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A direita era ele. Qual foi o legado dos 16 anos de Paulo Portas?

Era um radical. Um ideólogo. Queria uma direita que fosse direita. Mas o poder moderou-o: tornou-se realista e posicionou o partido mais ao centro. Que marcas deixa? Esta: um partido de poder.

“Porquê, Paulo Portas”, perguntou-lhe então Domingos Amaral numa entrevista para o caderno 3 d’ O Independente, em Agosto de 1995. Faltavam dois meses para o seu antigo diretor se tornar deputado como cabeça-de-lista por Aveiro nas listas do Partido Popular (PP). Era o contrário do que ele sempre dissera. E era o oposto do que sempre escrevera. “O Paulo” justificava-se assim: “Porque era a altura. Por duas razões, uma nacional, outra mais doméstica. A primeira é porque vem aí o Tratado de Maastricht e o que Portugal tem a perder é considerável. Se se perder a oportunidade da revisão do tratado, há muito pouco país para tratar. A segunda razão é porque eu acho aflitiva a clonagem do PS e do PSD, e dos seus líderes, em termos políticos e em termos ideológicos”. Eram Dupond e Dupont, dizia Portas, numa citação desta entrevista publicada no livro “O Independente – a Máquina de Triturar Políticos”, de Filipe Santos Costa e Liliana Valente.

Paulo Portas era o ideólogo. Era o pensador por detrás do PP de Manuel Monteiro, o novo e jovem líder da direita popular que tratava de descentralizar — tirar do centro — o partido fundado por Diogo Freitas do Amaral. Era o instigador, promotor, inspirador e até ghostwriter de Monteiro, como o mesmo livro conta. Era o criador, mas passaria ele próprio a personagem principal. Seria depois Portas fazer regressar o partido à velha designação de CDS e a reconciliá-lo com o passado. Paulo Portas seria deputado (com interrupções) até à passada quinta-feira e esta segunda-feira soube-se através do Expresso que ia trabalhar para a Mota-Engil e regressar a uma carreira no setor privado.

As marcas de Portas em 16 anos como as “fuças” da direita

Ao longo de 16 anos — de 1998 a 2016 — cada frase, cada soundbite da direita portuguesa foi dele. O partido (com uma ligeira pausa) era ele. As “fuças” da direita eram as dele, como um dia o próprio Portas disse a António Guterres no Parlamento, quando o primeiro-ministro socialista ameaçou que ia “às fuças à direita”. Até sair irrevogavelmente (mesmo) da liderança, em março deste ano, dando lugar a Assunção Cristas, Portas foi o alfa e o ómega do partido sem o qual o PSD não conseguia governar. No seu último discurso parlamentar, emocionado, distante dos verdes anos 90, despediu-se um Paulo maduro — ex-ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, ex-vice-primeiro-ministro — a deixar como legado um “aviso à navegação”: “Se insistirmos em pôr a ideologia à frente da realidade, acabaremos por produzir ilusões e não a fazer o nosso primeiro dever: melhorar, na medida do possível, as políticas viáveis para as pessoas em concreto”.

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Porquê, Paulo Portas? Por que acabou a ideologia? Quando avançou pela primeira vez para deputado, ele representava a doutrina da direita com o lastro pesado de metros de prosa em O Independente, a reclamar pela criação de uma direita que em Portugal não havia. Em 1991, Paulo Portas escrevia que também a direita dependia do Estado. Também queria mandar na sociedade através do Estado. E não havia liberais. “O costume da direita portuguesa é pretender o poder para mandar na sociedade. A ideologia dominante da direita portuguesa é preservar como vaca sagrada o Estado administrativo, usá-la como máquina pessoal de afeto e propaganda própria”. Continuava: os liberais eram “marginais” e seriam por muito tempo minoritários. E era verdade.

