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D. R.

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"A favela venceu": como KondZilla pôs o mundo a ouvir funk brasileiro

KondZilla queria "fazer vídeos" de funk e abriu um canal de Youtube. Hoje, o canal tem quase 60 milhões de subscritores e é dos maiores do mundo. "É a música eletrónica de periferia do Brasil", diz.

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Parece uma daquelas histórias demasiado impressionantes para serem verdade, mas o protagonista, Konrad Dantas, conhecido pelo pseudónimo KondZilla (ou simplesmente Kond), garante que não é romantizada. E a história é esta: um rapaz que cresceu a morar numa espécie de bairro social na Vila de Santo António, na cidade Guarujá, periferia de São Paulo, perdeu a mãe mas investiu no futuro — e acabou a tornar-se um dos magnatas das indústrias da música e do entretenimento do Brasil.

“Kond” cresceu a ouvir e a tentar fazer rap, mas também a ouvir os amigos cantarem funk brasileiro: um estilo musical que não deve ser confundido com o funk norte-americano e que incorpora alguns elementos do hip-hop (sobretudo do hip-hop mais hedonista) e da música eletrónica e de dança. É “a música eletrónica de periferia do Brasil”, explica ele. “Assim como existe o afro-beat, a kizomba, o kuduro, o reggaeton, o grime, a cumbia, o hip-hop… o funk está a par de todos esses géneros”, explica ele, colocando-o no grande universo da chamada “música urbana”, ouvida e dançada com avidez pela juventude.

Depois de começar a fazer capas de CDs para os amigos que cantavam funk na periferia de São Paulo, Kond dedicou-se às produções audiovisuais e aos vídeos. Começou a gravar videoclips para artistas do género, que tinha então uma popularidade muito mais residual no Brasil do que aquela que tem hoje.

Quando em 2011 apareceram os primeiros videoclips garantidos por “Kondzilla”, o funk era uma outra coisa: uma música de favela, de periferia, popularmente associada ao crime e à marginalidade, já ouvida e já com importância desde há muito mas ainda de relativo nicho.

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O que aconteceu nos anos seguintes foi uma explosão: as produções audiovisuais da KondZilla (produtora) para artistas de funk multiplicaram-se, fizeram sucesso, fizeram o género musical tornar-se um fenómeno pop de massas no Brasil e por arrasto em Portugal e em tantos outros países. Hoje, o canal da produtora tem quase 60 milhões de subscritores, mais do quintuplo da produção portuguesa — e mais de 30 mil milhões de visualizações (cliques) no Youtube em menos de dez anos.

Somados desde 2011, a KondZilla tem mais de mil videoclips produzidos e revelados, já fez um festival de funk brasileiro em São Paulo que no próximo ano exportará para Portugal e é uma holding de empresas que além de licenciamento de marca e grandes vendas em merchandising, aposta fortemente em três operações:

  • a KondZilla Records, que “agencia os maiores artistas de funk do país” e que trabalha com mais de 90 artistas, entre os quais Kevinho, MC Fioti, MC Kekel, Jottapê ou MC MM
  • a KondZilla Filmes, a maior produtora de videoclips de música funk no Brasil com um canal de Youtube com quase 60 milhões de subscritores e mais de 30 mil milhões de “visualizações” em menos de dez anos — mas também produtora da série “Sintoniza”, para a Netflix
  • o Portal KondZilla, “o principal canal de notícias para o jovem da favela”, que documenta “toda a evolução do universo funk mostrando o comportamento e a moda do jovem da favela”

Os grandes êxitos do género, ouvidos profusamente também em Portugal, têm em grande parte o selo KondZilla. “Bum Bum Tam Tam”, de MC Fioti, será o maior de todos — soma mais de 1.500 milhões de visualizações no Yotube —, mas “Baile de Favela” de MC João, “Olha a Explosão” de Kevinho, “Amor de Verdade” de MC Kekel e MC Rita, “Bumbum Granada” de MCs Zaac e Jerry e “Só Quer Vrau” de MC MM e DJ RD, por exemplo, são êxitos que catapultaram a música lusófona cantada em português na indústria pop mundial nos últimos anos.

