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A luta com um urso aos nove anos, a camisola de Ronaldo, os parabéns de Putin. O mundo de Khabib, o rei sem título do UFC

Nurmagomedov derrotou McGregor mas foi notícia pela batalha campal sem precedentes na UFC que rodou mundo. Perfil do lutador que só tem medo do pai, antigo militar conhecido como "Sargento de Ferro".

Há prendas e prendas, sobretudo quando o aniversariante em causa faz apenas nove anos. Décadas depois, aquela pista de carros, aquele skate, aquela bola de futebol, aquela coleção de livros ou aquela consola ainda têm tendência a passear pela memória de quem recorda os melhores momentos da juventude. Khabib Nurmagomedov, lutador russo de MMA que amplificou o mediatismo depois do combate com o irlandês Conor McGregor (e, sobretudo, do que se passou nos minutos seguintes), também guarda esse episódio mas por motivos distintos – foi com essa idade que o pai, um antigo militar soviético conhecido como “Sargento de Ferro”, lhe ofereceu uma luta com um pequeno urso, acorrentado. E esse momento foi mesmo gravado pela família.

“O objetivo de qualquer filho é mostrar ao pai as coisas que consegue fazer, é mais uma questão de carácter do que propriamente um exercício”, justificou perante vozes críticas que condenaram a iniciativa. Khabib, esse, agradeceu. E adorou. Desde pequeno que tinha por hábito jogar futebol com os amigos (acabaria por deixar a certo ponto, devido a um problema no joelho), mas foi sobretudo trabalhado para ser uma autêntica máquina de guerra em diversos desportos de luta. Em todos eles, entrou e ganhou. No MMA, com um registo 100% vitorioso em 27 combates. Ainda assim, não aguentou aquilo que considerou ser um excesso de trash talk de McGregor e companhia, correndo o risco não só de perder o título mas ser suspenso. Entre justificações, houve uma que mereceu maior ênfase: “Peço desculpa, o meu pai vai dar cabo de mim quando chegar a casa…”.

UFC. Nurmagomedov, o rei sem trono — ou o dia em que a rivalidade foi longe demais

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Puxemos o filme atrás, avancemos em fast forward. Depois do ataque do irlandês a um autocarro onde estava Nurmagomedov que provocou ferimentos num outro lutador por causa dos estilhaços de um vidro partido, McGregor foi esticando a corda num jogo psicológico que nunca teve resultados práticos mas deixou marcas não só no russo mas também em toda a sua equipa de apoio. E, já agora, na própria organização do UFC. Os limites foram ultrapassados, antes e depois do combate, que terminou com inúmeras agressões, três detidos (entretanto libertados, por não ter sido feita qualquer queixa formal). Nesse mesmo dia, Khabib, “A Águia”, ganhou mas ficou sem título. As sanções, essas, estão longe de ficarem por aí. Ninguém consegue perceber ao certo o impacto que tudo o que aconteceu poderá ter a curto prazo numa modalidade que ia crescendo de forma visível a nível de seguidores, de espetadores e de receitas. Sendo que, desta vez, há outro nome no epicentro do furacão.

“Nunca pensei que uma coisa destas pudesse suceder. Isto foi mais louco do que o meu combate com o Holyfield”, atirou Mike Tyson, o polémico pugilista que em 1997 arrancou parte da orelha do adversário à dentada.

Khabib Nurmagomedov saltou do octógono para agredir Dillon Danis, voltou mas saiu escoltado e sem título

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Luta livre, judo, sambo e os antecedentes de uma batalha campal inevitável

Nascido em Sildi, Nurmagomedov mudou-se ainda pequeno para Makhachkala, capital do Daguestão. O pai, Abdulmanap, que tinha também a aprendizagem de técnicas de judo e de sambo – arte marcial desenvolvida na União Soviética – no exército, estava à frente de um ginásio em Kirovaul e foi a partir daí que nasceu o interesse de Khabib. Passou pela luta livre a partir dos oito anos tendo o progenitor como técnico, começou a dedicar-se ao judo (aquilo que mais lhe terá custado) aos 15, chegou ao sambo com 17, tendo conquistado dois títulos mundiais em 2009 e 2010. Mais do que ganhar técnicas em cada uma das vertentes, passou a ter uma disciplina física e mental que o tirou das lutas de rua que também tinha, com os amigos.

