Entre a última convenção que juntou os bloquistas, no Porto, em 2021, o mundo político girou e mudou muito; mas o universo de figuras do Bloco não fez o mesmo. A lista de pessoas a quem é preciso prestar atenção nesta convenção mantém-se essencialmente igual, embora várias dessas figuras ganhem novos estatutos: Catarina Martins o de ex-líder (que vai continuar bem ativa politicamente), Mariana Mortágua o de provável nova líder (com um grande caderno de encargos pela frente), e Pedro Soares o de líder da alternativa (embora chegue à convenção com divisões internas por resolver).

Se tudo tivesse corrido bem ao Bloco nas últimas eleições, outros nomes estariam agora mais bem colocados e com maior projeção mediática (os candidatos a deputados Bruno Maia e Leonor Rosas, por exemplo, são nomes que o partido quer promover). Mas o grupo parlamentar encolheu e entre as figuras de proa continuam a destacar-se os deputados que restam, alguns dos principais dirigentes e os fundadores do partido.

Ainda assim, nos corredores do Bloco garante-se que a convenção trará renovação: a ideia da moção A, de Mariana Mortágua, mais bem posicionada para vencer, passa por misturar continuidade com caras novas nas listas aos órgãos bloquistas (Mesa Nacional e comissão de direitos), devendo isso passar por dar destaque a rostos de movimentos a que o Bloco quer estar ligado (LGBT, antirracista ou pela Habitação).

Mariana Mortágua. A provável nova líder com desafios pesados pela frente

Mariana Mortágua já chegou a um patamar em que dispensa apresentações e essa é uma das qualidades que, nesta altura, o Bloco mais valoriza na dirigente e deputada: a sua notoriedade. Tudo porque Mortágua chega à convenção que fará dela, com toda a probabilidade, a nova líder do Bloco num clima de turbulência nacional em que o partido não descarta a hipótese de haver eleições antecipadas. Foi, aliás, por isso que o partido preferiu acelerar o fim do ciclo de Catarina Martins, tendo apostado em Mortágua — que sempre fora uma das hipóteses mais fortes para a sucessão — consciente de que “não é um Paulo Raimundo”, como comenta fonte bloquista; ou seja, que em caso de emergência eleitoral, não terá de se apresentar ao país.

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Esse caminho já o foi fazendo, junto de quem a adora e a de quem a detesta, quando entrou para o Parlamento para substituir Ana Drago e se destacou pelas intervenções assertivas nas comissões de inquérito, em particular ao BES. Contundente, corrosiva e por vezes polémica, foi somando popularidade no Bloco e colecionando inimigos fora do partido, ao mesmo tempo que crescia politicamente com o envolvimento nas negociações da geringonça (e que Francisco Louçã, de quem é próxima e com quem publicou dois livros, a anunciava como futura ministra das Finanças).

Assumiu recentemente, no seu programa de comentário na SIC Notícias, que é uma “mulher lésbica” e apontou esse como um dos fatores, entre muitos outros, que fazem com que seja alvo de perseguição política — é o que o Bloco chama aos processos em tribunal de que Mortágua tem sido alvo, incluindo nisto a guerra com Marco Galinha. Mesmo no partido, onde é indubitavelmente popular, admitem-se dificuldades no caminho da deputada-estrela do Bloco, vista como uma figura ainda assim tímida, com um perfil mais “intelectual” e mais dificuldades de gerar empatia nas ruas do que Catarina Martins. Se for eleita, terá em mãos um desafio semelhante ao que Catarina Martins recebeu das mãos de Louçã nos idos de 2012: recuperar um Bloco em queda e dar a volta a uma crise depois de ter ajudado a chumbar um Governo socialista. Sempre de olho nas ruas e na oposição ao PS absoluto.

Catarina Martins. A ex-líder que vai andar por aqui

Sai pelo seu próprio pé, assegura o Bloco em peso: se a líder cessante quisesse ficar, ninguém se atreveria a desafiá-la. Não foi o caso: Catarina Martins decidiu sair e também abandonará o Parlamento, mas avisou desde logo que não vai “andar por aí” — “eu sou daqui”, avisou no dia em que anunciou a saída — e para provar que não vai para a reforma continuará, se a moção de Mortágua vencer, na direção do Bloco. Além disso, prepara-se para ter um programa de comentário na SIC Notícias.

