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Évora. Três famílias, três casas de habitação social e um pesadelo de 7 anos

Em 2010 disseram-lhes que as casas, em Évora, iam estar prontas no final do ano. Esperaram até 2017. Agora já não podem pagá-las e vão perder milhares de euros. Estado e câmara negam responsabilidade.

São tantos os papéis e é tão longo o processo que rapidamente se perdem na montanha burocrática que se forma na mesa da cozinha de cada um. É naquela divisão, em cada uma das suas casas, que Francisco Santos, Joaquina Varela e Sérgio Mósca recebem o Observador para contar a história que os acompanha desde julho de 2010. Foi nessa distante data que decidiram comprometer-se com a compra de apartamentos de habitação a custos controlados no bairro das Pites, em Évora. Cada um conta a sua história que acaba da mesma maneira: passados mais de sete anos, o Estado quer agora que eles façam as escrituras das casas, que ficaram finalmente prontas. Só que os bancos já não emprestam o dinheiro ao mesmo preço e a vida deles mudou. O sinal que entregaram há mais de meia década, nunca mais o viram.

Tudo começou com um sorteio que teve lugar no salão principal da Câmara Municipal de Évora. Francisco já esperava por aquele momento desde o início dos anos 1980, quando se inscreveu na lista de espera para habitação social. Quando chegou a sua vez de ir ao pote, tirou de lá uma senha que dizia: T3, Lote 2, 1º Direito. A Joaquina, que tratara da inscrição em nome do filho em meados dos anos 1990, calhou um T2. Igual sorte teve Sérgio, que entrara para a lista de espera cerca de quatro anos antes. As casas eram da responsabilidade da Hagen, empresa construtora que recebeu financiamento do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).

Em julho de 2010, cada um foi chamado pela construtora e vendedora das casas, a Hagen, para assinar um contrato promessa de compra e venda. Nele, era-lhes exigido um sinal equivalente a 10% do valor da casa. Francisco, que foi pedir dinheiro emprestado a três familiares, pagou 8.884,60 euros. Sérgio e Joaquina foram às poupanças que tinham guardadas e pagaram cada um 7.168,50 euros. Não era pouco dinheiro — era, tudo junto, aproximadamente o salário de um ano de trabalho —, mas aquele pagamento súbito parecia ter uma recompensa quase imediata. No contrato que assinavam, podia ler-se: “Prevê-se que a fracção objecto do presente contrato esteja concluída no quarto trimestre de 2010…”. A frase continuava, mas para cada um deles, era aquilo que interessava: até ao final do ano, teriam uma nova casa nas mãos.

Quando assinaram os contratos, a construtora responsável por aqueles prédios disse aos compradores que era previsto estar tudo pronto até ao final de 2010. Passaram-se anos de atrasos, em que a Hagen não respondia aos compradores. Depois, declarou insolvência e teve de dar os prédios ao IHRU, como pagamento de dívida.

Não foi bem assim. “Isto é um bocado assim muito complicado”, eufemiza Francisco, antes de começar a contar o que se passou nos anos seguintes em que, com o sinal da casa pendurado, não chegou sequer a haver um vislumbre do dia em que a construtora Hagen lhes colocaria as chaves na mão.

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“Estive cinco anos sem me dizerem nada”, atalha o operário que trabalha para a autarquia de Évora, referindo-se ao silêncio da construtora Hagen. A falta de resposta não foi, porém, por falta de tentativa de Francisco. Com o auxílio da DECO, enviou cartas registadas para a sede daquela construtora, em Alfragide, sem nunca ter tido réplica. Com igual persistência, Sérgio, que tem 39 anos e é nadador-salvador nas piscinas municipais, passou “várias horas” ao telefone para tentar falar com “os senhores da Hagen”. Foi rara a vez em que a chamada passou — e, das vezes em que teve essa sorte, o resultado foi nulo. “Eles estavam sempre a engonhar”, resume, apontando o atraso nas obras.

Sérgio Mósca, na mesa da sua cozinha, olha para os papéis do processo em torno da casa para a qual deu o sinal em em 2010. Até hoje, ainda não a viu. (João de Almeida Dias / Observador)

Durante todo este processo, a Hagen — que hoje pertence ao Elevo Group, que o Observador tentou contactar, sem sucesso — abriu insolvência, depois de declarar prejuízos anuais perto dos 20 milhões de euros. No plano de recuperação financeira da empresa, os motivos apresentados para o seu fracasso eram, entre outros, a “redução drástica do investimento público” e a “diminuição progressiva da carteira de encomendas”. Com isto, surgiram “atrasos” nas obras “derivados das dificuldades de tesouraria” da Hagen.

