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JOSÉ COELHO/LUSA

JOSÉ COELHO/LUSA

400 dias a atravessar o deserto. Quanto tempo resistem os líderes da oposição?

Passos está há 400 dias na oposição. Nunca as travessias no deserto foram fáceis depois de um ciclo de poder, mas muitos aguentaram-se. Soares foi o único que voltou a ser PM. A história repete-se?

Políticos, politólogos e académicos chamam-lhe “travessia no deserto.” Porque é dura, longa e alimenta a sede dos opositores internos. Liderar a oposição em Portugal é difícil, principalmente quando se sucede a um ciclo de poder. Passos Coelho está nesse papel há precisamente 400 dias, ainda longe da resistência habitual nestas circunstâncias. Nunca um líder do PS ou do PSD chegou a primeiro-ministro depois de um ciclo de poder do seu partido: Vítor Constâncio, António José Seguro, Ferro Rodrigues (do PS), Fernando Nogueira e Marques Mendes (do PSD). Há na história um alento para Passos Coelho: Mário Soares. O líder histórico do PS, tal como Passos, sucedeu a um ciclo de governação que liderou e voltou a ser primeiro-ministro. Mas é caso único.

Se ficar como presidente do PSD pelo menos até às autárquicas de 2017 Passos Coelho chegará perto dos 700 dias na oposição, depois de ter estado quatro anos como primeiro-ministro. Aos 400 dias como líder da oposição, Passos tem conseguido contrariar a balcanização do PSD — que antes da sua chegada ao partido se tinha tornado um hábito — mas a oposição interna começa a aparecer. Rui Rio admite candidatar-se à liderança (embora só em 2018), Paulo Rangel está atento e não exclui a hipótese (embora, num cenário pós-Passos) e o mesmo acontece com Luís Montenegro. Há outros nomes, como Morais Sarmento ou até Pedro Santana Lopes, que volta e meia surgem na conversa; na última semana o Expresso até noticiou que estava em curso a recolha assinaturas para um congresso extraordinário. Rui Rio, porém, disse ao Expresso desta semana não ter “conhecimento de nenhum processo de recolha de assinaturas”.

O potencial desafiador de Passos Coelho afirmou ao mesmo semanário que não faz qualquer sentido um congresso antecipado, que “só faz sentido se o líder decidir sair”, por “caso contrário, o normal é cumprirem-se os prazos”, disse Rio.

Com autárquicas no horizonte, a regra número um na política partidária dita que as bases não se devem meter com o líder em ano de eleições. “Um congresso extraordinário nesta altura não ia implicar mudança de liderança, ia ser apenas um espaço de debate, e fazer essa perturbação agora em março ou abril, com o atraso natural nos processos autárquicos, não iria ser muito racional”, diz ao Observador um líder distrital que concorda com Rui Rio, mas prefere manter o anonimato. “Não vale a pena o partido mobilizar-se se não for para mudar a liderança”, acrescenta. Por isso, antes das autárquicas no último trimestre de 2017, nada acontecerá. “Depois disso faz sentido antecipar o congresso”, defende o mesmo dirigente.

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Aí tudo dependerá do desempenho do partido nas eleições. Mas, segundo defende ao Observador o politólogo António Costa Pinto, não virá daí “grande revolução”. “Nem o PS terá uma grande vitória nem o PSD terá uma derrota assim tão grande. Além que de, felizmente, as autárquicas têm sido cada vez mais locais e menos nacionais”, afirma, defendendo com isso que a cabeça do líder social-democrata pode nem aí ficar a prémio. No PSD, ao contrário do PS, não está prevista a figura das eleições primárias, onde todos os militantes e simpatizantes, num espectro bem mais alargado, são chamados a decidir a liderança (como aconteceu na disputa entre António Costa e António José Seguro). No PSD, só as bases decidem, e aí as direções distritais têm um papel determinante. “Assim é mais fácil a Passos sobreviver”, diz Costa Pinto, reafirmando a certeza de que “até às autárquicas nada muda”.

