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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Acelerar e percorrer as "capelinhas": porque é que os partidos fazem a "rota da carne assada"?

O "ritmo" e "pressão" da campanha terão contribuído para o acidente de Santana Lopes. Há quem diga que a "rota da carne assada" está "desajustada". Porquê este "sobe e desce" dos partidos pelo país?

O acidente ao volante de Pedro Santana Lopes, líder do partido Aliança, fez soar alarmes: a pressa e o ritmo frenético das campanhas não terá sido uma das causas para o despiste? O cabeça de lista do partido às Eleições Europeias, Paulo Sande — que também esteve envolvido no acidente — apontou para essa hipótese depois de sair do hospital, falando em “fadiga” e dizendo: “Hoje levantámo-nos às cinco da manhã nos Açores, e depois o dia inteiro de grande pressão que temos, sobretudo na sequência de muitos dias em que isto está a ser feito, este tipo de vida, este ritmo, esta pressão, acaba por gastar as pessoas”.

As circunstâncias do despiste dificilmente teriam acontecido com candidatos de outros partidos, já que Santana Lopes estava a conduzir um automóvel privado para participar em ações de campanha do seu novo partido, o que não acontece habitualmente com os líderes de PS, PSD, CDS-PP e CDU, por exemplo. Na terminologia da CDU, há uma “gestão” que é feita nesse sentido, porque há a “preocupação de a condução ser assegurada por um conjunto de camaradas que têm essa tarefa”, apontou fonte da campanha ao Observador.

João Azevedo, diretor de campanha do candidato do PS Pedro Marques (e presidente da Câmara de Magualde), garante que também ali há “cuidados” para evitar percalços: “Olhamos para a segurança e também para a disponibilidade física e mental das pessoas e do candidato, nomeadamente das pessoas que conduzem. Quando paramos, ficam sempre a descansar. Os percursos também são sempre controlados e as distâncias medidas de acordo com as iniciativas, para evitar excessos de velocidade”.

A campanha oficial do CDS alinha pelo mesmo diapasão. A candidatura centrista está montada para que Nuno Melo e Pedro Mota Soares passem pelo menos uma vez por cada distrito do país, e pelos principais concelhos (as visitas às regiões autónomas foram feitas antes, na pré-campanha). O percurso, exigente, obriga o partido a acelerar para que os 18 distritos do continente sejam visitados em 12 dias, mas há regras a cumprir: tanto os motoristas dos candidatos como os próprios colaboradores do partido  vão “rodando” entre eles para evitar o cansaço. Também os limites de velocidade impostos por lei “são para cumprir”, garantiu ao Observador o diretor de campanha de Nuno Melo, Pedro Morais Soares.

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No PSD, admite-se em surdina: “Limites de velocidade são excedidos”

O excesso de velocidade pode ser uma tentação para cumprir uma agenda apertada e evitar atrasos. Para evitar  despistes, fonte da campanha do social-democrata Paulo Rangel revelou ao Observador que o partido já tem um limite de velocidade de 139 quilómetros/hora estabelecida como norma interna. Porém, para aumentar o nível de segurança, a comitiva decidiu baixar esse limite para os 131 quilómetros/hora” nestas eleições europeias.

Na entourage da campanha do PSD são vários os elementos que têm memória de situações de cansaço extremo ("de quase fechar os olhos ao volante") e de casos em que estiveram em perigo iminente na sequência de manobras arriscadas para chegarem a horas a compromissos assumidos

Há, no entanto, quem divirja de um diagnóstico desacelerado sobre a velocidade eleitoral. Sob anonimato, outra outra fonte do PSD admitiu ao Observador que muitas vezes os “limites de velocidade são excedidos para que a comitiva possa chegar a horas ao compromisso com as populações”.  Na entourage são vários os elementos que têm memória de situações de cansaço extremo (“de quase fechar os olhos ao volante”) e de casos em que estiveram em perigo iminente na sequência de manobras arriscadas para chegarem a horas a compromissos assumidos.