Antes dos títulos mundiais no sambo, passou para o MMA em 2008. No primeiro combate, ganhou por submissão com uma chave de pernas sobre Vusal Bayramov; nos três duelos seguintes, todos no mesmo dia, conquistou o Pankration Atrium Cup Tournament por decisão unânime. Tudo apenas num mês. Durante três anos, somou um total de 16 vitórias sempre entre a Ucrânia e a Rússia (Poltava, Moscovo, Agvali, São Petersburgo, Kiev, Rostov-on-Don, Odessa e Khasavyurt), foi despertando o interesse de “outros mundos” e assinou um contrato de seis combates com o UFC, no final de 2011. Aumentou o grau de dificuldade dos adversários e das técnicas que tinha pela frente, manteve-se o registo vitorioso contra nomes como Thiago Tavares (que foi “cilindrado” em São Paulo), Abel Trujillo, Pat Healy e Rafael dos Anjos. Na sequência de vários problemas físicos, chegou a ter a carreira em risco, com uma ausência de dois anos do octógono. Apesar das mazelas num joelho e nas costelas, superou tudo apoiado por pai e amigos, sempre com o desejo de um dia poder lutar pelo título, algo que aconteceu apenas em abril deste ano frente a Al Iaquinta, depois do cinto de campeão de pesos-leves ter sido retirado a… Conor McGregor.

Entrou no MMA em 2008, ganhou 16 combates e assinou pelo UFC. Pelo meio, Khabib foi bicampeão mundial de sambo

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Foi nesse hiato que começaram a surgir as primeiras quezílias entre Nurmagomedov e o irlandês, os mesmos lutadores que, não sendo amigos, revelavam respeito mútuo, tiravam fotografias juntos e trocavam elogios nas redes sociais em 2014. Em setembro de 2016, o russo assinou dois contratos com a UFC para discutir o título da categoria com Eddie Alvarez, o combate chegou a ser anunciado mas, numa alteração de última hora, a oportunidade foi dada a McGregor. “O Alvarez é um campeão de m**** e o UFC está a tornar-se um freak show“, disse na altura. Mais tarde, poucos dias antes da luta que deu o título ao lutador do Daguestão em abril de 2018, Khabib teve uma altercação com Artem Lobov, compatriota que é companheiro de treino do irlandês, num hotel em Nova Iorque, chegando mesmo a haver agressões por causa de uma entrevista que o segundo dera a um meio de comunicação russo. A isso juntou-se ainda o anúncio de que o título seria retirado ao “The Notorious”, com o irlandês a atacar o autocarro que transportava vários atletas tendo já como alvo Nurmagomedov.

Uma das primeiras chamadas que recebeu depois do triunfo foi do presidente Vladimir Putin. "Sim, é verdade que me acabou de ligar, a dar os parabéns e a dizer que estava muito orgulhoso de mim", assumiu o fã de futebol, do Anzhi, do Real Madrid e de Cristiano Ronaldo, com quem se encontrou em fevereiro.

No final de 2016 tinha havido um incidente grave a envolver Lobov e os também lutadores de MMA Ali Bagautinov e Rasul Mirzaev, que teve mesmo um ataque com arma de fogo ao último na noite de fim de ano. Bagautinov tinha estado com Lobov em Belfast um mês antes, no centro de treinos de Conor McGregor, e quis retribuir a boa receção em Moscovo. Depois de um jantar que já acabou tarde, os três foram a uma discoteca, sendo confrontados por pessoas alegadamente ligadas à “Águia” que questionavam o porquê do irlandês recusar lutar com Nurmagomedov. Os ânimos aqueceram, terão existido mesmo agressões na casa de banho, mas ficou por aí; duas semanas depois, Rasul Mirzaev foi atacado por três indivíduos, estrangulado e inclusive baleado, dando entrada nas urgências em risco de vida. Um desses elementos terá sido identificado com o grupo que tivera a altercação na discoteca, mas nunca chegou a ser feita uma ligação direta entre os dois episódios.

