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6 opiniões rápidas sobre o novo Orçamento

José Manuel Fernandes, Paulo Ferreira, Alexandre Homem Cristo, Paulo Trigo Pereira, Rui Pedro Antunes e Alexandra Machado analisam os números apresentados pelo Governo.

José Manuel Fernandes. Um Orçamento com dinheiro mas sem rumo

Neste Orçamento, temos todos os ingredientes para sair desta crise com um tecido empresarial ainda mais fraco e mais dependente do que aquele que hoje temos, no fundo com uma economia ainda mais estatizada e mais incapaz de tomar o passo dos que, na Europa, progridem e enriquecem.

O ministro das Finanças anuncia que o próximo Orçamento do Estado irá “devolver” (curioso termo, quando se trata de não extorquir…) 150 milhões de euros em IRS a um pouco mais de um milhão de famílias – mas ao mesmo tempo também se orgulha de ir gastar mais 900 milhões de euros em salários na Administração Pública.

Estes dois números e a atenção que tiveram mostram duas coisas: até que ponto a apresentação do Orçamento foi uma operação de propaganda (em torno da tal “devolução”) e como se mantêm firmes as opções de base desta maioria, que nunca falha aos seus (neste caso, os “seus” funcionários, sua principal base eleitoral).

Podíamos fazer mais comparações: podíamos notar que quase tanto como o que não se vai cobrar em IRS está previsto cobrar só num dos impostos que ficam nas bombas de gasolina; ou notar que, para ir buscar uma mísera receita de 10 milhões de euros, se dá uma machadada (mais uma) no mercado de capitais, onde tudo é visto como “investimento especulativo”.

Claro que tudo isto faz sentido, pois João Leão já vai no seu sétimo Orçamento e o seu sétimo OE não poderia trazer grandes novidades. Se no passado ele nunca desenhou um Orçamento amigo do crescimento, não seria desta vez que o faria. Mesmo tendo agora um monte de dinheiro mesmo à mão, dinheiro fácil, dinheiro da União Europeia.

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Com ele promete-se mais, muito mais investimento público, mas os sinais todos são de que vem aí mais do mesmo, apenas com embrulhos novos. Mais concretamente, agora tudo tem de ser ou “verde” ou “digital”. Pior, se possível: com tanto dinheiro, o nosso Estado, o nosso amado Estado, vai promover as empresas que melhor se lhe apresentarem, o que não é sinónimo das empresas melhor colocadas para promoverem o nosso progresso económico. Por encomenda directa ou através das muitas linhas de financiamento, haverá algum – apesar de tudo proporcionalmente muito pouco – dinheiro para a economia, mas o objecto desses financiamentos e o método seguido não irá nunca produzir empresas mais fortes, mais inovadoras e mais abertas ao mundo. Pelo contrário: ganharão as que melhor sabem encostar-se ao Estado.

Se a isto acrescentarmos o preconceito ideológico – “Queres financiamento? Não podes distribuir dividendos” – temos todos os ingredientes para sair desta crise com um tecido empresarial ainda mais fraco e mais dependente do que aquele que hoje temos, no fundo com uma economia ainda mais estatizada e mais incapaz de tomar o passo dos que, na Europa, progridem e enriquecem.

Por isso, este Orçamento, mais do que todos os anteriores, prova-nos que o problema não era o dinheiro, pois agora que o dinheiro apareceu, vindo de Bruxelas, com ele não veio bem a bonança nem a folga para reformar o país – veio antes a urgência de o gastar de uma forma que mais depressa criará encargos futuros do que gerará dividendos. É a nossa forma de “doença holandesa”.

Paulo Ferreira. Orçamento de continuidade de quê? Do governo, claro

"Desde o início deste ciclo político que a política orçamental tem sido a de garantir a sobrevivência do governo sem colocar o país de novo em aventuras que há uma década acabaram como sabemos. Esse é um equilibrismo difícil mas não é nada que possa aproximar-se de uma política orçamental. Nesse sentido, este é um verdadeiro orçamento de continuidade."

