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KOPANO TLAPE / GCIS / HANDOUT/EPA

KOPANO TLAPE / GCIS / HANDOUT/EPA

5 pontos para perceber o que Marcelo vai encontrar em Moçambique

Esta terça-feira começa a primeira visita de Estado de Marcelo, que escolheu Moçambique. Há uma forte tensão política, social e económica no país. Saiba o que marcará a viagem presidencial.

Marcelo Rebelo de Sousa aterra esta terça-feira em Maputo para uma visita de Estado (a primeira) de cinco dias de agenda intensa. O Presidente tem um conhecimento profundo do país, e uma forte ligação de quase 50 anos que nasceu no tempo colonial e se prolongou até hoje. Marcelo manteve-se como visita assídua, mesmo depois de a família ter saído de Lourenço Marques, onde o pai foi governador-geral. Cultivou amizades e contactos políticos e segue agora viagem sobretudo para estabelecer pontes empresariais, mas também culturais.

A comitiva presidencial é apertada, porque a ordem em Belém é para contenção de despesa. Leva 27 pessoas, mas quase exclusivamente funcionários de Belém. Membros do Governo só mesmo dois secretários de Estado: a dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e o da Defesa. Os empresários foram contactados e convidados a comparecer em Maputo, num trabalho conjunto com a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), mas não integram a comitiva. Se decidirem enviar representantes, irão por sua conta.

Marcelo aterra em Maputo no começo da época seca (o inverno é uma época mais seca, mas também mais fria), depois da época das chuvas que, este ano, pouca chuva teve. A seca, mais um problema a somar a um país que vive um dos momentos mais duros dos últimos anos. Mas vamos por pontos:

Política: um país em conflito permanente

Antes de ir para Maputo, Marcelo passou por Roma para uma estadia rápida de dois dias. A visita terminou segunda-feira: meia hora depois de chegar de Itália, o Presidente da República embarcou para Maputo. Há uma curiosidade: foi em Roma que, em outubro de 1992, foi assinado o Acordo Geral de Paz para Moçambique, entre Joaquim Chissano (presidente e líder da Frelimo) e Afonso Dhlakama, líder da Resistência, a Renamo.

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O acordo teve forte empurrão da católica Comunidade de Santo Egídio e permitiu que o país saísse de uma guerra civil que durava há mais de 15 anos e, em Roma, Marcelo esteve agora reunido com a comunidade. O país ainda vive no sobressalto da memória da guerra, que se tornou mais viva nos últimos anos, nomeadamente desde 2012, altura em que Dhlakama se instalou na antiga base da Renamo na Gorongosa, a norte do país. Era o quartel general da Resistência durante a guerra civil. Começaram as ameaças constantes de regresso à guerra. Marcelo vai de Roma, mas sem querer intrometer-se nesta matéria. “O Presidente da República não vai fazer qualquer mediação”, explicou uma fonte diplomática ao Observador.

Normalmente, as queixas da Renamo, o maior partido da oposição, vêm na sequência de eleições gerais (o regime é presidencialista), sempre com acusações de fraude à Frelimo, que incluem também a Comissão Nacional de Eleições. A Renamo também critica o equilíbrio de poder na Administração Pública, apontando o dedo à Frelimo por dominar os cargos do Estado. Foram tentadas negociações, numa primeira fase, mas falharam sempre. Dhlakama aceitou reunir-se (como aconteceu ainda em fevereiro do ano passado com Nyusi), mas acaba sempre por voltar à base e manter elevada a tensão do conflito.

Partidos e movimentos

Em fevereiro de 2015, Dhlakama aceitou reunir-se com Nyusi, recém-empossado Presidente, em Maputo.

Depois do encontro entre os dois, a Renamo acabou por tomar posse dos 89 lugares no Parlamento, para os quais elegeu representantes. Entre a data das eleições (em novembro de 2014) e fevereiro de 2015, o maior partido da oposição recusou-se a assumir os lugares, em protesto com o ato eleitoral em que a Frelimo elegeu 144 deputados e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM, que nasceu de uma dissidência do presidente da câmara da Beira, Daviz Simango, com a Renamo).