Combates à parte, o russo de 30 anos nunca tivera este nível de picardia com nenhum dos adversários que encontrou pela frente e era até visto como alguém discreto, muito religioso (por ser muçulmano, não combate no período do Ramadão e nunca bebe álcool), ligado à família – que, ao contrário de McGregor, tem tendência a proteger, havendo muito poucas ou quase nenhumas imagens em locais públicos com a mulher e os dois filhos – e que tinha como pico de excentricidade as imagens que tirava ao lado da frota de carros topo de gama (Mercedes, BMW e Lamborghini). Fã de futebol, do Anzhi e do Real Madrid, encontrou-se com Cristiano Ronaldo em fevereiro deste ano, com o avançado português a dar ao lutador uma camisola personalizada com o número 7 dos merengues. Tal como o capitão da Seleção Nacional, Nurmagomedov tem grande sucesso nas redes sociais, sendo o atleta russo com mais seguidores no Instagram (mais de três milhões) e um verdadeiro ídolo no país, de tal forma que uma das primeiras chamadas que recebeu depois do triunfo na madrugada de domingo foi do presidente Vladimir Putin. “Sim, é verdade que me acabou de ligar, a dar os parabéns e a dizer que estava muito orgulhoso de mim”, assumiu.

No entanto, e apesar de todo o patriotismo, também já chegou a ser criticado por alguns setores, que consideram que não deveria lutar de forma profissional. Chegou mesmo a haver um vídeo do Estado Islâmico onde as suas imagens eram utilizadas para criticar “os homens que lutam por dinheiro e não pelo Islão”. “Quero acabar este combate e poder lutar pelo título. Não me interessa quem é o adversário, não me interessam as questões do dinheiro, só quero saber do cinto de campeão. Sei que muitos lutadores estão aqui pelo dinheiro, mas para mim isso não é tudo. É uma parte importante na vida de qualquer um, mas tenho que chegue. O MMA é a minha vida, o meu sangue, a razão de tudo o que faço. Tenho tudo o que preciso menos o cinto de campeão e é por isso que quero lutar”, disse antes do combate com Michael Johnson, em 2016.

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“Por favor, não me tirem o título. Sou humano, também cometo erros”

“Em primeiro lugar, quero pedir desculpa à Comissão de Nevada e à cidade de Las Vegas. Sei que não mostrei a minha melhor cara, mas sou um ser humano. Não entendo como é que alguns podem falar sobre o que se passou no final do combate e ter saltado para fora do octógono quando antes ele falou sobre a minha religião, sobre o meu país e sobre o meu pai. Ele foi a Brooklyn, partiu um autocarro e quase matou pessoas. E então, sobre isso? Não percebo. O meu pai sempre me ensinou a ter respeito pelos outros e todos sabem que sou assim. É por isso que sei que o meu pai vai dar cabo de mim quando chegar. Este é um desporto que merece respeito, não é um desporto de trash talk. As pessoas dizem asneiras sobre os adversários, sobre os pais, sobre a religião. Não se pode falar sobre questões como a religião ou o país, para mim são aspetos demasiado importantes para se fazer isso”, comentou na conferência de imprensa após o polémico final de combate que terminou numa batalha campal apenas interrompida pela polícia e pelos inúmeros seguranças que se encontravam naquela zona.

O momento em que McGregor desistiu, no quarto assalto, dando a vitória a Nurmagodemov. O pior viria depois

