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Rui Oliveira/Observador

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8 respostas sobre o que pode acontecer aos alunos que faltaram às aulas de Cidadania e voltaram a 'chumbar'

Meses depois, a polémica voltou. Dois alunos voltam a chumbar por faltas à disciplina Cidadania e o pai avançou com providência cautelar. Caso pode abrir precedente e CPCJ pode ter de intervir.

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A polémica com os dois alunos que tinham chumbado por faltas à disciplina obrigatória de Cidadania e Desenvolvimento reacendeu-se nos últimos dias, quando se soube que tudo voltou a repetir-se este ano. O caso é inédito e pode abrir um precedente: até que ponto é que os pais podem influenciar o currículo escolar e opor-se a que certas matérias sejam lecionadas? A decisão cabe aos tribunais.

Mas qualquer que seja a decisão, tudo será “difícil”, defende Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas). Caso a Justiça decida a favor dos pais (como já fez em fevereiro, quando a ordem de retenção foi suspensa), os alunos poderão nunca mais frequentar a disciplina, criando-se a dúvida sobre se os pais poderão passar a decidir “se querem que os filhos cumpram o currículo previsto”.

Por outro lado, se o tribunal der razão à escola e ao Ministério da Educação, levantam-se muitas outras questões, das quais se destaca uma: o que acontece aos dois alunos e ao seu percurso escolar? Paulo Veiga e Moura, advogado em direito administrativo, admite que o caso pode chegar a tribunais europeus e que a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CPCJ) poderá ter mesmo de intervir. “O pai pode perder a tutela e o poder paternal dos filhos e estes serem entregues a outra pessoa”, reconhece o especialista. Mas, para além disto, o que estará em causa? O que diz a lei? E quais serão as consequências psicológicas deste processo para os jovens?

Tribunal suspende retenção de alunos de Famalicão que não frequentaram Cidadania

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O que está em causa e o que reacendeu a polémica?

O Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, em Vila Nova de Famalicão, decidiu reprovar novamente dois alunos que não estão a frequentar as aulas de Cidadania e Desenvolvimento e os pais voltaram a avançar com uma providência cautelar para que os filhos não chumbem.

Em comunicado, o pai dos menores volta a acusar o Estado, o Ministério da Educação e a escola de abuso de poder e diz que os filhos estão a ser “reféns” de uma “obsessão” para “impor, nem que seja à força, a disciplina” e fala mesmo em “perseguição de quatro entidades do Estado: Ministério da Educação, Ministério Público, Segurança Social e Comissão de Proteção de Crianças e Jovens”.

Desde o ano letivo 2018/19 que os dois filhos de Artur Mesquita Guimarães não participam na disciplina obrigatória de Cidadania e Desenvolvimento por decisão dos pais — mas são marcadas faltas que, como são constantes, dão direito a chumbo. Em 2018/2019, o Conselho de Turma acabou por aprovar os alunos, mas, um ano depois, Artur foi informado de que essa decisão poderia ser revertida e que os seus filhos, já a frequentar o 6.º e o 8.º ano, teriam de andar um ano para trás — e eventualmente perder também aquele no qual se encontravam, pelo facto de a situação se manter. O motivo? A decisão de não chumbá-los violava a lei.

Os alunos conseguiram, ainda assim, transitar para o 7º e o 9º ano, na sequência de uma providência cautelar interposta pelos pais e que impediu a retenção, mas este ano tudo voltou a repetir-se e pelos mesmos motivos.

O que disse até agora o tribunal e por que motivo é que os alunos passaram de ano?

A 22 de janeiro de 2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu provimento à primeira providência cautelar interposta pelos pais, na sequência da determinação do diretor do Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, ratificada pelo secretário de Estado adjunto e da Educação.

O tribunal suspendeu, assim, o chumbo dos dois alunos por considerar que os interesses das crianças (em progredir os estudos nas outras disciplinas) devia prevalecer sobre o cumprimento da legalidade subjacente ao currículo escolar.

Cidadania. Alunos voltam a chumbar: “Tribunais têm que decidir e alunos devem voltar a passar de ano”

Convém salientar todavia que, de acordo com o advogado Paulo Veiga e Moura, é o juiz da ação principal que irá decidir o caso. “Ter ganho a primeira providência cautelar não significa absolutamente nada e apresentar uma segunda é irrelevante. Vai com certeza ganhar outra vez, mas ficará tudo novamente dependente da decisão definitiva do tribunal”.

Este segundo chumbo era expectável, tendo em conta o que já se tinha passado?

Em termos administrativos, não há nada que se possa fazer, diz Filinto Lima, que considera que a reprovação dos dois alunos era “expectável”, tendo em conta que os alunos faltaram às aulas e, por muito bom que fosse o seu desempenho escolar, a “escola não poderia fazer mais nada” que não fosse chumbá-los.

“A decisão final cabe agora à Justiça”, destaca o responsável, que pede que o julgamento seja “rápido”, que haja “celeridade”. “Por um lado, os jovens estão metidos num fogo, por outro a situação não se resolve”, explica Filinto Lima: “É do interesse de todos que seja o quanto antes”.