Um Orçamento do Estado é o que um governante quiser. Este postulado não tem a ampla latitude poética da data do Natal, mas anda lá perto.

Basta pensar que a generalidade dos orçamentos são ditos de crescimento, amigos das famílias, promotores do investimento e de consciência social. E, no entanto, crescemos miseravelmente desde o início do século, as famílias definham com salários médios muito baixos, o investimento anda em mínimos e a pobreza teima em não baixar de níveis próximos dos 20% da população.

Por outro lado, nunca nenhum governante apresentou um orçamento dizendo que ele era o da violação das regras orçamentais, da pré-bancarrota ou da perigosa subida da dívida, mas foi esse o resultado a que nos levaram vários orçamentos do passado.

O exemplar que agora temos em mãos é mais um que pode ser uma coisa e o seu contrário.
Alivia um pouco o IRS para fatias importantes da população. Mas aumenta uma série de taxas e taxinhas que, sorrateiramente, vão buscar uma parte do que o IRS deixa de levar.

Preocupa-se e reserva verbas para a capitalização das empresas. Mas dá uma machadada na estabilidade fiscal do mercado de capitais, que, nas economias desenvolvidas, é um instrumento fundamental onde as empresas vão buscar capital.

Dirige investimentos para a habitação, um problema reconhecido. Mas prolonga o congelamento das rendas, sinalizando aos proprietários que é perigoso colocar casas no mercado de arrendamento.

Reconhece que a redução da carga fiscal é um instrumento fundamental para atrair jovens qualificados. Mas mantém impostos elevados para os residentes, convidando os que podem a emigrar.

Outro traço comum é o carácter homeopático das doses a que tudo isto é servido. Um bocadinho de redução do IRS, um bocadinho a mais nas taxas, um bocadinho de englobamento de mais-valias de ganhos com títulos, um bocadinho de apoios a empresas e por aí fora.

Isto acontece porque a margem de manobra do governo é muito estreita. Primeiro, porque a rigidez da despesa faz com que cada Orçamento do Estado comece a ser feito com 80% ou 85% da despesa já atribuída a compromissos. Depois, porque as conjunturas financeira e política estreitam ainda mais o espaço para qualquer política.

A dívida pública na casa dos 130% obriga a baixar o défice e este impede aventuras na redução de impostos.

Do lado político, a necessidade de fazer aprovar o orçamento pelos partidos à esquerda obriga à cadência em medidas que acrescentam mais despesa aqui e ali.

Isto não é novo. Desde o início deste ciclo político que a política orçamental tem sido a de garantir a sobrevivência do governo sem colocar o país de novo em aventuras que há uma década acabaram como sabemos.

Esse é um equilibrismo difícil mas não é nada que possa aproximar-se de uma política orçamental. Nesse sentido, este é um verdadeiro orçamento de continuidade. De continuidade do ciclo político. Se continuarem a fazê-lo sem novos desastres orçamentais já não é nada mau. O país pode esperar.

Alexandre Homem Cristo. Muito dinheiro e poucas reformas

O dinheiro não falta na área da educação, mas parece que será investido em respostas conjunturais, que deixarão os desafios estruturais do sistema educativo tal como já se encontram. Não é um Orçamento para financiar uma visão reformista. É um Orçamento que atira dinheiro para cima dos problemas.

O que se espera de 2022? Que, após dois anos de pandemia, seja um ano de retoma e recuperação nos vários sectores da economia e da sociedade portuguesa. Então, o que se procura no Orçamento de Estado para 2022 (OE2022)? Que esteja alinhado com essa ambição de recuperação (nas áreas sociais) e retoma (nas áreas económicas), de forma realista e consistente com os compromissos políticos assumidos. Ora, num primeiro contacto com o OE2022 (só com os grandes números e ainda sem o detalhe dos dados orçamentais por acções em cada sector), predomina uma percepção: há muito dinheiro, mas também várias dúvidas sobre como esse dinheiro se alinhará com as prioridades estratégicas — e, mais importante, se não acabaremos 2022 a lamentar as oportunidades perdidas.