Em entrevista ao Observador aquando de uma passagem recente por Portugal, para anunciar a realização do KondZilla Festival em território nacional no próximo ano, “Kond” falou longamente da sua história e da história de produtora que fez do funk música pop mundial.

“O canal começa a crescer quando tirámos os palavrões, as mulheres de ‘calcinha’, as armas”

Em 2012, quando começa com o canal de Youtube, que tinha ideia sobre o patamar a que o canal podia chegar? Surge primeiro o videoclip da “É o Fluxo”. Na altura, o que esperava que acontecesse dali para a frente?
A KondZilla começou em 2011 mas ainda não tinha canal de Youtube. Colocávamos os vídeos dos canais dos próprios artistas. Em 2012, criei um canal sem pretensão nenhuma e coloquei o primeiro videoclip, da [canção] “É o Fluxo” do MC Nego Blue. Mas também entrou no canal do Nego Blue, só coloquei o vídeo no canal KondZilla e nunca o divulguei.

Não havia expectativa de que viesse a ter um canal de música no Youtube à escala planetária? Hoje é o maior canal de Youtube no Brasil e um dos dez maiores do mundo.
Não. A ideia nunca foi ter canal no Youtube, a ideia era eu virar diretor comercial, publicitário.

Em 2013 sai no canal o videoclip da “Toda Toda”, dos MCs Pikeno e Menor.
Esse bombou [soma já 100 milhões de visualizações].

E de 2013 para 2014 o canal passa de 100 mil subscritores para um milhão. Foi nesses dois anos que começou a perceber que o canal podia ter uma dimensão gigante no Brasil?
Foi, mais ou menos em 2013. Mas em 2014 fizemos um canal com a Vevo [inicialmente pensada como plataforma de streaming de vídeos] e não tínhamos muita certeza do caminho dos canais. Quando o canal começou mesmo a crescer foi em 2016. Começa a crescer quando tirámos os palavrões das músicas, quando tirámos as mulheres de roupa de banho, de calcinha [cuecas]soutien e de biquíni, quando tirámos as armas dos vídeos. O canal passou de seis milhões de subscritores para 22 milhões.

Foi em quatro ou cinco anos que o canal KondZilla se tornou gigante. Como conseguiu tudo tão rápido?
Também ‘não sei não, cara’. Começámos a trabalhar o canal em 2016, acho. Foi aí que começou a existir uma operação exclusiva dedicada ao crescimento do canal. Antes a ideia era só fazer vídeos, não nos focávamos em fazer crescer o canal. Talvez por isso tenha crescido [risos]. Depois de 2016 e 2017, começámos a ter uma operação focada nisso. A ideia de base nunca foi ter um canal grande.

Quantas pessoas trabalham e trabalhavam na KondZilla?
Quando criei o canal em 2012 estava sozinho. Em 2016 devíamos ter umas dez ou 12 pessoas. Hoje em dia acho que trabalham nos dois escritórios umas 150 pessoas.

É conhecida a sua história depois da perda da sua mãe [depois da morte, com o dinheiro do seguro de vida, foi estudar e comprar material para desenvolver a KondZilla], mas a parte anterior não tanto. Como foi a sua infância?
Na infância queria cantar rap. Graças a Deus deu errado.

Não tinha jeito?
Acho que não [risos]

Não tanto como para…
… Não tanto como para fazer vídeos. O primeiro videoclip que fiz era de rap e era meu, eu cantando. Passei a minha infância inteira querendo escrever letra de rap e produzir batida de rap. Depois de algum tempo comecei a fazer alguns CDs dos meus amigos, CDs de funk, porque tinha alguns amigos na minha rua que cantavam funk. Aí comecei a estudar um pouco de design, comecei a fazer as capas dos CDs desses meus amigos.

"Em Vila Santo António, na cidade de Guarujá, periferia de São Paulo, morava num conjunto habitacional, não sei como vocês chamam [em Portugal]. Tipo projects."