A tendência histórica mostra que o caminho não é fácil. À exceção de Soares — que levou com governos de iniciativa presidencial pelo meio — todos os líderes do PS e do PSD que passaram para a oposição depois de um ciclo de poder do seu partido nunca chegaram a ser primeiros-ministros: Vítor Constâncio sucedeu a Mário Soares, mas perdeu a liderança do PS para Jorge Sampaio; Fernando Nogueira sucedeu a Cavaco Silva no PSD depois dos 10 anos de cavaquismo, mas rapidamente passou o testemunho a Marcelo Rebelo de Sousa; Eduardo Ferro Rodrigues foi o sucessor de António Guterres no PS em 2001, mas demitiu-se da liderança em 2004 quando o Presidente Jorge Sampaio nomeou Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro; no PSD, Luís Marques Mendes, que arrebatou o partido feito em cacos pelo breve Governo de Pedro Santana Lopes, ficou pelo caminho batido por Luís Filipe Menezes em 2007; de novo no PS, António José Seguro, que ficou com o PS nos braços depois de dois governos de José Sócrates e a seguir ao resgate financeiro, acabaria por nunca concorrer a umas eleições legislativas. António Costa desalojou-o mesmo depois de Seguro ter ganho as eleições europeias de 2014.

O caso de António José Seguro, aliás, é mais parecido com o de Passos Coelho do que seria de prever à primeira vista: ambos têm (ou tinham) legitimidade política por terem ganho eleições, defende Costa Pinto. Tivesse sido por “poucochinho” ou não. E, à semelhança do que agora se equaciona, também Seguro procurou antecipar o congresso para “arrumar os adversários”. Mas acabou por perder e afastou-se da cena política de vez. Eis a grande diferença, para já, face a Passos Coelho, que perdeu as eleições, ganhando, e manteve-se na linha da frente.

"Passos ainda está na fase de incerteza, ainda está na fase inicial na oposição. Ainda tem legitimidade. Claro que tem sido prática recorrente uma grande rotatividade política quando o período na oposição é muito longo, e para Passos Coelho é mais vantajoso ir mais cedo a eleições do que tarde. Mas ainda não é tarde."
António Costa Pinto, politólogo

A circunstância de Passos Coelho em relação a todos estes líderes é sui generis precisamente porque foi o mais votado nas eleições legislativas de 2015. Desde Mário Soares, em 1979, que um ex-primeiro-ministro não se tornava líder da oposição. Passos sucedeu a si próprio de um ciclo de poder para um papel fora da governação. Depois do programa do seu segundo Executivo — o Governo dos 11 dias — ter sido chumbado na Assembleia da República, Passos foi relegado para o grupo parlamentar do PSD, tornando-se no primeiro vencedor das eleições a não conseguir governar. Num momento inicial, a estratégia de Passos foi unir o partido, acusando a “geringonça” de ser um “golpe político” e uma “fraude eleitoral”. A seguir, apostou na instabilidade da solução governativa e na tese do “diabo”, ou da catástrofe económica que mais tarde ou mais cedo chegaria devido às políticas do executivo no atual contexto europeu e internacional.

Este foi, na visão de António Costa Pinto, o maior “problema” de Passos nestes 400 dias. “O grande problema tem sido apostar explicitamente, e não implicitamente, nisso [no discurso de que alguma coisa vai acabar por correr mal]. Podia salientar as dimensões positivas e direcionar o discurso para as apostas futuras e, implicitamente, ter a consciência de que a capacidade política da geringonça está muito dependente dos fatores externos e da economia, mas assim é um discurso que não muito sustentável politicamente”, afirma.