"Se insistirmos em pôr a ideologia à frente da realidade, acabaremos por produzir ilusões e não a fazer o nosso primeiro dever: melhorar, na medida do possível, as políticas viáveis para as pessoas em concreto"
Paulo Portas, no discurso de despedida do Parlamento

Hoje clama por realismo. Diz-se aliás “realista” desde que tomou conta do partido. No Governo — tal como prenunciara nos seus textos há 20 anos –, foi a direita por si liderada que mais uma vez não reformou o Estado quando Passos Coelho lhe deu essa responsabilidade. Será um conservador? Será um democrata-cristão? Será um liberal? Um pouco de tudo. É liberal quando acha que há demasiado socialismo. É conservador quando sente que existe demasiado crime. É democrata-cristão quando encontra exageros no capitalismo. Ou não será nada disto, em nome de um pragmatismo que o ajudou a levar o partido para o poder. Com as suas micro-causas: lavoura, contribuintes, reformados, só para mencionar algumas. Na gestão de equilíbrios, tentou que as três correntes coexistissem sem chocarem. Procurou fazer um apaziguamento ideológico. Outras acham que foi um apagamento.

O homem que durante mais tempo liderou um partido em Portugal — a seguir a Álvaro Cunhal — marcou a área política que chefiou com rédea curta e procriação controlada de quadros. Costuma dizer que procurou captar os melhores nas universidades, nas empresas, no voluntariado. Fez proselitismo. A nova líder foi recrutada assim. Criou o portismo, mas, para além disso, qual é o legado de Portas para a direita portuguesa? As opiniões dividem-se.

Paulo Portas despede-se, emocionado, no último discurso enquanto líder do CDS no congresso do partido. HUGO AMARAL/OBSERVADOR

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

O regresso ao centrismo

Nesses idos de 1995, candidatou-se a deputado numa campanha que ostentava cartazes com tachos (os dos políticos) e que se indignava com a venda de Portugal à Europa, para não dizer aos alemães. Portas e Monteiro acusavam deputados de mandrionice. Os alemães tinham comprado a Europa. Os políticos eram corruptos. Cavaco vendera o país, fechara as pescas, fechara fábricas, fechara explorações agrícolas, a batatinha portuguesa era melhor do que a espanhola e a lavoura recebia para não produzir. O mundo desabava, na visão portista/monteirista de então.

“Ele mudou um ponto central na passagem de PP para CDS, que foi o retorno ao Partido Popular Europeu, onde estava o PSD”, diz Manuel Monteiro ao Observador, recordando que a organização das democracias-cristãs europeias expulsara o partido por clivagens político-ideológicas, eurocéticas, muito inspiradas no pensamento do Portas-jornalista. “Ele dizia mata e eu dizia esfola”, recorda Monteiro. Para o ex-líder do CDS (e ex-amigo de Portas), o CDS voltou a recentrar-se, regressou ao “freitismo”, deixou de ser de direita, e abandonou o soberanismo que o caracterizava. “Hoje, o CDS depende da lógica centrista e europeísta”, afirma Monteiro. “Para conduzir o CDS a uma lógica de poder, ele teve de mudar a agulha”. Tem quase tudo a ver com a Europa: “A principal característica da direita é a defesa de um Estado soberano”. Na opinião de Monteiro, o CDS perdeu essa característica.

O programa partidário do PP, revisto em em 1993 por Manuel Monteiro, afirmava o partido como “europeísta”, mas não aceitava “a dissolução do Estado português numa organização unicitária” e acreditava numa “direita nacional”, defensora do conceito do Estado-Nação e do “sentido de Pátria”, explicou a investigadora Ana Rita Ferreira, professora na Universidade da Beira Interior, num capítulo do livro “As Direitas na Democracia Portuguesa” (2016). A Europa deste PP anti-federalista era a “União de Estados soberanos”. Como hoje poderia dizer o Bloco de Esquerda ou o PCP, o Partido Popular escrevia no seu programa que o projeto europeu tinha funcionado como um “colete-de-forças” que “espartilha” os portugueses. Havia ainda outro tema, recorrente no partido, normalmente só vincado durante as fases de oposição: a insegurança. “Portugal vive um clima de insegurança coletiva”.

