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FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

A ortodoxia dos afetos e o BE que está num "saco diferente". Na estrada com João Ferreira, que "até é melhor do que na televisão"

Almoçou com militantes, passou por uma festa à beira Tejo e terminou a discursar para vinte pessoas. Não faltaram os ataques à direita e ao PS. Pelo meio, admitiu que coloca o BE "num saco diferente".

O restaurante “O Infante”, em Tomar, dá as boas-vindas aos clientes com uma entrada discreta, que seria facilmente ignorada não fosse a carrinha branca da CDU estacionada mesmo em frente. O apelo ao voto nos comunistas feito em tons de azul metálico na parte lateral grita pela atenção de quem passa. Estamos em plena pré-campanha para as eleições europeias e não é de estranhar que aqui e ali vão brotando os primeiros sinais. Apesar de não haver grande movimento à porta do restaurante é fácil perceber que é lá que está a decorrer uma das três ações de campanha que enchem a agenda do dia do cabeça-de-lista comunista.

Entramos. Depois de subir um curto lance de escadas, chegamos à designada “sala de eventos”. Cerca de 60 pessoas ocupam as mesas dispostas em forma de “u”. Há quem ainda termine o lombo de porco com batata assada que foi servido ao almoço. Há quem já tenha cruzado o garfo e faca e aguarde pelo momento em que João Ferreira vai subir ao púlpito para começar a falar. “É entre o prato principal e as sobremesas”, informam-nos. Além do Observador, não há qualquer órgão de comunicação na sala. Um facto que não seria esquecido pelo eurodeputado comunista no discurso que estava prestes a proferir. “Não combatemos com as mesmas armas que os outros”, sublinhou antes de concretizar: “Não contamos com as câmaras de televisão com que outros contam. Mas contamos com outras armas. Essas armas são as nossas”, diria.

Mas voltemos atrás, ao momento em que João Ferreira se dirige aos militantes e o silêncio toma conta da sala. O candidato número um da CDU levanta-se, assume o púlpito e encara de frente os convivas com quem tinha estado a almoçar, com um sorriso. “Juntar aqui em Tomar tanta gente, à hora de almoço de uma segunda-feira, um dia de trabalho, só pode ser bom sinal”. Iniciava assim uma intervenção de 20 minutos em que prestou contas pelas últimas legislaturas – a europeia, mas sobretudo a nacional -, colou o PS à direita, ignorou o papel do Bloco de Esquerda na solução do Governo e, claro, pediu incessantemente um voto na CDU.

"As eleições para o Parlamento Europeu não podem ser desligadas das grandes questões nacionais. Por uma razão muito simples: as grandes questões nacionais e os problemas com que o país hoje se confronta estão direta ou indiretamente associados a decisões que foram tomadas no Parlamento Europeu ao longo dos anos", considera João Ferreira.

Esta estratégia é aquela que os comunistas têm seguido ao longo do último ano. A fórmula é simples: colar o PS a PSD e CDS para os culpar pelo que está mal no país e ignorarem os bloquistas para colherem sozinhos os louros das conquistas desta experiência que ficou conhecida como “geringonça”. João Ferreira não foge à regra e vai dando gás à mensagem de forma convicta.

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Um argumentário centrado sobretudo no país e naquilo que foram os últimos quase quatro anos de legislatura. Menos orientado para a Europa. Mas João Ferreira explicaria mais tarde ao Observador que esta avaliação que coloca os assuntos europeus de um lado e os nacionais do outro é irrealista, quase hipócrita. “As eleições para o Parlamento Europeu não podem ser desligadas das grandes questões nacionais. Por uma razão muito simples: as grandes questões nacionais e os problemas com que o país hoje se confronta estão direta ou indiretamente associados a decisões que foram tomadas no Parlamento Europeu ao longo dos anos”. Para a CDU não é um problema passar a campanha para as europeias a falar de problemas nacionais. Antes pelo contrário: “é desejável”.

