E aqui estamos nós: naquela altura do ano em que nos dizem as sete praias que temos mesmo de frequentar, os cuidados que não podemos deixar de ter com a pele, seis coisas engraçadas para fazer com as crianças se não formos para o Algarve, as oito apps que nos dizem qual o melhor caminho para a Costa Vincentina, os livros de férias, os discos de férias, os rooftops, os sunsets, os bikinis, os daiquiris.

Aqui est – ah, não, não é nada disso. Façam o que vos apetecer, não quero saber. Ao fim e ao cabo eu não vos conheço, que diferença me faz que praia vocês frequentam? Só não me atirem areia para cima.

Vamos lá então a uma brincadeira diferente. Um clássico com twist. São 11 situações típicas de verão para as quais encontrámos a canção certa, como se criássemos uma banda-sonora para as experiências possíveis que vão encontrar nas férias.

A sinopse não é entusiasmante? Não sejam preguiçosos, leiam lá o raio do texto, que isto deu uma trabalheira a fazer e já o acabei em férias. (Viram o que acabei de fazer?)

Se amanhã me lembrar dela, vai ser a mulher da minha vida

Certa vez conheci uma espanholita de Madrid chamada Raquel. Alta, loira, de cabelo ondulado, pele delicada, bronzeada, olhos verdes, gostava de gin tónico antes do gin tónico estar na moda – em suma, um dos mais completos testemunhos de como a beleza humana é um fim em si mesmo. Estava numa daquelas terras veranis espanholas para onde a juventude vai à procura de testemunhos de como a beleza humana é um fim em si mesmo. O êxito desse verão era “Bomba” (lembram-se?). Bom, este foi o meu único amor de verão e acabou comigo a dormir bêbedo em cima da mesa do parque de campismo depois de passar um par de horas a gritar “Raquel, onde estás, Raquel?”. (Para quem ainda não percebeu, a Raquel não estava a dormir na mesa) Um par de conselhos: 1) não adormeçam numa mesa de campismo; 2) não estoirem TODO o vosso dinheiro em gin tónico. Outra regra importante: em todas as compilações deve haver pelo menos uma canção dos Pavement. Em vez de “Bomba (movimento sensual)”.

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Juro que nunca mais volto a beber

Claro que não, amigo. Aliás, os seres humanos não são conhecidos por fazerem promessas improváveis quando a sua mente está alterada por condicionantes como as têmporas a latejar, uma náusea profunda e constante ameaça de vómito. Mas também, e como diz a juventude, qual é o mal? A praia não pedia aquelas imperiais ao fim da tarde? O robalinho não foi bem com o branco fresquinho? E a companhia não pedia mesmo aquele par de whiskies no fim? Não mereces? Claro que mereces. (Já agora: não foi um par de whiskies, pá, foi meia garrafa.) Que importa se as tuas entranhas se assemelham a uma cama-elástica repleta de crianças histéricas aos saltos. Merecias um copinho, irmão. Relaxar as sinapses. Desalinhar os chacras. Soltar a franga. (Não sei o que estou a dizer, não falo assim, só estou a tentar escrever de forma jovem.) Já agora, aproveita e recorda esta canção que outrora não suportei (achava os Oasis grunhos) e hoje em dia adoro (aprendi a gostar de hooligans).

Mas, querida, é o Benfica

Meninas, espero que já se tenham preparado mentalmente para este momento: vocês querem ir com as crianças experimentar aquela gelataria, eles querem a Supertaça, o primeiro jogo do campeonato, eventos que caem em Agosto, sabe-se lá porquê. Vou tentar ajudar: é uma verdade universal que nenhum adepto de futebol perde o primeiro jogo da época. Se por acaso o seu clube tiver de jogar a Supertaça (e o Benfica tem), então passam a ser os dois primeiros jogos da época. E se tiver de jogar uma partida de qualificação para as competições europeias, então são três. E por aí fora. Não vale a pena lutar contra isto, o melhor é usá-lo para negociar, obter coisas em troca. (Não me perguntem o quê, este é um órgão de comunicação sério.) E porque é que me lembrei do “Blue Monday”, dos New Order? Porque era a canção do Golo da Jornada. E porque é dançável.

Deixa-me só fazer mais uma coisinha

Esta terrível e assustadora situação ocorre pelo menos uma vez em cada período de férias e só não é terrível e assustadora quando já não estamos com paciência para aturar a família. Toca o telefone e alguém lá no escritório informa que falta um Excel, ninguém fez o relatório para a reunião de amanhã, etc. E para quem sobra? Pois, para o do costume. Podem pensar que esta é uma problemática contemporânea, mas não: em 1958 já Eddie Cochran compunha um admirável blues dedicado ao tema. Os The Who fizeram uma explosiva versão que condensa bem a raiva que um tipo sente quando não o deixam estar de papo para o ar. Deixem-me estar de papo para o ar, camandro.