A verdade é que, nesta primeira fase, os críticos internos nem se atreviam a enfrentar um homem que tinha ganho umas eleições legislativas contra todas probabilidades, mesmo depois de um período terrível de austeridade. O PS formou Governo, veio a quadra festiva e a ideia que corria internamente era de que António Costa, Jerónimo de Sousa, e Catarina Martins haveriam de se zangar logo no primeiro orçamento ou no Programa de Estabilidade que teria de ser entregue em Bruxelas na primavera. No Orçamento do Estado para 2016 (discutido em fevereiro) a rutura não aconteceu e Passos decidiu que o PSD não apresentaria propostas de alteração, o que motivou críticas internas.

Entretanto, a “geringonça” não vacilou, mas havia diretas à porta no PSD. Passos tinha (todas) as distritais a seu lado e era o único candidato a concurso: foi reeleito com 95% dos votos, a maior percentagem de sempre no partido desde que há votação direta dos militantes para a eleição do líder (em 2012 tinha tido 94,4% e em 2014 apenas 88,8%). À semelhança do que tem acontecido desde que estas reuniões magnas deixaram de ser eletivas, o Congresso realizado no início de abril de 2016 foi tranquilo. Rui Rio nem foi. E os desalinhados que apareceram poucos estragos fizeram. Surgiu um crítico sem tropas (José Eduardo Martins) e um meio-crítico igualmente sem poder de fogo (Pedro Duarte). Passos saiu como quis do congresso, e mudou o discurso para dizer que a “geringonça” estava sólida e que o Governo era para durar. “Não temos pressa” era o mote, a fazer lembrar o “qual é a pressa?” do socialista António José Seguro.

Aproximava-se o verão e o PSD começou a assumir a estabilidade do acordo das esquerdas. Passos terá dito que vinha aí o “diabo”, antecipando que poderiam chegar maus resultados para o país após a silly season. Também não apareceram. Viria o Orçamento para 2017 e, mais uma vez, a esquerda entendeu-se. Foi uma Lei de Murphy invertida para o Governo de Costa: tudo o que podia correr mal, correu bem. Na mesma proporção, tudo foi correndo mal para a liderança de Passos.

Com o desgaste acumulado, o discurso da catástrofe eminente a fazer ricochete, os maus resultados na sondagens e as más perspetivas para as autárquicas, apareceram então os críticos. Já começaram os contactos, entre reuniões e jantares, para promover a candidatura de Rui Rio a líder do PSD e o próprio já admitiu poder vir a entrar na corrida à sucessão de Passos Coelho. Ainda na última quinta-feira foi a vez do antigo deputado e autarca Carlos Encarnação sugerir um congresso extraordinário. Os tempos mudaram e Passos terá a vida muito mais dificultada do que teve até agora, mas com uma vantagem: poucos querem já disputar a liderança da oposição quando não há certeza de quando serão as próximas legislativas. Se se aguentar até outubro de 2017, Passos, que é líder da oposição desde 26 de novembro de 2015, ficará pelo menos 675 dias no lugar.

Procura-se “alternativa psicológica” ao estilo “pai tirano”

Se para Costa Pinto o problema de Passos está na explicitação do discurso da catástrofe, para o politólogo José Adelino Maltez o problema nem é tanto o partido, mas sim um Presidente: Marcelo. “É um ex-líder que nunca foi primeiro-ministro, que o partido gostava que tivesse sido, e esgota as oposições todas que há a fazer”, defende ao Observador. O professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) explica que “em Portugal há uma espécie de pulsão sociológica dos líderes: umas vezes queremos um pai tirano e a seguir queremos um líder dialogante, muito conversador”.

Adelino Maltez explica que os sociais-democratas “não têm nenhuma razão institucional para afastar Passos Coelho”, já que “o problema do PSD não é Passos, o problema do PSD está no Palácio de Belém.” De um lado, há a imagem dos afetos, que os portugueses parecem agora gostar, por outro uma pessoa que “aparece aos olhos dos portugueses como alguém que tem três deuses: Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque e [Wolfgang] Schäuble”. Para Adelino Maltez é assim “natural que o PSD, perante o estilo de Passos, comece a procurar uma alternativa psicológica”.

