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A minha aventura com Luís Vaz de Camões

Ao longo de dois meses, Maria João Lopo de Carvalho percorreu sozinha os locais por onde andou Camões antes de escrever "Os Lusíadas". 16 cidades e 20 aeroportos reunidos nestas 8 crónicas de viagem.

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Primeira crónica: A minha aventura com Luís Vaz

A aventura começa com a descoberta, não da obra, mas do Homem por quem me apaixonei e sobre quem ando a escrever um romance. Melhor: a viver um romance.

Quando o conheci ainda não tinha idade para o conhecer. Os Lusíadas tramaram-me a nota a Português. Dividir as estrofes em fatias? Decorar sonetos sobre o amor sem nunca ter amado? Rimas, métricas, sentidos, interpretações, figuras de estilo? Para mim e para a minha geração (está aí alguém?) Camões era, ele mesmo, o Cabo das Tormentas. Depois chegou o amor: veio com a liberdade, a capacidade de pensar pela minha cabeça.

O meu amor a Portugal veio com o tempo. E quando o amor vem, vem inteiro. E então entendi que Camões é também Luís Vaz, é sobretudo Luís Vaz. O poeta, o homem. O homem que sonhou fazer parar a luz sobre Lisboa. E o mar. E a poesia. A poesia pertence-lhe.

Desconfio que o desafio partiu do próprio: sabia bem Luís Vaz que alguém — uma mulher — quase 500 anos depois iria por ele e com ele atravessar meio mundo. Sabia e disse-mo: “Vai, sem medo!”

Os meus limites são tudo o que alcanço e que respeito: os veleiros, os aeroportos, as fronteiras, as doenças, as pessoas, sobretudo as pessoas.

É esse o meu medo: um bocado de mar demasiado pequeno que me faça embater contra os meus limites.

Dobrar o medo. Tenho 53 anos; é a primeira grande viagem que faço sozinha. Chamam-lhe "o interrail do meio século", eu gosto mais de lhe chamar "a minha epopeia".

Tenho a aventura facilitada: aviões, comunicações, internet, amigos, remédios. Velas, ventos, naufrágios ficaram no passado, ou talvez não…

Sentir, pensar, ouvir, cheirar, “provar” os mesmos portos, outros diferentes, já? Que efeito teve a poeira do tempo? São ainda os portugueses os eternos descobridores? Os colonizadores da fé cristã? E a rota dos tesouros, das especiarias e dos escravos? Onde ficou, onde se perdeu?

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No romance que estou a escrever, a minha viagem com Luís Vaz cruza o tempo e o espaço. Cruza o mar e o céu através da voz das cinco mulheres que Luís Vaz terá amado: Violante, Catarina, Francisca, Bárbara, Dinamene. Será o século XXI próximo do século XVI, pelo menos no amor? Quem vou conhecer, com quem vou falar? Quantos barcos e aviões vou perder? Em que portos vou perder-me? Vou ter paciência para mim mesma, com os meus medos e as minhas angústias?

Começo no Cabo da Boa Esperança — 12 horas de barco à vela. Releio nos Lusíadas o episódio do Adamastor e corro à farmácia a comprar os mais variados remédios que me dobrem as tormentas. Torno a casa, regresso ao Adamastor (é difícil resistir-lhe) e, pelo colorido do episódio, percebo que não será suficiente o que aviei. Volto à farmácia em busca de um SOS poderoso contra gigantes adamastores, e já agora a pulseira contra o enjoo, de que me comprovaram a eficácia. Quero levar tudo o que mais lá houver que me dobre o cabo sem enjoo. A farmacêutica recomenda-me: “O melhor remédio é fechar Os Lusíadas e arrumá-lo na mochila.”

cabo da boa esperança

O Cabo da Boa Esperança.

Obedeço, cordata.

Lá está, entre caixas e caixas de comprimidos.

Aliás, na mochila levo um só livro – Os Lusíadas, o Bilhete de Identidade dos portugueses. Junto-lhe a esperança de descobrir onde mora a Ilha dos Amores e a certeza de que da minha língua vê-se o mar.

Volvido o cabo, por mares dantes navegados, conto aportar na Ilha de Moçambique. Avisaram-me: um deslumbre.

Subirei depois a Mombaça e Melinde, Ormuz, Malaca, Índia – Goa, Damão, Diu, Cochim – e Sri Lanka; passando ainda além da Taprobana, para ir naufragar no rio Mekong, ou talvez não; chegando às Ilhas Molucas, ao Camboja, ao Vietname e a Macau, para depois, no Natal, tornar a casa.

Se tudo correr bem.

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Estes “ses” dão-me cabo da cabeça. É uma “aventura” que, se tudo correr bem, deixando cair apenas o “a”, pode tornar-se numa “ventura”. Veremos, e dela vou dando conta aqui no Observador.

Até já… e que Luís Vaz me proteja!

Segunda crónica: Um encontro com o Adamastor em pessoa

Chegar à Cidade do Cabo cruzando túneis de luz e nuvens — acima, muito acima da altura das coisas — é o início da aventura. A minha aventura e sobretudo a dos portugueses. Resolvi iniciar a rota a Sul, seguindo os passos de Luís Vaz de Camões, para ir ao encontro do Homem e do poeta, através das palavras, do espaço e do tempo.

Aterrei num mar de cores e de contrastes. E numa cidade pintada a aguarelas, onde a tela não é suficiente para segurar todas as cores que se desenham à minha frente.

A primeira etapa, pisar Cape Point e o Cabo da Boa Esperança, foi feita de ventos. Os ventos dos Lusíadas. Deixei-me levantar voo e ler Os Lusíadas em terra, no ponto mais perto do céu. Luís Vaz de Camões viu-me a rir e a chorar, viu-me desfazer em fragmentos de luz e reconheceu-me o orgulho: sou portuguesa.

“Vasco da Gama, caramba! Bartolomeu Dias, ainda antes, caramba! Como foi possível?”

Chegar ao padrão de Bartolomeu Dias e poder dizer: “Cheguei.”

O que aqui me mói é a tradução: estamos todos enganados, não se trata de Bartolomeu Dias, mas sim de Bartolhomeu Diaz. Terá sido este, na pronúncia de Sua Majestade, o primeiro a dobrar o cabo. No início nem reconheci o nome, era invulgar e a nada me soava – muito menos a Descobrimentos, navegadores ou rumos. Mas afinal o erro era meu: “Em África do Sul o nome é este, madam.” Facto. Não ousei contrariar o guia e passámos adiante, a admirar os pinguins à roda do passadiço de madeira que circulava por entre as dunas, para encher o olho a turista. Segundo ele, esta espécie é muito mais peculiar e exótica do que “um navegador morto vai para seis séculos”.

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Réplica da caravela de Bartolomeu Dias. © Maria João Lopo de Carvalho

Impossível não ser tocada pela valentia e pela coragem dos portugueses ao ousarem sempre mais. E por isso e com isso atrevi-me, no dia seguinte, a fazer a travessia de barco. O mais temível era o vento. O vento a levantar o mar.