Joaquina cansou-se de esperar. Embora toda a papelada estivesse em nome do seu filho, adegueiro de 33 anos, o processo foi todo gerido por esta empregada de balcão que, depois de ser tratada a um cancro na mama, foi reformada por invalidez. E, por ter o processo nas mãos, em 2016, quando já levava quase seis anos desde que assinara o contrato promessa de compra e venda, decidiu ir para tribunal.

Segundo o processo, a que o Observador teve acesso, os queixosos exigiam à Hagen a devolução dos 7.168,50 euros do sinal, acrescidos de juros de mora. Porém, o tribunal acabou por dar razão à construtora. O tribunal baseou a sua decisão no contrato promessa de compra e venda assinado pelas três famílias em 2010, em particular na mesmíssima cláusula onde as três famílias acharam que lhes era garantida a entrega da casa no final daquele ano.

“Prevê-se que a fracção objecto do presente contrato esteja concluída no quarto trimestre de 2010, porém a escritura de compra e vende depende da emissão de licença de utilização pela Câmara Municipal de Évora depois da conclusão da construção.”
Sétima parte do contrato promessa de compra e venda assinado entre as famílias e a construtora Hagen

“Prevê-se que a fracção objecto do presente contrato esteja concluída no quarto trimestre de 2010…”, lê-se no contrato promessa de compra e venda assinado em julho daquele ano. Se isto poderia comprometer a construtora com uma data limite para a entrega das casas, tudo isso cai por terra quando se prossegue para a segunda parte da cláusula: “… porém a escritura de compra e venda depende da emissão de licença de utilização pela Câmara Municipal de Évora depois da conclusão da construção”.

Ora, se a emissão de licença de utilização só pode ser feita no final da construção da habitação — por ser nela que se determina que esta cumpre os requisitos necessários —, o prazo previsto no contrato era, apenas, indicativo.

O tribunal entendeu que “o que foi estabelecido na referida cláusula sétima foi apenas uma previsão para o terminus das obras”, que não foi “estipulado qualquer prazo peremptório quer para a conclusão da obra, quer para a realização da escritura definitiva de compra e venda” e que por isso o contrato fixava uma “obrigação sem prazo certo”.

Assim, em vez de receber os 7.168,50 euros do sinal, acrescidos de juros de mora, Joaquina teve antes de pagar 520 euros de custas judiciais.

Enfim, as casas ficam prontas — mas as famílias já não podem comprá-las

Em dezembro de 2016, cada uma das famílias recebeu uma carta que há muito tinham dado como impossível: a Hagen informava-os de que as casas estavam prontas e em breve seriam feitas as escrituras. Depois, em março de 2017, as famílias foram convocadas para uma escritura a 19 de setembro. Desta vez, a convocatória surgia do IHRU. Porquê? Porque a Hagen, em falta com o IHRU, deu as casas àquele instituto público como forma de pagamento da sua dívida. Assim, o IHRU passou a ser o proprietário e vendedor das casas de Francisco, Joaquina e Sérgio.

O problema é que, sete anos depois de assinarem os contratos promessa de compra e venda, anos esses que foram atravessados por uma grave crise económica e financeira que não poupou estas famílias, Francisco, Sérgio e Joaquina deixaram de ter condições para cumprir o contrato assinado em 2010. Tanto que, hoje em dia, não só não não querem, como não podem ir para as casas que lhes calharam em sorte no salão principal da Câmara Municipal de Évora.

Em 2010, Joaquina conseguiu uma simulação para um empréstimo bancário. Nos anos que se seguiram, teve cancro, reformou-se por invalidez, o marido foi despedido e mais tarde pediu a reforma. Hoje, têm menos 600 euros a cada mês e o banco já não lhe empresta dinheiro.

Em 2010, Francisco conseguiu junto do banco um empréstimo a 100% para a casa e que o obrigaria a prestações de 330 euros. O orçamento familiar, que ronda os 1200 euros mensais, poderia suportar essa despesa, garante. “Mal ou bem, conseguíamos. Pagávamos o crédito e ainda ficava algum de lado para irmos vivendo”, diz na sua voz rouca, cheia de ar, que lhe ficou por ter sido entubado de emergência após um acidente de mota, quando ainda tinha 17 anos.