No Bloco, abrem-lhe as portas para o que quiser, nomeadamente candidaturas europeias ou presidenciais. Por agora, só diz que vai “descansar” e exercer funções de dirigente política com outro ritmo, após onze anos de liderança em que passou por muitas fases: a liderança bicéfala falhada com João Semedo, o embate com Pedro Filipe Soares que a consagrou como líder a solo, toda a gestão da geringonça e o fim dessa solução. Pelo meio, o melhor resultado eleitoral de sempre do Bloco (em 2015) e o pior em 20 anos (em 2022).

O partido garante que o mau resultado do ano passado não dá à saída de Catarina Martins um travo amargo: é difícil encontrar quem não lhe esteja agradecido e não lhe atribua méritos pela fase da geringonça e por ter conseguido trabalhar a união de um partido que, à sua chegada, estava partido ao meio. Ainda assim, à saída ainda ouve reparos da ala mais crítica do partido, que considera que o seu consulado ditou uma redução drástica da democracia interna no Bloco e uma centralização do poder e das decisões.

Francisco Louçã. O fundador que mantém influência

Louçã não tem assento em nenhum dos órgãos do Bloco de Esquerda e é, atualmente, “apenas” um militante de base — mas nunca será mesmo só um militante de base. Desde logo, graças à sua história no partido e à longa liderança que protagonizou, antes de passar a pasta a Catarina Martins — mas também porque mantém contacto regular com figuras de proa do Bloco e a sua opinião é tida em alta conta. Isto é particularmente verdade para a nova líder, de quem é muito próximo e que já anunciou várias vezes como futura ministra das Finanças.

Não que Louçã goste da fama de pai político de Mortágua que lhe apontam. Aliás, no Bloco essa tese é considerada uma perspetiva “machista” e rejeitada. Mas é certo que tece rasgados elogios a Mortágua sempre que se pronuncia sobre a provável nova líder e que a proximidade política e pessoal é um dado conhecido.

Quando Louçã fala numa convenção, não tem direito a mais tempo do que os outros militantes (ou aderentes, no vocabulário bloquista); mas, naturalmente, os delegados páram para ouvi-lo. Na penúltima convenção, vaticinou que o Bloco iria “até ao infinito e mais além”, numa altura em que as conversas giravam à volta da hipótese, entretanto esfumada, de o Bloco se juntar a um Governo do PS. Na última, já depois da morte da geringonça, continuava a prever que Mortágua tomaria conta da pasta das Finanças. Agora, diz que o Bloco até beneficiaria com eleições antecipadas e que poderia dobrar o seu número de deputados. Falta saber que recados levará ao púlpito — e a Mortágua — para esta nova fase.

Mário Tomé. O histórico desiludido com o Bloco

Antes de existir Bloco de Esquerda, já Mário Tomé andava a acumular experiência militar e, depois, política na UDP. Foi por essa via que entrou no Bloco, sendo agora considerado um dos históricos do partido. Nesta convenção, é também uma espécie de poster para os críticos: faz parte do movimento Convergência — crítico da atual direção — e subscreve a moção E, única alternativa à moção A, de Mariana Mortágua. E será o nome de entre as fileiras de críticos que reúne mais respeito e admiração dos aderentes, mesmo os que não concordam com a moção E.

Numa entrevista recente ao Observador, Tomé mostrava-se frontalmente desiludido com o rumo do Bloco, que diz não estar a servir os propósitos para os quais foi criado, e arrepiava-se só de ouvir falar numa possível integração de um Governo PS: seria “o fim do Bloco”.

Desalinhado em relação à atual direção, o histórico quer um Bloco mais apoiado nas bases e nos núcleos, menos centralizado e menos dependente da relação com o PS. Deverá levar esses avisos ao púlpito da convenção, assim como a crítica a Mariana Mortágua por ter abandonado a Comissão de Inquérito à TAP para preparar a convenção — uma atitude “arrogante” de quem acha que já tem a liderança garantida, criticou na mesma entrevista.