Também Costa Pinto defende a legitimidade do líder. “Não me parece nada desprovido de sentido que queira sobreviver como líder da oposição depois de ter ganho as eleições”, diz, recusando a ideia de que Passos Coelho está “há tempo demais” em cena. “Não existe ‘tempo demais’ em política”, atira, sublinhando que a política é feita de “estrutura de oportunidades” e que essa “oportunidade” pode voltar a surgir se os fatores externos começarem a soprar naquela direção.

"Rio ameaça, mas depois nunca passa o Rio. Chega à ponte da Arrábida e volta para trás. O Rio usa muito a imagem do rigor das contas, mas não é por isso que as pessoas votam nele. Para esse perfil, já existe Passos Coelho."
José Adelino Maltez, politólogo

Para o politólogo do ISCSP, o “principal interessado na liderança de Passos Coelho é António Costa, como mostram as sondagens com o PSD a aproximar-se dos 25%”. No entanto, destaca que é imprevisível o futuro do PSD: “A história mostra-nos que o PS já esteve destroçado não-sei-quantas vezes e recuperou e também o PSD que chegou a comemorar um aniversário, no tempo de Rui Machete, onde não tinha gente para encher as cadeiras, e depois recuperou”.

Além de que, afirma Costa Pinto, “Passos Coelho é jovem e esteve apenas quatro anos no poder, enquanto José Sócrates, por exemplo esteve sete”. Cavaco Silva esteve dez, António Guterres esteve outros sete. A história pode não se repetir, mas que há padrões, há.

Mário Soares: o único que voltou a ser primeiro-ministro

Getty Images

Soares é um autêntico campeão de resistência. E com resultados. Deixou de ser poder a 29 de agosto de 1978 e aguentou-se como líder da oposição até 9 de junho de 1983. Ou seja: 1.747 dias (quase cinco anos). Tal como Passos Coelho, Mário Soares sucedeu a um ciclo de poder em que ele próprio tinha sido primeiro-ministro e também foi relegado à oposição sem perder eleições. O percurso tem, no entanto, nuances diferentes. Desde logo, a Soares sucederam-lhe três governos de iniciativa presidencial, formados por Eanes e não de acordo com a representação parlamentar. Mas há mais. Soares esteve apenas dois anos do poder — e também teve uma intervenção do FMI –, Passos quatro anos e meio. O socialista acabou, no entanto, por ser submetido a eleições, que perdeu, enquanto o líder do PSD não foi (ainda) submetido a novo escrutínio popular. Soares voltou a ser primeiro-ministro, Passos, não se sabe.

A caminhada de Soares foi longa. Durante esse período foi a votos nas legislativas (1979), mas perdeu-as para a Aliança Democrática (AD), liderada por Sá Carneiro, coligado com PSD, CDS e PPM. Foi derrotado duas vezes. O líder do PS resistiu à derrota nessas eleições intercalares de 1979 (a AD de Sá Carneiro teve 42,5% e o PS 27,3%), mas voltaria a manter-se como secretário-geral do partido, um ano depois, ao perder as legislativas de 1980, quando viu Sá Carneiro reforçar a sua maioria. Apesar da contestação interna, aguentou-se como líder da oposição durante mais de três anos: de 2 de dezembro de 1979 a 9 de junho de 1983, quando voltou a ganhar eleições, regressando ao poder.

Entretanto, pouco depois da segunda derrota do PS nas urnas frente à Aliança Democrática, deu-se a tragédia de Camarate, onde morreram o primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro da AD (Sá Carneiro, do PSD, e Adelino Amaro da Costa, do CDS). Seguiram-se dois governos de Francisco Pinto Balsemão. Como líder da oposição, Soares enfrentou grandes guerras internas. A 2o de junho de 1980, o conflito entre Soares e a maioria da sua direção estava ao rubro. Contra si, nos anos seguintes teria figuras como Salgado Zenha, António Guterres, Henrique de Barros, António Sousa Gomes, Teresa Ambrósio, Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, Ribeiro dos Santos e António Reis. Era o chamado ex-secretariado.