“Mas agora ficámos sem hipótese”, continua. Depois de receber uma nova carta para escritura, Francisco foi ao banco e pediu uma nova simulação. Agora, em vez de 330 euros, o banco pedia-lhe quase 600 por mês por um financiamento que abrangia apenas 80% do valor da casa. Além disso, precisava de um fiador e de uma nova entrada de 13 mil euros.

“Isto é um bocadinho assim muito complicado”, torna a dizer. “E para quem vive só do seu trabalho, ainda mais complicado é. Nestes anos todos, alterou-se muita coisa e a vida está cada vez mais custosa. A gente agora ganha para comer”, diz o homem que aos 59 anos, ainda tem uma filha de 14 anos a cargo.

Também Sérgio perdeu condições para pagar a casa. Em 2010, ainda vivia junto com a mãe do seu filho, de quem se veio a separar mais tarde. Ao seu salário mínimo de nadador-salvador nas piscinas municipais, juntava o da ex-mulher, vendedora em feiras. “Sempre eram dois salários a entrar”, explica. “Naquela altura contava com uma pessoa ao meu lado para fazer frente às despesas, mas agora não tenho dinheiro.”

Em 2010, quando tirou a senha que o habilitava a comprar um T2, Sérgio tinha uma declaração de um banco que o dava como apto para contrair um crédito à habitação — a simulação não chegou a ser feita. Agora, com a chegada da carta da Hagen, voltou a ir a um banco. Sérgio recebeu a proposta de ficar a pagar entre 192 e 212 euros ao longo de 36 anos. Além disso, precisava de um fiador. “A ganhar o salário mínimo e estando sozinho, e com a pensão alimentar do meu filho para pagar não consigo”, explica.

Tal como Francisco e Joaquina, Sérgio garante que, desde 2010, perdeu condições para pagar o apartamento de habitação a custos controlados (João de Almeida Dias / Observador)

Muito maiores foram as mudanças na vida de Joaquina e da sua família que, aos poucos, foi atingida pela doença, pelo desemprego e pelo aumento do custo de vida. “A vida mudou num instante”, lamenta-se Joaquina. Depois, conta como lhe foi diagnosticado um cancro da mama pouco antes de o seu marido ter ficado desempregado. Com isto, ela pôs baixa e ele passou a ganhar um subsídio. Feitas as contas, perderam 600 euros mensais — e, no pico da doença, Joaquina chegava a gastar entre 200 a 300 euros por mês em medicamentos. Enquanto isso, a propósito da lei das rendas, a mensalidade da casa que alugam passou de 29 para 110 euros. “Apanhámos tudo de enfiada. Foi a doença, foi o desemprego, foram os cortes, foi a renda da casa, foi tudo.”

A par de tudo isto, Joaquina e a família deixaram de conseguir um empréstimo para financiar a casa. Em 2010, um banco fez-lhes uma simulação que apontou para uma renda de 209 euros. Agora, a mesma entidade diz-lhe que já não é apta para crédito à habitação.

Joaquina fala de tudo o que se passou a custo. Entre as voltas que a vida deu, caiu numa depressão da qual tarda em sair. E é com tristeza, mais do que com revolta, que diz: “Ninguém se interessou em ajudar a gente”.

Câmara Municipal de Évora quis comprar as casas e devolver sinal às famílias…

Apesar de Joaquina se queixar, há dois organismos públicos que dizem querer ajudá-la, tal como a Francisco e a Sérgio. Trata-se da Câmara Municipal de Évora (CME) e do IHRU que, em declarações ao Observador, garantem querer encontrar uma solução para estas famílias. O pormenor é que nenhuma dessas soluções passa por ajudá-las como elas mais querem: recuperarem o valor do sinal e não serem obrigados a pagar os 90% que falta do valor das casas, para onde já não podem nem querem mudar-se.

Porém, essa chegou a ser uma proposta feita pela CME ao IHRU. A 12 de junho deste ano, o presidente da CME, o comunista Carlos Pinto de Sá, escreveu uma carta ao IHRU. “Decorridos aproximadamente 7 anos, as condições contratuais de empréstimo para a aquisição das respetivas habitações alteraram-se para os promitentes-compradores, devido à idade, a problemas de saúde e às condições atuais dos empréstimos bancários”, explicou o autarca, que escreveu na qualidade de presidente da assembleia geral da Habévora, a empresa municipal que gere a habitação social do concelho.