O que acontece se o pai ganhar? Quais são as implicações?

Para o advogado Paulo Veiga e Moura, este é o cenário menos provável de acontecer. Se o tribunal entender dar razão ao pai, os alunos “não poderão chumbar à disciplina por faltas”. Filinto Lima também é dessa opinião: “Se a Justiça decidir a favor do pai, a questão fica resolvida — os alunos não frequentam mais a disciplina”.

Ainda assim, os dois sublinham que a decisão pode abrir um precedente. “Embora a decisão do tribunal seja apenas para este pai e os seus filhos, a verdade é que outros pais podem sentir a legitimidade de reivindicar o mesmo e serão tentados a fazer exatamente a mesma coisa”, explica ao Observador o advogado, afirmando que se o Ministério da Educação perder definitivamente o caso “terá de repensar seriamente se deve ou não chumbar crianças que estão nesta situação”.

Também Filinto Lima diz que a decisão “vai fazer jurisprudência e lei”. “A partir de agora, qualquer caso idêntico se guiará por este”, afirma. “Vai ser decidido se os pais podem prescindir ou não de querer que os filhos cumpram o currículo escolar” e se há “legitimidade” nesse processo. “Será que agora os pais vão ter de dizer se concordam ou não que o seu filho frequente alguma disciplina?”, questiona.

"Terão os pais legitimidade para não querer que o Auto da Barca de Inferno ou algum evento histórico esteja nos conteúdos programáticos?"
Filinto Lima

Porque os pais têm falado em objeção de consciência?

O pai dos dois jovens invocou como justificação “objeção de consciência” para que os filhos não frequentassem as aulas de Cidadania e Desenvolvimento, argumentando que a matéria lecionada cabia apenas à esfera familiar e que não era responsabilidade da escola ensinar assuntos como a sexualidade ou a igualdade de género.

Na decisão de janeiro, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não deu acolhimento ao argumento de objeção de consciência esgrimido pelos pais para impedirem os filhos de frequentar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. “Não se consegue perceber em que é que a violação de consciência ocorre”, já que os pais “não indicam uma matéria concreta que colida com um seu princípio ou convicção”.

Alexandre Homem Cristo, politólogo e ex-conselheiro no Conselho Nacional de Educação, considera que deve haver uma discussão sobre a disciplina. “Acho que faz sentido procurarmos um consenso social sobre o que deve ser o conteúdo da disciplina”, defende.

O politólogo sugere, por isso, uma “revisão participada da comunidade nos guiões”. “Para cada uma das áreas da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento há orientações e essas foram construídas com base no diálogo com várias associações”, indica Alexandre Homem Cristo, que sinaliza, no entanto, que “no caso das orientações que vieram da Comissão de Igualdade de Género” existe “conteúdo que evidentemente é passível de discussão”.

“Uma coisa é questionar se a terra é redonda. Esse debate não existe no plano científico, isso está provado”, aponta, sendo que temas como o “género como construção social” são “discutíveis”, uma vez que “não existe um consenso científico”.

"Seria de evitar matérias que tenham essa subjetividade sejam ensinadas nesses termos. Acho que ganharíamos todos se os temas da cidadania fossem motivo de união".
Alexandre Homem Cristo

Também David Justino, antigo ministro da Educação, considera que se deve “invocar a objeção de consciência”. O vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD defende que “há falta de bom senso dos dois lados”, que há “falta de diálogo” e “teimosia”, não só por parte dos pais, como também por parte do Ministério da Educação. “Já era tempo de a situação estar resolvida”, frisa, dizendo que é “triste” que “dois excelentes alunos estejam a ser prejudicados por causa deste assunto”.

E se o tribunal não der razão ao pai?

Caso o tribunal não dê razão ao pai e este insista em que os filhos não frequentem a disciplina, as consequências são mais imprevisíveis. “É um caso difícil, é uma novidade para Justiça”, sublinha Filinto Lima. “Em termos administrativos não se sabe, até que ponto é que isto se poderá traduzir”, diz o responsável.

Bem mais contundente é Paulo Veiga e Moura, que afirma que a decisão é aparentemente simples: os alunos terão de recuar ao ano em que toda esta situação se colocou. “Neste caso, é como se eles tivessem chumbado dois anos”, frisa Paulo Veiga e Moura, acrescentando que o recuo escolar é da “inteira responsabilidade do pai”.

“Estamos a falar de crianças, menores, portanto, o pai é o principal responsável pela educação dos seus filhos. Poderá vir a ter problemas com a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CPCJ)”, reforça, acrescentando que cabe ao Ministério Público (MP) atuar nesta matéria, caso o tribunal dê razão ao Ministério da Educação.

O advogado admite que “em último caso” a medida mais extrema pode ser mesmo a perda da tutela e do poder paternal. “O pai pode perder a tutela e o poder paternal dos filhos e estes serem entregues aos de outra pessoa, incluindo outros familiares ou até mesmo instituições, ou seja, aqueles que o tribunal entender mais ajustados”.