CDS e PSD: os novos Dupond e Dupont

Em nome do pragmatismo, logo em 1999, para poder estabelecer a Aliança Democrática com o PSD de Marcelo Rebelo de Sousa, Portas euroacalmou-se. Moderou o discurso aos poucos. “Deixou de ter convicções e causas ideológicas. Mas foi uma estratégia de sucesso para o partido, tendo em conta a lógica do poder, mas não o foi para a direita”, avalia hoje Manuel Monteiro. “O CDS voltou a ser um partido do centro”. Monteiro alerta para o facto de, na sua opinião, a direita democrática não ocupar o espaço soberanista, pode ser capturado “pela extrema-direita”, como se tem visto em alguns países europeus.

Jaime Nogueira Pinto, um militante da direita que sempre a estudou nas suas várias vertentes, diz que as três características desta área política são a “valorização da nação como principal valor político”, uma “conceção tradicional da sociedade em relação à família e à propriedade” e a liberdade económica mas com sentido social (no sentido da Doutrina Social da Igreja). Portas tornou o CDS menos nacionalista, permitiu que alguns deputados votassem ao lado da esquerda em causas fraturantes e foi agressivo em casos como o BPN ou em relação aos governadores do Banco de Portugal. Os estudos que têm sido elaborados corroboram a tese de que Portas se aproximou do centro (ou pelo menos do PSD).

"Os programas de Paulo Portas refletem "os esforços do CDS para evitar criar uma acentuada rutura com o PSD, uma vez que esta proximidade poderia ser crucial para um regresso do CDS ao Governo"
Patrícia Silva e Carlos Jalali, no livro "As Direitas na Democracia Portuguesa"

Em 2002, nas vésperas de ir para o Governo com Durão Barroso, o CDS “revela um atenuar da matriz liberal e um acentuar da matriz conservadora”, escreve Ana Rita Ferreira, no livro sobre a direita. Portas explora o mercado eleitoral dos espoliados do ultramar, dos antigos combatentes, mas é contra a privatização da Caixa Geral de Depósitos e diz que o Rendimento Mínimo Garantido promove a ociosidade. A agricultura (lavoura) mantém-se como uma bandeira. E há um discurso de uma direita mais dura — entretanto desaparecido — para ser estabelecer um limite anual da entrada de imigrantes. Nos costumes, a agenda era conservadora e, em todas a áreas, do aborto ao casamento de homossexuais, estava alinhada com a igreja católica.

Desde 1974, o CDS foi caminhando para a direita e desde os anos 2000 foi convergindo com o PSD, na apreciação de Ana Rita Ferreira: “PSD e CDS têm, hoje, um posicionamento político situado mais à direita do que aquele em que se localizavam no momento da sua génese, em 1974. E é também possível concluir que este atual posicionamento ideológico dos dois partidos é muito parecido: ambos perfilham um certo tipo de liberalismo, sobretudo económico, e um certo tipo de conservadorismo, sobretudo social”. A investigadora conclui que é “muito mais o que une os dois partidos do que aquilo que os separa”.

Afinal, agora são os académicos a dizer que PSD e CDS é que são os Dupond e Dupont, com que Paulo Portas, com a sua retórica, gostava de classificar o centrão. Os programas eleitorais de 1999 a 2011, tiveram uma “considerável estabilidade”, escrevem os investigadores Patrícia Silva e Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro, num artigo publicado no mesmo livro “As Direitas na Democracia Portuguesa”. Os programas de Paulo Portas refletem “os esforços do CDS para evitar criar uma acentuada rutura com o PSD, uma vez que esta proximidade poderia ser crucial para um regresso do CDS ao Governo”. Isso é claro na estratégia pessoal de Paulo Portas: “A longevidade da liderança de Paulo Portas surge consistentemente associada a um proximidade programática do CDS com a do PSD, uma proximidade que seria crucial para o seu objetivo de fazer do CDS um partido de Governo”, definem os mesmos politólogos.

Por várias vezes lhe vaticinaram a morte política e a irrelevância do partido (sobretudo quando as sondagens o davam abaixo de mínimos aceitáveis). Viveu anos sob suspeita por causa de casos como a Moderna, os submarinos ou os sobreiros. Outras tantas vezes sobreviveu. Tornou o CDS politicamente relevante e não negligenciável pelo PSD.