O caso da Educação é interessante para essa análise. Comece-se pelo óbvio: nunca houve tanto dinheiro no Ministério da Educação. Serão, em 2022, 7805 milhões de euros, o que não só supera largamente a estimativa de execução para 2021 (7165 milhões de euros) como também bate o recorde de 2010 (7259 milhões de euros iniciais, 7121 milhões de euros executados). Tendo em conta que, face a 2010, há menos alunos no sistema educativo (crianças, jovens e adultos), este valor orçamental ganha significado: há um investimento assumidamente elevado no sistema educativo.

Faz sentido? Sem dúvida. Trata-se de um sector duramente atingido pela pandemia, onde as desigualdades sociais mais se manifestaram e onde os horizontes de milhares de crianças desfavorecidas se viram encurtados pela falta de resposta às suas necessidades de desenvolvimento — fosse no ensino à distância, fosse na falta de meios para um ensino presencial funcional com tantas medidas sanitárias. A questão do OE2022 é, pois, perceber onde é que, no sistema educativo, esse dinheiro foi injectado. Aqui começam as dúvidas.

Sem surpresas, o reforço orçamental aparece associado à bazuca do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), que aqui vale 753 milhões de euros — em números gordos, é precisamente o valor que separa a execução orçamental de 2021 da proposta orçamental para 2022. O que está aqui em causa? Investimento em equipamentos e na digitalização das escolas, mais ofertas de educação e formação, reforço dos meios nas escolas. A verba dedicada ao funcionamento dos estabelecimentos de ensino é recordista: as escolas terão muito mais dinheiro para os seus projectos. Isto é positivo? Sim, claro. E necessário enquanto resposta de emergência a uma situação de crise. Mas não é uma visão reformista.

Agora, as dúvidas (para as quais só haverá resposta daqui a umas semanas). A mais imediata é que não se consegue avaliar o reforço dos recursos humanos. Na rubrica das despesas com pessoal, o valor total para 2022 até é inferior ao de 2021 — o que, em circunstâncias normais, significaria menor investimento. Mas este ano há circunstâncias anormais: a descentralização para as autarquias, que pesa muito neste orçamento, pois arrasta consigo os salários do pessoal não-docente (que passam para os municípios). A questão é que, sem números mais detalhados, não é possível avaliar, realmente, o reforço dos meios humanos nas escolas — parte central do plano de recuperação da aprendizagem. E o ponto-chave dos desafios do sistema educativo, que até 2030 perderá metade dos seus professores — e, com tanto dinheiro à disposição, parece que este problema não justifica investimentos.

No final, talvez a dúvida mais importante seja mesmo esta: se o dinheiro não falta, parece que será investido em respostas conjunturais, que deixarão os desafios estruturais do sistema educativo tal como já se encontram. Não é um Orçamento para financiar uma visão reformista. É um Orçamento que atira dinheiro para cima dos problemas. Infelizmente, o dinheiro por si só não resolve problemas.

Paulo Trigo Pereira. Leão apresenta OE já com défice inferior a 3% do PIB

"Tendo em conta que o cenário macroeconómico, com a informação disponível, é realista, que as rubricas da despesa são previsíveis e que algumas das receitas estão subestimadas, conclui-se que o défice do Estado, apresentado por João Leão neste orçamento, é inferior a 3% do PIB."

Analisar seriamente um Orçamento de Estado (OE) exige tempo e é isso que faremos no Institute of Public Policy – Lisbon nas próximas semanas. Aquilo que faço aqui hoje, nesta breve apreciação, é apenas clarificar alguns critérios de avaliação do OE, trabalhar alguns grandes números e partilhar a minha intuição sobre outros, concluindo com algumas opções de política para a negociação do Orçamento.