Pedro Soares. O rosto da alternativa (dividida)

É o porta-voz oficial dos críticos, embora tenha havido resistência desse lado a apresentar um nome — a moção E quer apostar numa lógica de coletivo e, se ganhar a convenção, já anunciou que desdobrará a representação do partido por vários porta-vozes. Por agora, quem assume esse papel é mesmo Pedro Soares, um dos rostos mais conhecidos da ala crítica da atual direção.

Soares é ex-deputado e ex-dirigente e também vem da ala da UDP, tendo participado na fundação do Bloco. Começou a afastar-se do rumo da direção e a tornar-se o líder informal dos críticos internos, sobretudo a partir da segunda metade do ciclo da geringonça, quando defendeu que o partido devia exigir uma nova negociação, com um acordo atualizado e mais exigente, ao PS.

É em grande parte o responsável por existir uma moção alternativa à de Mortágua nesta convenção, sendo que já na última reunião magna do partido conseguiu, com a sua ala, conquistar um quinto dos lugares da Mesa Nacional. Desta vez, os críticos chegam, ainda assim, à convenção partidos por dentro — um processo que atribui à “ostracização” de que são alvo por parte da direção e que desmoraliza os aderentes. Da parte da direção, recebe de volta acusações de estar a querer “destruir o partido em público”.

Marisa Matias. A protagonista europeia de saída

Marisa Matias é uma dirigente popular no partido. Foi a responsável por dar ao Bloco um resultado histórico, nas presidenciais de 2016 — chegou aos 10% — e por boas candidaturas europeias (está no terceiro mandato como eurodeputada), mas também tem desaires no currículo: em 2021, voltou a tentar a corrida a Belém e não foi além dos 3,95%, no primeiro sinal de alerta que o partido teve depois de romper com o PS.

Foi sempre um dos nomes mais apontados como hipótese para uma liderança futura, mas assim que Catarina Martins anunciou que abandonaria a coordenação do Bloco deixou claro que não apresentaria uma candidatura, deixando o caminho para o avanço concertado de Mariana Mortágua, cuja moção subscreve.

A influência no partido mantém-se e se Mortágua for eleita continuará na direção do partido, mas o futuro é agora mais incerto: por uma questão de “renovação” nos cargos, Marisa Matias já anunciou que este é o seu último ano em Bruxelas e que não se recandidatará. A seguir talvez volte à vida de investigadora científica — assumindo que nesse caso teria de se “atualizar”, dado que nos últimos anos tem estado dedicada à política ativa — mas as decisões não estão fechadas. “Só sei o que não vou fazer”, resume ao Observador: por agora, fecha o ciclo de Bruxelas e tenta deixar os dossiês mais importantes que tem em mãos no Parlamento Europeu encaminhados.

Jorge Costa. O homem da “construção” do aparelho

É um dos dirigentes mais influentes do Bloco de Esquerda. Veio do PSR com Francisco Louçã, foi num primeiro momento responsável pela comunicação do partido e tornou-se depois deputado, tendo sido um dos rostos mais associados às negociações parlamentares com o PS durante a era da geringonça, sempre ao lado de Mariana Mortágua e sempre na linha da frente da definição da linha política do partido.

Em 2021, anunciou que não constaria das listas de candidatos a deputados do Bloco e que passaria mais tempo nos bastidores do partido, dedicado ao que definiu como a “construção” partidária. Com os fracos resultados que o Bloco alcançaria em 2022, dificilmente teria sido, de qualquer forma, eleito; e nessa altura já soavam os alarmes no interior do partido a propósito da necessidade de trabalhar junto das bases e de definir a orientação de um Bloco consciente de que seria castigado nas urnas por ajudar a matar a geringonça.

Dedica-se agora ao aparelho bloquista, tal como o outro candidato a deputado que saiu das últimas listas, o dirigente Fabian Figueiredo, e que também faz parte do secretariado do partido; e continuará alinhado com Mortágua, se esta for eleita, com lugar garantido na direção.

Pedro Filipe Soares. O antigo adversário continua alinhado

Foi o rosto do maior embate que o Bloco já teve numa corrida pela liderança, em 2014, contra Catarina Martins, numa convenção em que as duas candidaturas partiram o partido ao meio, muito literalmente — o resultado das eleições para a Mesa Nacional foi um empate. Pedro Filipe Soares liderava a ala que vinha da UDP e recebe hoje créditos dos bloquistas que já estavam com Catarina Martins, e que reconhecem a importância que teve, em tempos muito difíceis para o partido e em que a tensão interna era evidente, para ajudar a serenar o ambiente e a chegar a “acordo” com a ala da nova líder.

