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A história do empresário-barítono de Almeirim que traz o Fantasma da Ópera a Portugal

Armando Calado foi do Ribatejo a Londres para estudar canto. Com o regresso a Portugal organizou pequenos eventos de música clássica até anunciar a primeira grande produção: o Fantasma da Ópera.

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2141 quilómetros separam Muge, onde nasceu Armando Calado – o empresário que vai pela primeira vez trazer o Fantasma da Ópera a Portugal — de Kensington, o bairro londrino onde nasceu Andrew Lloyd Webber, o compositor de 71 anos que produziu a versão de maior sucesso desta peça. A versão concerto deste musical, o mais duradouro da história da Broadway, vem a Portugal nos dias 18 e 19 de outubro, no Coliseu do Porto, e 21 (data extra), 22 e 23 de novembro – no Campo Pequeno.

O espetáculo, em versão concerto, vai contar com mais de 130 artistas em palco e além de ter um elenco 100% português conta com Sofia Escobar no papel de Christine e de Lara Martins no papel de Carlotta. Ambas partilharam o mesmo palco, com as mesmas personagens, na versão londrina deste musical.

Armando Calado é o nome do empresário responsável por montar esta máquina em Portugal. O nome, desconhecido do grande público, é de um barítono ribatejano que viajou para Londres para estudar música clássica e voltou ao fim de treze anos para Almeirim, uma cidade com pouco mais de 11 mil habitantes, onde tem desenvolvido um coro local e promovido galas de ópera e masterclasses, com nomes como Fiorenza Cossoto – italiana de 83 anos que cantou nos maiores teatros de ópera do mundo. A missão, diz, é a de “trazer até ao interior a cultura que se vive nas grandes cidades”, mas desta vez é hora de apostar na subida de divisão.

Um telefonema que lhe mudou a vida. Do Ribatejo até Londres

A história de Armando Calado tem várias paragens ao longo da vida: começa em Muge, uma localidade com 1270 habitantes, passa por Salvaterra de Magos, mais tarde Benavente, depois Almada, de seguida uma ligeira paragem pela Universidade Católica, em Lisboa, antes de passar pelo Conservatório de Música, também em Lisboa, com os olhos já postos em Londres, onde estudou canto. É que a história de Armando Calado tem-se feito sobretudo nos palcos, com a carreira de empresário a assumir um tom mais local, até ao recente anúncio da produção do Fantasma da Ópera.

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Em 1995, numa iniciativa no Metro de Lisboa, uma “amiga de um amigo” incentivou-o a contactar uma professora de canto em Londres. Assim fez, por telefone, onde ditou as primeiras notas e com base na análise comprou bilhete rumo a Londres, onde veio a aterrar no dia 26 de setembro de 1996.

A escola em Muge foi o primeiro palco onde deu largas à imaginação, ao cantar várias canções do Festival da Eurovisão, num período em que o à vontade ainda não era muito. “Na minha zona havia um autocarro que recolhia os alunos das várias escolas para irmos para as aulas. Certo dia, numa aula de inglês, perguntaram à professora se alguém cantava e todos olharam para mim. Os nervos foram tantos que só consegui assobiar o Hino Nacional”, conta Armando Calado ao Observador, quando o palco ainda não lhe transmitia o conforto de hoje em dia.

A vivência católica levou-o a aderir, anos mais tarde, ao coro da igreja, dando início a um percurso que “ainda está longe de terminar”. Mas, entre todas as paragens deste caminho, há uma que assumiu uma importância especial. Em 1995, numa iniciativa no Metro de Lisboa, uma “amiga de um amigo” incentivou-o a contactar uma professora de canto em Londres. Assim fez, por telefone, onde ditou as primeiras notas e com base na análise comprou bilhete rumo a Londres, onde veio a aterrar no dia 26 de setembro de 1996.

O debut de Armando Calado em Londres

Nessa quinta-feira aterrou na capital britânica com 50 escudos no bolso e um emprego nas limpezas (uma coincidência que partilha com Sofia Escobar) prometido para começar no dia seguinte e que, por pagarem à semana, dava para ter a carteira mais composta ao cabo do primeiro fim-de-semana. “Esta é uma das vezes em que se olha para trás na vida e percebemos que há coisas que só se justificam pela idade, mas se há algo que precisamos de fazer para perseguir os nossos sonhos é pagar contas”, diz o barítono.