Um dos motivos para os conflitos internos no PS teve a ver com as eleições presidenciais de 1980. Soares decidiu auto-suspender-se da liderança do partido a 18 de outubro daquele ano, por ter recuado no apoio assumido pela direção ao candidato presidencial Ramalho Eanes. Podiam descontar-se aqui os 207 dias que Soares esteve ausente da liderança, mas continuou a ser visto como o líder da oposição.

Meses depois, a 13 de maio de 1981, o PS realizou o seu IV Congresso no Coliseu dos Recreios em Lisboa. A fação de Guterres e Zenha não apresentou alternativa à liderança e Soares foi reeleito com 72% dos votos e uma direção só com fiéis. A sua moção de estratégia teve 62%, contra 34% da fação opositora. Mário Soares conseguiria controlar o partido e voltar a ser primeiro-ministro nas legislativas de 1983: alcançaria 36% dos votos e formou o governo de “Bloco Central” com o PSD de Carlos da Mota Pinto, que conseguiu 27% dos votos. Foi a única vez, na democracia portuguesa, que um ex-primeiro-ministro voltou a liderar um Governo depois de ter feito uma travessia do deserto da oposição.

O “nabo mais inteligente” queimado em lume brando

O PS nunca tinha conhecido nenhum outro líder que não Mário Soares, quando este abandonou a presidência do partido e suspendeu a sua militância a 13 de novembro de 1985 para se candidatar às presidenciais de 1986. Após o Governo de Bloco Central, que uniu PS e PSD, Soares ainda se manteve uns meses como líder do PS, mas o escolhido para ir a votos contra o jovem Aníbal Cavaco Silva, foi António Almeida Santos. Soares sairia, então, para a corrida a Belém.

De novembro a junho, o maçom e fundador do PS, António Macedo, segurou o partido, mas nunca foi eleito secretário-geral. Quem haveria de carregar com os efeitos do fim do ciclo de poder seria Vítor Constâncio, que ascenderia a líder socialista diretamente vindo de governador do Banco de Portugal. Quando Constâncio — nas palavras de Mário Soares, “o nabo mais inteligente que conheço” — foi eleito secretário-geral, a 29 de junho, já Cavaco Silva estava há um ano no poder. O PRD de Eanes apresentaria uma moção de censura no Parlamento e fez cair Cavaco. Ainda se colocou a hipótese de o PS governar coligado com o PRD, mas Soares não aceitou. Precipitaram-se as legislativas de 1987 e o PS perdeu com estrondo, enquanto Cavaco alcançou a sua primeira maioria absoluta. Depois disso, Constâncio aguentou-se mais de um ano.

Pelo meio, sobreviveu a um Congresso, em que foi reeleito líder, a 21 de fevereiro de 1988 (embora já se falasse na sua sucessão e as manobras de bastidores para o afastar fossem muitas). Sem surpresa, após assinar um acordo de revisão constitucional com o PSD, a 14 de outubro, demitiu-se a 27 do mesmo mês. Saiu definitivamente da liderança a 6 de novembro. Saiu por decisão própria, embora fosse difícil manter o domínio do partido. Os sampaístas ganhavam cada vez mais força. A 15 de janeiro de 1989, Jorge Sampaio seria eleito secretário-geral.