O presidente da Câmara Municipal de Évora propôs ao IHRU que a autarquia comprasse as casas, substituindo-se às famílias nos contratos pelo valor do sinal que elas pagaram em 2010. O IHRU não aceitou esta proposta que, mais tarde, a câmara viria retirar.

Perante a situação exposta, a CME fazia uma proposta ao IHRU: comprar a casa em vez das pessoas, a quem a Habévora daria o valor do sinal pago em 2010. Assim, através da figura legal que é a cessão de posição contratual, aquela empresa municipal passaria a ser o comprador das casas, substituindo-se a Francisco, Joaquina e Sérgio.

A resposta do IHRU seguiu um mês e meio depois, a 28 de julho de 2017: dizia que tinha três casas para vender à autarquia, mas não aquelas que a Câmara queria comprar. Logo, nada ficaria resolvido para as três famílias.

Pelo menos duas das três casas estão atualmente arrendadas pelo IHRU. “Nem sei como é que o IHRU, como instituição decente, manda uma carta para comprarmos uma habitação que nem sequer está disponível”, atira Sérgio Mósca. Victor Reis, do IHRU, desafia: "Ponham-nos em tribunal".

O Observador enviou perguntas sobre este caso ao IHRU é à sua tutela, o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Quando abordado, o Ministério remeteu todos os esclarecimentos para o IHRU. Em resposta por e-mail, onde perguntávamos porque não aceitou a proposta da autarquia eborense, o instituto disse que “não rejeitou a pretensão do município”, mas antes que “apresentou uma solução alternativa que não prejudicasse o interesse público e da qual não resultasse mais custos e uma dificuldade acrescida na gestão deste património”.

Após novo pedido de explicações, o presidente do IHRU, Victor Reis, justifica-se com problemas decorrentes da gestão de condomínios. “Neste caso de Évora, os prédios para os quais foram feitos estes contratos promessa de compra e venda são todos nossos”, refere ao Observador. Segundo Victor Reis, ao vender as casas a terceiros, teria de ser formado um condomínio. E, nestes casos, o historial não é favorável. “Há edifícios onde nós temos apenas frações e em que outras partes pertencem a particulares. Nesses casos, há particulares que não entram com a sua quota parte para pagar as obras”, explica. “Nós estamos perante pessoas que, vendo-se encostadas a uma entidade pública, se põem numa posição de ‘paguem vocês’.”

Porém, apesar da argumentação de Victor Reis, o que estaria em causa não seria a compra das casas por particulares — como, na verdade, ficou previsto logo em 2010 quando as famílias assinaram os contratos — mas antes por uma empresa municipal.

O IHRU diz que a situação de Francisco Santos (na fotografia) está “ultrapassada” e que este já não tem direito nem à casa nem ao sinal (João de Almeida Dias / Observador)

Seja como for, o IHRU rejeita a hipótese de dar às famílias o dinheiro do sinal que estas deram à Hagen em 2010. “O IHRU não pode dar dinheiro que não recebeu”, sublinha Victor Reis.

Além de ter respondido a Carlos Pinto de Sá a 28 de julho, o IHRU aproveitou também para nesse dia mandar cartas a chamar Joaquina e Sérgio para a escritura dos apartamentos a 19 de setembro. E Francisco? Segundo o IHRU, já não tem direito à casa (ver caixa).

IHRU diz que Francisco Santos já não tem direito à casa

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Em resposta ao Observador, o IHRU defende que a situação de Francisco Santos “ficou definitivamente ultrapassada quando optou por não responder às propostas do IHRU”. É este o entendimento daquele instituto, naquilo que é um vai-e-vem de cartas entre o IHRU e Francisco Santos e os seus advogados.

A 1 de junho de 2015, Francisco Santos pede ao IHRU que solucione o problema, referindo que quer a devolução do sinal por parte da Hagen.

A resposta chega no dia 9 novembro de 2015. Nela, o IHRU faz duas propostas de arrendamento e outra de venda em propriedade resolúvel a Francisco Santos.

Passam cinco meses até que, em 20 de abril de 2016, o IHRU pede resposta a Francisco Santos até 13 de maio de 2016. Caso contrário, aquele instituto adianta que “considerará o assunto como encerrado e dará ao imóvel o destino que muito bem entender, na defesa integral dos seus interesses”.