O que é um bom orçamento?

O orçamento é apenas uma previsão de receitas e despesas, é uma intenção do governo de acordo com as suas prioridades políticas. É anual, mas deve inserir-se numa estratégia de médio prazo. Um orçamento pode avaliar-se quer do ponto de vista substantivo quer formal.

Na substância, este orçamento tem muita coisa que deve deixar-nos satisfeitos. Numa previsão macro, que é realista, prevê-se que a economia vai crescer bastante em 2022, o desemprego vai continuar a baixar, o investimento tem potencialidades de crescer como nunca em tempos recentes. Há medidas de apoio às famílias, em particular com crianças. O governo anuncia que vai implementar um regime de trabalho em dedicação plena no SNS, que evitará a sangria de profissionais a que temos assistido recentemente (uma medida correta que deve estar associada a níveis mínimos de desempenho) e tem um pacote de medidas para a sustentabilidade ambiental. Há também um conjunto de medidas direcionadas à capitalização e ao investimento das empresas.

Um bom ponto de partida para uma análise consiste em ver o Orçamento anterior e compará-lo com a execução orçamental, pois isso dá uma indicação do possível grau de realismo das novas previsões. Essencial é também trabalhar com um cenário macroeconómico realista e que as variáveis orçamentais mais dependentes desse cenário (impostos, subsídios de desemprego, etc.) sejam realistas. A informação disponibilizada deve ser, para além de factual, facilmente compreensível pelos cidadãos. O impacto orçamental das medidas, quer do lado da receita quer da despesa, deve ser claro.

Na dimensão formal, o governo anuncia que posteriormente irá apresentar uma série de informações para tornar claro o OE (síntese OE2022, Guia para o Cidadão). É louvável que o faça. Mas poderia fazê-lo logo no Orçamento de Estado. Continua a haver aqui vários problemas: ausência de indicadores orçamentais importantes, ausência de dados sobre o “Estado” (ver em baixo). Porém, aquilo que mais me incomoda é um mapa orçamental fundamental (Mapa 01) sobre a despesa pública por programas que é bastante opaco porque mistura “alhos com bugalhos”, não dando uma visão global da despesa pública por grandes programas funcionais do Estado. Um mapa que deveria clarificar respostas a coisas tão simples e tão importantes para o debate político e público como: qual é a despesa efetiva do Estado? Ou qual a despesa efetiva de cada programa orçamental? É impossível responder!

Entendamo-nos sobre os grandes números

Paradoxalmente, este Orçamento do Estado pouco fala dos valores do Estado, isto é dos valores consolidados da Administração Central (AC) e da Segurança Social (SS). Fala-se muito de administração central, segurança social, administração regional e local e administrações públicas.

A tabela em baixo faz esses cálculos para o Estado. O OE 2022 prevê um défice do Estado de 3%! Sempre que usar a palavra “Estado” é Estado: AC mais SS. Apenas se somarmos o défice das administrações regionais e locais (cuja execução orçamental só a elas diz respeito) é que alcançamos o valor de défice de 3,2% para as administrações públicas. Esta confusão em torno do défice do OE não é de agora.

Antes de discutir as intenções e as previsões do OE2022 vale a pena olhar para a execução estimada do OE2021.

Os desvios mais significativos encontram-se nos impostos sobre o rendimento e património (IRS e IRC), em que se espera uma execução em 2021 4,3% acima do orçamentado, e nas contribuições sociais também sub-orçamentadas (ficaram 4,4% acima). Em contrapartida, as rubricas em que o governo mais acertou, e que têm grande peso orçamental, são as despesas com pessoal e as com as prestações sociais. Importante esclarecer que as despesas do “Estado”, com uma atualização salarial proposta de 0,9%, crescem 2,55%. O governo diz que crescem 3,1% as da administração pública. Verdade, mas isto é uma média ponderada entre o aumento das remunerações do Estado e o aumento das administrações regionais e locais que cresce 5,5%. Fruto da descentralização de competências ou outros factores? Importa analisar.