O fim do Cavaquismo, uma herança difícil de aguentar

Mais do que líder da oposição, Fernando Nogueira foi líder da transição. Cavaco Silva terminava uma década de liderança do PSD (a do país estava prestes a terminar), deixando para trás duas maiorias absolutas. Fernando Nogueira, o seu braço direito, apareceu como o escolhido para segurar o partido no rescaldo do cavaquismo. No congresso do Coliseu, em fevereiro de 1995 — um dos mais mediáticos congressos do PSD, por ter sido transmitido com grande entusiasmo pelas recém-criadas SIC e TVI –, Nogueira defrontou Durão Barroso e venceu, com o enfant terrible, Pedro Santana Lopes, também na corrida (mas sem ir a votos).

Dizia-se na época que se não tivesse sido apenas o aparelho a decidir em congresso, era Barroso quem tinha ganho. Nogueira era o preferido do aparelho partidário, Barroso o favorito da opinião pública e Santana a opção dos que queriam uma mudança radical no pós-cavaquismo. Foi o número dois de Cavaco, escolha pessoal do ainda primeiro-ministro, que venceu, vencendo assim o “seguidismo”, como diriam os opositores. Nogueira era uma extensão de Cavaco, com a vantagem de não ser Cavaco.

Mas pela frente, logo em outubro, tinha as legislativas e todos sabiam que tinha chegado o tempo de, depois de 10 anos de Cavaco, o PS liderar. Fernando Nogueira seria, por isso, não mais do que um líder de transição. Cavaco Silva ainda era líder do executivo quando Nogueira foi eleito líder do PSD, sendo que só passou a liderar a oposição quando foi a eleições e perdeu para Guterres. Esteve por isso apenas 153 dias (o número mais baixo registado) a segurar o maior partido da oposição depois de um dos ciclos de poder mais longos da história.

Pouco depois, o PSD voltaria à roda viva dos congressos. Nogueira só fez oposição a Guterres entre outubro de 1995 e as presidenciais de janeiro, que Cavaco Silva perdeu para Jorge Sampaio. Com uma péssima relação com Cavaco na fase final — zangaram-se por causa do tabu presidencial — Nogueira saiu da cena política para não mais regressar. O congresso de Santa Maria da Feira, em março de 1996, daria a vez a Marcelo Rebelo de Sousa, um líder do PSD que também não chegou a disputar umas legislativas. Só depois viria Durão Barroso, esse sim no timing certo para protagonizar mais um ciclo de poder.

Um braço de Ferro com o Presidente

LUSA

Seguiu-se António Guterres no poder, liderando um ciclo socialista composto por dois estoicos governos minoritários que duraram cerca de sete anos. Cairia em dezembro de 2001, na sequência de uma derrota nas autárquicas. As legislativas de março, três meses depois, dariam finalmente a pasta do poder a Durão Barroso. A escolha do rosto socialista para suceder a Guterres recaiu em Eduardo Ferro Rodrigues, que se destacava pelo papel que tinha desempenhado como ministro da Segurança Social, sendo considerado o “pai” do Rendimento Mínimo Garantido.

Foi Ferro que foi eleito, no congresso de janeiro de 22, como novo secretário-geral do partido, com os socialistas a confiarem nele a tarefa de reconquistar o Governo depois da demissão de António Guterres. Mas todos sabiam que era uma tarefa ingrata, depois de Guterres ter abandonado o barco para o país não mergulhar no “pântano”. A tradição da rotatividade dizia que desta vez era o PSD que ganhava. E assim foi: Durão Barroso foi eleito em março e Ferro Rodrigues esteve precisamente 902 dias a fazer-lhe oposição.

Não foram dias fáceis de gerir. Com o escândalo Casa Pia no auge, em maio de 2003, o semanário Expresso publicava um relatório com quatro crianças a dizerem ter visto Ferro Rodrigues em locais onde decorriam abusos sexuais de menores. Não havia evidências de que Ferro Rodrigues estivesse envolvido, e o secretário-geral socialista não foi considerado suspeito. Ferro pôs uma queixa em tribunal por difamação contra duas das testemunhas que o implicaram, mas o caso fez mossa.