Quer o excesso de velocidade quer os acidentes em campanha eleitoral não são problemas recentes. Já existiam quando José Manuel dos Santos, antigo assessor de Mário Soares, começou a lidar com campanhas eleitorais, nomeadamente com as candidaturas de Soares a primeiro-ministro. Ao Observador, revelou que se recorda de terem acontecido “vários acidentes”. Era (já) a pressão da corrida eleitoral, que em tempos contou com benevolência das autoridades: “Andava-se numa correria imensa, mas as autoridades fechavam um bocadinho os olhos quando se tratava de campanhas. Os carros andavam a cento e muitos quilómetros por hora, iam a velocidades loucas e aconteceram acidentes. A maior parte não foi brutal, mas lembro-me de ter acontecido com jornalistas e com comitivas [partidárias]”. Porém, “os carros eram melhores” e os motoristas “mais experimentados”, acredita o socialista.

Também no passado havia riscos, lembra José Manuel dos Santos: “Recordo-me de virem líderes internacionais participar em campanhas do PS. Nos primeiros anos da democracia portuguesa havia uma grande ajuda dos partidos ditos irmãos das suas famílias políticas, que tinham obviamente uma experiência democrática muito maior, mais meios e mais sofisticação. Traziam conselheiros e líderes políticos. Chegavam a voar uns quatro primeiros-ministros com o dr. Soares, em helicópteros ou aviõezinhos, sabe-se lá em que condições”.

Também as viagens terrestres tinham motoristas por vezes improvisados: “A Isabel Soares conta que foi ela que fez a primeira campanha do pai para a Assembleia Constituinte. Os partidos nem sequer tinham carros, foi ela quem conduziu o pai no seu carro particular, um Renault vermelho, em toda a campanha eleitoral”, acrescenta o socialista.

Mário Soares à esquerda de José Manuel dos Santos, à conversa com o líder socialista (fotografia cedida por José Manuel dos Santos)

Os últimos anos de eleições têm sido imunes a acidentes como aquele que levou esta semana o carro de Pedro Santana Lopes a capotar, embora este tenha ficado apenas com ferimentos ligeiros, tal como Paulo Sande. João Montenegro, antigo assessor do PSD, lembra-se apenas de duas situações caricatas na estrada, durante as campanhas do partido para as eleições legislativas de 2009 e 2011 — nenhuma sem consequências significativas.

Em 2009, o PSD teve um motorista menos rodado em campanhas. Resultado: "Em vez de meter gasóleo, meteu gasolina — ou o contrário, não me recordo exatamente. Atestou o depósito e o carro ficou encostado para aí três horas na zona de Portalegre, teve de vir uma equipa técnica retirar o combustível".

Em 2009, ano em que José Sócrates enfrentou e derrotou Manuela Ferreira Leite, houve um motorista que adoeceu. Impedido de transportar elementos da comitiva “laranja”, o motorista foi substituído por outro menos experimentado na condução de campanhas. Resultado: “Em vez de meter gasóleo, meteu gasolina. Atestou o depósito e o carro ficou encostado para aí três horas na zona de Portalegre, teve de vir uma equipa técnica retirar o combustível”.

Três anos depois, em 2011 — já com Pedro Passos Coelho como líder do PSD e José Sócrates fragilizado pelo pedido de assistência financeira à troika —, a comitiva social-democrata viajou pelo país com três carrinhas de nove lugares que transportavam “jotas”. Porém, “por questões de segurança iam sempre [apenas] seis ou sete pessoas por carrinha”. Numa das viagens, “uma das carrinhas acabou por furar dois pneus, numa entrada de autoestrada. Só havia um pneu de substituição e tivemos de esperar por auxílio, pegar nas pessoas e encaixá-las em carros”. Sem inconvenientes de maior, o PSD seguiu viagem rumo a uma vitória eleitoral.

A corrida às capelinhas, o sobe e desce e a diferença nos comícios

Embora persista a ideia de que os partidos andam num constante sobe e desce pelo país em campanha eleitoral, fazendo piscinas de norte a sul, a também chamada “rota da carne assada” é longa mas pensada ao pormenor bem antes da campanha. A agenda é planeada tendo em conta a proximidade geográfica dos locais de campanha, para evitar viagens excessivas e custos desnecessários. Tenta-se evitar tantos desvios de percurso quanto possível, embora muitas vezes não o seja.