Do lado do investimento, de assinalar que se espera que fique quase 20% abaixo do orçamentado. Continuamos a ter aqui um problema na execução do investimento público.

É à luz da qualidade de execução do Orçamento passado que devemos discutir este. É razoável prever que, com uma taxa de crescimento do PIB nominal de 6,4%, os impostos diretos do Estado cresçam 1,8%? Não é. Parece existir aqui uma clara subestimação desta receita fiscal. Já os impostos indiretos, em particular o IVA, estão mais em linha com o crescimento do produto, sabendo-se que a elasticidade desta receita fiscal em relação ao PIB é de cerca de um.

Ora, daqui podemos tirar já a primeira conclusão importante sobre este Orçamento de Estado. Tendo em conta que o cenário macroeconómico, com a informação disponível, é realista, que as rubricas da despesa são previsíveis e que algumas das receitas estão subestimadas, conclui-se que o défice do Estado, apresentado por João Leão neste orçamento, é inferior a 3% do PIB (visto que a base é 3%).

Refira-se que, em relação às despesas de investimento, financiadas em grande parte pelo PRR, mas não só, prevê-se um reforço significativo. Um aumento significativo (43,5%) em relação à estimativa de execução de 2021 que, como vimos, ficou abaixo do esperado. Caso o PRR seja executado abaixo do valor orçamentado (o que não se deseja, mas poderá acontecer dado o histórico) isso não terá um efeito direto no saldo orçamental do Estado (dado que será diminuição de despesa associada a diminuição de receita de fundos europeus), mas terá um efeito negativo em relação à projeção de crescimento pois reduz-se o efeito multiplicador no crescimento do produto do investimento público.

As opções de política

A análise acima remete para uma questão política essencial: queremos em 2022 ter um défice do Estado claramente abaixo dos 3% do PIB, ou consideramos que esse valor permite já uma redução do peso da dívida numa trajetória sustentável? A minha resposta é que não devemos ir além dos 3% de défice do Estado (3,2% das administrações publicas), pelo que há uma margem para decisões políticas, mantendo as contas certas. Essa margem pode ser utilizada para reforço selectivo à criação de emprego por parte das empresas e deve certamente ser utilizada para um aumento do salário real dos trabalhadores em funções públicas. Propor uma atualização remuneratória de 0,9% com inflação prevista de 0,9% (com risco ascendente) é manter os salários reais (ou diminuir) com a economia a crescer nominalmente a 6,9% e o PIB potencial a crescer a 2,5%. Não parece razoável. Mais do que discutir casuisticamente, ano a ano, a política remuneratória e de emprego público do Estado, deveria discutir-se numa perspetiva plurianual e ter em conta casos particulares como médicos e enfermeiros. Os anos de 2022 e 2023 terão maior crescimento que 2024 e 2025, pelo que a política orçamental destes dois anos deve refletir-se quer no apoio seletivo às empresas quer nas remunerações públicas. O debate sobre o OE2022 ainda agora está a começar, mas devemos discutir o que é mais relevante.

Rui Pedro Antunes. Um orçamento à espera da segunda dose

"Para Costa, o problema não é tanto chegar à segunda dose, mas saber que, quando o processo orçamental terminar, tem uma nova e exigente tarefa pela frente: remodelar um Governo desgastado. O problema não é o Governo ter um Orçamento do Estado, é o estado do Governo depois do Orçamento."

O Orçamento do Estado está entregue, mas a prática mostra que esta é apenas a primeira dose. O Orçamento que vai ser aprovado a 25 de novembro — data curiosa para celebrar uma conquista comum de PS e PCP — será certamente muito diferente do que agora foi entregue em mãos por João Leão a Ferro Rodrigues.