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Sem responder a perguntas, o russo deixou ainda um último apelo: “Por favor, não me tirem o título, aquele não era eu. Sou humano, também cometo erros”. No entanto, as ações de Nurmagomedov dificilmente escaparão sem uma pesada punição, mesmo tomando em consideração (ou como atenuante) o comportamento de Dillon Danis, principal alvo da fúria do russo depois de ter vencido o combate que é especialista em jiu jitsu, que trabalhou com McGregor e que terá dirigido vários comentários xenófobos. No fundo, mais uma prova de que tudo o que se passou na madrugada de domingo tinha antecedentes “explosivos”, algo que se aplica também a Zubaira Tukhugov, lutador que invadiu o octógono para agredir o irlandês em resposta às acusações de traição de que foi alvo após o incidente no hotel em Nova Iorque entre Khabib e Lobov. “Um verdadeiro checheno nunca apoiaria nem receberia ordens de alguém do Daguestão. Isso é traição, não há nada pior”, disse McGregor; “Dei-lhe um estalo como tinha prometido, sim. Tinha prometido que pagaria por aquelas palavras”, assumiu Tukhugov, que chegou a ser detido e que só saiu em liberdade porque o irlandês decidiu não apresentar queixa na polícia pelo sucedido.

"Pode fazer-se tudo dentro do octógono mas fora dele existem crianças, mulheres e pessoas que não têm nada a ver com isso. A minha equipa sempre foi conhecida pela disciplina e posso garantir que as minhas sanções ao Khabib vão ser mais pesadas do que as do UFC", destacou o pai de Nurmagodemov.

“Não posso assegurar a 100% que o Khabib continue a ser o campeão. E não tem de estar preocupado comigo, a investigação está a ser feita pela Comissão de Nevada. Pode haver sanções, multas, suspensões, tudo é possível. O governador estava aqui e saiu a correr do edifício. Isso não é bom. O prémio dele, no valor de dois milhões de dólares [n.d.r. cerca de 1,75 milhões de euros], também está retido pela Comissão até que tudo se resolva. A do Conor foi dada depois de serem analisados os vídeos e de se perceber que não tinha feito nada durante os incidentes”, comentou o presidente do UFC, Dana White, visivelmente chocado com tudo o que se passou e que foi adensado por agressões (captadas em vídeo) entre fãs dos dois lutadores nas bancadas.

https://www.youtube.com/watch?v=37dIQfwXTJc

No Daguestão, o combate foi acompanhado de forma efusiva de manhã. Cinemas, bares, restaurantes e até uma das principais praças locais encheram-se com milhares e milhares de fãs para acompanhar o duelo entre o herói nacional e McGregor. No final, a festa pelo triunfo foi feita na rua e o próprio pai de Nurmagomedov agarrou num megafone para agradecer a todos pela força que tinham transmitido naquela que foi a 27.ª vitória de Khabib no MMA (noutros tantos combates). No entanto, e mais a frio, Abdulmanap – que só não foi a Las Vegas por falta de visto de entrada nos Estados Unidos – não deixou de criticar o filho pelo comportamento depois do combate, em entrevistas e mesmo nas redes sociais.

Khabib Nurmagodemov com o pai, Abdulmanap, na apoteótica receção no estádio do Anzhi

AFP/Getty Images

“Pode fazer-se tudo dentro do octógono mas fora dele existem crianças, mulheres e pessoas que não têm nada a ver com isso. A minha equipa sempre foi conhecida pela disciplina e posso garantir que as minhas sanções ao Khabib vão ser mais pesadas do que as do UFC”, destacou. “Isto de certeza que não fui eu que ensinei”, escreveu num texto acompanhado da imagem em que o lutador russo saltava do octógono para tentar atingir o companheiro de treino de McGregor, Dillon Danis. Ainda assim, no regresso ao país, Abdulmanap acompanhou o filho nas várias homenagens feitas, entre as quais a presença no estádio do Anzhi que estava lotado e que registou mesmo uma invasão pacífica de adeptos ao palco colocado no centro do relvado.

“Quando era mais novo, o meu pai castigava-me a toda a hora. Eu dizia que não queria estudar e ele castigava-me. No início tentou fazer-me entender com palavras, mas só comecei mesmo a perceber quando usou os punhos. Ele é a minha principal motivação, investiu muito tempo a ensinar-me a lutar. Ver o meu pai a sorrir quando ganho é a melhor recompensa”, admitiu Khabib, o campeão sem título que é uma autêntica máquina de luta sem adversário à altura e que está no epicentro de um autêntico furacão com fim imprevisível – apesar do pedido de McGregor para que exista uma desforra em breve…

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