Não eram os ventos passados que agora me afligiam, eram os ventos futuros, cruzar o cabo por mar. Agora ou nunca!

Mediquei-me: comprimidos fortes e no pulso a pulseira anti-enjoo, certa de que o Adamastor não venceria os antídotos de que me apetrechara. Ainda no porto, o mar-espelho, de uma tranquilidade absurda, nada fazia adivinhar a não ser a descoberta de mais azul… além, entre o silêncio e o vento brando.

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Entre a Cidade do Cabo e o Cabo da Boa Esperança. © Gianluigi Guercia/AFP/Getty Images

O veleiro, tripulado por três portugueses e um sul-africano, partiu de St. Simon, tornando-se cada vez mais pequeno, à medida que o mar se agigantava.

Navega-se. Apagam-se as casas penduradas sobre o oceano, acrescenta-se rocha até só haver rocha, terra, altura. E naquela escarpa rebentando de espuma vejo, em sulcos fundos, o gigante de nuvens convertido em pedra: Adamastor!

As ondas e o mar desordenado depressa me fizeram prever a aproximação de tormentas.

Dobrar o medo, vencer o Adamastor, e ser ainda mais portuguesa. E foi isso que fiz.

Cantei o Hino Nacional no exato ponto de viragem e sei, tenho a certeza, de que Luís Vaz de Camões me protegeu navegando naquele mesmo barco.

Não tenho palavras, ou melhor, não as encontro certeiras para descrever o que senti: cruzar com acesa memória o Cabo da Boa Esperança é ser mais alto, é ser maior do que o mundo…. mas ainda não é bem isso. É mais.

Fecho os olhos e até a luz líquida me comove de lembranças: içar velas, estudar as estrelas, vencer as fráguas, avaliar os ventos, descobrir as correntes, dar nós. Partir e chegar.

cabo visto do veleiro

O Cabo da Boa Esperança visto do veleiro. © Maria João Lopo de Carvalho

Chegar aqui é ver terra com os olhos e pelos olhos dos navegadores, e poder ler, no contraste do continente que os portugueses acharam em Paternoster e Saldanha Bay, ao descerem a costa ocidental de África, a vontade de continuar. Passada a tormenta, o azul confunde-se com o verde e no abraço dos oceanos há uma janela aberta: a costa do Índico, subindo a partir do Cabo Agulhas até Aguada de São Brás (Mossel Bay). Do deserto e da aridez à fecundidade e à vida. A promessa e a recompensa.

Ler Os Lusíadas antes da travessia e fazê-lo agora são duas coisas distintas. Sei de que vento escreveu e de que mar. Sei de que esperança, sei de que calma, de que descoberta, de que conquista e de que vitória.

E sei que Luís Vaz está aqui por mares nunca dantes navegados. O mesmo mar português. O mar das caravelas e das naus que o desafiaram sempre mais.

Depois, já em terra, ouvir as histórias sem rumo que ondulam nas vozes dos lobos-do-mar lusitanos, a sul de África, é poder perceber-lhes o amor e a entrega sem limites.

O marinheiro conta-me do veleiro que trouxe de Lisboa ao Cabo, e de um outro, na travessia do Brasil ao Cabo. Solitário. Humilde. Fala-me de baleias e de estrelas. Fala-me da Lua Cheia e das 36 horas de tempestade. Fala-me sobretudo do instinto de sobrevivência quando, ao chocar com um contentor a meio do Atlântico, se viu obrigado a “despejar” a água do barco a cada 20 minutos, durante 20 dias. A escolha era óbvia: ou dava à bomba ou morria.

O mar está-nos inscrito na matriz, e é disto que se trata quando se ouve falar quem traz as marés no olhar e na voz.

Deixei para trás Table Mountain e o branco das nuvens a deslizar-lhe pelas arestas e pus-me a caminho da Ilha de Moçambique, seguindo a rota de Luís Vaz de Camões.

A viagem mal começou, mas levo já uma uma certeza: cumpri o sonho.

Ate já. A ilha espera por mim.

Terceira crónica: Entre a Ilha e a costa de Moçambique

Por aqui tenho aprendido que há coisas feitas só de palavras, outras só de sonhos e outras ainda feitas de ideias. O problema das ideias é que em mim transformam-se logo em atos concretos e… apanham-me desprotegida. Ir é um verbo transitivo. Lá fui. Em frente. E quero aqui ficar.

Logo na ponte que liga o continente africano à Ilha de Moçambique (antiga capital) percebi que viajava noutra dimensão – a dimensão do tempo passado: recuara pelo menos 50 anos. 

A ponte estreita e emagrecida, só com uma faixa, tem porém dois sentidos. Estranho, pois vejo o “chapa” – espécie de transporte coletivo de caixa aberta, amarrotado de tanta gente –, a avançar de encontro a um outro veículo em sentido contrário. Dizem-me para não me preocupar, há uns recantos onde um dá passagem a outro e quem tem prioridade é quem chega primeiro.

E assim foi.

Entardecia na ilha quando cheguei ao Escondidinho. Pedi para fazer o check-in e o rececionista olhou-me, interrogativo, fazendo depois deslizar sobre o balcão uma folha com assinaturas: “Põe o nome.”

Cheguei a um mundo que dispensa internet, correrias, atropelos, notícias. Cheguei a um mundo de casas a ruir, de piso esburacado, de telhados desfeitos, de paredes que convocam a imaginação do que já foi e do que poderia voltar a ser. Cheguei a uma ilha esquecida e que, por ser esquecida, irei lembrar todos os dias… Cheguei a uma ilha onde as pessoas, para saberem que idade têm, precisam de me mostrar uma data, sumida, entre as dobras de uma folha. Cheguei a uma ilha onde cada um traz um sorriso branco pintalgado na cara, uma ilha que me faz sentir acolhida, amada, segura. Cheguei a uma ilha de pescadores e marinheiros, cuja geografia sabem de cor: conhecem a deriva das nuvens e das marés, a ondulação do vento, as rochas e as enseadas.

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Melinde. © Maria João Lopo de Carvalho

A fortaleza, a igreja do século XVI, o palácio do Governador, onde tenho de me descalçar para entrar. O guarda recita-me uma passagem dos Lusíadas — “E porque tudo enfim vos notifique, / chama-se a pequena ilha Moçambique” – e eu comovo-me. Depois há a estátua de Luís Vaz… tudo parece ter sido aqui posto para que sempre aqui se pronuncie o nome de Portugal.

