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O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), bispo de Leiria e Fátima, José Ornelas, participa na conferência de imprensa no final da Assembleia Plenária da CEF, que reuniu em plenário os bispos das dioceses portuguesas no Santuário de Fátima, em Ourém, 10 de novembro de 2022. PAULO CUNHA/LUSA
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D. José Ornelas falou aos jornalistas em Fátima no final da assembleia plenária

PAULO CUNHA/LUSA

D. José Ornelas falou aos jornalistas em Fátima no final da assembleia plenária

PAULO CUNHA/LUSA

Abusos. Bispos garantem que suspeitos são afastados quando há perigo. Crise pode levar fiéis a criar "anticorpos" contra a Igreja

Os bispos portugueses estiveram reunidos em Fátima durante quatro dias e a crise dos abusos foi tema central. CEP vai ter grupos de trabalho para estudar relatório final da comissão independente.

Na última reunião magna dos bispos católicos portugueses antes da publicação do relatório final da comissão independente que está a investigar os abusos de menores na Igreja Católica, o tom foi de expectativa cautelosa, mas com uma mensagem central: os abusos são um problema real na Igreja, mas é imperioso evitar as “generalizações injustas”, que estão a ter um forte impacto num considerável número de sacerdotes portugueses e no trabalho da Igreja.

Os mais de 40 bispos portugueses estiveram reunidos durante quatro dias em Fátima para a segunda assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) do ano — esta reunião magna acontece habitualmente em abril e em novembro. Desde a última assembleia plenária, a realidade da Igreja em Portugal conheceu várias perturbações: vieram a público múltiplos casos de abuso de menores por padres portugueses e várias situações de inação por parte de bispos que conheciam as suspeitas, incluindo o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, o bispo de Viseu, D. António Luciano, e o bispo da Guarda, D. Manuel Felício. Pelo meio, o próprio presidente da CEP, o bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, viu-se envolvido num caso polémico que, apesar de já ter sido arquivado várias vezes por diferentes instâncias judiciais, ganhou enorme dimensão mediática depois de o caso ter sido enviado ao Ministério Público pelo próprio Presidente da República.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa admitiu que "cada um [bispo] tem de assumir as suas responsabilidades" e que a Igreja foi "aprendendo alguma coisa neste processo todo".

Também nos últimos meses, uma sucessão de declarações polémicas obrigou o bispo do Porto, D. Manuel Linda, a fazer um pedido de desculpas público pelo modo como abordou o assunto. E a comissão independente, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, continuou o seu trabalho de recolha da informação que vai permitir pintar um retrato da realidade dos abusos de menores na Igreja Católica portuguesa desde a década de 1950 até aos dias de hoje. Embora o relatório final esteja apontado para janeiro de 2023, até ao mês passado já tinham chegado à comissão 424 testemunhos de abusos — e o organismo já revelou publicamente ter indícios de que alguns bispos portugueses, incluindo bispos ainda hoje em funções, terão ocultado casos de abuso.

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Tudo isto esteve explicitamente em cima da mesa durante a reunião dos bispos portugueses. A crise dos abusos não era ponto único na agenda (tópicos como a Jornada Mundial da Juventude de 2023, o sínodo em curso ou a crise económica provocada pela guerra na Ucrânia também foram discutidos), mas foi o destaque da assembleia plenária, na qual também estiveram os elementos da comissão independente liderada por Pedro Strecht, para um último ponto de situação dos trabalhos antes da divulgação do relatório final. O envolvimento do nome de vários bispos em notícias que apontam para a ocultação de casos e a situação concreta de D. Manuel Linda pesaram sobre a reunião — e, na conferência de imprensa final, o presidente da CEP admitiu que “cada um [bispo] tem de assumir as suas responsabilidades” e que a Igreja foi “aprendendo alguma coisa neste processo todo”.

CEP vai ter grupo de trabalho para receber e estudar relatório da comissão

Aos jornalistas presentes em Fátima, D. José Ornelas explicou que os bispos ouviram a comissão independente apresentar um ponto de situação sobre o andamento dos trabalhos que, na prática, reproduziu aquilo que foi dito por Pedro Strecht na última conferência de imprensa da comissão, em outubro. Nessa ocasião, o organismo revelou que já tinha recebido 424 testemunhos de abusos de menores alegadamente cometidos por elementos da Igreja Católica, mas que o número de vítimas deveria ser “muito maior”, devido à quantidade de casos que ficam por denunciar. Strecht assinalou também que, na altura, já tinham sido enviados 17 casos para o Ministério Público (MP) — e que a comissão estava a avaliar a possibilidade de enviar outros 30 casos que talvez ainda pudessem ser analisados pela justiça civil.

Comissão Independente recebeu 424 testemunhos de abusos

“A comissão disse aos bispos o mesmo que disse na conferência de imprensa recente”, afirmou D. José Ornelas, sublinhando que os elementos da comissão independente se vão remeter agora a um “período de compreensível necessidade para fazer resumos e o seu relatório”. O bispo destacou também o “diálogo” permanente entre a CEP e a comissão, mas vincou a autonomia do organismo. “Tem havido sempre um bom relacionamento entre nós, mas todo o percurso e metodologia adotadas têm sido da responsabilidade da comissão“, afirmou D. José Ornelas.

