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“Isto é em Paredes de Coura, mas podia ser em Londres, Paris ou Nova Iorque”, afirma João Carvalho, responsável da organização que sempre lutou contra os regionalismos e aposta na dimensão internacional do evento. Tudo começou com um Festival de Música Moderna Portuguesa que nasceu como “um bebé, cresceu e portou-se mal. Como qualquer criança, fez birras, mas nós sempre o apoiámos. Depois, como um adolescente problemático, teve as suas crises e, até quando gastou o dinheiro todo à família, nunca deixámos de acreditar nele”. É com esta metáfora que o diretor ilustra a evolução do festival, durante a conversa a propósito da 25ª edição, que vai decorrer de 16 a 19 de agosto no “habitat natural da música”, nas margens do rio Coura.

Autêntico desfile de tendências, o Vodafone Paredes de Coura é hoje reconhecido como o arauto que ao longo dos anos anuncia, antes de tempo, muitos nomes destinados ao estrelato. Coldplay e Arcade Fire são apenas dois bons exemplos, outros como os Stone Temple Pilots, os Queens Of The Stone Age ou os Counting Crows tocaram cá, pela primeira vez, naquele anfiteatro natural.

O festival de música moderna

Fruto do génio criativo e da vontade de fazer acontecer de um grupo de amigos, unidos na paixão pela música, o festival de agosto que acontece na praia fluvial do Taboão transformou-se num dos acontecimentos anuais com maior relevância em Portugal.

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A persistência conjugada com a dose certa de loucura permitiram que o festival nunca deixasse de se realizar. À medida que as responsabilidades aumentaram algumas pessoas foram saindo e outras entrando. Aos quatro elementos do núcleo de fundadores – João Carvalho, José Barreiro, Filipe Lopes e Vítor Pereira (que, entretanto, saiu há três anos para ocupar a presidência da Câmara Municipal de Paredes de Coura) – juntou-se um amigo de sempre, José Eduardo Martins.

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As primeiras edições são um exemplo do melhor DIY (Do It Yourself). Eram eles que montavam o palco, instalavam as vedações, colavam os cartazes e até faziam a cola. Lembram-se das noitadas estrada fora, pelo distrito e mais além, numa carrinha emprestada pela Junta de Freguesia. João Carvalho recorda as edições que fizeram sem patrocínios e os momentos em que contrariaram todas as regras de bom senso, perante os desaires e o acumular de prejuízos. “Sempre nos entendemos bem, o diálogo esteve sempre na base do sucesso”. Acreditaram e foram persistentes, até que, em 2012, pela primeira vez, “tivemos oportunidade de escolher entre dois main sponsor e decidimos ficar com a Vodafone,” dando início a uma nova história de sucesso na relação com a marca.

Fora do palco

Em 1996, no primeiro ano em que se pagou bilhete, atuaram as primeiras bandas estrangeiras que lhe deram um cunho internacional. The Raincoats, banda britânica fundada por uma portuguesa, Ana da Silva, os espanhóis Sex Museum formados em Madrid ainda na década de 1980 e os Killer Barbies, uma banda punk da Galiza. No cartaz estavam também os britânicos Shed Seven que tinham acabado de lançar o segundo álbum e estavam a ter muito sucesso em Inglaterra, embora sempre atrás dos Oasis e dos Blur que lideravam as hostes na época.

Quando o tempo sobrava, depois dos espetáculos, havia o hábito de mostrar a zona aos artistas. “O Vítor tinha um comercial ligeiro, de dois lugares, e foi passear com os Shed Seven. Eles acharam surreal porque iam dois à frente e o resto seguia atrás, noutro carro” recorda João Carvalho com entusiasmo. O pior aconteceu no dia seguinte, quando o motorista que os foi levar ao aeroporto falhou a saída da autoestrada e fez algumas centenas de metros em marcha-atrás, deixando os artistas em pânico.

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Dois anos depois, na edição de 1998, o amadorismo e a inexperiência provocaram mais um insólito. Se hoje a maior parte dos artistas fica instalada no Porto, naquela altura dormiam em Paredes de Coura, em turismos de habitação. Na noite em que atuaram os Tindersticks, um dos sócios foi ver se estava tudo em ordem e verificou que faltava uma cama. Quando foram levar a banda, ficaram a conversar com eles, “a distraí-los, enquanto o dono da casa passava com um colchão para a cama que faltava.” Nesse ano, o Neil Hannon, vocalista dos Divine Comedy, “passou a noite a servir finos, atrás do balcão” continuou João Carvalho. São momentos únicos que ficam para sempre.

A importância da chuva

Em 2004 viveram-se dias de tempestade em agosto como não se viu em quase um século. Contra todas as recomendações, dos responsáveis pela segurança das infraestruturas às equipas técnicas do som, a organização decidiu avançar. “Era preciso respeitar as quatro ou cinco mil pessoas que ali estavam para ver os concertos.” João Carvalho conhece bem a história de muitos festivais, sobretudo na Europa, e não se recorda de ter havido um que continuasse, debaixo de tamanha intempérie.

Além dos riscos, perante a chuva torrencial, havia ainda o impacto negativo na bilheteira porque não se venderam bilhetes suficientes. “Tivemos um prejuízo enorme, que ainda se tornou maior porque foi preciso mais dinheiro para criar alternativas” como os caminhos em tout-venant para controlar o lamaçal.

Foi o ano de Motorhead, John Spencer Blues Explosion e uns ilustres desconhecidos na época, os Black Rebel Motorcycle Club, que João Carvalho nunca vai esquecer. Eles saíram do palco aos pontapés na lama e a dizerem “Grande noite! Foi dos melhores concertos que demos!” Debaixo de chuva intensa, “havia pessoas que ficaram sem roupa, sem tendas, sem nada.”

Os LCD Soundsystem iam atuar no “Palco 2”, quando a estrutura desabou, felizmente sem danos de maior. Acabaram por passar para o palco principal, sendo curioso recordar que “eram uma banda em início de carreira, de dimensão muito pequena, nem os colocámos no cartaz”.

A outra grande chuvada foi em 2001, numa edição que o diretor destaca com saudade pela atuação memorável dos Stone Temple Pilots, pela primeira vez em Portugal, numa altura em que o malogrado Scott Weiland estava de regresso aos palcos depois de uma temporada na prisão. Muitos podem hoje dizer que ainda o viram cantar com a banda em Paredes de Coura.

Depois disto, as opções naturais passariam por “fazer uma edição mais tranquila com bandas mais pequenas ou, no pior cenário, acabar com o festival porque não havia patrocinadores”. Mas o grupo optou por arriscar tudo e fazer o maior investimento de sempre na edição de 2005, que figura até hoje como marco no percurso do Paredes de Coura. Numa das decisões mais difíceis e arrojadas do grupo, João Carvalho recorda que “apesar de ter sido o maior até a data, o dinheiro que sobrou não chegava para pagar a conta de telefone”. Mas o festival acabaria por ganhar notoriedade com a imprensa internacional a dar-lhe atenção. “Não conseguimos pagar o prejuízo de 2004, mas ganhámos uma nova alma”, numa edição histórica com Foo Fighters, Pixies e Nick Cave & The Bad Seeds.

A celebrar a música e a apontar novos caminhos desde 1993, o grupo de adolescentes transformados em empresários, movidos pelo desejo de trazer novas bandas a Portugal e contribuir para a promoção da sua terra, conseguiu ultrapassar várias crises. Sem disfarçar a nostalgia, João Carvalho confessa que “olhando para o retrovisor da vida, o Festival Vodafone Paredes de Coura é uma obra bonita, de que nos orgulhamos muito”.