Encontrei na ilha meninos de nomes diferentes: o mais bonito foi o Silêncio, um rapazinho que brincava com um moinho de vento feito de lata, numa esquina da fortaleza. Nem todos percebem o que digo, mas cantam em português e dançam na areia, pedindo para eu os fotografar. Entrei numa escola apoiada pelo Instituto Camões e contei as minhas histórias devagar, devagarinho, guardando a sensação de que não tinham percebido metade. Fica aqui o apelo: há muito trabalho por fazer para que a minha pátria continue a ser a língua portuguesa.

menino do vento

Silêncio, o menino do vento. © Maria João Lopo de Carvalho

Descobri que quero morar nesta ilha. Fazer de uma ruína uma casa, pintá-la de branco e ficar a ver o sol vermelho a cair sobre o mar num instante… o instante que nos confere a imortalidade. Mas há viagens que fazemos e deixemos que acabem, outras que vamos fazendo pela vida fora. A ilha viajará sempre comigo.

E segui para Mombaça, a ver o Forte de Jesus e o Forte de São José. As pessoas trazem uma dureza no olhar e uma desconfiança na voz. Engoli em seco e sorri. “Estou sozinha e tenho de ser forte… não fomos meigos, não deixámos boas recordações.” Mas o inverso também é verdadeiro. Falam-me de canibais, de violência e da força destruidora dos nativos. E à medida que o meu guia, Mohamed Ali, me vai contando a história, eu vou-o desculpando, presa que estou ao fio das palavras. Nunca passou da escola primária, mas sabe tanto de história e de geografia, de política e de ciências que me deixa enfeitiçada. Tanto me dá uma explicação detalhada sobre uma árvore e uma espécie como uma lição acerca de cada um dos navegadores que aqui arribaram desde 1498, descrevendo a matriz de cada povo: os portugueses, os turcos, os árabes… E fala-me dos mares e dos astrolábios, das tradições e dos poetas, dos povos e das religiões com tanta sabedoria que impressiona. Há um brilho que transmite e que eu sei decifrar. Só fala assim quem gosta de ensinar.

Pergunto-lhe como sabe tanto, e a explicação é simples: “Não tenho dinheiro para livros, mas arranjo sempre quem me dê umas folhas... Aprendo com quem sabe mais do que eu.”

Por estradas longas, retas e mal asfaltadas, por entre quilómetros e quilómetros que ligam Mombaça a Melinde, vai parando o carro de quando a quando, para me conduzir, a pé, ao interior da selva. “Siga-me, madam! As cobras só atacam se forem atacadas.”

Encontro, entre sombras e mistérios projetados na minha imaginação, as ruínas de civilizações árabes do século XIV. Estão escondidas no meio da selva, testemunharam a chegada dos portugueses. No outro extremo, cruzado o bosque, desaguo nas mais incríveis praias desertas de vistas fabulosas sobre o mundo português. Enquanto caminhamos, o meu guia elogia-me a coragem de viajar sozinha nesta região de onde os turistas desertaram, assustados com os terroristas da Somália.

Fui confiando e baixando as defesas. Atrevi-me mesmo a sair do hotel só com o telemóvel na mão. Quem dizia que viver em perigo é colher o maior gozo da existência? Nietzsche, pois claro.

Dois quilómetros adiante, fomos parados num check point. Há-os por toda a parte, com a ameaça latente que por aqui paira… Como, por imprudência, não trazia qualquer documento comigo e o argumento de que poderia voltar ao hotel para buscar o passaporte não comoveu o polícia, o meu destino estava traçado: cadeia até o juiz decretar a pena. Mantive a calma, sabia bem que Mohamed Ali me ia proteger, e assim foi. Durante uma hora esgrimiu argumentos na língua materna, num tom cada vez mais alto, enquanto o polícia me fitava, ameaçador. O que se passou fora do carro não sei. Entenderam-se. Uma hora depois seguimos viagem… e Mohamed, pondo-me a mão no ombro, sossegou-me, já de regresso ao hotel: “Hakuna matata, madam”, vamos ao padrão de Vasco da Gama para esquecer tudo.”

vasco da gama road

© Maria João Lopo de Carvalho

E foi ao final dessa última tarde em Melinde, já depois do banco-padrão ali plantado por Vasco da Gama, refletindo o brilho da nossa gente, que Mohamed me levou a apoiar uma comunidade local – Membrua Vilage. Foram dez euros e tive só para mim a graça de assistir à Mijikenda, a dança da vida. Os mais jovens da comunidade, conjugando voz, cor, movimento e batuques, deixaram-me rendida. Não fosse ter sido obrigada a dançar e teria sido um fim de tarde único. Vivem sem nada, felizes? Pareceu-me que sim. Voltam da escola, onde a média de alunos é de 60 por sala (!), despem os uniformes e vão trabalhar para a aldeia, trazer água, apanhar lenha, varrer a casa, acender a fogueira.

“Nós é que complicamos”, diz-me o guia. “Veja como cantam, ninguém com fome canta assim!” “Mas havia um bebé, atado com um pano às costas da irmã, embalado num tal pranto que afligia. Estaria doente?” “Não, madam, ele chora por causa de si.” “De mim? Mas eu não fiz nada.” “É branca, ele tem medo de brancos.” Só abrandou quando o carro desapareceu na poeira do caminho.

Despeço-me. Aproveito um cantinho sossegado para escrever estas linhas. A noite é curta, dizem-me que vem uma tempestade a caminho. Tenho de ir cedo para o aeroporto. Próximo destino: Ormuz, no Sultanato de Omã. Até já, Portugal.

Quarta crónica: Descobri o caminho para a Índia

Mascate, cidade muçulmana, capital do Sultanato de Omã, nasceu encaixada num vale de contrastes… Cheguei de noite, mal me apercebi que aterrara num vale protegido por montes despidos, todos eles feitos de arestas improváveis. Mas ao amanhecer o azul do mar entrou-me pela janela e fundiu-se comigo. Era um azul calmo, transparente e quente, mais um azul roubado aos nossos mares… Sabia que não tinha muito tempo para contemplações nem mesmo para respirar esse azul paz, havia um avião para apanhar. Destino: Ormuz.

O estreito que separa o Irão e Omã, a ilha, o mar Arábico, o golfo. Por tudo tinha curiosidade. A espera pelo voo pareceu-me longa demais, provavelmente acuso já o cansaço de uma viagem que nem a meio vai. Mas quando, já no avião, abro Os Lusíadas para me “situar”, um rapaz tímido, feito arauto da Oman Airlines, vem tecer o nosso destino: “Flight is cancelled, no more flights today.”

Já me tinham avisado — numa viagem desta dimensão tudo pode acontecer. O problema é que eu também tinha “no more days” e ir a Ormuz era condição.

Armou-se logo ali um “arranjo” entre os turistas ocidentais e um professor muçulmano para que fôssemos todos de carro. Melhor, de táxi — uma “vaquinha”, portanto. As seis horas de ida e as outras tantas de regresso, acrescentando as fronteiras apinhadas de gente, tornavam-me impossível a expedição. No dia seguinte teria de chegar à Índia.

