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José Manuel Fernandes. Um partido fora deste tempo

“O atual PSD tem medo de ter qualquer ideia para o que quer que seja que possa dividir as opiniões, porque tudo o que Rui Rio deseja é aguentar-se no PSD até que os portugueses de cansem do PS e ele tenha uma hipótese de ganhar eleições.”

“As pessoas deixaram de votar em nós porque nós deixámos de acompanhar os tempos”, disse no sábado José Eduardo Martins para uma sala já quase vazia, mas não suficientemente vazia para que não se ouvissem apupos. Mas talvez tenha sido uma das frases mais certeiras de um congresso em que o PSD se empenhou em enterrar ainda mais a cabeça na areia.

Rui Rio continua a olhar para a política como se olhava há décadas, arrumando os eleitores como se arrumam os deputados, todos bem escalonadinhos num gradiente que vai da extrema-direita à extrema-esquerda e sem compreender que hoje a plasticidade eleitoral é muito maior. Não há “eleitores do centro” – há eleitores moderados, que é uma coisa diferente. E se são poucos os eleitores radicais, há muitos eleitores zangados e muitos mobilizáveis por causas singulares. O que requer que se faça política de forma diferente.

É por isso vazia de sentido e de conteúdo a sua proposta de posicionamento político: “Não somos a direita, nem somos a esquerda. Não somos liberais nem conservadores, assim como não somos socialistas nem estatizantes. Abarcamos todo o centro político, ou seja, o espaço onde se encontra a esmagadora maioria das pessoas.”

Isto não é nada, não é o que o PSD foi ao longo da vida – basta recordar que sempre que governou, liberalizou – e nem sequer é ponto de partida para lugar algum. O PSD foi reformista quando tinha uma ideia para o país – e quando essa ideia não era apenas mais do mesmo, ou uma dose diferente do mesmo. Mas o atual PSD tem medo de ter qualquer ideia para o que quer que seja que possa dividir as opiniões, porque tudo o que Rui Rio deseja é aguentar-se no PSD até que os portugueses de cansem do PS e ele tenha uma hipótese de ganhar eleições – não por mérito, mas por demérito. Por isso não quer que nenhum eleitor se assuste com nenhuma ideia, nenhum projecto do PSD. Por isso, se algum dia for governo, também não terá energia, nem trabalho de casa feito, nem base de apoio para reformar o que quer que seja.

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É natural por isso que o partido continue dividido e vá continuar dividido. Da mesma forma que é natural que vá continuar a envelhecer e a ficar cada vez mais longe dos tempos que correm.

Miguel Pinheiro. O discurso que o PSD devia ter ouvido (mas não ouviu)

“Este foi o Congresso de Hugo Soares e de Luís Montenegro, de Miguel Pinto Luz e de Nuno Morais Sarmento; este não foi o Congresso de José Eduardo Martins. E esse, numa frase, é o problema do PSD.”

No Congresso do PSD, houve muitos que falaram muito. Falaram sobre a direita, sobre a esquerda e sobre o centro; falaram sobre as traições e sobre o cinismo; e falaram sobre Sá Carneiro, porque nunca um social-democrata se considera verdadeiramente social-democrata até se aspergir com uma qualquer frase de Sá Carneiro, mesmo não percebendo que há frases que fazem todo o sentido em 1978 mas não fazem sentido nenhum em 2020. E depois de muito falar, e de muito citar, e de muito gritar, todos estes muitos congressistas encheram o peito para um derradeiro, e esforçado, “Viva o PSD! Viva Portugal!”.

Houve, porém, um congressista que não deu vivas ao partido ou à pátria, não citou Sá Carneiro e não se desorientou com a geografia do PSD. José Eduardo Martins decidiu falar quando faltavam dez minutos para as 20h de sábado (o que quer dizer que dois terços da sala já abandonara para jantar); quando faltavam cinco minutos para acabar o prazo de entrega das listas (o que quer dizer que quatro quintos da sala estava a fazer contas de cabeça); e quando faltavam 35 minutos para começar o FC Porto-Benfica (o que quer dizer que a totalidade da sala estava a pensar numa bola). Em muito pouco tempo, José Eduardo Martins disse três coisas que o Congresso devia ter ouvido (mas não ouviu).