Prevê-se que os jogos palacianos, as negociações e as críticas mordazes se intensifiquem neste período. As autárquicas encurtaram de tal forma as negociações orçamentais que adiaram uma boa parte do drama parlamentar para a fase da especialidade. O PCP e o PAN devem viabilizar o Orçamento na generalidade, mas sem dispensar a pressão costumeira: se o Governo não cumprir, podem mudar de voto.

Para a imagem junto do eleitorado e o spin mediático dos partidos parceiros há uma grande vantagem em centrar a negociação na fase da especialidade. Mesmo que esta versão (longe de ser a final) acomode já medidas pedidas pelos partidos (caso dos aumentos salariais da função pública, vistos como uma exigência do PCP), cada proposta de alteração aprovada na especialidade dá diretamente os direitos autorais a quem a propõe. Por tudo isso, este é ainda um Orçamento incompleto. Falta a segunda dose.

É nesta fase que o Governo não se importa de sacrificar os louros de medidas positivas em troca da aprovação final do Orçamento. A grande linha vermelha dessas mexidas é o equilíbrio das contas (“Contas certas”, repetiu Costa no vídeo divulgado perto da meia-noite), para o qual conta com um último recurso: governar em duodécimos. A opção aventureira é, no entanto, desaconselhada após um resultado abaixo das expectativas nas autárquicas que desinsuflou Costa. Por tudo isto, ao primeiro-ministro resta-lhe confiar no instinto e nas certezas que tem quanto à fiabilidade (e à lealdade) do PCP. No Governo, espera-se um aperto de mão do PCP, mas desconfia-se sempre do mata-Leão, com maiúscula, do Bloco de Esquerda. A aprovação continua a ser o cenário mais provável, bem como a marginalização dos bloquistas.

Enquanto assinava o novo Orçamento, a minutos de ser entregue na AR, Costa tinha junto ao seu cotovelo direito a célebre vaca voadora. Se conseguir aprovar este Orçamento já serão sete os viabilizados (6 + 1 suplementar), o que no outono de 2015 muitos consideravam ser mais difícil do que ver uma vaca a voar. Os problemas do primeiro-ministro nem parecem ser em negociar com os parceiros, mas em gerir a tensão crescente entre ministros (mesmo que desvalorizada por Leão no momento da entrega na AR). Para Costa, o problema não é tanto chegar à segunda dose, mas saber que, quando o processo orçamental terminar, tem uma nova e exigente tarefa pela frente: remodelar um Governo desgastado. O problema não é o Governo ter um Orçamento do Estado, é o estado do Governo depois do Orçamento.

Alexandra Machado. Uma inflaçãozinha

"Nas várias regiões do globo só se fala na escalada de preços e no choque nas cadeias de abastecimento. Os riscos estão aí. Será que foram acomodados adequadamente nas projeções do Orçamento do Estado? O ambiente é de enorme incerteza, o que contratas com a enorme certeza de que Portugal vai crescer 5,5% no próximo ano."

O Governo não mexeu na projeção para a inflação de 2022, de 0,9%, tendo fixado nesse mesmo valor a estimativa para 2021. Não é por acaso. A atualização salarial na função pública terá o mesmo número mágico. Mas é aqui que os sinais de alerta tocam.

Nas várias regiões do globo só se fala na escalada de preços e no choque nas cadeias de abastecimento, quer com as subidas das matérias-primas quer com a sua insuficiência. Nos últimos tempos quase não se fala de outra coisa: os preços da eletricidade dispararam; o petróleo está em alta e não há componentes, elevando o valor dos que existem.

São demasiadas pressões que também o BCE acredita serem temporárias mas que ensombram a evolução futura da economia. Os riscos estão aí. Será que foram acomodados adequadamente nas projeções do Orçamento do Estado? O ambiente é de enorme incerteza, o que contratas com a enorme certeza de que Portugal vai crescer 5,5% no próximo ano.

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