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Michael Ochs Archives

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50 anos de "Space Oddity": um grande passo para David Bowie, um salto gigante para a humanidade

Quando o homem pisou a lua, já David Bowie nos tinha dado um tema do outro mundo. Nem a BBC quis saber se o astronauta da canção se viu em apuros. A banda sonora foi escrita nas estrelas há 50 anos.

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Usá-la naquele momento seria uma ideia de outro planeta. Tão inapropriada como assistir a um filme sobre um desastre de avião quando estamos a voar para casa. Ainda por cima, aquela letra não deixava margem para dúvidas:

“Ground control to Major Tom / Your circuit’s dead, there’s something wrong”

Um contratempo no espaço. Uma falha no equipamento. Um astronauta em apuros sem comunicação com a Terra. Em suma, uma canção imprópria para acompanhar a alunagem da Apollo 11 nesse julho de 1969 (e lançada precisamente no dia 11 desse mês, desse ano). Mas o milagre aconteceu, apesar do desfecho de “Space Oddity”. “Tenho a certeza que não escutaram bem a letra”, diria mais tarde David Bowie, citado por Jason Heller, autor de Strange Stars: David Bowie, Pop Music, and the Decade Sci-Fi Exploded (Melville House, 2018). “Não era muito agradável colar aquilo à alunagem. Claro que rejubilei por o terem feito. Algum tipo da BBC deve ter dito, ‘Ah, aquela canção do espaço do Major Tom, blá, blá, blá, é ótima para isto’. Ninguém deve ter tido lata para dizer ao produtor que o gajo ficava preso no espaço”.

Uma maratona de 10 dias na BBC

Lembrava a Rolling Stone há dez anos que naquele mês, há 50 anos, duas hipóteses monopolizavam a agenda de um comum mortal: assistir à alunagem ou fazer as malas para o Woodstock. A emissora britânica estava mais empenhada num longo festival de transmissões, o equivalente televisivo à concentração de 500 mil almas e uma astronómica dose de talento numa quinta em Bethel, Nova Iorque.

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Importa perceber que o astro em ascensão David Bowie não foi a única estrela da companhia nessa longa campanha que a emissora britânica dedicou a um dos momentos mais épicos do século. A cobertura da BBC estendeu-se ao longo de 10 dias e consistiu em 27 horas de conteúdos. Os programas, com o previsível mas eficaz nome de Apollo 11, foram transmitidos a partir dos Lime Grove Studios em Londres. As secções da BBC2 eram a cores, enquanto as da BBC1 se mantinham a preto e branco — a introdução da cor em definitivo nos pequenos ecrãs britânicos estava à distância de uns meses.

Uma conversão tardia ao culto de Bowie

Cliff Michelmore, James Burke e Patrick Moore lideraram as apresentações e explicações técnicas. Michael Charlton foi o ponta de lança a partir do Cabo Canaveral e da Missão de Controlo em Houston, nos EUA. Os cenários não podiam ser mais cósmicos, em sintonia com o tema, e claro que não faltou o relógio em contagem decrescente para o grande momento. O dito estúdio espacial acolheu ao longo de todas estas jornadas de espera diferentes programas, de notícias a formatos infantis.

É aqui que entraram os contributos de figuras como Ian McKellen, Judi Dench ou Roy Dotrice, chamados a ler poemas e inspirações sobre a lua; a tal peça instrumental dos Pink Floyd (mais tarde relegada para alguns álbuns com bootlegs); a prestação de Dudley Moore com o The Dudley Moore Trio; da cantora de jazz Marion Montgomery, e claro, de “Space Oddity”, de David Bowie.

[o vídeo oficial de “Space Oddity”:]

O culminar da alunagem não foi menos histórico para a emissora, que pela primeira vez passava a noite inteira no ar, das 11h30 de dia 20 de julho às 10h30 de dia 21. Eram 3h56 quando Neil Armstrong pôs o pé na lua, com os seus comentários a serem acompanhados pelo input de James Burke, para preencher algum silêncio.

Foi uma verdadeira surpresa para Bowie que a canção tivesse feito parte do alinhamento — a tal “Moonhead” dos Pink Floyd podia não ser a melhor escolha, mas ao menos era instrumental, sem letras capazes de apoquentar uma civilização inteira, recorda Heller na sua obra. O próprio artista temia pelo desfecho da missão e consequente fracasso do tema. Se o módulo Eagle não alunasse como previsto, o sucesso comercial de Bowie podia nunca mais descolar.

