Dentro da pasta da imigração, Marine Le Pen propõe também:

  • Tornar impossível a naturalização de imigrantes ilegais e simplificar e automatizar a sua expulsão;
  • Reduzir a imigração legal a um máximo de dez mil pessoas por ano;
  • Pôr fim à imigração por reagrupamento familiar, bem como à aquisição de nacionalidade francesa através do casamento.

O segundo capítulo do manifesto da Frente Nacional chama-se “França Segura”. A lealdade a Le Pen entre as forças de segurança — tanto no exército como na polícia — é elevada. Mais de metade dos polícias e militares sondados pela Cevipof dizem estar prontos para votar em Le Pen (52%). As razões para este apoio são várias mas, segundo uma análise publicada na Slate, de Jérôme Fourquet, diretor do departamento de Opinião e Estratégia do Ifop (centro de sondagens), passam sobretudo por um sentimento de abandono que as forças de segurança sentem em relação aos últimos governos, que “desculpabilizam” os delinquentes e falam abertamente contra a violência policial como se fosse uma prática comum e feita por todos. Nesta área Le Pen quer:

  • Aumentar em 15 mil o número de polícias;
  • Instituir a presunção de auto-defesa sempre que a polícia dispara sobre uma pessoa;
  • Desenvolver um plano para o desarmamento dos subúrbios e ocupação, pelo Estado, das zonas mais problemáticas.

Quanto ao combate ao terrorismo, as primeiras medidas de Le Pen passariam por:

  • Expulsar todos os estrangeiros ligados ao fundamentalismo islâmico (que estão identificados na chamada “lista S”);
  • Deportação e ordem de exclusão para qualquer cidadão com dupla nacionalidade que seja associado ao jihadismo;
  • Estabelecer pena perpétua sem possibilidade de liberdade condicional para os crimes mais graves;
  • Criar mais 40 mil lugares nas prisões francesas em cinco anos.

Le Pen acusa o seu oponente, Emmanuel Macron, de ser amigo das grandes empresas, mas não existe no seu manifesto nenhum ponto no qual proponha, por exemplo, aumentar os impostos sobre as grandes multinacionais.

A área da economia é aquela que mais problemas lhe tem dado, com muitos analistas a pedirem esclarecimentos, por exemplo, quanto ao valor das pensões num eventual futuro pós-euro. As medidas económicas de Marine Le Pen foram desenhadas à volta do conceito de “protecionismo inteligente”, o que se traduz na proteção do tecido empresarial francês face à concorrência internacional e europeia. Como? Através, por exemplo, do aumento dos impostos sobre importações, da adjudicação de contratos públicos a empresas francesas e da criação de um imposto sobre as empresas que contratem trabalhadores estrangeiros.

Dado o aumento da sua popularidade junto da classe trabalhadora, tanto que até lhe colocaram o rótulo de socialista, Le Pen pode também optar por dar prioridade a três medidas que lhe garantiram um crescimento na sua base de apoio.

  • Fixar a idade legal de reforma aos 60 anos com 40 anos de contribuição para receber uma pensão completa;
  • Baixar imediatamente em 5% a fatura da eletricidade e do gás;
  • Manter as 35 horas semanais.

No capítulo dedicado ao orgulho francês, a candidata da Frente Nacional propõe que a bandeira francesa seja visível em todos os edifícios públicos e que se retire a da União Europeia, promover o secularismo contra o comunitarismo (a existência de comunidades com diferentes culturas e religiões), a defesa da língua francesa e a promoção da cultura francesa nos currículos, incluindo nos das universidades.

Resta saber se Le Pen, vencendo a presidência, conseguiria utilizar esse “estado de graça” para encher o Parlamento de deputados da Frente Nacional ou se, por outro lado, o Partido Socialista e o Partido Os Republicanos se lançariam numa campanha para impedir que Le Pen tivesse o domínio do Parlamento.

As últimas sondagens colocam o centrista perto dos 63% das intenções de voto contra 38% de Marine Le Pen.