O secretário-geral do PS havia de demitir-se a 9 de julho de 2004, na sequência da decisão do Presidente Jorge Sampaio nomear Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro — em vez de convocar eleições — depois da ida de Durão Barroso para a presidência da Comissão Europeia. Ferro Rodrigues, ex-MES, desde sempre da ala “sampaísta” do PS, colaborou de perto com o então Presidente da República quando este era secretário-geral do partido. A decisão de Sampaio no sentido de não dissolver a Assembleia da República e não convocar novas eleições caiu mal a Ferro, que no discurso de demissão haveria de invocar essa amizade antiga como mais um contributo para sair de cena. Viria depois José Sócrates, que iniciou novo ciclo de poder, fazendo de Ferro apenas mais um líder de transição.

Mendes e os três C’s: Conquistou, credibilizou e, por fim, caiu

AFP/Getty Images

Depois da ida de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia e do fugaz Governo de Pedro Santana Lopes, o partido teve um fraco resultado nas legislativas de fevereiro de 2005, com Sócrates conquistar a maioria absoluta e o PSD a conseguir apenas 28,7% dos votos. Era a hora de Marques Mendes que, cerca de dez anos antes, tinha ouvido Marcelo Rebelo de Sousa fazer-lhe a previsão errada: “Marques Mendes tem duas vantagens: nunca lhe passará pela cabeça ser líder do partido e é estruturalmente leal”.

A vida de Mendes estava longe de ser fácil. No Congresso de Pombal — o último congresso eletivo do partido antes de se imporem as diretas –, conseguiu ganhar a corrida contra Luís Filipe Menezes e conquistou a liderança com 56,6% dos votos dos delegados, embora ficasse evidente a divisão no partido. Mendes apontou para autárquicas de outubro e comprou uma guerra com algumas figuras do partido. A quatro meses das eleições locais, fez aprovar critérios que retiram das listas do PSD Valentim Loureiro e Isaltino Morais, arguidos em escândalos e investigados em casos judiciais. A ordem era para credibilizar. Levava 46 câmaras municipais de avanço sobre o PS e passava a definir como objetivo ter apenas mais uma, desde que os candidatos fossem credíveis. Foi alvo de várias críticas internas, mas levou a sua avante.

Apesar das mexidas, o PSD consegue vencer, alcançando a presidência de 158 autarquias. No mesmo mês, o partido (através de um Conselho Nacional, a 29 de outubro) aprova com “unanimidade e aclamação” a candidatura de Cavaco Silva a Presidente da República. Hábil, Mendes sente-se reforçado e ao perceber o momento — com a vitória das autárquicas e das presidenciais no bolso — convoca um congresso em março de 2016 para fazer uma alteração estatutária que permita introduzir as diretas no partido, que ocorrem a 5 de maio. A oposição interna está, então, controlada e Marques Mendes atinge 91% dos votos, com o lema “Credibilidade para vencer.”

Acabou por passar do lema à prática a 9 de maio. Perante um processo que envolvia a câmara de Lisboa e em que Carmona Rodrigues era arguido, Marques Mendes provocou a queda do executivo camarário. Depois de uma recusa à última hora de Fernando Seara, escolheu Fernando Negrão para candidato à capital nessas eleições intercalares, que recolheu uns humilhantes 15,8% dos votos em Lisboa perante o vitorioso António Costa. Era o princípio do fim de Marques Mendes como líder.

Luís Filipe Menezes queria muito a desforra de Pombal e já tinha as tropas do aparelho organizadas. Em julho, anunciou a sua candidatura ao partido, definindo como objetivo vencer as legislativas de 2009. O partido estava dividido ao meio, mas Menezes ganhou — inesperadamente para os comentadores — nas diretas de setembro. Marques Mendes saiu derrotado (54%-42,6%) por um homem que sucumbia facilmente às emoções que, anos antes, chorou ao ser apupado no Congresso do Coliseu, após ter definido os dirigentes do PSD como “sulistas, elitistas e liberais”. Não aguentou a pressão mais do que uns meses como líder.

