9 de setembro de 2022, Nova Iorque, a caminho de casa
Estou a regressar para casa no assento 5A, em boa verdade, não porque tenha feito questão – eu nunca fui muito destas coisas -, mas porque a Maria não me disse que iria fazê-lo, porque caso o tivesse feito – e ela sabe que eu nunca fui muito destas coisas -, ter-lhe-ia dito que as coisas mais interessantes durante uma viagem aérea acontecem sempre fora da primeira classe. Mas ela, como minha agente e como em todas as outras vezes, fez questão: “Deixa-te de ser teimoso, tens muito mais espaço para esticar as pernas lá à frente”.
O avião já está cheio e ainda há passageiros à procura do seu lugar, malas por guardar – onde? O meu Summit 3, novo Smartwatch da Montblanc, marca 5 minutos para a hora gravada no cartão de embarque, cinco e meia da manhã – talvez seja pela hora matutina que os passageiros, que ainda caminham com um olho meio aberto e outro meio fechado, demoram mais tempo do que o normal a reagir às indicações da hospedeira de bordo. Acabei de ver quantos passos caminhei na última semana – o sistema operativo Wear OS, desenvolvido pela Google é incrível -, e surpreendo-me: era de esperar que tivesse caminhado tanto. Continuo a preferir deslocar-me a pé em vez de estar na confusão do trânsito, é facto que terminar a tour do último romance em Nova Iorque significa ter de visitar quase todas as livrarias dos bairros principais.
Sinto que cheguei a uma fase da minha vida em que posso relaxar, não que tenha sido até hoje um homem enervado e de costas voltadas para a vida, mas sentia sempre que tinha algo a provar, especialmente no mundo dos livros e com tão bons romancistas por aí.. Gosto de pensar que todas as decisões que tomei até hoje, ou que tomaram por mim – quando não tinha idade para escolher -, me trouxeram até aqui, ao assento 5A: respiro sem pressa, confiante e feliz com o fim da tour.
Pergunto-me se caso o avó Manel e a avô Graça, quando comecei a demonstrar aptidão para as letras e para as histórias, tivessem desvalorizado o meu gosto pela leitura e em vez disso me tivessem comprado corpos humanos de plástico com órgãos pequeninos em barda, se hoje estaria aqui? Imagino que se tivessem dito a uma criança de cinco anos que os médicos são mais importante para a sociedade do que os escritores, teria eu persistido até hoje? O avó ia ficar orgulhoso, de certeza, ele que sempre foi o meu maior fã. Engraçado como se sentava no chão da sala a ler-me os clássicos e a responder às minhas perguntas curiosas e eu faço exatamente o mesmo com os pequenos lá de casa.
Teria eu persistido até hoje? É que isto nem sempre foi fácil. Na verdade não sei, terá sido o meu amor pela escrita, pela forma imperfeita e bela como podemos utilizar as palavras para dar vida a uma história, que me trouxe até aqui? As ideias que deram início ao rascunho, que hoje é considerado pela crítica a minha obra prima, surgiram-me de mochila às costas, quando decidi descer, por via terrestre, a América Latina. Que ano fantástico foi aquele: agora com 50 penso na coragem daquele miúdo de 18 anos. Coragem ou loucura. Teria sido eu a mesma pessoa hoje, não tivesse eu escolhido viajar em vez de começar a trabalhar no escritório do pai, como os amigos todos da altura?
É sorte? É esforço? É trabalho? É amor? Foi tudo isto que me fez persistir ao longo dos anos todos? Até agora publiquei 15 romances… Se soubesse que aos 50 estaria assim, teria aproveitado melhor aquele período dos 20 aos 23, quando trabalhei naquela editora infernal.
O que é facto é que quando queres ser escritor e passas os dias todos da semana sentado numa secretária a ler rascunhos de livros de pessoas que tentam, junto das editoras, publicar os seus romances é dose. Ao início não conseguia perceber que utilidade teria este trabalho, claro que me pagava as contas ao fim do mês e permitia-me ser independente, mas será que fez assim tanta diferença? Agora vejo que fez, se nunca tivesse aceitado este trabalho nunca tinha percebido o que um editor procura quando revê o primeiro rascunho de um livro, nunca teria percebido como convencer tão bem os leitores com as palavras.
Seremos nós a fazer estas escolhas ou optar pela direta em vez da esquerda é algo que já está escrito em algum lado? Acabaria eu sempre onde estou neste momento, se naquele quase fatídico 25 de outubro tivesse conseguido apanhar o comboio das 19h na Gare do Oriente? O que é facto é que cheguei mais tarde à despedida de solteiro do Miguel mas se o taxi nunca tivesse ficado parado na Vasco da Gama, eu não teria apanhado o comboio seguinte e nunca teria conhecido a minha querida Maria, grande amiga e agente desde então. Acho que ficou desarmada com o meu ar meio louco, meio patético, com pinta, e perguntou-me porque o que escrevia no portátil. Disse-lhe que era escritor e o resto é história.
É facto que se nos deixarmos sempre ser movidos pelas nossas paixões, vamos sempre chegar ao local que nos está destinado. Este foi o meu caminho, e o futuro?
Guardo o computador na mochila Extreme 3.0, a minha nova caneta StarWalker BlackCosmos com a qual escrevo diariamente no estojo Montblanc e sigo caminho.
São dez para as onze, vejo no mostrador do smartwatch. Estou em casa.