Apesar de ter chegado a Londres já depois das audições de admissão nas principais escolas de música, teve aulas privadas durante um ano, até entrar no Trinity College of Music onde fez o curso de canto, que complementou mais tarde com uma pós-graduação. Em Londres, as várias casas de ópera deram-lhe palco para ir aperfeiçoando o que aprendeu durante seis anos. A par dos inúmeros palcos para atuações, “Londres tem óperas boas para ver todos os dias, assim haja carteira para pagar isso”, diz Armando Calado, que as frequentou “na medida em que as finanças deixavam”, alargando os horizontes ao longo dos anos.

O regresso a Portugal e os primeiros passos na produção de eventos

A ligação que sempre manteve à Igreja Católica – e que mantém ainda nos dias de hoje –, e aos coros da igreja, levaram-no a conhecer uma amiga que tomou a decisão de se tornar freira e que a obrigou a deixar o emprego, em que prestava assistência a Elisabeth, uma britânica de idade generosa. Armando Calado acabou por ficar com o lugar deixado vago pela amiga e pela relação criada acabou por se tornar “o filho que a senhora nunca teve”. Poucos anos depois, com o fim da formação superior, o “part-time tornou-se full-time” e num dos fins-de-semana de folga voou até Itália onde conheceu um professor de Ópera que o fez querer mudar de “malas e bagagens” para Bolonha. Quando foi notificar Elisabeth de que se iria despedir, foi surpreendido e acabou por juntar o emprego ao sonho. A britânica arrumou também as malas e seguiu com ele para Itália.

“Sendo do interior do país, de uma terra onde não há nada disto, não sei se é o destino ou não. A música clássica nestes meios era inexistente. Tenho o dever e a responsabilidade de fazer com que este tipo de cultura não aconteça só nas cidades grandes”, explica Armando Calado.

Pouco mais de três anos depois, numas férias de verão em 2008, Elisabeth sofre um AVC, em Portugal, que a impediu de viajar durante vários meses. Surgiu assim a oportunidade para “assentar arraiais” e ficar no país de forma definitiva, depois de 13 anos fora. Com o regresso, começa por apostar no ramo hoteleiro: compra um palacete degradado e um restaurante, lado-a-lado, no Jardim da República, em Almeirim, e muda-se para a capital da Sopa da Pedra para construir o projeto, que entretanto ainda não saiu do papel.

É neste ponto que entra novamente a igreja. Nas idas à missa em Almeirim, o tom afinado saltou à vista dos habituais fiéis e no processo de mudança de casa conheceu o homem que o veio a desafiar para formar o que agora é o Coro da Imaculada Conceição, em 2010. “Foi um trabalho inicial de partir pedra. Tivemos ensaios em que nem cantámos. Foi treinar a respiração, dar dicas a cada um, um trabalho de dar noções musicais”, explica o empresário-barítono. Hoje, nove anos depois, revela o orgulho pelo nível que o coro atingiu e pelos convites que recebe para atuar em todo o país e até na primeira deslocação ao estrangeiro.

Com o Coro que fundou numa atuação em Braga a que assistiram o Rei do Ruanda e os príncipes do Hawai

Neste processo de formação musical começa a surgir a vertente de produção de eventos. A par do trabalho técnico, Armando Calado procurou ir “educando” os membros do coro para a música clássica. “Fomos várias vezes ao São Carlos, dando passos seguros para que as pessoas começassem a aprender a gostar. Os concertos do Largo de S. Carlos foram também momentos que ajudaram a desmistificar esta ideia de que a música clássica é aborrecida”, explica Armando Calado, que aproveitou esses momentos para dar os primeiros passos na organização de pequenos concertos no Cine-Teatro de Almeirim, com o objetivo de captar mais público para um estilo de música mais clássica. “Ao início se calhar iam só para me fazer o gosto”, confessa o empresário, mas o gosto começou a aparecer a pouco e pouco.

Ao fim de ano e meio, Armando Calado desafiou o coro para uma viagem ao estrangeiro. Se Londres foi a primeira opção – “porque me sentia como peixe na água” –, o programa inicial não tinha passagem marcada pelo Fantasma da Ópera. Tendo em conta a disponibilidade, acabou por ser esse o musical escolhido, já com a Sofia Escobar como protagonista. “É muito importante sair daqui [Almeirim], mas também só o fiz porque já estávamos em condições de o fazer”, diz o empresário-barítono-professor.