Para um português que nunca tiver ido ao Brasil, muito menos à periferia de São Paulo, como era Vila Santo António, em Guarujá, onde cresceu?
Cara, Vila Santo António era… morava num conjunto habitacional, não sei como vocês chamam, tipo projects []. No Bairro de Santo António havia várias casas de madeira em volta desses prédios em que eu morava. Marcou-me muito porque foi onde cresci e no prédio onde morava viviam muitos evangélicos. Iam todos à igreja aos domingos e eu ia à igreja com eles. Na igreja comecei a gostar muito de música.

O que faziam os seus pais?
A minha mãe era professora e nessa época o meu pai era pedreiro.

Se não tivesse sido a música, o que faria?
Acho que ia virar ou designer ou programador. Duas coisas que já estudava antes da minha mãe morrer. Uma não tem nada a ver com a outra.

“A música eletrónica de periferia no Brasil é o funk”

A periferia tem tido uma notoriedade musical e artística crescente nestes últimos anos — e na periferia de São Paulo isso é muito evidente. Em termos sociais, do modo de vida, o dia-a-dia na periferia é hoje muito diferente?
Posso dar um número exato de quanto a periferia consome. [procura no telemóvel e encontra] Os moradores das favelas movimentam 120 mil milhões de reais [18 mil milhões de euros] por ano.

Que artistas da periferia são mais ouvidos e têm mais representação, mais ouvintes, é evidente. Mas a vida, os modos de vida, o dia-a-dia nesses locais mudou muito ou o que mudou mais foi o destino de algumas pessoas que de lá saíram? Ainda há muitos problemas por resolver?
Haverá sempre. Qualquer lugar do planeta tem muitos problemas para resolver. Mas a falta de recurso acaba por ser um ponto de partida para você criar soluções para a melhoria. Hoje muitas periferias do Brasil conseguem-se auto-sustentar. Há pessoas que vivem ali e têm ali o seu mercado, conseguem atender a uma demanda [procura] da própria periferia.

Uma das frases que mais gosta é: a favela venceu. Venceu no seu todo ou os artistas que saíram de lá?
A KondZilla é uma companhia que ajudou muitos jovens de favela a alcançarem os seus sonhos e a mudarem a vida deles e dos seus familiares. Mas a ideia inicial do ‘favela venceu’ é um pensamento positivo, que vai neste sentido: você pode vencer.

"Uma das coisas que mais nos orgulha é que o género que escolhemos trabalhar, o funk, é o segundo maior movimento musical do Brasil. Sendo que o Brasil é o segundo maior território do mundo na música, no digital, no streaming. Hoje conseguimos colocar o funk em segundo lugar nos maiores players do mundo. Competindo com grandes artistas mundiais."

Disse uma vez: “Enquanto alguns ignoram a sua existência, nós nascemos e crescemos para fortalecer a favela”. Atendendo a esse objetivo, quais são os feitos de que mais se orgulha, quais as melhores mudanças que viu?
Uma das coisas que mais nos orgulha é que o género que escolhemos trabalhar, o funk, é o segundo maior movimento musical do Brasil. Sendo que o Brasil é o segundo maior território do mundo na música, no digital, no streaming. Hoje conseguimos colocar o funk em segundo lugar nos maiores players do mundo. Competindo com grandes artistas mundiais. Por exemplo, hoje o Kevinho, a 12 de agosto de 2020, é o quarto maior artista de Portugal [o quarto mais ouvido no digital]. Na semana passada era o primeiro.

Ainda consegue manter as ligações às raízes, ainda lhe interessa, ou isso ficou mais complicado com o sucesso, o poder?
Tento ligar-me com as minhas origens, sempre. Não moro mais na periferia, graças a Deus, mas todos os fins de semana os meus amigos da periferia vão à minha casa. Vão todos os fins-de-semana, é sagrado. Sem contar que temos muitos colaboradores que ainda moram na periferia e trazem até nós as novidades, o que a ‘galera’ está consumindo, as novas gírias, as novas urgências e os medos… Esse foi o público com que nos conectámos no início e do qual queremos continuar próximos.

A base da KondZilla ainda é São Paulo? A sede?
É. É em São Paulo, na capital.