Fiquei pois em terra com Mascate pela frente. E fiz bem. Caminhei deixando-me perder. Até hoje terá sido uma das maiores caminhadas que fiz. Percorri uma avenida larga, paralela ao mar, ladeada pelos mais espantosos e robustos fortes que já vi: Al Mirani e Al Jaladi – Forte de São João – uma fortificação contínua de vigia permanente sobre o mar Arábico. Por ali é garantido que ninguém entra. O sol descia a pique sobre os fortes, recortando as ameias no céu, como se alguém tivesse desenhado aquele cenário de propósito para ser ali imortalizado. Tudo o resto é nada. Os montes, os outeiros são verdadeiros declives feitos de aridez, de aspereza e de secura.

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Mascate. © Maria João Lopo de Carvalho

Só então compreendi. Por muito que se leia e por muito que se ame o que se lê, nunca é suficiente para entender, é preciso ver. Mais do que ver, olhar de perto. Ali percebi o que Camões nos quis dizer quando escreveu: “Junto de um seco, fero e estéril monte.” Ali e só ali se perfilam. E não pode haver outro monte semelhante no mundo.

Adiando Ormuz, em dia de queda do governo português, atravesso o mar, chego a Bombaim e sigo de carro para Damão. Enfim… posso dizer que descobri o caminho para a Índia e mudei de quadro. Por aqui o desenho estéril e omisso de cor transforma-se numa algazarra de tons quentes, de movimento, de alegria, de sentidos. Há cheiros a esvoaçar, vozes que soam ao longe, sabores de distinta natureza. Lembro-me da ordem, Goa, Damão e Diu, foi assim que aprendi na primária; aqui Damão vem primeiro.

Só então compreendi. Por muito que se leia e por muito que se ame o que se lê, nunca é suficiente para entender, é preciso ver. Mais do que ver, olhar de perto. Ali percebi o que Camões nos quis dizer quando escreveu: "Junto de um seco, fero e estéril monte." 

Chego arrasada, depois de muitas horas de carro cruzando vacas e búfalos, motas, tuk tuk e camiões. Chego a um mundo pequeno e sem internet, em plena Festa da Luz, que traz a população eufórica e ruidosa para a rua, até altas horas da madrugada.

A maré vaza despiu o fundo do mar e pintou-o da cor do carvão. É triste, lunar e triste. Na manhã seguinte, depois de tomar duche com a ajuda de um balde, vou conhecer Damão Grande e Damão Pequeno, acompanhada por uma família descendente de portugueses. Mostram-me cada recanto fazendo rimar a palavra Damão com encanto. É tal o orgulho na fortaleza e na praça conquistada, a 2 de fevereiro de 1559, por D. Constantino de Bragança, que a minha primeira impressão menos grata cede ao orgulho. Contagiaram-me. O convento de S. Domingos, hoje totalmente destruído, é de um romantismo que comove. O Gabriel tem de interromper o discurso para deixar que o silêncio do vento que sopra forte lhe devolva a lucidez. Vê-se que é dali, que ama aquele lugar.

E de Damão vou a Diu. Chego de avião. Há crianças amontoadas nos telhados em frente ao aeroporto para ver o avião chegar. É um conjunto de cores tão belo e impressivo que não sei onde vão buscá-las. Diu é um lugar pacato junto do mar. A população, ainda na Festa da Luz, está toda na praia, vestida. Ou melhor, as mulheres vestidas, os homens em calções de banho. A tarde desce e ninguém se importa. A única vontade que expressam é a de se deixarem fotografar comigo – e comigo por um motivo: sou mulher, sou branca, sou ocidental.

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Crianças em Diu. © Maria João Lopo de Carvalho

Mas há sorrisos e curiosidade nos olhares. Não sinto intimidação nem medo, nem afronta. Só curiosidade. Uma curiosidade ingénua, talvez… Curiosidade igual à minha quando vejo a imponência daquele forte de 1535, mais um com o nosso carimbo, a descer a pique sobre o mar. Logo de seguida dou com a presença tão portuguesa nas três igrejas: S. Francisco Xavier, S. Tomás e S. Paulo, onde tenho de me descalçar para depois me perder. Perdi-me mesmo, no sentido literal, talvez por me sentir em casa. O nosso querido Wilson, que fala tão bem português que arrepia, deixou-me ficar sozinha a contemplar e fiquei. Sabia que eu precisava de mim. Mas havia de apanhar outro avião para Goa. Goa não podia esperar. Perdida como me achava, longe de táxis, de tuk tuks ou de outra qualquer forma de transporte, só me restou pedir boleia a um desconhecido numa motorizada. Mostrei no telemóvel o nome do hotel e o jovem, que depois soube ser pai de família e marido de uma professora primária, conduziu-me ao hotel, a cerca de 20 minutos de distância. Cheguei a tempo do avião e quis pagar-lhe o serviço. Mas só de me ver abrir a carteira disparou: “No madam, I just want to help. It’s a pleasure“; e, tornando a ligar o motor, acelerou, desaparecendo na esquina da rua. Que gesto… que lição!

Fiquei presa à memória bonita daquelas antigas praças lusitanas. Índia era Portugal. Ainda é. Deixo para trás Damão no rebuliço de uma agitação febril e Diu na pacatez de um imenso areal de curvas suaves e falésias debruadas a ponto luz.

E sigo para Goa. Dizem-me que em cada pedra vou encontrar uma estrofe…

Quinta crónica: Entre Goa e Cochim – o meu adeus à Índia

“Quem viu Goa não precisa de ver Lisboa”, lá diz o provérbio goês. Chegar à Ilha de Goa é uma espécie de chegar a casa. Um deslumbre. Goa é tecida de contrastes, enchemos os olhos do verde fresco, verde brilho, verde esplendor e verde acinzentado, verdes que nos acordam e nos dão a perceber de que matéria é tecida a natureza em toda a sua exuberância e variedade. Mais além são os azuis que nos convocam a lembrança da nossa terra e que existem, juro-vos, em todas as matizes que é possível conceber, do azul desbotado ao azul petróleo, do azul líquido ao azul-turquesa mais do que perfeito. E depois há o branco. Dizem-me: são 200 igrejas com a nossa assinatura. Vejo-as de uma brancura imaculada a irromperem altivas e no meio do mato. E sei: estou em casa.

Do verde ao branco, do branco ao azul do mar, das cores aos cheiros: o perfume das especiarias, do sândalo, da cânfora, a brisa de sal e terra húmida, a essência da pimenta, do cravo e da canela, do incenso. E há as sedas, os panos finos, os saris, os santos, as cruzes, os alpendres e varandins, os olhares, os sabores apurados. O picante. Goa é isto, um baú cercado de sentidos.

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Igreja de Nossa Senhora de Goa. © Manuel Moura/Lusa

A posição estratégica da velha Goa protegida pelos fortes – nada menos do que 40 – fê-la tornar-se na mais importante capital nos séculos XVI e XVII. Aqui viveu Luís Vaz quase dez anos, numa época em que o sistema nervoso do comércio com o Oriente começava e acabava aqui.