Não deixa, ainda assim, de haver casos em que um partido começa o dia no Algarve, passa o fim de tarde na grande Lisboa e acaba a noite na zona do Porto.

A tentativa de evitar subidas e descidas é relatada ao Observador pela campanha da CDU, que explica que na “programação” das iniciativas de campanha a CDU “procura ter em conta as distâncias necessárias para ir de um sítio para o outro, os tempos de descanso e, naturalmente, o tempo que é necessário em cada iniciativa para o contacto com a população, com os eleitores”.

Não acontece só na coligação entre PCP e Os Verdes. O diretor da campanha do PS revela que os desvios que existem num percurso que todos desejavam contínuo devem-se ao facto de o “calendário” depender das agendas de “várias pessoas”, dos elementos das estruturas distritais do partido e, no caso específico do PS, “do secretário-geral que tem funções de primeiro-ministro”. Também os debates obrigam a um “sobe e desce” dos partidos. Por acontecerem em Lisboa, tornam os desvios de percurso inevitáveis, explica João Montenegro, do PSD: “Sempre que há um debate toda a comitiva tem de sair do sítio onde está e vir a Lisboa”.

Os “laranjinhas” têm um “mini-segredo” no planeamento de campanhas eleitorais, um “pressuposto” organizacional que tem vingado e já foi aplicado “nas legislativas de 2009, presidenciais de 2011 e legislativas de 2011 e 2015”. O tal “pressuposto” é ter “três centros operacionais” em que os sociais-democratas tentam “pernoitar o máximo de noites possíveis”. É sobretudo uma questão prática: “Faz diferença, em termos de comodidade, dormirmos pelo menos quatro ou cinco dias no mesmo local. Permite-nos estar esse tempo sem fazer e desfazer malas. Em termos logísticos e de material facilita-nos a vida, permite-nos andar diariamente apenas com o material de que necessitamos para o dia”, em vez de a comitiva andar com a casa toda às costas, com “as carrinhas a circular para trás e para a frente”.

"Antigamente, o dirigente que fazia a campanha era acolhido e muitas vezes até dormia em casa de figuras amigas das regiões. Recordo-me de, numa campanha eleitoral, o dr. Mário Soares ter ido à região de Viseu e ter aproveitado para ir visitar a casa do dr. Perdigão."
José Manuel dos Santos

Os “centros operacionais” são muito diferentes daquilo que eram nas primeiras campanhas eleitorais em democracia. Se as comitivas dos partidos pernoitam sobretudo em hotéis quando estão longe de Lisboa, nem sempre foi assim: “Antigamente, o dirigente que fazia a campanha era acolhido e muitas vezes até dormia em casa de figuras amigas das regiões. Recordo-me de, numa campanha eleitoral, o dr. Mário Soares ter ido à região de Viseu e ter aproveitado para ir visitar a casa do dr. Perdigão [José de Azeredo Perdigão]”, conta ao Observador José Manuel dos Santos. Hoje, acrescenta, é possível “ir-se ao Norte e voltar a Lisboa ao final da noite para dormir”. No passado, sem as autoestradas de hoje, o cenário era outro.

Uma das semelhanças entre as campanhas eleitorais mais recentes e as mais antigas é que os partidos continuam a tentar percorrer ao máximo o território nacional antes das eleições. Fazem-no ainda hoje porque, por um lado, “as campanhas servem de motivação ao aparelho partidário”, estimulando as estruturas locais a “envolver-se cada vez mais e potenciar, nas suas freguesias, as candidaturas”, revela o social-democrata João Montenegro. Por outro lado, é quase obrigatório percorrer as “capelinhas” todas porque os partidos “se não forem a um local, são acusados quer pelas estruturas distritais quer pelas concelhias” partidárias de estarem a “discriminar territórios”.

Entre as candidaturas com maior representação em Portugal e Bruxelas, a CDU é a que menos quilómetros tem percorrido: conta apenas com 694 nestes primeiros dias de campanha, contra 1004 do PSD e 1737 do PS. O CDS-PP e o BE já percorreram 1355 e 1400 quilómetros, respetivamente.