Do Cine-Teatro de Almeirim até ao Fantasma da Ópera

A aposta foi crescendo, com os eventos a acompanharem a evolução musical do coro que ainda dirige. Em 2011, dois anos depois de se ter mudado para Almeirim, deu início às Galas de Ópera anuais que ainda hoje mantém. “Sendo do interior do país, de uma terra onde não há nada disto, não sei se é o destino ou não. A música clássica nestes meios era inexistente. Tenho o dever e a responsabilidade de fazer com que este tipo de cultura não aconteça só nas cidades grandes”, explica Armando Calado, para justificar a aposta que foi fazendo ao longo dos anos, isto depois de ter chegado a uma cidade em que, “em 2009, quando por cá caí, só havia revista, um concerto anual do orfeão e mais nada”.

Nas Galas de Ópera que tem promovido em Almeirim

E lá diz o ditado: porque a necessidade aguça o engenho, Armando Calado começou por organizar pequenos eventos de forma natural, “porque era preciso”, até surgir este projeto de “primeira liga”. O desejo “já existia”, confessa, e é um sonho que quer poder manter toda a vida. “Eu preciso de trabalhar para viver e quero, na medida do possível, trabalhar nesta área. É horrível termos que fazer coisas que não gostamos”, diz o empresário.

O tenor Jorge Baptista da Silva – que vai interpretar o papel de Fantasma –, proporcionou um encontro com Sofia Escobar, em agosto de 2018, e assim que garantiu os dois principais papéis, Armando Calado apresentou-se à porta do Really Useful Group, o grupo de Lloyd Webber que licencia o espetáculo, tendo conseguido garantir o licenciamento para Portugal do Fantasma da Ópera, num acordo assinado a 17 de janeiro.

“Não quero ser o André Rieu de Portugal, (…), quero ser eu mesmo”

O Fantasma da Ópera vai ser apresentado em versão concerto, mas com “um mínimo de encenação”. “Só não terá cenários”, diz Armando Calado, que garantiu até que o responsável por orientar as “tropas” fosse também português. Em inglês só mesmo a letra do musical. “Traduttore, traiditori, o tradutor é sempre um traidor”, cita o empresário, para quem a tradução da letra da peça nunca foi uma opção em cima da mesa.

Armando Calado quer manter-se na “primeira liga”. “Não quero ser o André Rieu de Portugal, como um amigo meu me chamou no outro dia a brincar, quero ser eu mesmo”. Integra até o elenco do espetáculo como substituto de uma das personagens, mas “se estiver enervado com alguma coisa da organização posso não conseguir cantar”, admite.

As primeiras semanas após o anúncio público dos concertos têm sido de “poucas horas de sono” e Armando Calado confessa que teve apenas um momento de hesitação. “Um dia parei o carro, já não sei se em Lisboa se em Almeirim, e deu-me um ataque de pânico a dizer ‘onde é que te foste meter’, mas já havia dinheiro ao barulho, e eu sou uma pessoa destemida, o pânico passou rapidamente”, conta o empresário.

O facto deste ser o primeiro grande projeto não foi um handicap para Armando Calado ou para a empresa de Lloyd Webber. “O que não sabia fui perguntando. Foram muitas informações, muitos orçamentos” e depois de assinado o licenciamento começou o trabalho de unir todas as peças da engrenagem. “Na altura de montar o projeto chegámos à conclusão que era viável” e já está a superar as expetativas, tendo sido já aberta uma data extra em Lisboa, “antes de começar toda a promoção do espetáculo”, diz de forma orgulhosa.

DR

Agora que subiu o patamar dos projetos que conduz na música clássica, Armando Calado quer manter-se na “primeira liga”. “Não quero ser o André Rieu de Portugal, como um amigo meu me chamou no outro dia a brincar, quero ser eu mesmo”. Por resolver está ainda a conciliação entre o canto e a vertente empresarial. Armando Calado integra até o elenco do espetáculo como substituto de uma das personagens, mas “se estiver enervado com alguma coisa da organização posso não conseguir cantar”, admite.

Já o Coro da Imaculada Conceição, que continua a ensaiar duas vezes por semana, apercebeu-se desde o início de que Armando Calado tinha uma qualquer surpresa guardada. “Uma vez uma pessoa perguntou-me o que é que eu fazia e eu respondi: organizo eventos, mas sem revelar nada”, diz o empresário, que só uns meses mais tarde anunciou publicamente que aquilo que a sua própria máscara andava a esconder era a produção do Fantasma da Ópera.

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