Fala muito sobre toda este crescimento de representação da periferia e favela. Mas também há especificamente o caso da periferia de São Paulo. O que é que São Paulo e a periferia de São Paulo tinham para ter o impacto musical que tiveram nos últimos anos? Falava-se mais do Rio de Janeiro e da música do Rio — e de repente…
Acho que quando o funk chega à capital de São Paulo, estávamos a viver um momento político muito interessante para a massa, para a maior parte da população de uma origem mais humilde. Era um momento que no Brasil chamávamos de ascensão da classe C: houve acesso a crédito, a internet também chegou mais forte nesse momento, a plataforma Youtube começou a posicionar-se no mercado e aí acredito que tive muita sorte. A sorte na minha opinião é uma combinação de fatores que acontecem na mesma época, no mesmo momento, no mesmo lugar. Estava preparado quando a sorte bateu à minha porta. Era um momento em que queria fazer vídeos e em que o funk estava a crescer muito. Crescemos juntos.

"Acho que estamos a viver um momento da música urbana no mundo. Assim como existe o afro-beat, a kizomba, o kuduro, o reggaeton, o grime, a cumbia, o hip-hop... o funk está a par de todos esses géneros. Todos os territórios no mundo têm uma música eletrónica de periferia. E a música eletrónica de periferia no Brasil é o funk. Acho que são os mesmos sonhos, os mesmos desejos, os mesmos medos, as mesmas vontades que acabam sendo retratadas nas canções."

O funk brasileiro tem este crescimento todo em todo o mundo, na última década. Conhece-o como poucos. Que ingredientes acha que tem para que as pessoas gostem tanto dele?
Acho que estamos a viver um momento da música urbana no mundo. Assim como existe o afro-beat, a kizomba, o kuduro, o reggaeton, o grime, a cumbia, o hip-hop… o funk está a par de todos esses géneros. Todos os territórios no mundo têm uma música eletrónica de periferia. E a música eletrónica de periferia no Brasil é o funk. Acho que são os mesmos sonhos, os mesmos desejos, os mesmos medos, as mesmas vontades que acabam sendo retratadas nas canções.

Há tempos falava com um DJ e produtor musical português, o Branko. E ele dizia uma coisa: que a “Bum Bum Tam Tam” do MC Fioti [n.d.r.: tema com videoclip produzido pela KondZilla e alojado no canal de Youtube da produtora; o vídeo soma já 1.500 milhões de visualizações] poderia ser para a música lusófona, em português, aquilo que a “Gasolina” foi em tempos para a música latina.
Não tinha parado para pensar nisso, mas sim, é verdade, faz sentido. Fui em 2018 para Miami, para um prémio da música latina, que celebrava a música latina. A sede latina é Miami, porque apesar de ser nos EUA acaba por ser a central dos dreamers de todo o mundo, de todos os latinos que tentam viver o sonho americano. Quando tocou a “Gasolina”, foi uma coisa incrível, nunca tinha visto isso antes. Toda a gente começou a dançar, de todas as idades. A “Bum Bum Tam Tam” acho que é meio isso, também.

Uma das coisas que têm sido feitas pela KondZilla nestes anos é um combate aos preconceitos em torno da música funk do Brasil. Há hoje mais diversidade, inclusive de género, de linguagem, no funk? Nota diferenças na música funk que hoje é feita, face ao passado?
Hoje não trabalhamos mais para os nichos, trabalhamos para toda a massa. Então o nosso objetivo é alcançar o máximo de pessoas com a nossa canção. E se a gente tirar toda a parte [das canções e dos vídeos] que façam com que uma minoria se sinta agredida, acho que é mais fácil entrar em lares que antigamente tinham muito preconceito. Quando a gente começa a colocar esses filtros [retirar palavrões e armas dos videoclips], começamos a alcançar e a ter impacto nessas casas.

Sendo uma música já mais aceite, ainda se vão sentindo focos de resistência?
É, mas acho que isso… é natural. Em tudo tem isso. Vou dar um exemplo super simples: há quem não goste de futebol e o o futebol não tem nada de ruim. É gosto. Também há quem não goste de rock and roll e há quem não vai gostar de funk, também.