"Estamos a preparar-nos para constituir grupos de pessoas que possam acompanhar este processo [de divulgação do relatório final da comissão independente], fazer a receção e tirar as devidas consequências que daí advêm.”
D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

O bispo de Leiria-Fátima revelou também que a Conferência Episcopal vai preparar grupos de trabalho destinados a receber o relatório final da comissão, a estudá-lo e a avaliar a possibilidade de implementação das sugestões e recomendações do organismo. Sem adiantar pormenores, Ornelas afirmou apenas: “Quem pediu este estudo foi a CEP, portanto será entregue à CEP, e será entregue também ao Ministério Público. Da nossa parte, é evidente que estamos a preparar-nos para constituir grupos de pessoas que possam acompanhar este processo, fazer a receção e tirar as devidas consequências que daí advêm.”

De acordo com informações recolhidas pelo Observador, o relatório final da comissão independente não deverá incluir identidades de abusadores nem de eventuais encobridores: será apenas um relatório estatístico, histórico e anónimo. Contudo, além desse relatório, que será tornado público, haverá também um anexo, que incluirá identidades. Esse anexo só será entregue à CEP e ao Ministério Público, não sendo tornado público.

A garantia dos bispos: “Quando há perceção de que existe perigo, as pessoas são afastadas”

Questionado sobre os casos noticiados pelo Observador nos últimos meses referentes a três bispos portugueses — D. Manuel Clemente, D. Manuel Felício e D. António Luciano —, o presidente da CEP remeteu para cada um dos bispos a exclusiva responsabilidade pelas decisões tomadas. A CEP, embora seja um organismo colegial que reúne todos os bispos portugueses para tomarem decisões em conjunto, não é um órgão executivo com poder direto sobre cada um dos bispos, que são a autoridade máxima nas suas dioceses.

Embora diferentes, os três casos têm contornos semelhantes: D. Manuel Clemente manteve em funções um sacerdote que foi acusado de abusos sexuais por uma alegada vítima, com quem o próprio cardeal-patriarca de Lisboa se encontrou pessoalmente; já D. Manuel Felício e D. António Luciano decidiram manter em funções dois padres que estão a ser investigados pelo Ministério Público por alegados crimes sexuais nas dioceses da Guarda e de Viseu, respetivamente.

Padre está a ser investigado por abusos, mas bispo da Guarda mantém-no à frente de paróquias. Tem a cargo serviços que lidam com crianças

Questionado sobre se estas decisões são coerentes com aquilo que o Papa Francisco defendeu em setembro numa entrevista à TVI — “um sacerdote não pode continuar a ser sacerdote se for um abusador”— , D. José Ornelas confirmou que essa determinação do Papa é para seguir, mas que “ninguém é abusador simplesmente porque surge uma acusação“. Recusando entrar em detalhes sobre os casos concretos por não querer interferir em matérias sujeitas a sigilo por estarem em investigação, D. José Ornelas remeteu para os bispos as responsabilidades.

"Quando há perceção de que existe perigo para as pessoas, as pessoas [com ligações à Igreja] são afastadas (...) Se houver perigo de que isso possa continuar representar algum perigo para alguém, é natural que preventivamente ela fique suspensa."
D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

“Só o bispo é que pode responder e assumir a responsabilidade do que faz”, disse D. José Ornelas. Ainda assim, o presidente da CEP mostrou-se seguro de que, entre os bispos portugueses, a prática é a de aplicar medidas cautelares, incluindo a suspensão, sempre que se entende que há algum perigo em manter o padre em funções. “Tem acontecido com os bispos que nomeou. Quando há perceção de que existe perigo para as pessoas, as pessoas são afastadas”, disse D. José Ornelas. “Se houver perigo de que isso possa continuar representar algum perigo para alguém, é natural que preventivamente ela fique suspensa.”

Questionado sobre se esta declaração pode ser interpretada como uma afirmação de que a Igreja considera não haver perigo associado aos casos concretos de Viseu e Guarda, D. José Ornelas não quis comentar com mais detalhes.

Crise dos abusos pode levar pessoas a criar “anticorpos” contra Igreja

A Conferência Episcopal trouxe também para a conferência de imprensa duras críticas ao atual debate público sobre a situação dos abusos. No comunicado final da assembleia plenária, o porta-voz da CEP, padre Manuel Barbosa, já tinha afirmado que “os casos de abusos detetados são claramente lamentáveis e objeto de grande preocupação, justificando os esforços em curso para erradicá-los da vida da Igreja, mas tal não invalida o precioso serviço que os sacerdotes, consagrados e leigos prestam à vida da Igreja e da sociedade, em Portugal e em todo o mundo, que merecem toda a nossa gratidão e apoio”.