João Ferreira agradece aos militantes a presença no almoço-convívio, em Tomar. DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A plateia vai ouvindo atentamente as palavras do eurodeputado, aplaudindo-o sobretudo quando ataca a direita ou quando recorda o “tempo da troika“. Também reage aos momentos em que o candidato se vangloria pelo trabalho do PCP.

Apesar de não ter um discurso escrito, a postura de João Ferreira, que está a jogar em terreno favorável, é sempre séria, formal. Algo que “transmite segurança“, comenta numa das mesas uma senhora visivelmente satisfeita por poder ver o eurodeputado comunista ao vivo, “que até é melhor do que na televisão”.

No fim do discurso, João Ferreira sai do púlpito e em cinco passos regressa ao sítio onde almoçara, junto dos dirigentes comunistas locais. A acompanhar este curtíssimo trajeto, uma longa salva de aplausos e os militantes de pé a gritar a sigla da coligação comunista. Os momentos que se seguem são de descontração. Aos militantes que se lhe dirigem, o candidato vai respondendo com um sorriso tímido e com gestos. Poucas vezes se alonga nas respostas. Escuta mais do que fala e cumpre as expectativas de quem quis ir “dar-lhe apenas uma palavrinha de força”.

Entre a ortodoxia dos afetos e os sorrisos de campanha

O eurodeputado fala de forma assertiva e confiante, mas mantém sempre uma dose de formalidade que não passa despercebida a quem é apanhado pela campanha da CDU. Em ambiente eleitoral, é costume os candidatos empatizarem com os eleitores. João Ferreira sabe-o, até porque já tem vasto currículo em campanhas eleitorais. Mas é difícil. Ainda assim, raramente olha para o telemóvel e segue muito atentamente as conversas que com ele vão mantendo as pessoas que o reconhecem, que são cada vez mais na chegada às Festas de Constância, a segunda paragem do dia de pré-campanha.

A ex-presidente da Câmara de Constância, Júlia Amorim, vai fazendo de mestre das cerimónias. Autarca entre 1994 e 2017, a comunista é uma cara ultra popular no município. Os cumprimentos que troca com todos os que se cruzam com ela demonstram-no. São mais os populares que a reconhecem do que aqueles que identificam João Ferreira. “Eurodeputado?”, questiona uma senhora em surdina. “Sim. Estão no Parlamento Europeu, onde falam inglês, e estão para lá a debater sobre coisas que a gente acha que não têm nada a ver connosco mas têm. E muito!”, responde a ex-autarca.

Quando termina a explicação, Júlia Amorim volta a cruzar o olhar com João Ferreira, que entretanto já tinha despachado alguns cumprimentos e ouvia atentamente a resposta. Procurava a aprovação do eurodeputado, que anuiu em sinal de concordância. “E para continuar um bom trabalho temos de dar mais força à CDU!”, completou.

O candidato visitou os bastidores de algumas barraquinhas das Festas de Constância. DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Sempre que podia, mesmo na mais trivial conversa, o cabeça-de-lista comunista introduzia a campanha. Na tasquinha que promovia o Queijo da Serra ia repetindo que “a CDU precisa de mais força para ver se o Parlamento Europeu pode contar com uma serrana”, uma referência à número quatro da lista, Mariana Silva. “Temos de levar os serranos para lá“.

As pessoas reagiam, na maior parte dos casos, de forma positiva. Um ou outro comentário deixava adivinhar algum desinteresse com as eleições. “Este é o que aparece na televisão. O João Oliveira ou João Ferreira“, comentava um pai para uma filha, que, curiosa, tentava perceber o motivo de tanto alvoroço. Sempre que percebia que não conseguia convencer o potencial eleitor, João Ferreira despachava a conversa com celeridade, ainda que de forma cordial.

Nova barraquinha, novo diálogo. “Estes produtos são típicos de Arganil. Já lá foi?”, perguntou um desenvolto comerciante. À questão, João Ferreira respondeu no mesmo registo, chamando à conversa o trabalho dos comunistas. “Conheço bem. A CDU esteve lá depois dos incêndios numa visita com o Jerónimo de Sousa”, respondeu.