“Os artistas são cantores, mas podem ser também influenciadores, atores, embaixadores de marcas…”

Como é o seu dia-a-dia normal? 
Acordo às 6h e vou ‘malhar’ [fazer exercício]. Se der tempo faço uma aula de inglês, se não vou direto para o escritório. Neste momento estou a produzir algumas séries no Brasil. Pelas manhãs fico focado mais na parte de ficção, de audiovisual. No início da tarde fico na produtora de vídeo que administra o canal de Youtube e no final da tarde para a noite fico na gravadora [editora], até às 21h ou 22h, dependendo do dia.

É um dia longo.
É um dia longo. Trabalho muito durante a semana, não tenho problema nenhum em trabalhar até à exaustão durante a semana… mas o fim-de-semana é sagrado. No fim-de-semana fico a fazer churrascos com os amigos de infância e a praticar desporto.

Há uma peça interessante da Billboard sobre a Kondzilla. A dada altura fazem algumas contas…
[risos]

Receita mensal entre 1 milhão de dólares a 1.6 milhões de dólares? "Está muito errado, isso aí. Queria estar ganhando 'esse dinheiro todo aí, cara'. Ia estar ganhando mais dinheiro que o Neymar, 'pô'. Que é isso..."

… Também interessantes. Citavam o diretor de market intelligence da iMusics, acho que sabe de quem estou a falar. A partir das visualizações no Youtube ele estimava que a receita mensal seria de entre 1 milhão de dólares e 1.6 milhões de dólares. As contas estão mais ou menos bem feitas?
Não. Está muito errado, isso aí. Queria estar ganhando ‘esse dinheiro todo aí, cara’. Ia estar ganhando mais dinheiro que o Neymar, ‘pô’. Que é isso…

Fez agora uma acordo com o Twitch. Porquê?
O Twitch é uma plataforma de lives da Amazon. Era uma plataforma que já existia, queriam já posicionar-se no mercado mas o coronavirus acelerou muito as coisas. Tenho ouvido muito dizer que coisas que iam demorar anos a serem construídas, depois do coronavírus foram construídas em meses. O Twitch da Amazon é mais um desses projetos. Lembro-me que nós fomos beta tester do Youtube para fazer lives no Youtube em 2016, se não me engano. Quatro anos depois, os lives tornaram-se uma das principais ferramentas. E o Twitch da Amazon vem com esse papel também, mais focado em gaming [videojogos]. Agora querem expandir para a música e fizemos essa parceria.

No ano anterior tinham feito um acordo com a Universal Music Publishing…
A Universal administra a nossa editora. O catálogo continua a ser nosso, mas a administração, auditoria, toda a parte de contabilidade e royalties para repassar [distribuir] aos artistas é feita pela Universal.

"Quando entrei na indústria, já entrei na era do 'single'. Chego numa era em que em vez dos artistas se trancarem dentro de um estúdio por um ano ou dois para produzir um disco e só pensarem na parte musical, têm a oportunidade de serem mais completos e não serem apenas cantores. São cantores, mas também são influenciadores, artistas, atores, apresentadores, embaixadores de marcas... "

Estando muito por dentro da indústria audiovisual, do entretenimento e da música, gostava de saber o que pensa de uma coisa. Houve uma polémica recente com o CEO do Spotify, que defendeu que os músicos já não podem viver num ciclo de lançar música de três em três anos ou de quatro em quatro anos. O que lhe pareceu?
Quando entrei na indústria, já entrei na era do single. As pessoas faziam apenas uma canção e exploravam comercialmente uma canção. Quando se faz uma canção, tem de sse fazer as fotos promocionais, os posts nas redes sociais, tem de se engajar [interagir com] a audiência e o público com vídeos de coreografia, desafios de coreografias, paródias, com reacts dos videoclips. E tem de se fazer o videoclip.