A 12 de maio de 2016, um dia antes do final do prazo apontado pelo IHRU, o advogado de Francisco Santos propõe três soluções ao IHRU. Uma consiste na devolução do sinal com juros e duas passam pela possibilidade de Francisco Santos poder subarrendar a fração até receber, em retorno, o total do valor do sinal pago em julho de 2010.

Depois disto, o IHRU não responde mais.

Outra questão parte do facto de pelo menos dois dos três apartamentos estarem, atualmente, arrendados pelo IHRU a famílias que ali residem em regime de habitação social.

“Nem sei como é que o IHRU, como instituição decente, manda uma carta para comprarmos uma habitação que nem sequer está disponível”, atira Sérgio.

Quando perguntamos a Victor Reis se este é também um motivo para não vender as casas, o presidente do IHRU responde negativamente e acrescenta: “Se as pessoas acham que têm razão, então ponham-nos em tribunal e exijam-nos a reposição do sinal em dobro. Mas eles sabem que perdem em tribunal!”. A seguir, explica que não é possível “ter famílias à procura de casas em Évora e tê-las vazias, porque alguém está sentado em cima do contrato e não consegue cumpri-lo em termos de escritura”.

… até voltar atrás porque o que queria fazer era “ilegal”

A 7 de setembro, perante a resposta do IHRU, e com a data da escritura a aproximar-se, a autarquia voltou a insistir na sua proposta. Enquanto isso, e ao longo do tempo em que a CME entrou em contacto com o IHRU, foi comunicado a Francisco, Joaquina e Sérgio que a autarquia estava a tentar resolver o problema de maneira a que estes recebessem o sinal que deram em 2010. Porém, a 12 de setembro, a CME travou a fundo a sua intenção inicial. Num e-mail enviado ao IHRU, que este instituto deu a conhecer ao Observador, a diretora da Habévora pedia agora: “Solicitamos que não seja tido em conta o interesse manifestado”.

A notícia só chegou às famílias quando estas receberam o Observador nas suas casas, quase uma semana depois. “Ah, agora a Habévora já não quer?” pergunta Francisco. “Isto é uma palhaçada… Alguém tem de me dar o dinheiro.”

Ao Observador, Carlos Pinto de Sá sublinha que “não há propriamente uma volta atrás” por parte da autarquia a que preside e à qual é recandidato. “Há é uma questão de ordem legal, de a câmara não se poder substituir aos moradores na posição contratual”, argumenta o comunista. “Descobrimos agora que a câmara não pode legalmente assumir a posição das pessoas.”

Carlos Pinto de Sá, que foi eleito para liderar a câmara eborense em 2013 depois de 20 anos de poder em Montemor-o-Novo, refere que a proposta que a CME fez ao IHRU “decorre de um conjunto de reuniões” onde a solução apresentada “foi posta em cima da mesa e parecia viável”. Quando lhe perguntamos sobre o facto de o autarca ter escrito uma carta a um instituto público em que propõe algo que mais tarde considera ser ilegal, ao mesmo tempo que alimenta as esperanças das famílias em causa, o autarca comunista defende-se: “Não estou a pedir pareceres ao gabinete jurídico a toda a hora”.

Carlos Pinto Sá, presidente e recandidato à Câmara Municipal de Évora, ofereceu ajuda às famílias mas depois retirou-a, citando razões legais. Juristas contactados pelo Observador discordam dos motivos apresentados. (Fotografia: página de Facebook da CDU Évora)

Ao telefone com o Observador, a chefe do gabinete jurídico da CME, Dina Campino, explica que “a câmara municipal trata de questões de direito público e não de direito privado”. “A câmara pode dar dinheiro a particulares”, refere. “Mas esses munícipes teriam de garantir condições de carência e só o podemos fazer no termo que os nossos regulamentos nos permitem”, acrescenta. Assim, ao dar o valor do sinal a Francisco, Joaquina e Sérgio, a jurista refere que “seria inexequível justificar esta despesa ao Tribunal de Contas sob pena de apuração de responsabilidades financeiras”.

Juristas dizem que câmara pode comprar casas, basta haver vontade política

Apesar das explicações da autarquia eborense, o Observador falou com dois especialistas em direito administrativo que desdizem a avaliação de Carlos Pinto de Sá e da jurista da CME.