A comitiva aproximou-se das atividades que decorriam na praia fluvial, com vários barcos prontos para se fazerem ao Tejo. Depois de descreverem o objetivo daquele aparato, João Ferreira interrompeu, protagonizando o take três da ortodoxia dos afetos:

– Estes barcos estão decorados à moda de Constância.
– Muito bem.
– E daqui a pouco vão navegar aqui pelo Tejo.
– Por acaso a CDU já fez, no Parlamento Europeu, uma pergunta sobre as embarcações no Tejo.
-… (Silêncio)

Atenta, Júlia Amorim aponta para o relógio, sublinhando o atraso do candidato. Segue-se uma terceira ação de pré-campanha na estação ferroviária do Entroncamento. Têm de deixar a festa. Fazem-se apenas mais um par de visitas a tasquinhas escolhidas a dedo pela ex-autarca. Mais sorrisos, cumprimentos, mais beijos e menos abraços. À saída, fazem-se contas: apesar da pressa, saíam apenas com dez minutos de atraso.

O candidato da CDU distribuiu panfletos na estação do Entroncamento, onde terminou a discursar para cerca de vinte militantes. FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

A última ação do dia termina em meia hora. Depois de se distribuírem uns panfletos a cerca de cem pessoas, que iam entrando e saindo do comboio, com mais ou menos pressa. “É preciso dar força à CDU”; “a redução dos preços dos passes foi conseguida graças à CDU”; “a CDU precisa de força no Parlamento Europeu”. As frases eram oferecidas em registo automático ao ritmo dos panfletos. Os passageiros ouviam, sorriam, pegavam no papel e seguiam viagem.

Terminado o programa do dia, era altura de agradecer aos militantes fiéis que, de bandeiras em punho, acompanharam o candidato. João Ferreira agradeceu-lhes a presença e o apoio que lhe deram.

Foram apenas uns cinco minutos de agradecimento e de reforço da mensagem repetida ao longo do dia: “É preciso dar mais força à CDU“. A ouvi-lo não estavam agora mais de vinte pessoas, mas o discurso e o entusiasmo do eurodeputado eram semelhantes àqueles que utiliza para uma plateia de milhares. Um treino para os eventos maiores que hão-de estar agendados para a campanha eleitoral propriamente dita, nas duas semanas que antecedem as eleições europeias.

“O Bloco de Esquerda está num saco diferente do do PS, PSD e CDS”

João Ferreira assume-se confiante e satisfeito depois de mais um dia de pré-campanha. Mesmo que as sondagens indiquem que a CDU pode perder um eurodeputado. Como sempre nestes casos, o candidato garante que os números não o preocupam e diz que prefere sentir o apoio da rua para fazer a sua própria avaliação. Depois, no dia 26 de maio, já com as urnas fechadas, as dúvidas ficarão dissipadas.

A CDU elegeu três eurodeputados nas últimas europeias ,mas segundo as sondagens este número deve reduzir. Qual é a sua expectativa para estas eleições europeias?
As sondagens há cinco anos, mais ou menos por esta altura, davam-nos menos do que dão as sondagens agora. Isso pode ser um bom sinal. Mas mais do que as sondagens, creio que o importante é a recetividade que vamos sentido no contacto de rua que vamos tendo de norte a sul do país.

Que é qual?
A recetividade tem sido boa. Hoje aqui viu-se isso. Isto, nem que a gente queira dá para esconder. Até porque andamos com profissionais da comunicação social ao nosso lado. Assim seria se a reação fosse menos positiva. Mas tem havido, e hoje voltou a haver, reações bastante positivas. Sobretudo pelo que significaram de reconhecimento pelo trabalho da CDU e do papel que a CDU teve no plano nacional nestes últimos anos. Também, num caso ou noutro, o reconhecimento do trabalho que temos feito no Parlamento Europeu (PE). E temos feito um esforço por valorizar muito esse trabalho, pedindo até que se façam comparações com outras forças políticas.