O conta-quilómetros dos partidos nesta campanha das europeias varia bastante. Entre as candidaturas com maior representação em Portugal e Bruxelas, a CDU (coligação entre PCP e Os Verdes) é a que menos quilómetros tem percorrido: conta apenas com 694 nestes primeiros dias de campanha, contra 1004 do PSD e 1737 do PS. O CDS-PP e o BE já percorreram 1355 e 1400 quilómetros, respetivamente.

Luís Bernardo, antigo assessor do então primeiro-ministro José Sócrates, que participou nas campanhas legislativas do PS de 2009 e 2011, não sabe quantos quilómetros foram feitos nesses anos mas garante que não foram “nunca menos de quatro mil ou cinco mil”. Acresce que os partidos, nomeadamente quando estão no Governo, vão para a estrada mais cedo — como aconteceu este ano com o PS.

Se a CDU leva boa parte das suas ações de campanha a regiões historicamente comunistas como o Alentejo mas vai dividindo as iniciativas esparsamente pelo país (tal como o BE), CDS-PP, PS e PSD dedicam boa parte do “roteiro do lombo assado” a iniciativas no norte, embora percorram todos os distritos. Quer PS e PSD vão “subindo” o país ao longo da campanha. Um dos motivos para o percurso ser (salvo desvios) ascendente é indicado ao Observador pelo antigo assessor de governos PS, Luís Bernardo: “As campanhas querem-se em crescendo e a norte há muitas solicitações, há muita mobilização local e partidária”. Prova de que encerrar a norte é encerrar bem para os partidos do “centrão”? “Na área metropolitana de Porto e Braga, as campanhas de rua, as chamadas arruadas, são de uma extrema violência. Os candidatos no fim têm de ir tomar banho, apanham com uma multidão, enfrentam um conjunto grande de solicitações”, refere.

"Define-se normalmente de forma muito clara o programa em termos geográficos e a lógica que se pretende, que passa muito por ir de sul para norte, para na última semana ter banhos de multidão."
Luís Bernardo

João Montenegro confirma que no partido é pratica começar a campanha em Lisboa, descer o país e ir subindo depois “progressivamente para norte”, percorrendo “todo o interior norte e litoral norte” antes de acabar em Lisboa (uma inevitabilidade). No PS o roteiro é semelhante: “Define-se normalmente de forma muito clara o programa em termos geográficos e a lógica que se pretende, que passa muito por ir de sul para norte, para na última semana ter banhos de multidão”.

As ações variam não apenas consoante o território, mas mediante a identidade dos partidos. As ações “temáticas” também se tornaram nos últimos anos uma moda: uma visita às instalações de uma empresa é aproveitada por um candidato que quer falar de temas laborais ou empresariais, andar de transportes públicos serve para se falar dos seus benefícios ou da falta de investimento. Antigamente era diferente, conta José Manuel dos Santos: “Agora, as campanhas são muito à base de ações mediáticas, que passam na televisão. Nas terras há um grande comício no final do dia, em que o candidato discursa. Antigamente não era assim, os políticos paravam nos concelhos todos, se fossem a Coimbra paravam e discursavam em todos os concelhos”. Os comícios eram constantes ao longo dos dias — e improvisados: “Havia sempre um megafone de pilhas pronto para o político falar. E falava onde fosse, numa varanda improvisada, num coreto ou no próprio carro”.

O ritmo frenético, as paragens “camufladas” e as poucas horas de sono

O dia-a-dia em campanha continua a ser exaustivo. “São muitos dias, as pessoas são sempre as mesmas, começam a ficar cansadas, a perder a paciência. Percorrem-se muitos quilómetros e cada vez se dorme menos”, conta João Montenegro, que trabalhou nas campanhas eleitorais de Pedro Passos Coelho e Manuela Ferreira Leite para as legislativas e esteve recentemente numa iniciativa de campanha de Paulo Rangel.