A primeira coisa que o Congresso devia ter ouvido (mas não ouviu) foi esta: “Estamos entalados entre a direita reacionária que não nos diz nada e uma esquerda cada vez mais revolucionária e folclórica — que é o pior que pode acontecer a uma democracia. Os reacionários e os revolucionários não gostam da sociedade em que vivemos. E eu gosto. Eu gosto da sociedade em que vivo”.

A segunda coisa que o Congresso devia ter ouvido (mas não ouviu) foi esta: “Não somos o partido do capitalismo selvagem, sabemos que não há liberdade sem economia de mercado e sem capitalismo, mas queremos um capitalismo regulado porque nos chocam estas desigualdades que fazem as pessoas fugirem cada vez mais para os extremos. E é essa a resposta que não temos dado às pessoas”.

A terceira coisa que o Congresso devia ter ouvido (mas não ouviu) foi esta: “Eu sou o exemplo da geração que mais beneficiou com o 25 de abril e com o trabalho do PSD. Eu sou filho de uma mulher que foi de Coura para Lisboa e de um homem que foi de Oleiros para Lisboa — e a escola pública fez-me subir na vida. E eu não tenho a certeza que nós hoje estejamos a deixar aos meus filhos o mesmo que o PSD me deu a mim. E é essa a nossa obrigação. É por isso que estamos na política. É para dar aos que aqui vêm as mesmas oportunidades que nós tivemos. A minha geração tem a obrigação de devolver a Portugal o muito que Portugal e o PSD lhe deu. E não o fez ainda”.

Este foi o Congresso de Hugo Soares e de Luís Montenegro, de Miguel Pinto Luz e de Nuno Morais Sarmento; este não foi o Congresso de José Eduardo Martins. E esse, numa frase, é o problema do PSD.

Filomena Martins. O centro do PSD é o umbigo de Rio

Rio quer que o partido, os eleitores e até o país se adaptem a ele. Ele não muda. A posição dele está tomada. Mas será esta a posição que o PSD precisa?

A única grande dúvida deste congresso do PSD era perceber se Rui Rio ia clarificar, só um bocadinho que fosse, o posicionamento ideológico do PSD. Pode parecer coisa pouca. Mas era um pequeno passo na sua liderança, um grande salto para o partido e para a direita.

Rio preferiu começar a falar para dentro. Foi o arrumar da casa, a necessidade de lavar a roupa suja que ainda havia a lavar. Daí os assobios a quem ameaçou continuar a andar por ali na oposição caseira (Montenegro) e os aplausos ao único que falou sobre o que devia ser realmente a oposição ao Governo (Rangel).

Só no fim falou para o país. Num discurso sem surpresa e de bocejos. E entre os dois momentos a tal dúvida ficou mesmo esclarecida. Para o mal. O PSD sempre representou classicamente a direita, mas Rio não está preocupado com esses eleitores. A sua estratégia não se alterou um milímetro (mesmo que tenha incluído referendos à eutanásia). Ele quer reunir o centro que vai daquela metade do PS que mais lhe agrada até sabe-se lá onde. Quer apenas que o bloco à direita seja maior que o bloco à esquerda. Isso é q.b.. Ponto.

Não quer ferrar os dentes nos votos do dividido CDS onde agora Francisco Rodrigues dos Santos (que depois de criticar, felicitou especialmente, para depois ouvir o que não queria) anda a recolher cacos. Não lhe importa que o Iniciativa Liberal apresente as ideias novas que há muito tempo alguns votantes social-democratas querem ouvir. E não parece minimamente preocupado com o crescimento do extremismo do Chega, talvez nem tenha dado conta que André Ventura lhe retirou mediatismo este fim de semana ao anunciar uma candidatura presidencial.

Rui Rio continua igual a si mesmo. Traçou uma linha e não se desvia dela. Segundo ele, há-de conseguir conquistar a direita do centro. Porque o PS virou à “esquerda radical” e porque o seu PSD é um partido ao centro. Com esses votos conquistados, os votantes do PSD hão-de votar nele, será uma inevitabilidade. Ele depois fará a geringonça, se tiver de a fazer, com quem estiver no CDS e no Iniciativa Liberal. Ou até com o PS (o lado bom dos socialistas ou aqueles que ele há-de trazer para esse lado e a quem voltou a propor pactos de regime), porque não?! E assim chegará a primeiro-ministro.

Parece simples, não é?! Até porque alguém continuará a apupar Montenegros quando for preciso. Pinto Luz e demais pequenos adversários servirão só para lhe dar força. Rangel haverá de manter (inteligentemente) as suas ambições guardadas para mais tarde. E o mundo, a realidade e o tempo farão por si cair de maduros Costa e Centeno, claro está!