"Não, não coloco. Nem nunca coloquei. Está num saco diferente. Agora, em relação a esses três é muito fácil: não se arranja meia dúzia de questões com significado, impacto e importância na vida nacional onde esses três partidos tenham votado de forma diferente no Parlamento Europeu nos últimos cinco anos"
João Ferreira

Aquilo que temos visto em vários discursos é precisamente isso: tem sido dado um destaque maior ao plano nacional do que ao europeu. Isto numas eleições para o Parlamento Europeu. Isso preocupa-o?
Não. As eleições para o Parlamento Europeu não podem ser desligadas das grandes questões nacionais. Por uma razão muito simples: as grandes questões nacionais e os problemas com que o país hoje se confronta estão direta ou indiretamente associados a decisões que foram tomadas no Parlamento Europeu ao longo dos anos. Não podemos separar a falta de investimento do país ou o estado dos serviços públicos daquilo que é a legislação e as recomendações aprovadas no Parlamento Europeu.

Dê-me um exemplo.
Ainda há poucas semanas foi aprovado pelo Parlamento Europeu a criação de um mercado pan-europeu de fundos de pensões privados: isto é uma ameaça à Segurança Social pública, por exemplo. E hoje ouvimos pessoas preocupadas com a sua pensão ou com o futuro da sua reforma. Não se podem dissociar estas coisas. Por isso, não contem connosco para um debate sobre questões etéreas, desligadas da vida das pessoas. Nós queremos trazer para esta campanha as grandes questões nacionais por aquilo em que elas se relacionam com políticas decididas a nível da União Europeia. Mas também prestamos contas do trabalho que lá andámos a fazer.

Apesar das tentativas de ignorar o Bloco de Esquerda, João Ferreira acabou por reconhecer que não coloca o partido "no mesmo saco" que o PS. FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

Falou várias vezes ao longo deste dia da existência de dois blocos de partidos em Portugal: um que permite “as imposições europeias”, e onde coloca o PS, o PSD e o CDS; e outro que as combate, onde põe a CDU. Mas onde fica o Bloco de Esquerda?
Não houve nenhuma força como a CDU que afirmasse no Parlamento Europeu a importância da defesa da soberania nacional e afirmação do que consideramos ser os interesses nacionais. Nenhuma outra força como a CDU teve na defesa da soberania nacional um eixo de intervenção no Parlamento Europeu tão determinante. E isso teve expressão em diversas votações em que votámos isoladamente. Como quando se discutiu a distribuição de mandatos no Parlamento Europeu depois da saída do Reino Unido da União Europeia. Votamos sozinhos por um aumento dos mandatos de Portugal.

Mas coloca o Bloco de Esquerda no mesmo saco em que coloca PS, PSD e CDS?
Não, não coloco. Nem nunca coloquei. Está num saco diferente. Agora, em relação a esses três é muito fácil: não se arranja meia dúzia de questões com significado, impacto e importância na vida nacional onde esses três partidos tenham votado de forma diferente no Parlamento Europeu nos últimos cinco anos. E depois, do outro lado, a oposição mais consequente ao tipo de políticas que esses três aprovaram foi a CDU. Agora, eu não tenho de arrumar todas as forças políticas que lá estão. Não só essa [Bloco de Esquerda] como as outras que também já lá estiveram. Não é nossa intenção classificar quem quer que seja dessa forma. Para a CDU há claramente três partidos que convergiram no Parlamento Europeu nas votações essenciais e, de alguma forma, também em Portugal.

Em que dossiês?
Em aspetos estruturantes da política nacional. É ver com quem é que o PS conta para aprovar as leis laborais ou com quem é que contou quando foi preciso despejar mais uns quantos milhões em cima do Banif. Ou com quem é que o PS contou quando foi para impedir a recuperação do controlo público sobre empresas como os CTT, por exemplo. E podíamos continuar. Portanto, da mesma forma que há três anos e meio o crescimento da CDU e o facto de esses partidos terem ficado em minoria terem sido decisivos para abrir caminho à nova fase da vida política nacional, também agora, para avançar no caminho que foi trilhado nos últimos anos, a única solução é reduzir a influência desses três partidos dando mais força à CDU.

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