Paulo Veiga e Moura, do escritório Veiga e Moura & Associados, diz que “não há qualquer tipo de ilegalidade” na proposta inicial da CME. “A câmara tem competência para adquirir imóveis no privado e qualquer câmara deste país tem imóveis”, refere. “Os presidentes de câmara que têm dinheiro no banco neste momento estarão a aplicá-lo a comprar imóveis para restaurar os centros históricos, por exemplo.” Segundo aquele jurista, basta que seja apurada uma necessidade de mais habitação social e que esteja garantido que as casas são vendidas a um preço favorável para que o negócio seja legítimo. “Se, na verdade, a câmara não quer os imóveis para nada e só quer arranjar uma maneira de dar dinheiro às famílias, isso é que já não pode ser.”

Ao Observador, Carlos Pinto de Sá disse, em relação à proposta que deixou cair, que a “Habévora não teria um problema, uma vez que ficaria com os apartamentos”.

"Não há qualquer tipo de ilegalidade. A câmara tem competência para adquirir imóveis no privado e qualquer câmara deste país tem imóveis. Os presidentes de câmara que têm dinheiro no banco neste momento estarão a aplicá-lo a comprar imóveis para restaurar os centros históricos, por exemplo.” 
Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em direito administrativo

Assim, ao assinar com Francisco, Joaquina e Sérgio um acordo de cessão de posição contratual, explica Paulo Veiga e Moura, a câmara municipal “não estaria a dar dinheiro às famílias”. “A câmara está é a comprar um bem a um cidadão particular”, sublinha o advogado.

Confrontado com o mesmo caso, José Luis Moreira da Silva, da SRS Advogados, diz que o mecanismo encontrado pela autarquia “parece um bocadinho complexo demais” e que, em direito público, “quanto mais simples menos problemas podem ser colocados”. Ainda assim, refere que, em termos legais, não existe “nenhum impedimento para que o município adquira as casas”.

Será então que a autarquia voltou atrás na sua ideia inicial por razões políticas, em vez de legais? Carlos Pinto de Sá rejeita essa hipótese, garantindo que é uma questão legal. E vai até mais longe, referindo que, em época de eleições, poderia ter beneficiado com a medida que acabou por não tomar. “Até convinha em altura de eleições dizer: ‘Olha, resolvemos o problema a três moradores que estavam numa situação que vinha de uma câmara PS [liderada por José Ernesto Oliveira, entre 2001 e 2013] que nunca resolveu e agora nós resolvemos’.”

Mais do que uma vez, o autarca da CDU sublinha que a câmara é “uma parte à parte deste negócio”. “O negócio era entre as pessoas com a Hagen e agora é com o IHRU”, insiste. “A câmara não é vista nem achada aqui, a câmara tentou ajudar estes moradores, procurou junto do IHRU tentar resolver o problema com estes moradores, infelizmente não foi possível resolvê-lo.”

Escritura adiada

O autarca eborense falou ao Observador a 18 de setembro. No dia seguinte, para as 11h30, estava marcada a escritura da casa de Joaquina e de Sérgio — Francisco, como já explicámos, não foi chamado por o IHRU entender que ele já não tem direito à casa. Joaquina preferiu não ir. “O que é que eu ia lá fazer?”, pergunta.

Sérgio, porém, decidiu aparecer. “Não tenho nada para fazer de manhã, por isso vou lá ter”, disse na véspera. “É da maneira que lhes vejo a cara pela primeira vez”, diz, com uma ponta de ironia. E assim o fez. Às 11h30 em ponto, chegou ao cartório designado para fazer a escritura. Quando lá chegou, informaram-no que a escritura tinha sido adiada por parte do IHRU. “Ordens superiores”, citaram-lhe como motivo.

Após saber que a escritura fora adiada, Sérgio sai lentamente pela porta do cartório. “Andam a brincar connosco há anos e anos”, queixa-se. “Já nem sei o que achar disto”, diz. Como que conformado com a sua falta de opções, encolhe os ombros e abre os braços. Numa das mãos, segura a pasta vermelha onde, entre papeladas repletas de cláusulas e cartas sem resposta, ainda está a senha azul que, em 2010, era a promessa de um T2 que se perdeu no tempo.

Dias mais tarde, Sérgio e Joaquina viriam a receber uma carta do IHRU a convocá-los para uma nova data de escritura: 9 de novembro.

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