Em Goa perdi-me, abrindo a tampa do baú e descobrindo sempre mais segredos: as talhas douradas, as madeiras trabalhadas, os cantos, as esquinas, os brasões, as ruínas, as ruas e vielas, o que o tempo apagou e o mato ampliou, o que perdura, o que demora, o que lembra.

E há as vozes em Goa. Fala-se concanim, marata, urdu, hindi e fala-se inglês e ainda português. Verdade, os mais velhos falam-me em português, a missa é rezada em português e 30% da população é católica. Há o credo e os credos: muçulmanos, hindus, cristãos. Digo-lhes como me chamo e respondem-me com nomes extraordinários, como Menino Maria, Socorrinha, Pantaleão, Trifólico, Maria da Circuncisão de Fátima. Um absoluto ponto de convergência de distinta fé. Sublinho “convergência”: uma língua, uma literatura, um território? Aqui nada é unívoco nem nada é singular. Em hindi desfiam-se palavras portuguesas: missa, mesa, caderno, janela, paciência, sossego… Contam-se histórias à mesa, na noite quente que puxa a conversa como fios no tear.

What is your name, sir?
— Churchill Alemão, irmão de Joaquim Alemão.
Are you joking?
No sir, Joking é o meu irmão — Joking Alemão.

Mais nada! E isto não é uma piada, o que tem mais graça. Para além da clara influência britânica, tropeço nas mais antigas linhagens latinas: Braganças, Mascarenhas e Noronhas são aos pontapés.
Faltam-me palavras para descrever o tanto que a nossa guia Maria de Lourdes, nascida e criada em Goa, me emocionou. Conhece como ninguém cada igreja, cada altar, cada santo protetor, conhece as lendas do Rio Mandovi que cruza Panjim, as pontes – a maior da Ásia feita pelo conde de Linhares –, as pedras do forte de Agualva, os recantos luminosos do Forte Reis Magos, as vistas do farol, os cantares e as danças a que me leva: são vozes afinadas num bailado com ritmo português. E os caminhos. Para mim todos iguais, para ela todos distintos. O que aprendi resume-se numa frase: todos os caminhos em Goa vão dar a um forte ou a uma igreja. E uma ilha onde a palavra de Cristo se quis forte, uma ilha de portas bem guardadas – igreja de Santa Catarina em honra de Santa Catarina, dia em que Goa foi reconquistada; igreja de Nosso Senhor do Rosário, de onde Afonso de Albuquerque assistiu à conquista de Goa; igreja de Bom Jesus — onde está sepultado o padre Jesuíta São Francisco Xavier, cujo corpo nunca se decompôs; Santa Ana, São Caetano, Sé, Nossa Senhora do Pilar… em cada igreja, em cada pedra, em cada recanto, em cada esquina, um verso perdido nas dobras do tempo.

"Em Goa fala-se concanim, marata, urdu, hindi e fala-se inglês e ainda português. Desfiam-se palavras como missa, mesa, caderno, janela, paciência, sossego."

De tanto ter massacrado quem devia e quem não devia com perguntas sobre o século XVI e sobre os portugueses e sobre o poeta, ganhei um epíteto curioso:

— Então esta é que é a Senhora do Luís de Camões? Muito prazer em conhecê-la.

Apeteceu-me responder que do que mais gostei foi do artigo definido “a” — não existe nenhuma outra, portanto!

Despedi-me de Goa com o pôr-do-sol mais bonito que vi. Despedi-me deste dia na capela da Senhora do Monte. Fica no alto do outeiro, o ponto mais perto do céu. Moram lá todos os passados que foram escrevendo a nossa Historia. São tantas as almas que lhes perdi a conta. Estamos lá todos — soldados, marinheiros, conquistadores, poetas. Está ali o nosso Portugal em cada novo dia que se apaga.

E dali me fui para a terra mais líquida que conheci: Cochim. Água, água que nos acode por todos os lados. Canais, braços de mar, sulcos, chuva quente. Ali estivemos, ali conquistámos e ali morámos e não me admira. A água que nos conforta e nos fortalece. Tudo é água, caminhos de água calma juncados de violetas e de lírios, de pássaros cor do sol e da argila, de ramos pendurados em ângulos absurdos, de mecanismos de pesca tão ardilosos que me custa imaginar que fomos nós que os trouxemos da China para ali os deixarmos ficar.

As ruas foram desenhadas a régua e esquadro, como se estivéssemos na Baixa Lisboeta, os rios cruzam todos os cenários, ouvem-se cânticos ao longe na hora da oração.

O que resta do nosso forte é pouquíssimo. Uma fiada de pedras no subterrâneo do museu indo-português. Mas o que mais me tocou foi a igreja de São Francisco, a mais antiga igreja portuguesa na Índia. Não pela igreja em si, com o nosso traço inconfundível, mas pelo primeiro túmulo de Vasco da Gama. Uma vulgar lápide no chão com uma inscrição sumida pelo tempo. Tão humilde memória a evocar alguém tão grande. É nas coisas simples que reside, de facto, a grandeza. Trouxemos Vasco da Gama para casa, demo-lo aos Jerónimos, mas ali ficou o seu último olhar. E o meu, deixei-o preso na pedra que recorda o início de tudo o que somos. Imenso.

Religião, Sociedade, Cristianismo, Crenças e fé

A Igreja de S. Francisco, em Cochim, em 1992. © Manuel Moura/Lusa

Levei comigo o remorso, fiquei de ir jantar com o porteiro do museu indo-português e, com tanta emoção a acontecer, tanto por onde me guiava a curiosidade dentro de um tuk tuk e depois de um barco, esqueci-me da hora e do sítio que tinha combinado… imperdoável. Deixou-me ficar no hotel um papel amachucado com um número de telefone e um endereço de e-mail, foi tudo. Nunca me poderei redimir.

Parti de madrugada, a bordo de um ferry, sentindo o dia nascer na minha pele. Próximo porto: Taprobana, Ceilão, Sri Lanka. Três nomes, um só destino.

Sexta crónica: Passar além da Taprobana

Chegar ao Sri Lanka vinda da Índia é como chegar a uma espécie de Suíça do Oriente: as hospedeiras da Sri Lanka Airlines de sari azul-água maquilhadas como modelos da Vogue, a absoluta limpeza e organização do aeroporto, até mesmo a eficácia dos guichets da imigração. Até hoje tive sempre de enfrentar filas intermináveis e vagarosas sacudidas por ventoinhas lentas que apenas ampliaram a minha exaustão. Cheguei a um mundo diferente, pensei.

"O Sri Lanka é um país intrigante e glorioso, apesar de tantas, tão abruptas e inesperadas clivagens. As estradas más, de trânsito caótico, a chuva torrencial em hora de ponta, a humidade tórrida a complicar e os tuk-tuks indiferentes a tudo, quais cardumes velozes e ágeis, fintando búfalos e vacas que nos fitam de alto a baixo como se fôssemos nós os intrusos do alcatrão."