Então chego numa era em que em vez dos artistas se trancarem dentro de um estúdio por um ano ou dois para produzir um disco, um álbum, e só pensarem na parte musical, têm a oportunidade de serem mais completos e não serem apenas cantores. São cantores, mas também são influenciadores, artistas, atores, apresentadores, embaixadores de marcas… Se ficar trancado dentro do estúdio para fazer uma canção, a concorrência já está a fazer  mil outras coisas à sua frente. Então, por um lado não faz mais sentido lançar disco, por outro lado faz. Há um tempo que temos a perspetiva de lançar EPs [mini-álbuns]. Lançando os EPs, há oportunidade de se experimentar que música vai dar certo [ser um êxito], eleger uma daquelas canções como música de trabalho e investir mais pesado no marketing dela.

O Youtube foi uma ferramenta fundamental para a afirmação da KondZilla e do funk. Porquê o Youtube?
O Youtube foi uma das primeiras e únicas plataformas que bastava criar um e-mail e uma pessoa conseguia disponibilizar a sua arte. Ao contrário do que acontece com a Deezer ou com o Spotify, aí não é possível fazer um acordo direto. Com a Netflix também é um pouco mais difícil, apesar de ser uma companhia relativamente nova. No Youtube bastava criar um login e uma senha e colocar as músicas online. Não era preciso nenhum executivo, nenhuma gravadora [editora], nenhuma televisão ou rádio a aprovar se a sua música podia ou não ser difundida.

Se não fosse isso, o funk não teria chegado onde chegou?
Podia ter chegado mas por outros caminhos. Por exemplo, antes do Youtube existiam sites muito acedidos em que se fazia download do MP3. Antes disso, apareceram os CDs. A arte de uma maneira geral sempre encontrou uma forma de ser distribuída.

Hoje o Youtube ainda tem peso predominante? Há novas plataformas de streaming que entretanto cresceram…
O Youtube é a nossa maior rede social. Torna-se uma rede social quando lançam a ‘comunidade’. Ali é possível interagir com o público, com os ouvintes, fazer perguntas, descobrir o que gostam e não gostam, divulgar… porque hoje o Youtube tem feed de notícias, como uma rede social. Mas nós também estamos a expandir-nos. Há uma expressão que acho muito boa: não depositar todos os ovos numa única cesta. Não estamos focados apenas no Youtube, mas em todas as plataformas.

Numa fase inicial a KondZilla revelou artistas desconhecidos que se tornaram depois muito populares. Hoje a quantidade de novos artistas que querem ter um espaço na KondZilla deve ser enorme. Como se filtra isso e como se gere a procura que existe?
Temos uma operação que funciona super bem, inclusive sem a minha presença nesse vertical de produção de videoclip. O resultado dos nossos trabalhos fez com que  a procura por uma parceria connosco tenha aumentado. A KondZilla nunca se posicionou como concorrente de nenhum cliente, de nenhuma gravadora [editora], artista, empresário. Nós somos a soma. Estamos ali para preencher um espaço, para somar na divulgação, no marketing, na promoção de uma canção ou de um artista.

Como funciona o tipo de parceria com os artistas, de que agora falava?
Depende da empresa [do grupo]. Hoje temos bastante empresas. A KondZilla tem neste momento nove companhias no seu grupo. Mas como o nosso core business é música, para trabalhar connosco existem alguns caminhos. O primeiro caminho, o mais fácil, é contratar uma produção musical e uma produção audiovisual. Depois, vamos veiculá-las no nosso canal e os royalties [lucros] serão para dividir.

Seguiram uma estratégia durante a fase de maior confinamento, na pandemia, para a gravação de videoclips em isolamento social. Como se fez isso na prática?
Foi necessário fazer isso. Tínhamos material guardado para lançar dois vídeos por dia por 45 dias seguidos. A quarentena acabou por se esticar mais do que 40 dias e o isolamento social fez com que não tivéssemos a oportunidade de voltar a filmar no formato antigo. Então, tivemos de desenvolver novos formatos. Com esses novos formatos, os nossos diretores [realizadores] começaram a dirigir os artistas pelo celular, por videochamado no WhatsApp, Google Hangout, Zoom, por qualquer um desses aplicativos de chamada em vídeo. Os artistas começaram meio a dirigir-se a eles mesmos na gravação meio a terem uma direção de arte à distância. Tivemos de continuar tendo o volume de entrega para o público porque o público já estava acostumado a ter um volume grande [de vídeos publicados com muita regularidade no Youtube].