Rio quer que o partido, os eleitores e até o país se adaptem a ele. Ele não muda. A posição dele está tomada. Mas será esta a posição que o PSD precisa? E alguma vez este PSD de Rio poderá unir e voltar de novo a colocar a direita no poder? Até Cavaco duvida, ele que raramente se engana. Porque o centro de Rio é unicamente o seu próprio umbigo.

Pedro Benevides. Rio sabe onde estão os votos. Conseguirá ir lá buscá-los?

“Com a oposição interna fragilizada, e com as autárquicas à porta, Rio tem agora mais condições para provar que está certo. E que não está a gerir calendário à espera que o Governo de Costa caia de podre.”

O PSD de Rio já sabe onde estão os votos. É ao centro, aquele lugar mítico cuja ideologia abrangente atrai a maioria dos eleitores que ora elegem sociais-democratas, ora elegem socialistas para governar. A matemática não é muito original, mas Rio precisou de voltar a fazer as contas para os militantes de um partido que tem passado demasiado tempo a discutir onde se deve posicionar ideologicamente.

Até porque do outro lado mantêm-se os que defendem o contrário: que esta aposta ao centro (e esta recusa da direita) torna o PSD num partido sombra do PS e que assim nunca se tirará os socialistas do poder. Esse lado, corporizado sobretudo por Luís Montenegro, entrou derrotado e saiu apupado de um congresso onde as feridas das diretas permitiram apenas deixar uma vaga ameaça de resistência. Montenegro, citando Sá Carneiro — cujo busto juro que vi a revirar os olhos tal foi a quantidade de banalidades ditas com inspiração numa frase sua —, clamou que não tem o direito de ficar calado. Mas, para já, não tem muito para dizer.

Este era o congresso de Rio e, tal como se esperava, entronizou o líder num ambiente morninho e sem história. Entalado entre um FC Porto-Benfica e ofuscado por uma candidatura presidencial de André Ventura, os sociais-democratas disseram ao seu presidente para seguir em frente no caminho que acredita ser o melhor para o país. E Rio, sem nunca galvanizar os congressistas, fez isso mesmo: repetiu mensagens, evitou novidades, traçou um diagnóstico crítico da governação, pediu reformas, propôs pactos e elencou as várias prioridades que têm sido as suas nos últimos dois anos, que foram as suas nas eleições legislativas. E isso pode ser um problema.

Este PSD garante saber onde estão os votos, que é ao centro, mas os últimos resultados eleitorais mostram que o partido talvez ainda não saiba o que fazer ou a quem falar para os ir buscar. Com a oposição interna fragilizada, e com as autárquicas à porta, Rio tem agora mais condições para provar que está certo. E que não está a gerir calendário à espera que o Governo de Costa caia de podre.

Alexandre Homem Cristo. PSD, sociedade unipessoal Lda.

“Um partido unipessoal tem por definição um problema irresolúvel: se feito à fiel imagem de alguém, será sempre exclusivo — nunca poderá crescer porque nunca lá caberá mais ninguém.”

Rui Rio, logo no arranque do Congresso, informou sobre o que é este seu PSD. Aliás, sobre o que não é o seu PSD: não é de direita, nem de esquerda; não é liberal, nem conservador; não é socialista, nem estatizante. Ou seja, por exclusão de opções disponíveis, o PSD de Rui Rio é aquilo que indefinidamente se apelida de “centro”, embora orientado por uma ideologia social-democrata “reformista e moderada” (que, hoje em dia, outros partidos escolhem para si mesmos, tais como o BE, o PS e até o CDS, o histórico centro democrático e social). Após dois anos de liderança, Rui Rio permanece refém destas charadas ideológicas, incapaz de explicar ao país o que representa o PSD. Já era tempo de ultrapassar este bloqueio. E, afinal, a definição mais precisa é simples e contém poucas palavras: o PSD de Rui Rio é Rui Rio.

Repare-se: o posicionamento político do partido está em estreita coincidência com a visão de Rio sobre a sociedade, da Justiça à regionalização. As bandeiras do partido são os trunfos pessoais do currículo de Rio – com destaque para a “seriedade na política”. A estratégia de afirmação do PSD é o retrato da personalidade de Rio: um partido que exclui em vez de agregar, porque Rio tem na inflexibilidade um dos seus traços mais característicos. Ou seja, o PSD que Rio lidera é igual a si mesmo. E, com uma oposição interna enfraquecida, essa pessoalização do PSD no seu líder ficou ainda mais perceptível.