Dividiu responsabilidades com Catarina Martins, ficou como líder parlamentar e, a partir daí, mostrou-se completamente alinhado com a nova liderança, de cujas direções foi fazendo parte. Mais uma vez, continuará do mesmo lado da barricada, uma vez que subscreve a moção encabeçada por Mariana Mortágua e que se esta for eleita terá lugar na cúpula do partido.

No Parlamento ocupa agora, graças à corrida interna do Bloco, mais um lugar de destaque: quando Mortágua decidiu, na semana passada, sair da comissão parlamentar de inquérito à TAP, Pedro Filipe assumiu o seu lugar e é agora o coordenador do partido na estrutura, tendo já assumido esse lugar nas audições de Frederico Pinheiro ou de João Galamba.

Joana Mortágua. A vereadora-exemplo do Bloco

É outra das principais dirigentes do partido, com assento nos dois órgãos de topo do Bloco: a comissão política e o secretariado, que emana da primeira — e que os críticos internos dizem ser um órgão demasiado centralizador, que esvazia a direção. Mortágua não pertence no entanto à mesma linha da irmã gémea e provável nova líder: é mais um nome que vem da ala da UDP, à qual já presidiu (nos tempos em que já não era um partido, mas uma associação política) e é tida como mais “radical” — ou mais à esquerda — do que Mariana.

Entrou para o Parlamento em 2015 e tornou-se rapidamente um dos ativos políticos mais valorizados pelo Bloco, dedicando-se num primeiro momento sobretudo aos assuntos da Educação. Foi, em 2022, uma das cinco pessoas que o Bloco conseguiu eleger para a Assembleia da República — era cabeça de lista por Setúbal.

No Bloco ganhou lastro também pela experiência autárquica: num partido em que a influência a esse nível é muito reduzida, Joana Mortágua conseguiu ser eleita vereadora por Almada e é sempre um dos exemplos apontados pelo partido como modelo a aspirar se o Bloco quiser finalmente começar a criar raízes autárquicas.

José Soeiro. O veterano do Trabalho

É o quinto dos deputados eleitos nas últimas legislativas, e portanto mais um dos representantes do Bloco que têm agora de se desdobrar por mais pastas do que antes. Mas o dossiê por que costuma dar a cara, e em que se especializou — com ainda mais intensidade durante a era da geringonça — é uma pasta cara ao Bloco: a do Trabalho. Com alguns amargos de boca: foi precisamente esse um dos pontos que justificou a rutura da solução política inédita, com Bloco (e PCP) a acusar PS de resistir a mais avanços na legislação laboral.

Soeiro tem 38 anos e já acumula muita experiência política: é deputado desde 2005, o que faz dele o deputado mais antigo do Bloco de Esquerda. Figura querida dentro do partido, é sociólogo de formação e ativista.

Os fundadores: Fazenda, ainda dirigente, e Rosas

Além de Louçã, entre os senadores do partido encontram-se os dois outros fundadores vivos: Luís Fazenda e Fernando Rosas. No caso de Fazenda, o lugar de senador não é apenas simbólico nem se resume a um peso teórico: o histórico que vinha da UDP continuava a ser dirigente do Bloco de Esquerda, tendo após a última convenção voltado a ser incluído na composição do secretariado, um dos órgãos — se não o órgão — mais influentes do partido.

Já Fernando Rosas não faz parte de nenhum órgão de direção (a deputada municipal bloquista e candidata a deputada nas últimas eleições, Leonor Rosas, que é também filha do fundador, foi eleita na última convenção para a Comissão Política). Rosas tem feito algumas declarações públicas, tendo recentemente admitido culpas próprias do Bloco no processo que fez o partido perder 14 deputados, numa entrevista ao Público, e notado que Mariana Mortágua, se for eleita líder, precisará de ir além do estatuto de boa tribuna no Parlamento e “criar” empatia nas ruas, em declarações ao Expresso.