Marcelo vai estar na Assembleia da República na quinta-feira, terceiro dia da visita, onde vai estar com os líderes dos três partidos com assento parlamentar, a pedido dos próprios. É o momento em o Presidente português contactará com a oposição, corporizada pela Renamo, mas também pelo MDM.

A tensão latente preocupa, com episódios que lançam o alerta, como a recente descoberta de uma vala comum no distrito da Gorongosa, precisamente o que tem sido palco de confrontos entre a Renamo e as forças de segurança do país. Uma questão que nos leva ao ponto seguinte.

Direitos: Na cauda do desenvolvimento humano

O episódio da vala comum fez soar as campainhas de alerta num país que continua nos lugares do fim da tabela no que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento Humano (o relatório é das Nações Unidas). Aliás, Moçambique aparece no final do grupo de países com “desenvolvimento humano baixo”, no lugar 180. Só há oito países com índices piores.

Economia, Negócios e Finanças, política económica, instituições económicas internacionais

O problema de segurança a Norte — e os ataques constantes em alguns dos troços da estrada principal do país — tem tido consequências devastadoras, a mais preocupante é a saída de refugiados da província de Tete para o Malawi. Um movimento semelhante ao da longa guerra civil que o país viveu. Em janeiro, as Nações Unidas previam que o fluxo continuasse a aumentar passando dos mais de 3 mil refugiados para os cinco mil.

Em vésperas da visita de Estado do Presidente português, Filipe Nyusi participou numa cimeira tripartida com Malawi e a Zâmbia, onde o assunto dos refugiados esteve em discussão. Do encontro com o presidente do Malawi, Peter Mutharika, saiu um acordo para a instalação de uma comissão conjunta para a questão dos refugiados. “A comissão vai trabalhar nos detalhes para entender a génese do problema e ver como é que os deslocados poderão regressar ao país voluntariamente”, disse Nyusi sobre o encontro.

Condições de vida: o rastilho social

Mais do que qualquer contenda política, é a instabilidade social que mais preocupa em Moçambique. O país não esquece o que aconteceu em setembro de 2010, quando o aumento dos preços de bens básicos desencadeou uma onda de greves e protestos na ruas de Maputo, que chegaram a ser violento e a provocar 13 mortos. Nessa altura ainda não havia o conflito armado da Gorongosa e nem por isso a capital do país deixou de viver dias violentos.

"Esta visita estava marcada há mais de um mês e meio. Nada impediria a minha visita", garantiu Marcelo Rebelo de Sousa na semana passada.

Nas últimas semanas, correram apelos à paralisação do país durante as datas que coincidem com a visita de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa ao país. A Presidência não equacionou alterar a visita e o próprio Presidente da República fez declarações públicas sobre o assunto para afirmar que “Moçambique precisa muito do apoio dos outros países de instituições internacionais e que esse apoio está constantemente a ser repensado. Mais uma razão para que os amigos de Moçambique não falhem estes momentos”. A garantia foi dada sem dúvidas e na primeira pessoa: “Esta visita estava marcada há mais de um mês e meio. Nada impediria a minha visita.”

Mas será provável que Marcelo veja nas ruas de Maputo o mesmo nível de segurança do final da semana passada, altura para a qual também estavam convocados protestos, também via redes sociais. A cidade esteve bem menos agitada por esses dias, com menos gente nas ruas do que o normal, mas com vários blindados militares distribuídos por alguns locais de Maputo.

As forças de segurança agiram em prevenção, ainda que fonte diplomática explique a diferença face ao que aconteceu em 2010. “As situações de pobreza suscitam mais comoção do que a indignação face à corrupção no país”, que é a questão que está na génese destas convocatórias.