O androide numa canção melancólica

A deriva espacial narrada por Bowie antecipou-se à chegada à lua da mesma maneira que Stanley Kubrick ganhou terreno a essa missão de 1969. David somava 21 anos e três visionamentos do filme “2001 Odisseia no Espaço”, que se estreou nos EUA em abril de 1969 e chegou às salas de cinema britânicas nesse mês de maio (a Portugal, em outubro). Saiu siderado do cinema. “Foi com aquela sensação de isolamento que me identifiquei. Achei tudo incrível. Estava fora de mim, muito pedrado, quando fui vê-lo. Foi uma revelação completa. A canção começou a fluir aí”. Conhecemos o autor da frase e o tema em questão. A epifania em dose tripla foi recuperada pelo The Independent em 2018. No artigo, lembrava-se como por essa altura não era só Major Tom que andava perdido no espaço. O seu criador também andava com a cabeça na lua, em pleno rescaldo do fim da relação com a atriz Hermione Farthingale.

A epopeia de Major Tom não começou nem terminou com a campanha norte-americana. O trajeto da personagem fictícia começa, reza a lenda urbana, em Bromley, quando um adolescente Bowie, à época ainda de apelido Jones, se deixou encantar pelos cartazes que anunciavam o número do artista de circo e music hall Tom Major-Ball.

O single de sete polegadas foi gravado em 20 de junho de 1969 e lançada a 11 de julho, 9 dias antes de Armstrong pisar a superfície lunar. Em bom rigor, “Space Oddity” teve direito a algumas versões prévias e encarnações posteriores. A primeira demo foi gravada ainda nos últimos meses de 68, seguindo-se novo ensaio em fevereiro de 1969. Mas foi preciso esperar até 1984 para resgatar do baú esse registo então incluído no vídeo promocional “Love Me Till Tuesday ”, uma ideia do agente Kenneth Pitt. A face do camaleão aparece tão fria quando imperturbável, quase de plástico, fiel ao androide futurista que esteve sempre à frente do seu tempo. Bowie partilha a voz com John Hutchinson e haveria de incluir o som do stylofone.

[o vídeo original da canção:]

Quanto ao single, seria a faixa de abertura do homónimo segundo álbum de estúdio, David Bowie, tornou-se uma das suas canções assinatura e garantiu um lugar entre as 500 que marcaram o Rock and Roll, no respetivo Hall of Fame. No Reino Unido alcançou o quinto lugar nos tops, assinalando um dos primeiros sucessos de Bowie em casa, mas na América a canção não foi além de um discretíssimo número 124 em agosto de 1969.

Em 1972, o álbum em causa foi rebatizado Space Oddity e relançado nos EUA, na sequência de mais um triunfo relativamente modesto com os singles “Changes” (#66) e “The Jean Genie” (#71). Mas “Space Oddity” lá conseguiu situar-se em 15º, uma estreia na tabela dos 40 mais rodados para o artista.

Em 1975, de novo em solo britânico, o tema conheceu mais um lançamento — a versão incluía agora as canções “Changes” e “Velvet Goldmine”, promovidas como “Leve três pague duas”. O preço de amigo valeu a ascensão de Bowie ao primeiro lugar dos tops. Em 1979, Bowie gravaria uma nova versão, agora em formato acústico, editado em fevereiro de 1980 e como lado B de “Alabama Song”.

Major Tom e outras odisseias inspiradoras

A epopeia de Major Tom não começou nem terminou com a campanha norte-americana. O trajeto da personagem fictícia começa, reza a lenda urbana, em Bromley, quando um adolescente Bowie, à época ainda de apelido Jones, se deixou encantar pelos cartazes que anunciavam o número do artista de circo e music hall Tom Major-Ball (1879-1962) — falamos nada mais nada menos que do pai do antigo primeiro-ministro britânico John Major, que ocupou o nº10 de Downing Street entre 1990 e 1997.

Depois de “Space Oddity”, Major Tom conheceria uma série de outras peles, a começar pelo regresso em “Ashes to Ashes”, em 1980, agora alinhado com o impacto da heroína e numa revisão autobiográfica da letra original — “Ashes to ashes/ funk to funky/ We know Major Tom’s a junkie/ Strung out in heaven’s high/ Hitting an all-time low.” “Low” que, de resto, se tornaria o título do álbum de 1977, tempo de abusos e retiradas estratégicas. “Hallo Spaceboy”, “New Killer Star” e “Blackstar” voltariam de forma mais ou menos discreta a resgatar Tom, o astronatuta que poderá dever a sua origem a Kubrick e não só. Jason Heller enquadra-o num tempo marcado por outros enredos espaciais, que poderão ter inspirado o músico.