Apesar da proximidade e das semelhanças, em momentos-chave do Governo Passos/Portas, o CDS chegou a ser o fator moderador. Em setembro de 2012, Portas travou a decisão mais liberalizante do Governo: um aumento da TSU para os trabalhadores simultânea com uma descida para as empresas. Se aqui travou o liberalismo de Passos Coelho — que já reconheceu ter sido este o seu maior erro governativo –, Portas também foi um freio em medidas sociais. Uma das linhas vermelhas que ia gerando mais uma crise politica em maio de 2013, foi quando Passos Coelho anunciou a chamada “TSU dos pensionistas” — um dos seus principais nichos de mercado.

Um conservador que endireitou a direita

“Fez bem à direita enquanto jornalista e político”, descreve o académico e conservador João Pereira Coutinho, que escreveu recentemente o livro “Conservadorismo”. “Como jornalista, relegitimou a direita culturalmente. Uma série de malta que era de direita saiu do armário com O Independente”, recorda. Como político, as consequências da sua ação foram diferentes. “Teve um sucesso moderado num país iliberal”, diz Pereira Coutinho. “Durante a governação de Pedro Passo Coelho, o CDS capitulou na sua filosofia mais estrutural: a reforma do Estado e a baixa dos impostos”.

Portas no último congresso do CDS. HUGO AMARAL/OBSERVADOR

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

O que é Paulo Portas? O que sempre foi. Um camaleão. Adaptável às circunstâncias com o chapeuzinho da ocasião, a bandeira política do momento, o nicho de mercado eleitoral próprio de cada circunstância para explorar. Foi “oportunista”, para aproveitar as possibilidades que lhe surgiam. No fundo, diz João Pereira Coutinho, esse ser camaleónico é um conservador, porque o camaleonismo é uma característica do conservadorismo. “É um conservador realista. O conservadorismo define-se quando se reage a alguma coisa”, diz Pereira Coutinho. Essa reação às circunstâncias é a capacidade de adaptação ao meio ambiente. “De todos os líderes da direita é o mais bem conseguido, porque é uma figura da direita, porque não está à esquerda da direita”, explica o colunista do Correio da Manhã que começou a escrever muito jovem n’ O Independente de Paulo Portas. “A direita com pragmatismo é o seu maior legado”.

"De todos os líderes da direita é o mais bem conseguido, porque é uma figura da direita, porque não está à esquerda da direita"
João Pereira Coutinho, autor do livro "Conservadorismo"

A análise de José Adelino Maltez é diferente:”Endireitou a direita portuguesa”, diz o politólogo (que militou no CDS durante a liderança de Lucas Pires). “Desliberalizou o CDS”. Para o professor universitário, ao longo dos anos da liderança de Paulo Portas, o partido deixou de ser liberal, e seguiu uma atitude mais de acordo com o PPE, um modelo mais democrata-cristão. “Fez o discurso da lavoura, dos católicos mais reaccionários, foi para o poder, passou a ser ministro e tornou o CDS num partido governamentalista”. Na Europa, passou de crítico a “europeísta e bom aluno”. Na forma de liderança personalizou o poder: “O partido deixou o de ter ideias, passou a ser o batedor de palmas do portismo”, afirma.

A verdade é que ele conseguiu tornar o partido relevante. Nunca mais o PSD pôde pensar em formar Governo sem o CDS. Essa tendência acentuou-se nas últimas eleições. Porquê Paulo Portas? “Porque penso à direita e governo ao centro”, costuma responder quando o questionam sobre a perda das bandeiras no poder. Só tem pena de nunca ter integrado um Governo durante um ciclo de crescimento económico. Em 2002, o país estava sob o procedimento por défice excessivo. Em 2011 tinha o programa da troika. Agora acabou-se. Talvez um dia pense em concorrer à Presidência da República. Portas vai para o privado, mas continua a ser um animal político.

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