Moçambique

Convocatória para paralisação do país na mesma semana da visita de Estado do Presidente português

Economia: escândalos e desconfiança

No verão passado, rebentou no país o escândalo que envolvia uma empresa pública de pesca de atum (EMATUM) que, sem o Estado o ter declarado, contraiu um empréstimo de 850 milhões de dólares. Surgiu um outro caso parecido, com a Proindicus, mais uma empresa estatal que contraíra um empréstimo de 622 milhões de dólares, também ocultado, para a compra de navios e radares de combate à pirataria. Não ficou por aqui e surgiu mais uma empresa estatal, a MAM, com um empréstimo avultado, de 535 milhões, também alheio às contas públicas. As decisões tomadas pelo anterior Governo foram vindo a público, divulgados pela imprensa internacional, primeiro o Wall Street Journal e, depois, o Financial Times. Para onde foi o dinheiro é o que falta explicar, com as suspeitas a recaírem sobre a compra de armamento e investimento em material de defesa.

Uma coisa é certa, enquanto existirem dúvidas, os 14 países do grupo de doadores que dá apoio direto ao Orçamento moçambicano (o que representa uma fatia de cerca de 5%) não adiantam dinheiro ao país. Na verdade, a desconfiança já alastrou a todos os doadores, uma lista onde se incluem países como a Alemanha, França, Itália, Bélgica, Espanha, Portugal, Suécia, Finlândia, Reno Unido ou mesmo a União Europeia e o Banco Mundial, e que representa quase 30% do Orçamento do Estado. Este já não em apoio direto mas através de projetos de investimento em áreas concretas.

O FMI dispôs-se a "avaliar as implicações macroeconómicas da ocultação de informação e identificar os passos para a estabilidade financeira" de Moçambique.

Pior: o Fundo Monetário Internacional também congelou os apoios ao país nas últimas semanas, pela mesma desconfiança. Há duas semanas, a diretora-geral do FMI reuniu-se com o primeiro-ministro de Moçambique, num encontro em Washington onde Carlos Agostinho do Rosário assumiu a ocultação de mais de mil milhões de dólares em dívida à instituição que tem um pacote de assistência financeira ao país. No comunicado final, o FMI admitiu a importância do reconhecimento feito pelo Executivo moçambicano, para o restabelecer da relação de confiança com o país e afirmou ainda que o Fundo continuará a “trabalhar construtivamente” com o Governo para “avaliar as implicações macroeconómicas desta ocultação de informação e identificar os passos para a estabilidade financeira”.

Este impasse somado à crise das divisas — há mais dólares a sair do país do que a entrar –, colocam o país à beira do colapso financeiro. E a economia do país sofre ainda um revés, por causas naturais: a seca na região sul, sobretudo na província de Gaza.

Portugal: uma relação pacífica, mas atenta

A relação bilateral tem-se mantido estreita, com forte enfoque ao nível comercial. Nos últimos cinco anos o número de empresas portuguesas a exportar para Moçambique duplicou e está hoje perto das 3 mil. Portugal é o quarto maior fornecedor de Moçambique e, no ano passado, as trocas comerciais entre os dois países tiveram um saldo de 317 milhões de euros. A exportação de máquinas e aparelhos representa 36% dos produtos vendidos ao país, logo seguida pelos metais comuns (14% das exportações).

No sentido contrário, ou seja, o que Portugal importa de Moçambique, aparecem os produtos alimentares, que representam a quase totalidade (81,4%) do que é comprado ao país, de acordo com a síntese da AICEP. Neste grupo, metade das exportações é com crustáceos e 30% e tabaco não manufaturado. Mas se Portugal é o quarto melhor fornecedor de Moçambique, está longe de ser o seu melhor cliente. No topo dessa lista estão os países baixos, logo seguidos pela vizinha África do Sul.

Marcelo e Nyusi promovem, logo no segundo dia de visita, um almoço com cerca de 150 empresários e administradores de empresas moçambicanas e portuguesas.

Marcelo colocou o forte pendor económico como espírito desta visita de Estado e vai promover, logo no segundo dia de visita e a par com o Presidente moçambicano, um almoço com cerca de 150 empresários e administradores de empresas moçambicanas e portuguesas. De Portugal vai estar, por exemplo, o presidente da CIP, Bruno Bobone, a Pinto Basto (área do transporte), a Visabeira, a Mota Engil e a Teixeira Duarte (construtoras), todos os bancos nacionais instalados em Moçambique, a Portucel, a Galp ou a Sumol. A vista às instalações desta última empresa será aliás um ponto da vasta agenda do Presidente, nos cinco dias em Maputo.