Onde é que está um saco de serapilheira para eu vestir?

Se eu entendi bem, cedeste à ideia da tua namorada liberal e foram para uma praia de naturistas com as amigas dela? Sensato, amigão, sensato. Deixa-me esclarecer-te: há um sem número de problemas envolvendo a questão da indumentária nas férias e isto quando há indumentária. (A tua cachopa, por exemplo, podia ter-te dito que fazia topless. Sempre tinhas evitado convidar o teu primo rebarbado para as férias.) Há calções que não preveem acidentes como aquele com que te deparaste na praia de nudistas, por exemplo. E às vezes apetecia-te que ela tivesse amigas mais feias e mais tapadas. Agora imagina se fosses mulher. Porque não podes ter ideia do que é ter de comprar um bikini novo, porque o antigo está dois números abaixo. Faz um favor a ti mesmo e diz que ela está bonita assim. As mulheres precisam de saber que nós não nos interessamos assim tanto por isso. Bom, uma canção ótima sobre problemas de indumentária é o “Change Clothes”, do Jay-Z, escrita pelos Neptunes. É sobre usar pouca roupa, valha a verdade, mas assim é o verão. (Não te queixes.)

O problema de termos de nos adaptar ao gosto dos outros

Admito que eventualmente poderão achar o que se segue mais apropriado para um episódio de Seinfeld, mas não façam de conta que isto nunca vos aconteceu: é que por vezes não suportamos os gostos das pessoas com quem passamos férias. Pode ser aquele amigo com que veraneamos desde os 14 e quer sempre acabar a noite numa discoteca manhosa, bêbedo, a fazer air-guitar ao som de “Eye of the Tiger” depois de ser rejeitado por todas as inglesas (o que é INCRÍVEL, meu). Ou a namorada que, se quiseres ser sincero, irmão, é lindíssima mas cita Pedro Chagas Freitas mas é lindíssima mas cita Pedro Chagas Freitas (mas tu consegues fazer essa relação resultar, irmão, não estás nada a ser superficial, vá, coragem). E ela quer ir dançar, em vez de ficar em casa. Dançar! Ó céus, ó inclemência, mas o que passa na cabeça desta rapariga? Dançar? Mas ela não percebe que tu és um intelectual? Não podemos por uma noite ler um Holderlin na pacatez do lar arrendado? Não podemos ao menos oferecer um haikuzinho um ao outro? Ora, perscrutando os interstícios da internet encontra-se esta maravilhosa, absurda, tenebrosamente inqualificável peça sonora que promete unir pessoas com diferentes crenças estéticas, criando assim um mundo melhor. Trata-se de uma remistura de The Cure com Ivete Sangalo. Calma, não me agradeçam. Um dia digam aos vossos filhos que se vocês existem é só porque DJ Bertazi é um génio.

Dormir (excepto quem tem filhos)

O parêntesis acima é possivelmente o mais preciso e angustiante da história da comunicação social. Mas para todos os que não sonham diariamente com o momento de deitar as crias, para todos os que não vão para a cama (diariamente) a rezar para a criança amanhã dormir até mais tarde, até (digamos) às sete e meia da manhã, as férias podem ser uma extraordinária oportunidade para simplesmente dormir. Pode-se dormir em todo o lado: na cama, na praia, à sombra de uma árvore, até no comboio se pode dormir. (Nota: isto não é bem verdade, não se pode dormir em todo o lado – por favor, não durmam ao volante.) Ora, o que é que se escolhe para simbolizar sono? Os Sigur Rós? Não, isso é para certas e determinadas reportagens. Vamos para os Belle & Sebastian e “Sleep the clock around”. Sim, certo, parece tudo menos uma canção de Verão. Foi escolhida pelo título, porque é uma belíssima cantiga, com um óptimo e inusitado duelo entre um trompete e uma gaita-de-foles na coda, que é uma palavra escassamente usada. Epá, e porque me apetece.

Não tinhas dito que tinhas verificado os pneus?