Bowie em 1980, ano em que "Ashes to Ashes" recupera a personagem de Major Tom @Getty Images

Getty Images

“The Quatermass Experiment”, de 1953, terá sido um programa de eleição de um jovem Bowie sentado no sofá dos pais, para não falar de outras referências mais imediatas. Em janeiro de 1969, quando Bowie trabalhava nas primeiras demos de “Space Oditty”, a BBC emitia a série “Out of the Unkown”, com um dos episódios dessa altura, “Beach Head”, a retratar as desventuras de um astronauta atormentado pelo desconhecido. Heller evoca ainda a referência extraída de “Kaleidoscope”, de Ray Bradbury, de 1951, sobre uma tripulação à deriva depois de um acidente no espaço.

Regresso ao futuro com Chris Hadfield

A 13 de maio de 2013 chegava ao YouTube mais uma versão de “Space Oddity”, interpretada por um astronauta de carne e osso, a bordo da Estação Espacial Internacional. Tornou-se viral o vídeo com o canadiano Chris Hadfield, o primeiro gravado no espaço, recorrendo a uma guitarra que costumava encontrar-se pela estação. Coube à vocalista, compositora e integrante da banda de Bowie em 99-2000, Emm Gryner, editar o registo e incorporar alguns sons para o resultado que ficou à vista e à escuta. Imagens do planeta Terra completavam o comovente resultado final, com uma guitarra flutuante e um cantor improvisado com o aparente peso de uma pluma. Bowie descreveu-a como “possivelmente uma das mais tocantes versões da canção alguma vez feitas”.

Também a BBC se junta aos festejos da efeméride, através da produção de um documentário que será o terceiro e último de uma trilogia que recupera a biografia de Bowie, e que deverá estrear-se no próximo ano. Desde que "Space Oddity" em single foi lançado no Reino Unido, em 11 de julho de 1969, até ao seu 50.º aniversário, passaram 18,262 dias.

Hadfield, que introduziu pequenas nuances na letra, deixando de fora, por exemplo, a parte em que Major Tom perde contacto com o planeta, viu-se envolvido no ano seguinte num complexo emaranhado jurídico. Afinal de contas, a legislação sobre direitos de autor no espaço era uma questão um bocado nova. O acordo inicial compreendia um ano para a permanência da canção disponível, tendo sido retirada da plataforma em 13 de maio de 2014. Por essa altura, já com os pés firmes na Terra, Hadfield tentou negociar a utilização do tema com os detentores dos direitos. O acordo final chegaria em novembro de 2014, quando a canção voltou a estar disponível. O vídeo leva mais de 43 milhões de visualizações.

[Chris Hadfield canta “Space Oddity” no espaço:]

A reedição comemorativa 18,262 dias depois

Uma edição especial da Parlophone assinala os 50 anos da canção, com direito a um poster com uma foto original de Ray Stevenson, que captou David Bowie no London Palladium, em 30 de novembro de 1969, e ainda uma imagem alternativa da capa do single, de autoria de Jojanneke Claassen. A editora continua assim a apostar em material do artista, depois de já este ano ter lançado Spying Through A Keyhole, uma viagem por demos e temas inéditos. Quanto ao novíssimo set, inclui dois singles de sete polegadas e promete um preço um pouco mais acessível do que o inicialmente anunciado para as Mercury Demos (o vinil que condensa 10 das primeiras gravações de Bowie, para mais um regresso a 69), que entretanto na Amazon já sofreram um corte de 25%). E se o primeiro single se mantém o mais fiel possível a versão original de “Space Oddity”, o segundo tem o dedo e a mistura do produtor Tony Visconti. “Wild-Eyed Boy From Freecloud” (orem versão original e numa mistura do mesmo Visconti) são os lados B.

Uma cassete com demos nunca utilizadas do primeiro álbum de David Bowie vai ser leiloada este mês

Também a BBC se junta aos festejos da efeméride, através da produção de um documentário que será o terceiro e último de uma trilogia que recupera a biografia de Bowie, e que deverá estrear-se no próximo ano. Quanto aos 13 minutos que definiram um século, pode contar com o podcast especialmente lançado pela BBC, e por falar em números, tome nota porque este é bom para brilhar a meio de uma conversa. Desde que “Space Oddity” em single foi lançado no Reino Unido, em 11 de julho de 1969, até ao seu 50.º aniversário, passaram 18,262 dias.

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