Seguro: segurou-se três anos, ganhou duas eleições, mas caiu

Carlos Manuel Martins / Global Imagens

Foi o líder partidário que teve a queda mais estrondosa. Quando no cair da noite de 28 de setembro de 2014, António José Seguro assumia aos microfones a derrota nas eleições primárias do Partido Socialista e se demitia do cargo de secretário-geral, perdia muita coisa: perdia a oportunidade (que estava ali tão perto) de se candidatar a primeiro-ministro, perdia o partido, perdia a ribalta e perdia o poder ao perder umas primárias por ele convocadas. A imagem que ficou, depois de um discurso com fair-play democrático, foi a saída do Largo do Rato, de braço dado com a mulher e a filha, e um sorriso amargo. Depois disso não foram muitas as vezes em que voltou a aparecer.

Já estava na liderança do partido desde julho de 2011, depois da queda de Sócrates, e preparava-se para fazer frente a Pedro Passos Coelho nas legislativas que se aproximavam (seriam em outubro de 2015). Mas ficou pelo caminho, quando António Costa venceu as primárias socialistas em setembro de 2014. Ainda assim não se pode dizer que não tenha sido um líder da oposição legitimado ou escrutinado: foi duas vezes às urnas, nas autárquicas de setembro de 2013 e nas europeias de maio de 2014, e o PS ganhou ambas.

Mas não foi o suficiente. António Costa, que na altura era presidente da Câmara Municipal de Lisboa e tinha palco semanal na Quadratura do Círculo (SIC Notícias), há muito que fazia críticas à suposta fraca oposição que o PS fazia à coligação PSD/CDS, pôs as fichas todas nas europeias de maio. “Não é credível trabalhar em qualquer cenário que não seja uma vitória significativa do Partido Socialista”, dizia na altura no programa de debate televisivo, sublinhando que “as eleições ocorrem a um ano e três meses das próximas legislativas”, pelo que “ganhar poucochinho é fazer uma coligação poucochinha e fraquinha. É preciso ganhar solidamente e poder aí ter força e capacidade para negociar e fazer acordos”. Foi essa vitória “poucochinha” do PS nas europeias, com Francisco Assis à cabeça, que deu início à verdadeira luta de titãs. Costa desafiou, Seguro respondeu com a convocação de eleições primárias, deixando a palavra aos militantes e simpatizantes. Costa ganharia com 67,7% dos votos.

Antes disso, contudo, a oposição interna já tinha feito a vida negra aos seguristas, com Costa a ameaçar avançar contra o líder por mais do que uma vez. A mais significativa foi no final de janeiro de 2013, quando começaram a circular notícias de que o presidente da câmara de Lisboa tinha chamado “de repente” todos os vereadores a uma reunião ao final da tarde, antes da comissão política do PS, que se ia reunir à noite. A ideia era clara: António Costa ia mesmo avançar. Mas havia um senão: só avançava se os calendários fossem antecipados, ou seja, se o congresso e as eleições diretas para a liderança se realizassem antes das eleições autárquicas. A direção de Seguro não cedeu e os dois acabaram a noite a cumprimentar-se e a prometer cooperação. É que as autárquicas eram dali a nove meses e em ano de autárquicas ninguém se mete com o líder.

Com a queda de Seguro, mais uma vez se comprovou a teoria de que, depois de um ciclo de poder, nenhum líder do partido que esteve no Governo se aguenta o suficiente para ir a eleições legislativas — e ganhar. A história não é uma ciência mas, como recorda o politólogo Costa Pinto, se há coisa que tem sido tradição em Portugal é a “rotatividade política”. Sobretudo quando o período na oposição é longo. Seguro esteve 1.218 dias a aguentar o barco. Não resistiu.

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