Os dados partilhados nesta fase do escrutínio orçamental são os grandes números. Ou seja, impossibilitam uma análise fina das opções orçamentais e políticas por cada área da governação. Na Educação, tradicionalmente uma das áreas com maior peso orçamental, sente-se com particular incidência, uma vez que há dezenas de rubricas de grande importância cujos valores ainda não se conhecem. Os dados detalhados virão em breve, daqui a umas semanas, quando o ministro da Educação for ao parlamento defender o OE2018. Até lá, estes são os cinco pontos de destaque e as duas conclusões possíveis.
Ponto 1. O valor total aumenta ou diminui? Em rigor, o OE2018 da Educação (6173 milhões €) apresenta uma diminuição de 2.9% (-182 milhões €) quando comparado à estimativa do dinheiro que será gasto em 2017 (6356 milhões €). Contudo, o ministério anuncia um aumento de verba, porque faz a comparação do OE2018 com o valor inicial (em vez daquele efectivamente gasto) do OE2017 (6023 milhões €), sendo que nesse caso o aumento seria de 150 milhões. A opção política do ministério, semelhante à que tentou impor no ano passado, deturpa a leitura orçamental e está errada – como aqui se assinala e como à época se explicou.
Ponto 2. Pode-se então concluir que o Orçamento na Educação irá mesmo baixar? Não. A leitura completa do OE2018 tem de ter em conta um problema estrutural no sector: uma desorçamentação crónica. Traduzindo, todos os anos se orçamenta um valor que está abaixo das necessidades, levando a que no final do ano o valor executado (i.e. investido realmente) seja superior ao inicialmente previsto. Em 2016, o valor executado foi 6% acima do previsto. Em 2017, foi 5.5% acima do previsto. E, em 2018, podemos estimar que será também assim (pelo menos +5%), ficando no mínimo à volta dos 6482 milhões €. Ou seja, o orçamento da educação está de facto a aumentar (ver gráfico). Apesar disso, o investimento em educação em percentagem do PIB está ligeiramente mais baixo face a 2012 e estabilizado nos 3.35%.
O que está por detrás desse aumento orçamental? É a pergunta fundamental – na teoria, pode tanto ser resultado de uma questão contabilística ou de opções políticas de investimento em áreas do sistema educativo. A resposta definitiva virá quando os dados detalhados do ministério da Educação forem entregues no parlamento – daqui a duas ou três semanas. Até lá, mesmo assim, é possível tirar algumas conclusões.
Ponto 3. Despesas com pessoal: o tendão de Aquiles deste orçamento. Se há algo que não bate certo no OE2018 da Educação é o valor previsto para salários – que, tudo indica, será muito superior ao indicado. Em rigor, é quase sempre assim: a suborçamentação na Educação é geralmente escondida nessa rubrica, com desvios brutais todos os anos entre o inicialmente previsto e o realmente executado. Mas, em 2018, parece que a manobra será ainda maior. No relatório, a indicação é de que o valor com salários ascenderá “apenas” a 4408 milhões €. Ora, este número é duplamente improvável. Primeiro, é improvável porque, em 2016, o valor realmente investido em salários foi de 4556 milhões – um valor superior e referente a menos funcionários (além de que, em 2017, houve vinculação de professores e em 2018 haverá ainda mais vinculações). Portanto, só tendo em conta o número de funcionários, o valor orçamental teria de ser superior. Segundo, o indicado no OE2018 é improvável porque está na mesa negocial o descongelamento das carreiras. Mesmo que por enquanto não se aplique aos professores (mas se aplique à restante função pública), ninguém acredita que essa exclusão sobreviverá no parlamento – PCP e BE apresentarão proposta de descongelamento e o PS aprovará. Na prática, a exclusão aparenta ser um pequeno truque para, nas contas, não insuflar o orçamento da educação no escrutínio parlamentar e público – é que, quando descongeladas as carreiras, o impacto da medida será muito significativo.
Ponto 4. Pré-escolar: promessa cumprida. O Ministério da Educação assumiu sempre que o pré-escolar constituía uma das suas prioridades estratégicas. Na política, entre o dizer e o fazer há uma grande diferença. Mas, neste caso, os números conferem. Em 2017, nas dotações específicas do seu orçamento, estima-se que o valor investido no pré-escolar seja de 541 milhões e que, em 2018, ascenda a 561 milhões. São valores positivos e superiores aos de anos anteriores (por exemplo, no OE2016, o investimento previsto foi de 462 milhões). A confirmação final virá com os detalhes orçamentais, mas parece haver uma consistência entre o compromisso político e os números.
Ponto 5. Ensino privado: a queda esperada. Não pode ser surpresa que o valor das dotações específicas ao ensino particular e cooperativo continuem a descer nos orçamentos deste governo. Em 2018, o valor total orçamentado é de 207 milhões €, muito longe dos 254 milhões € orçamentados em 2016. O que implica especificamente? Não é certo. O valor inclui muito mais do que os contratos de associação, pelo que, quanto à diminuição orçamental de que estes serão alvo e quanto a possíveis aumentos noutros tipos de contrato, o detalhe será conhecido daqui a umas semanas.
As conclusões possíveis. Podem-se retirar duas principais conclusões preliminares. A primeira é que o orçamento total do Ministério da Educação tem vindo a aumentar desde 2016, com o actual governo (como seria de esperar face à evolução positiva da economia) mas com moderação (em percentagem do PIB, o valor está estável). A segunda conclusão é que esse aumento, apesar de alguns investimentos estratégicos (como no pré-escolar) ou cortes políticos (ensino privado), explica-se quase todo através da verba alocada aos recursos humanos do Ministério. Traduzindo: o dinheiro que está a entrar a mais na Educação, comparativamente aos anos anteriores, não parece ser resultado de um investimento estrutural, mas sim apenas de aumentos nos quadros de pessoal. O ministro das Finanças garantiu, na apresentação do OE2018, que o orçamento não era eleitoralista. A ser verdadeira a afirmação, a Educação talvez constitua então a excepção à regra.
Alexandre Homem Cristo foi Conselheiro Nacional de Educação e, entre 2012 e 2015, foi assessor parlamentar do CDS na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. É autor do estudo “Escolas para o Século XXI”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2013.