Fizeram também o Festival em Casa, nesta fase. E lançaram uma parceria com a Unicef.
Essa parceria com a Unicef foi bem legal. Era uma parceria que já estávamos a tentar há um tempo. Fui à sede da Unicef acho que em fevereiro do ano passado, se não me falha a memória. Eles gostaram de como comunicamos com os jovens e queriam enviar algumas mensagens importantes para os jovens nesse momento de pandemia. Procuraram-nos e atendemos prontamente.

"O objetivo da série 'Sintonizap era ser um moleque de favela a fazer uma série para um público de favela — e não ser uma série feita por pessoas ricas que estudaram nas melhores faculdades de cinema do Brasil e que retratariam a favela como acham que é, sem nunca a ter vivido. Foi a série mais vista do Brasil em 2019."

Qual era o objetivo da série “Sintoniza”?
O objetivo era ser um moleque de favela a fazer uma série para um público de favela — e não ser uma série feita por pessoas ricas que estudaram nas melhores faculdades de cinema do Brasil e que retratariam a favela como acham que é mas sem nunca a ter vivido.

O impacto foi significativo..
Foi a série mais vista do Brasil em 2019. Vem a segunda temporada, não sabemos quando mas estamos ansiosos.

Em junho de 2019, saiu um texto no [portal de notícias] G1 sobre um momento menos bom da KondZilla: escrevia-se que tinha ‘perdido audiência e liderança nas paradas’. Há uma nova era?
Eu discordo dessa perspetiva, inclusive… li o texto já publicado e não sabia sequer que o meu antigo CEO tinha falado. Não o tinha autorizado a dar entrevista nenhuma em nome da companhia. Isso foi em junho de 2019. Em 2017, em março de 2017, dois anos antes, eu tinha apenas um canal no Youtube e era um cara que queria fazer vídeos. Em junho de 2019, já tinhamos na KondZilla cerca de 50 artistas. Desses 50 artistas tínhamos o Kevinho, o [MC] Kekel, o Jottapê, o MC MM — que tinha lançado um grande hit, a “Só Quer Vrau”. Então não concordo com isso, a gente cresceu em muitas outras áreas da companhia.

Expandimos e a KondZilla estava em junho de 2019 muito maior do que éramos no ano anterior e dois anos antes. Há coisa curiosa, que depois pedi ao jornalista para mostrar: existe uma ferramenta chamada charts do Youtube onde é possível ver a audiência dos 100 maiores vídeos, dos 100 maiores artistas, das 100 maiores músicas da plataforma Youtube. Se pegar na audiência de qualquer canal —do Brasil, de Portugal, do mundo — em 2018 e comparar com a mesma audiência em 2019 ou 2020, a plataforma Youtube tem caído. Isso reflete-se no nosso canal também, não é possível continuarmos a crescer se a plataforma está a cair. Mas como companhia, crescemos muito. Abrimos a KondZilla Records em 2017 e em 2018 tínhamos 12 músicas no top 200 do Spotify, com um ano de companhia. Com um ano de empresa tínhamos mais de 5% do market share do nosso território. Então não faz sentido dizer que a KondZilla perdeu audiência, quem perdeu audiência foi a plataforma Youtube.

Houve mudanças na KondZilla, primeiro com a entrada do CEO a que se referia, depois com a sua saída. Neste momento qual é o seu papel na KondZilla? E como se vê hoje em dia, como um estratega? Um executivo?
Achava que era um cara mais voltado para a arte. Depois de conversar com diversas pessoas, diversos especialistas, inclusive em várias entrevistas que tinham o público respondendo na hora, em lives, consigo entender que sou um cara muito mais de estratégia. Antes achava que era o cara que pensava em arte, hoje consigo enxergar — depois de muitas pessoas terem-me aberto os olhos — que sou um cara de estratégia.

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