A minha primeira paragem nestes cinco dias foi a sul, num eco-resort sem água quente, sem conforto excessivo mas com uma filosofia que me cativou logo à entrada. Descalcei-me e preparei-me para ouvir as infindáveis histórias da dona da casa, uma portuguesa aventureira que se casou com um cingalês de quem já tem um rapazinho de olhos cor de azeitona e sorriso desdentado. Por ali se ouve o rio a galgar as pedras, os mais distintos cantares das aves, o vento sossegado a anunciar a chuva. De tudo o que naqueles dias vivi, mais do que os imponentes elefantes numa selva quase virgem que termina no Índico, foram as histórias que fui ouvindo contar que me impressionaram. A profunda crença budista, a serenidade, a memória do tsunami ainda viva passados já 12 anos. Manu, o dono do resort, escapou por milagre, tendo decidido à última da hora mudar de planos para esse Natal. Trocou a praia pela floresta e salvou-se. Contou-me, de sorriso inteiro, que tanto ele como os amigos mudaram de vida durante seis meses para se dedicarem a socorrer as vítimas, reconstruir casas, fazer refeições… Tudo tem o seu tempo e a sua prioridade.

É um lugar-comum falar dos tons verdes e quentes do Índico, que só amplia a saudade de um mergulho no Guincho, das ondas de espuma altivas e gloriosas que morrem suaves aos nossos pés, do caril e do ragu, das mais exóticas formas de cozinhar peixe (todas demasiado picantes para o meu paladar). É um lugar-comum descrever-vos os sabores de novos frutos, ou as noites só possíveis com o ar condicionado no máximo. Mas verdadeiramente intrigantes são os acenos de cabeça. A princípio julguei que a culpa era minha, era eu que dizia algo desconforme, pois quer pedisse água ou sumo, caril ou roti, invariavelmente abanavam a cabeça, negando. Mas era um brando negar, bem diferente do nosso, mais uma oscilação de pescoço, como uma árvore ao vento. “This means ok , madam.” Enfim… Até nos gestos somos distintos!

Foi também para os decifrar que aqui vim.

A primeira grande surpresa está na ilha de Taprobana, hoje propriedade privada, junto à rebentação. Tem-se acesso, apenas na maré baixa, por uma escada e uma porta branca: Taprobana Island.

taprobana Maria João Lopo de Carvalho

A chegada a Taprobana. © Maria João Lopo Carvalho

Foi portanto esta nesga de terra, do tamanho de uma noz, que deu nome à riquíssima e fértil ilha gigante, mais tarde Ceilão, hoje Sri Lanka — terra-mãe.

“As armas e os barões assinalados,
que da ocidental praia Lusitana,
por mares nunca dantes navegados,
passaram ainda além da Taprobana”

Logo adiante, Galle, a terra mais catita que vi. Galle é toda ela edificada dentro das muralhas do forte com a nossa inconfundível assinatura, e foram exatamente essas muralhas que protegeram e salvaram toda a população do tsunami. Uma vila de ruas bonitas, com uma profusão de lojas de artesanato e um velho museu português onde uma senhora encantadora se entretém na sua renda de bilros. Galle vê o mar espreitar em todas as esquinas, vê desfilar bandos de meninas de tranças pretas e laços vermelhos, no seu uniforme branco, a caminho da escola. Levam sombrinhas a protegerem-nas do calor e da chuva e riem tagarelando rua fora.

Curioso constatar que aqui no Sri Lanka é quase sempre feriado: todas as luas cheias são dia feriado, cumprindo os preceitos da religião budista; e todos os feriados católicos, hindus e muçulmanos também são contemplados. Será que o novo governo português vai seguir este exemplo?

Foi com os olhos em Galle que, já no avião, organizei estas linhas. Não deixando grande saudade da cidade de Colombo, que bem faz jus ao que me tinham já avisado: “a Babilónia”.

galle Maria João Lopo de Carvalho

O Forte de Galle. © Maria João Lopo de Carvalho

Malaca, uma das regiões da Malásia, é de beijar o chão! Não pela beleza do sítio, mas pelo sabor genuíno dos costumes e das gentes. Mal cheguei ao topo do que resta da nossa fortaleza percebi que era daqui, este é um dos meus lugares. Ao ver-me assim deslumbrada, um dos vendedores de souvenirs perguntou-me de onde vinha. Respondi: “Portugal.” E o homem não foi de meias medidas, estreitou-me num abraço e segredou-me: “Welcome home, madam.”

Todas as palavras agora são supérfluas. Que bofetada!

Disseram-me que por aqui, no portuguese settlement, se falava português antigo. E é verdade, tão antigo que eu não entendi nada. Como poderia imaginar que “cavalo de ferro” significa bicicleta e “barco a voar” quer dizer avião? Falam rápido, juntam as palavras, enfim, terminam com “mercê”, agradecendo. Mas o mais extraordinário foi o dicionário manuscrito que Papa Joe – a lenda viva e o fadista mais castiço do bairro português – me mostrou. São centenas de páginas manuscritas de um dicionário a que chamou Kristang Diksenare. Um tesouro.

Ele próprio tem consciência do valor que guarda. Não consegui convencê-lo a deixá-lo entregue, bem entregue, a quem possa redescobri-lo. Veio de um mistério, partiu para outro, nas palavras de Drummond de Andrade, e eu vou também viajando nele.

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Malaca. © Bjørn Christian Tørrissen/Wiki Commons

Cada português da Malásia é, como Papa Joe, um mistério. Nem que eu aqui tivesse ficado um mês teria decifrado os segredos desta gente. Marina, a minha anfitriã, é mulher de sete ofícios. Mãe de seis filhos, cozinha para 100 pessoas com uma leveza que assusta, é educadora num jardim infantil, costura e borda e tem por missão comandar o grupo de folclore português que eu tive o privilégio de ver ensaiar: um punhado de garotos a dançar o malhão e o vira trajados à minhota. Não entendo como é que Portugal não vê aqui um coração forte a bater. Ninguém conhece Lisboa, ninguém foi alguma vez a Portugal – e no entanto sonham Portugal e dançam-no num bailado tão sentido que fez vibrar cada recanto do meu coração.

Não são os barcos a deslizar no rio que me tocam, não é o mar azul desbotado nem o feitiço de navegar, não é ainda a história deste importantíssimo porto comercial que une ou separa a Ásia, nem sequer esta terra no fim da península onde no século XVI ceifámos vidas, as nossas e as dos outros, e até sepultámos São Francisco Xavier antes de o darmos a Goa. Aqui o que me toca mesmo forte são as vozes das gentes. Guardo-as para mim, mas lanço o alerta: Portugal devia ouvi-las. Os mapas e os povos existem para incomodar e provocar as pessoas e as perceções que têm do mundo.