"O MP não pode assistir impávido e sereno a um pai prejudicar os interesses de um filho menor e, em função de decisão do tribunal, deverá atuar".
Paulo Veiga e Moura

Sobre a intenção de o pai levar o caso até às últimas instâncias, incluindo os tribunais europeus, Paulo Veiga e Moura defende que o tempo do processo irá prejudicar as crianças. “Ao perder, poderá recorrer ao tribunais europeus, mas terá sempre de cumprir as decisões do tribunal [português]. O tempo não para e aquelas crianças estão a ser diariamente prejudicadas por força de uma certa teimosia do pai. Os filhos podem estar nas mãos de um pai menos prudente que esteja a dar tiros no pé contra a educação das crianças”.

E que consequências psicológicas o caso poderá deixar nestas crianças?

Maria Filomena Gaspar, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, investigadora e psicóloga na área do desenvolvimento e da família, compara este caso a um divórcio. “Isto faz-me lembrar muito quando as pessoas se divorciam, temos um conflito de dois adultos com valores diferentes, com opiniões diferentes e que lutam um contra o outro para mostrar quem tem razão. No limite, não interessa quem tem razão, interessa é proteger estas crianças e promover os direitos delas”, começa por dizer ao Observador.

Na opinião desta psicóloga, a questão central é saber se estes pais estão a proteger os diretos das crianças, sendo esta a sua principal função. “Eles acreditam que sim e consideram que o sistema educativo português, ao obrigar os filhos a frequentar esta disciplina, não está a ter em conta os direitos destas crianças, ou seja também não está a protegê-las”.

“Não é legítimo” aos pais escolherem disciplinas

Para Maria Filomena Gaspar, tendo em conta que o sistema de ensino público tem um conjunto de princípios a que todos devem obedecer, existem alternativas, como o ensino privado ou o ensino doméstico, que deveriam ser adotadas pelos encarregados de educação. “Se estes pais querem iniciar um movimento nacional, em que se possa discutir abertamente se esta pode ser uma disciplina obrigatória ou opcional, devem fazê-lo, mas sem triangular os filhos neste conflito”.

A profissional refere que as crianças estão a viver uma situação de “enorme vulnerabilidade” e que estão a proteger mais os pais do que o contrário. “Isto passou a ser uma questão pessoal que já nada ter que ver os meninos, se os pais estivessem preocupados com os filhos, não estariam a fazer nada disto, teriam iniciado um movimento nacional com assinaturas e pedidos de audição”, sublinha a psicóloga, referindo que os encarregados de educação destes dois alunos precisam de ajuda.

“Estes pais têm um problema de narcisismo muito grande, que é acharem que sabem o que é melhor para os filhos".
Maria Filomena Gaspar

“Não os devemos julgar, temos de conversar, apoiar e perceber como podem continuar a lutar por esta convicção, mas sem colocar os filhos nesta posição”, alerta a especialista.

Relativamente ao impacto deste episódio no futuro das crianças, Maria Filomena Gaspar admite que pode deixar marcas. “Numa criança pode ser vivido como um trauma e ter consequências na suas próprias relações pessoais, na sua identidade, na forma como se estrutura, mas também pode não ter qualquer consequência. Pode existir neste seio familiar um sistema onde as crianças se sentem protegidas, defendidas e sintam que os seus direitos não estão a ser colocados em causa”.

Mas, afinal, que temas trata esta disciplina?

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento aborda temas tão abrangentes como a sexualidade, a igualdade de género, os direitos humanos, o consumo, a segurança rodoviária, a participação democrática ou o mundo do trabalho. No ensino básico, as aulas são obrigatórias e os temas e as abordagens podem ser definidos pelas escolas, já no secundário as escolas podem decidir tornar a disciplina opcional.

Cidadania. Os argumentos a favor e contra a disciplina que está a gerar polémica

Maria Emília Bredero de Santos, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), considera que a disciplina em causa tem “uma extrema importância”, pelo que concorda com a sua obrigatoriedade. “Uma das principais funções da escola é formar cidadãos e ajudar a formar seres humanos que se interessem pelos outros e pelo bem comum. Não nos podemos estar constantemente a queixar que os jovens não votam, não dão sangue, não são solidários ou que não colocam a máscara e depois quando se trata de contribuir para a formação de cidadãos, dizer que ela não é tão importante como as outras”.

Filinto Lima lembra que nesta “disciplina não existe um programa como em Português, nem há manuais”, mas os professores que a lecionam (que podem ser de várias disciplinas) seguem “orientações criteriosas que a Direção-Geral da Educação disponibiliza” — e as “escolas inspecionam” os conteúdos programáticos. Além disso, em algumas destas temáticas e em algumas destas aulas, “os docentes chegam a convidar associações e profissionais especializados em certos assuntos para virem apresentar aos alunos”.

O presidente da ANDAEP assinala também que os alunos participam “bastante” nestas aulas e recusa a ideia de serem uma “espécie de doutrinação”. “Os professores não são totós, sabem bem explorar as temáticas numa disciplina mais prática que estimula o espírito crítico em relação a estas temáticas contemporâneas”.

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