Pões as crianças no carro, a tua senhora está a apertar-lhes o cinto, fechas a porta do lado dela e diriges-te para o teu. Até chegares à tua porta vai acontecer o seguinte: vais fechar a mala e pôr o pé em cima de cada pneu para aferir da pressão sem que realmente saibas o que estás a fazer e, quando fores sentar-te ao volante, vais respirar fundo, porque no fundo esse trajecto de uma porta até outra foi o único momento de sossego que vais ter nos próximos 15 dias. E depois o pneu vai furar e é preciso ir buscar o coiso para desapertar os coisos de modo a trocar o coiso, que é coisa para durar um par de horas. Estais parados na berma de uma estrada e estais de férias – o potencial negativo está no vermelho, mas nada de zangas, nada de discussões: no auto-rádio põe “Dancing in the street”, das maravilhosas Martha Reeves & the Vandellas a tocar. Não te preocupes se parece parvo; há uma lição aqui: tornar as coisas más que inevitavelmente irão acontecer em momentos de que a família um dia se irá rir (tal como os condutores que passarem por vocês). Não foi bonito, este momento de auto-ajuda? Embrulha, Chagas Freiras. Freitas. Whatever.

Vou dropar no lip antes do tubo

Vou ser honesto: escrevi tudo isto, concebi toda esta brilhante ideia apenas para publicar umas linhas sobre esta canção. Em particular umas linhas que incluíssem “dropar no lip antes do tubo”. Verdadeira canção de Verão, não só no sentido de celebrar a praia mas também de ser possuída por uma espécie de nostalgia daquele tempo em que a vida era simples e podia trocar-se as aulas pelas ondas. É certo que nem todos surfam, mas a favor da minha escolha ponderem que: a) o surf está na moda e até cinquentões têm aulas (experimentem, vale a pena); b) o espírito da canção vai para lá do que ela descreve. O surf, aqui, é o descomprometimento, a natureza. Além disso, quantas vezes terão oportunidade na vida de dizer que droparam no lip antes do tubo?

PS: É possível que acabem a levar com a prancha no nariz mas aceitem isso com heroísmo.

Acho que prefiro ficar a ler

Estamos a chegar ao fim e há alguns momentos típicos de verão que não vão ser mencionados: a toalha ou o protector esquecidos em casa, aquela tarde em que já não se encontra nenhum restaurante aberto para almoçar, a alforreca que estraga as férias do puto, o escaldão. Pensei em dedicar um item à (péssima) alimentação dos putos nas férias, mas quando a primeira canção que me ocorreu foi “Les Sucettes”, de Serge Gainsbourg, achei que podia ser mal interpretado. Pensei em dedicar “Muda que Muda”, de João Coração, àqueles dias em que nos borrifamos para os planos e fazemos o que nos dá na real gana ou “Lazy Afternoon”, dos Kinks, quando preferimos ficar em casa. Mas não podia deixar de mencionar livros. Porque adoro livros e não sou o único que acha sempre que vai pôr a leitura em ordem e nem sempre assim é. Há um milhão de canções que se referem a livros (acabei de contar); esta pisca o olho a “Margarida e o Mestre”, de Bulgakov. Escolho-o porque adoro a batida, o “u-uh” e o solo de guitarra e a coda, que é uma palavra escassamente usada (já tínhamos falado nisto?).

https://www.youtube.com/watch?v=EiIH5PewAzs

Eu já te disse que te amo, meu irmão?

E depois, apesar das alforrecas, do colchão de molas incomodativas como aquela tia amarga que não gosta de nada e tem de o dizer, dos mosquitos, há aqueles momentos. Aquele momento em que depois de um dia soberbo de praia o teu puto se vira para ti (que és um estafermo e se quiseres ser sincero não fazes a mais pequena ideia do que andas a fazer no que concerne à educação dele) e te diz “Este foi o melhor dia de sempre, papá”. Aquele dia em que apesar de as férias terem sido uma trampa porque a tua garota esteve 25 dias num país estrangeiro a trabalhar e voltou com 37 quilos te diz, na cama do hospital, obrigado por estares ali, enquanto te dá a mão do braço que não tem soro. Aquele dia em que o teu bro, após um belo grelhado, te dá um abraço e te diz “Eu já te disse que te amo, meu irmão?” O puto é chato mas tu também não és a melhor das pessoas; não é o melhor dos hospitais mas também não tens dinheiro para um privado; não compraram o melhor vinho mas tu também não percebes nada do assunto. E ainda assim foi perfeito: pertences a estas pessoas e quando voltares para o subsídio de desemprego esta memória ninguém te tira. Duas coisas: comovo-me sempre que oiço esta canção; e, a sério, embrulha mesmo, Chagas Freiras.

https://www.youtube.com/watch?v=pE1wK6zSa7c

Tenham boas férias. Aquele abraço, deste que muito vos aprecia apesar de não vos conhecer.