Vou hoje num “barco a voar” até às ilhas das especiarias. Dizem-me que ficam no fim do mundo… são agora as ilhas Molucas que me esperam, o ponto mais distante desta rota de Luís Vaz de Camões. Como diz Sophia: “Navegam sem o mapa que faziam”. Até já, Portugal.

Sétima crónica: Molucas, as ilhas dos sabores especiais

Cheguei ao fim do caminho, à Insulíndia, algures entre o mar das Molucas e o mar de Banda, já no Pacífico. Foi disto que me lembrei quando o avião aterrou no aeroporto do sultanato de Ternate. O ponto mais distante de casa, para lá do oceano Índico. Pelo mapa percebo que estou perto da Austrália, da Papua, de Timor, perto mas mais longe ainda.

O que eu senti deve ter sido semelhante à impressão que António Abreu teve, em 1512, quando aqui desembarcou depois de tanto navegar: o azul profundo do mar salpicado de margem, de costa, de abrigo. As erupções geológicas, que outrora foram vulcões, forradas de veludo; a floresta tropical nos mais incríveis pontos de luz; a imensidão de ilhas nascendo do mar espelho como outeiros vaidosos. Nunca mais quiseram daqui sair, e eu compreendo-os. É outra música, escrita noutra pauta.

Tidore

As Molucas. © Wiki Commons

Naquela altura, António Abreu não sabia o tesouro que aqui estava. Apenas se terá deixado tocar pelo inesperado cenário que se abria. Porém as ilhas eram em si mesmas um baú de ouro. Depressa se apercebeu de que naquela floresta havia cravo-da-índia e havia noz-moscada, as mais valiosas especiarias da época. Foi preciso construir fortes em pontos estratégicos, que ainda hoje subsistem, povoar, defender, avisar que aquelas preciosas ilhas haviam de ser nossas. E seriam? Os cálculos constantes no Tratado de Tordesilhas deixavam dúvidas, seriam nossas, seriam dos espanhóis? Acabámos por pagar uma fortuna a Carlos V pela posse das Molucas, quando, soubemo-lo mais tarde, as ilhas sempre estiveram do nosso lado do meridiano. E Luís Vaz pisou este chão, viu estas ilhas numa das expedições militares a partir de Goa, esteve no palácio do Sultão, terá visto as prendas que oferecemos ao Sultão – hoje esquecidas numa vitrina cheia de pó. É tanta história para tão pequenas ilhas!

Olha cá por mares do Oriente,
As infinitas ilhas espalhadas:
Vê Tidore e Ternate, com um fervente
Cume, que lança as flamas ondeadas;
As árvores verás de cravo ardente
Com o sangue português compradas.”

Perdi-me pois como os nossos antepassados, ousando, explorando, rasgando por entre florestas, casas construídas nas árvores, pontes de bambu a projetarem sombras e luz oblíqua por entre ramos verde-esmeralda, e verde seco, verde fluorescente, verde paraíso. Custa-me respirar, a humidade cola-se à pele, mas consigo vencer-me e chegar ao topo, à árvore mais antiga da ilha.

Porém o maior desafio não é o trilho íngreme e escorregadio por entre as árvores de cravo e noz-moscada, é constatar que sou a única estrangeira nesta ilha. A única “diferente”, portanto.

"Luís Vaz pisou este chão, viu estas ilhas numa das expedições militares a partir de Goa, esteve no palácio do Sultão, terá visto as prendas que oferecemos ao Sultão – hoje esquecidas numa vitrina cheia de pó." 

A ilha é também uma lixeira a céu aberto. Ninguém cuida. A ilha é também o rebuliço constante de carros, táxis coletivos, cardumes errantes de motas e motoretas com quatro e cinco passageiros em cada uma. De facto, sou a única “diferente”, as crianças riem quando eu passo, riem à gargalhada, apontando para o meu chapéu e para os meus óculos de sol; as mulheres riem só com os olhos, já que o resto está coberto pelo véu; os homens sorriem a disfarçar e procuram agradar. Acresce que ninguém – e quando digo ninguém não é uma hipérbole – ninguém fala inglês, logo a comunicação tem de ser gestual. “Miss, miss! Thank you, thank you!” E é tudo, já é muito.

Naveguei até às ilhas de Tidore e Morotai. O barco onde vou transporta 12 motos, nem mais uma nem menos uma. Enquanto espero, no cais, reparo nos rapazinhos que ali trabalham, nem dez anos têm e é tal a perícia com que alinham as motos, com que saltam de um barco para outro, com que dão nós e enlaçam cabos, que me comovem. É domingo, não há escola, vêm ajudar. São daqui, nasceram entre barcos e marés, são nativos da navegação. Como nós fomos.

molucas mar MJLC

© Maria João Lopo Carvalho

Resolvi, numa das ilhas, aventurar-me a um mergulho no mar. Água quente, muito quente e transparente fez-me cometer esse “pecado”. Não há areia, salto pelas rochas, por ali só meia dúzia de crianças chapinha, calculo que nem nadar sabem. Sendo eu a única estrangeira, mulher e de fato de banho, atraio todas as atenções. Se aquela baía, melhor, os pedregulhos por onde entrei, eram um local deserto, quando regressei do mergulho o cenário mudara: havia mais de dez motos ali estacionadas. Os chamados “mirones”. Foi pela boca de um rapazinho curioso, dos raros que articulavam duas palavras em inglês, que veio a pergunta certeira: “Why do you like the sea, madam?” Coisa estranha – um mar turquesa, quente, tranquilo, como explicar-lhe, se a minha linguagem se resume a sorrisos?

As crianças vão para a escola de uniforme, escola onde o inglês não é ensinado e o uniforme, a partir dos três anos, compõe-se de um véu para as meninas, uma mini burka castanha até aos pés, quente e pesada, enquanto os rapazes podem ir de cabeça destapada e calções. Estão 40 graus, ninguém se queixa, vão a pé ou de moto, todos de uma assentada, riem, riem muito quando me veem passar. O meu condutor, orgulhoso, faz questão de me mostrar aos amigos, parando a moto em cada loja e barraquinha, cada esquina, para que possam fotografar-me. Obedeço, cordata; tenho alternativa? O que eu andei para aqui chegar!

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© Maria João Lopo Carvalho

Já no navio de regresso a Jacarta, para seguir até à foz do rio Mekong, onde o poeta naufragou, salvando Os Lusíadas, vem-me à lembrança o episódio da troca de ilhas, que não posso deixar de contar. Depois de nós aqui chegarmos, vieram os holandeses e ainda depois os ingleses, bulharam por causa do arquipélago, ambos o queriam, mas os holandeses não abriam mão de uma das ilhas, onde nascia uma quantidade gigantesca de cravinho. Conta-se que as negociações foram duras, até que chegaram a um acordo: os holandeses ficavam com a ilha do cravo, e em troca cediam aos ingleses uma língua de terra desenxabida, perto da América do Norte – Nova Amesterdão. O negócio fez-se, a História também fez o seu curso… 60 anos depois, o cravo deixou de valer a fortuna que se anunciava, as especiarias deixaram de ser moda e a ilha murchou. Porém, do outro lado do Atlântico, naquele pedaço de terra castanha e estéril, colada à costa americana, nascia Manhattan em todo o seu esplendor.