Abusos na Igreja. Bispos alertam para “generalizações injustas” contra padres católicos

Barbosa tinha alertado também para o perigo das “generalizações injustas e não verdadeiras” que pesam sobre os sacerdotes católicos devido à crise dos abusos sexuais de menores, considerando que estas generalizações “colocam na sombra vidas inteiras dedicadas ao serviço das comunidades cristãs e da sociedade, particularmente das pessoas mais fragilizadas”.

"Não considero minimamente que haja razões plausíveis para dizer que a Igreja é um lugar favorito para pedófilos"
D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

Na conferência de imprensa, o presidente da CEP aprofundou o tema, sublinhando que “há certos comentários editoriais que não têm fundamento real nem verdade”. “Não considero minimamente que haja razões plausíveis para dizer que a Igreja é um lugar favorito para pedófilos”, afirmou Ornelas, embora não tenha apontado nenhum caso concreto de declaração deste tipo. “Há casos, que levamos muito a sério, porque cada caso significa uma pessoa que é injustamente agredida de forma dramática para a sua vida“, disse o bispo.

Contudo, “certos comentários que se encontram na imprensa e na comunicação social, nos comentários nas redes sociais” não deixam “indiferentes” as pessoas que estão ligadas à Igreja e que conhecem e apreciam os seus padres. Ornelas disse ainda que muitos padres têm recebido palavras de “simpatia e de apoio” numa altura em que a difusão de notícias e comentários pode criar uma suspeição generalizada sobre todos os padres. O bispo admitiu ainda que a crise pode levar algumas pessoas a “desligar-se” ou a “criar anticorpos em relação à Igreja“, mas afirmou que isso não se tem verificado, por exemplo, na afluência às igrejas ou nos peregrinos em Fátima.

Questionado sobre se a CEP planeia realizar uma cerimónia pública de pedido de perdão às vítimas de abusos, D. José Ornelas disse que está nos planos da Igreja portuguesa a realização de um “pedido solene, mas marcante, de perdão” — por exemplo, uma celebração penitencial pública. Contudo, nada está ainda decidido e o bispo diz que essa não é a prioridade neste momento: “o importante é que chegue o relatório e se entendam as coisas“. D. José Ornelas disse ainda que “o melhor pedido de perdão é estar próximo, entender a dor”. Recentemente, a comissão independente propôs a criação de um monumento de homenagem às vítimas, desenhado pelo arquiteto Siza Vieira, mas a proposta ainda não foi confirmada pela CEP.

Igreja está a notar aumento de pedidos de ajuda devido à crise

Paralelamente ao tema dos abusos de menores, a CEP debruçou-se também sobre a atual crise económica e energética e sobre os impactos económicos globais da guerra na Ucrânia. Salientando que a Igreja Católica está “capilarmente presente na sociedade”, através das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), lares de idosos, paróquias e outras instituições, D. José Ornelas destacou que está a haver um aumento dos pedidos de ajuda por parte de famílias carenciadas.

É uma questão que nos preocupa muito“, disse Ornelas. “A perceção e a estatística que temos é que aumentaram significativamente os pedidos de ajuda e de alimentos, que é algo que, quando se chega a essa etapa, quer dizer que as coisas são graves”, explicou o bispo, acrescentando ainda que não se trata apenas de pessoas desempregadas. “Tantas vezes, são pessoas que têm o seu emprego e que não conseguem fazer face às suas responsabilidades, às rendas, ao pagamento de energia.”

"A perceção e a estatística que temos é que aumentaram significativamente os pedidos de ajuda e de alimentos, que é algo que, quando se chega a essa etapa, quer dizer que as coisas são graves"
D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

“Nós próprios confrontamo-nos com isto nas instituições que dependem da Igreja”, disse D. José Ornelas, acrescentando que não há “receitas miraculosas” para fazer a “quadratura do círculo” e apelando a um “esforço de solidariedade” nesta fase.

No comunicado final da reunião dos bispos, a Conferência Episcopal pediu ainda “políticas estruturais” para lidar com a crise. “As políticas definidas na Europa e em Portugal são medidas paliativas importantes para responder ao apoio de emergência, mas torna-se imprescindível realizar convergências para concretizar políticas estruturais que permitam mitigar os efeitos da inflação e incentivar o crescimento, tendo como preocupação o combate à pobreza, a diminuição das desigualdades sociais e o bem-estar dos cidadãos, com uma mais justa repartição da riqueza”, disse o porta-voz da CEP.

“Nas instituições de solidariedade social, muitas das quais ligadas à Igreja Católica, a crise continua a acentuar-se, colocando em risco a sua sustentabilidade. Na sua atitude de proximidade, as instituições da Igreja continuam a atender situações de extrema necessidade, mas o justo apoio do Estado, que sustenta apenas uma parte limitada do esforço financeiro destas instituições, é imprescindível para que a sua falência não venha agravar a situação de centenas de milhares de pessoas e famílias que delas dependem”, acrescentou o padre Manuel Barbosa.

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