Problema: o PSD vai perdendo pluralidade. Muitos militantes não se revêem em Rui Rio ou neste PSD à sua imagem, como se comprovou pelas votações baixas das listas únicas que Rio apresentou aos órgãos do partido. Sim, a legitimidade deste caminho ninguém poderá retirar ao actual líder. Mas a pergunta mais importante continua por responder: sem pluralismo, como poderá o PSD recuperar os eleitores que perdeu? Percebeu-se que, nos corredores do Congresso, já se sonha com assaltos ao poder e lançam-se avisos sobre a efemeridade deste governo do PS. Mas, ao mesmo tempo, continuamos todos sem perceber como é que o PSD poderá voltar a valer 38% ou mais em eleições legislativas, de modo a poder liderar uma alternativa. É que um partido unipessoal tem por definição um problema irresolúvel: se feito à fiel imagem de alguém, será sempre exclusivo — nunca poderá crescer porque nunca lá caberá mais ninguém.

André Azevedo Alves. Um congresso à medida de Rio

“Não seria aliás  que a revalidada liderança de Rio não tivesse agora tempo e espaço para continuar a seguir o rumo claramente assumido desde o início: colocar o PSD ao centro.”

Um congresso não electivo tem uma elevada probabilidade de ser morno e foi isso mesmo que aconteceu neste congresso do PSD. Depois de Rui Rio e Salvador Malheiro terem derrotado a oposição interna dentro do partido, a questão da liderança ficou resolvida pelo menos até às próximas eleições autárquicas — e possivelmente até às próximas legislativas.

Não seria aliás compreensível que a revalidada liderança de Rio não tivesse agora tempo e espaço para continuar a seguir o rumo claramente assumido desde o início: colocar o PSD ao centro do sistema partidário nacional, com orientação preferencial para o eleitorado de centro-esquerda.

O próximo grande teste será nas próximas autárquicas e muitas das mensagens do Congresso tiveram essas eleições em mente, nomeadamente visando recrutar e mobilizar os candidatos com maior potencial eleitoral. Eleições nas quais o PSD tem boas possibilidades de melhorar relativamente aos péssimos resultados das últimas autárquicas.

De resto, há a registar a integração na direção de Joaquim Miranda Sarmento (o quadro mais qualificado na esfera de Rio), assim como algumas propostas interessantes na moção de Poiares Maduro, Leitão Amaro, Duarte Marques, Lídia Pereira e Carlos Coelho. É ainda de realçar a significativa vitória da lista liderada por Paulo Colaço para o Conselho de Jurisdição Nacional, derrotando a lista de Fernando Negrão, ligada a Rio.

Tudo considerado, talvez o dado mais sintomático seja que o principal facto político do fim-de-semana do congresso do PSD tenha sido o anúncio da candidatura presidencial de André Ventura. Anúncio esse cujo timing não foi naturalmente uma coincidência.

André Abrantes Amaral. O congresso dos rendidos

“Este PSD é o reflexo de um país rendido ao socialismo. Resta saber se, perante o choque que vai ser o despertar para a realidade, o eleitorado lhe perdoa isso.”

O PSD vive um momento semelhante pelo que passou em 1978. Nessa época o país aparentava ser maioritariamente de esquerda e alguns no PSD receavam confrontar um discurso que parecia unânime. Vários pretendiam que o PSD se entendesse com o PS para o afastar do PCP.

A situação em 2020 é parecida com a diferença que os “inadiáveis” de agora prevalecem em toda a linha. Rio quer forçar o PS a um entendimento mesmo que isso signifique reposicionar o seu partido. O braço-de-ferro à volta do IVA na eletricidade foi mais um exemplo disso mesmo. Falhou, mas a experiência é para repetir.

Apesar do bom diagnóstico que fez do país no discurso de encerramento do congresso, este não chega para que Rio se decida por um confronto frontal com o PS. Uma incongruência que se explica por este líder social-democrata não ter uma visão muito diferente da do PS. Este PSD é o reflexo de um país rendido ao socialismo. Resta saber se, perante o choque que vai ser o despertar para a realidade, o eleitorado lhe perdoa isso.