As voltas da vida, as curvas do mundo. Até já!

Oitava crónica: Mekong e Macau: o regresso a casa

Saigão, hoje Ho Chi Min, é um lugar agressivo. Há um choque imediato, uma ruptura com a viagem que venho fazendo. Encontro uma expressão fechada e desconcertante desenhada nos rostos dos 10 milhões que aqui vivem, nos 10 milhões que por aqui transitam em cima de cinco milhões de motos que fazem desaparecer ruas, casas, esquinas e jardins. Tudo é ruído, tudo é regime, tudo é política anti-americana. Não foi, porém, para tomar o pulso a Saigão que aqui vim, foi para navegar. Não foi para me comover com os túneis de Cuchi, com a memória ainda fresca dos jornalistas internacionais em “diretos de guerra” no topo do Hotel Rex, nem com as atrocidades à vista desarmada no Museu da Guerra, que me gelam o sangue. Vim aqui para seguir Luís Vaz rio abaixo. Cinco séculos antes do horror que me querem mostrar.

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O rio Mekong. © Maria João Lopo de Carvalho

O delta do rio Mekong é outro Vietname (no tempo de Luís Vaz, ainda não se chamava assim) — é o Vietname da paz, do tempo e do silêncio, é o Vietname dos mercados flutuantes, dos barcos a remos, do verde-margem, da melodia dos pássaros, da pesca, das árvores de frutos debruçadas sobre o leito. O rio atravessa o Vietname, o Camboja, o Laos, a China, a Birmânia e a Tailândia por mais de quatro mil quilómetros, contorcendo-se por canais finos como riscos de lápis num labirinto de água lodosa e escura que se vai transformando numa estrada de luz. Apetece demorar e apetece ficar, tentando esquecer tudo o que antes vi. Não terá sido este o Mekong de Luís Vaz. Sabemos apenas que o poeta, ao regressar de Macau, onde ocupou o cargo de provedor dos defuntos, terá por aqui naufragado no ponto em que o caudal cor de terra se confunde com o mar da China. Dizem que as marés são tao violentas que ainda hoje não há barcos que as cruzem. Salvou Os Lusíadas a nado, de braço erguido, imagem que todos os portugueses guardam, não conseguindo no entanto salvar a sua amada Dinamene, que nestas águas terá sido sepultada.

Alma minha gentil que te partiste,
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.”

Foi o rio, as margens, o deslizar silente do barco rompendo ventos e cantos, foi a poesia que me salvou o Vietname. Não posso aqui ficar. Tenho de prosseguir e tenho de persistir.

Chego ao último porto: Macau.

Vejo gente a correr para sair do avião: encontrões, pisadelas, transpiração, nada importa. Vejo que não trazem bagagem. São chineses da “porta ao lado”, conseguiram um visto, um carimbo de acesso à “terra do sonho”. Querem ser os primeiros a chegar ao casino, e cada minuto perdido é menos um minuto de ganhos. A roda da fortuna, hélas!

Imagens de Macau

Macau. © Carmo Correia/LUSA

O néon dos casinos confunde-me – ilumina a noite e amplia a desgraça anunciada de uns e a sujidade fácil de outros. São 31 milhões de jogadores por ano, que fazem crescer o PIB a números escandalosos. Pacificam-me: já não é o que era, a corrupção vive hoje paredes meias com a denúncia. Aqui não há riqueza, há riqueza escandalosa e suja e “limpa” e totalmente desajustada. As salas de jogo, propositadamente sem janelas, para que dia e noite se confundam, transbordam de aficionados frenéticos, em chinelos de quarto e aspecto miserável, quando de miserável só mesmo a atitude – a conta bancária que lhes permite o acesso ao andar bronze, prata ou ouro ascende a uma quantidade vertiginosa de zeros…

Este é um daqueles lugares sem contornos de esperança. Aliás, toda a esperança é aqui omissa e neste desajuste, neste desalento, quase termino a minha viagem. Resgato esse “quase” a que procuro agarrar-me esquecendo roletas, cartas, rostos desfigurados, desesperos, vícios.

Olho à minha volta na cidade antiga e leio, na minha língua portuguesa, nomes de ruas, de edifícios, de poetas, de navegadores. Não vinha a Macau desde 1994. A ruína de São Paulo, a calçada portuguesa, o farol, as igrejas e cafés, os pastéis de nata e a livraria. Tudo resiste.

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Os Cantos dos Lusíados gravados na pedra e a autora em Macau. © Maria João Lopo de Carvalho

Ao longe, aqui tão perto – à distância de um ferry – Hong Kong, altiva e soberana, faz tudo isto parecer um grão de areia.

Estou longe ainda da minha terra, das luzes da minha cidade. Fecho os olhos. Não quero pensar. Prefiro sentir Portugal no desenho das casas antigas, como a casa da Fundação Oriente, outrora Companhia das Índias, ou a do nosso consulado. Prefiro sentir a minha língua na foz do rio das Pérolas, a 10.990 quilómetros de casa, e sei que cheguei ao fim do mundo, ao fim do teu mundo.

Cheguei a ti, Luís Vaz de Camões. Aqui desempenhaste por dois anos o cargo de Provedor dos Defuntos, aqui te ergueram uma estátua, aqui te gravaram os teus Cantos na pedra e aqui simularam a tua gruta. Não me interessa a lenda, és tu. Sentiste esta humidade colada à pele, viste este mesmo céu que já fez desbotar o tom azul-catequese, ouviste os sinos das igrejas; as árvores e os montes serviram-te de abrigo. Aqui, tu e Os Lusíadas fundiram-se num só.

Desvendei-te e finalmente abracei-te. A tua voz nunca se repete, bem sei. Por isso deixo-te, nos teus versos dispersos, deixo-te a ti, marinheiro e poeta, por aqui, nesta ilha singular em que te tornaste. Ilha e mar – és tu a navegar.

E volto a casa, como tu.

“Esta é a ditosa pátria minha amada,
à qual se o Céu me dá que eu sem perigo
tome, com esta empresa já acabada,
acabe-se esta luz aqui comigo.”

Foram já 50 dias por ti e contigo. Que persista esta luz aqui comigo.

PS: Na despedida, cumpridos 50 dias de navegação, queria aqui agradecer à Sem Limite e ao Observador. À Sem Limite por me ter desenhado e programado todos os passos, porto a porto; ao Observador por os ter seguido e partilhado.

Maria João Lopo de Carvalho é autora dos romances históricos “Marquesa de Alorna” (2011) e “Padeira de Aljubarrota” (2013). Tem mais de 50 títulos editados, entre romances, livros de crónicas, manuais escolares e livros infanto-juvenis.

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