Politicamente, a relação é estável. Marcelo Rebelo de Sousa tem, pessoalmente, boas relações com Filipe Nyusi, que foi um dos dois chefes de Estado (além do espanhol, Filipe VI), a estar em Portugal para assistir à tomada de posse, tendo mesmo jantado no dia anterior com o Presidente da República. Há um impasse diplomático relativamente ao acordo ortográfico, que apesar de ter sido aprovado pelo Governo moçambicano, em 2012, não foi ratificado pelo Parlamento. Moçambique é (a par de Angola) um dos grandes países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa que não aplica o acordo. Mas a falta de acordo ortográfico parece mais uma oportunidade a Marcelo Rebelo de Sousa do que propriamente um problema.

Mozambican President Filipe Nyusi (L) is welcomed by Portuguese Prime Minister Antonio Costa upon his arrival at Sao Bento palace in Lisbon on March 9, 2016. / AFP / FRANCISCO LEONG (Photo credit should read FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

Filipe Jacinto Nyusi esteve em Portugal para a tomada de posse de Marcelo e reuniu-se com o primeiro-ministro em São Bento. FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

Na última edição do semanário Expresso, o consultor cultural do Presidente, Pedro Mexia falava na necessidade de “uma reflexão sobre a matéria”, “caso estes países [Angola e Moçambique] decidam não adotar o acordo”. O assunto vai estar em cima da mesa desta visita. “O Presidente considera que o Acordo Ortográfico é um acordo internacional que obedeceu sobretudo a razões de política externa e diplomáticas, partindo do princípio que era desejado pelo conjunto dos países da CPLP”, disse o conselheiro de Marcelo que ainda sublinhou que “embora o Brasil o aplique, outros países não decidiram ainda se o aceitam ou não, nomeadamente grandes países como Moçambique e Angola que têm uma reflexão em curso a este respeito”. O tema será incontornável nesta visita.

Nestes dias, Marcelo Rebelo de Sousa fará a tradicional visita dos chefes de Estado portugueses à Escola Portuguesa de Moçambique, vai também estar com académicos moçambicanos, antigos bolseiros que estudaram em Portugal, e ainda com criadores artísticos e culturais moçambicanos e com intelectuais do país. Para o último dia deixa o encontro com a comunidade portuguesa em Moçambique, num hotel em Maputo.

De acordo com o relatório estatístico de 2015 sobre a emigração portuguesa, Moçambique é o 9º país de destino de emigrantes portugueses e o segundo quando falamos de países da CPLP (aparece logo a seguir a Angola). O movimento intensificou-se nos últimos anos, com a crise económico-financeira em Portugal. Em 2011 entraram em Moçambique 2.264 portugueses e em 2014 (o último ano em que existem dados atualizados) entraram 3.971.

Marcelo Rebelo de Sousa participa no Grande Fórum Mozefo em Moçambique

O embaixador de Portugal em Moçambique, José Augusto Castro (ao centro), está em fim de mandato e é o atual conselheiro diplomático de Marcelo, em Belém. ANTÓNIO SILVA/LUSA

Foi neste período que Moçambique dificultou o processo de aquisição de vistos. Antes de 2013, os vistos eram concedidos na fronteira, mas agora quem viaja de países onde Moçambique tem consulado ou embaixada, tem de tratar disso no seu próprio país, antes da partida. Sem visto, não se entra mesmo em Moçambique. A regra criou o caos em Portugal, com numerosos portugueses a passar horas em filas, de madrugada, à Porta da embaixada moçambicana para conseguirem autorização de entrada. Mas Moçambique não tem mostrado vontade política de rever a regra e apenas acordou, em 2014, uma facilitação da concessão de vistos a empresários.

Marcelo aterra esta terça-feira de manhã cedo em Maputo (antes das 7h da manhã locais) já debaixo de sol intenso, terra de muitas memórias e onde procurará afetos, mas que vive momentos de alta tensão. “A situação económica e financeira não é fácil. Mais uma razão para os amigos de Moçambique estarem lá, na altura em que a situação não é fácil”, disse o Presidente dias antes da visita.

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