Se para os candidatos os dias são duros, para os jornalistas que os acompanham e para as equipas partidárias são muitas vezes ainda mais longos, porque o trabalho prolonga-se além do programa diário. Os dias são intensos, habitualmente com uma ação programada para a manhã, outra para a hora de almoço, outra para a tarde e uma última sessão para o jantar ou para depois deste. No entanto, há fugas ao programa que tornam quase hercúleo o esforço de cumprir o plano: “As coisas ficam balizadas assim, com quatro ações, mas depois chega-se a um distrito e deparamo-nos com oito iniciativas, um bocado camufladas. De um momento para o outro percebemos que há dezenas ou centenas de pessoas à espera de um candidato e é preciso parar, porque aquilo foi preparado e, embora não nos tenham dito nada, não podemos ignorar”, explica outra fonte ligada ao PSD.

"De um momento para o outro", um dirigente distrital do PSD decidiu mandar parar a comitiva "laranjinha" e encaminhá-la subitamente para uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) da região. Ninguém percebeu "o que estava a acontecer", mas rapidamente o mistério foi decifrado: o dirigente em causa tinha-se "comprometido com o diretor da IPSS a levar lá o candidato"

Outra fonte com muita experiência em campanhas PSD conta ao Observador um caso paradigmático: uma ação de campanha do  que aconteceu “há alguns anos”, no distrito de Castelo Branco. “De um momento para o outro”, um dirigente distrital do partido decidiu mandar parar a comitiva “laranjinha” e encaminhá-la subitamente para uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) da região. A mudança de planos foi inesperada e ninguém percebeu “o que estava a acontecer”, mas rapidamente o mistério foi decifrado: o dirigente distrital em causa tinha-se “comprometido com o diretor da IPSS a levar lá o candidato” do partido e fê-lo sem avisar. Este tipo de alterações ao programa são habituais e “criam constrangimento, as pessoas ficam chateadas porque há gente à espera, não se cumpre o horário combinado”. Nos últimos anos, contudo, os partidos tem-se tentado prever já, nos programas de campanha, os pequenos atrasos que surjam de imprevistos destes, para depois não ter de se andar a correr atrás do prejuízo.

Até algo tão simples como dar resposta às necessidades fisiológicas é muitas vezes importunado pelas exigências de campanha. Há precisamente dez anos, também durante uma campanha para as eleições europeias, houve um candidato de um partido que chegou a um jantar-comício com “perto de duas mil pessoas” já aflito para ir à casa de banho. Já atrasado, não tinha conseguido parar no caminho, mas teve de aguentar mais tempo: primeiro, teve de esperar pelos ritos de cerimónia do início do evento (o hino do partido, a festa, os cumprimentos, as fotografias). Só passados alguns minutos pôde finalmente levantar-se, mas ainda teve de enfrentar alguns obstáculos — nomeadamente “camaradas” que o queriam cumprimentar — até chegar à casa de banho.

No PS, se o ritmo ainda é “louco” agora, já foi bem pior durante as campanhas de anteriores líderes socialistas como António Guterres e José Sócrates. Percorriam-se milhares de quilómetros e o descanso era pouco, a ponto de o antigo jornalista e assessor dos socialistas Luís Bernardo recordar que chegou a ter “sem exagero” uns “dois ou três dias de descanso” em “dois meses e pouco”, contabilizando aqui os sábados e os domingos.

As horas de sono variam consoante o trabalho desempenhado por quem está envolvido nas disputas eleitorais. No “núcleo” do Partido Socialista que geria ao pormenor o dia-a-dia das campanhas de Sócrates, por exemplo, a equipa — uma “máquina muito oleada” que já preparava e coordenava eleições “desde o início dos anos 1990” e o continuou a fazer “até 2011, 2012” (altura em que o ex-PM saiu do poder) — dormia-se uma média de “cinco ou seis horas por noite”. Havia o cuidado de o candidato “ir descansar” quando chegasse ao hotel, mas a equipa de campanha continuava acordada, a avaliar o dia e a preparar as ações seguintes.

Em 1999, a entourage de Guterres estava no bar de um hotel no Porto quando se deparou com uma presença inesperada: a de Marcelo Rebelo de Sousa, que fora pouco antes líder do PSD. O encontro foi ameno: "Viu-nos no bar e tivemos uma tertúlia deliciosa. Era muito amigo do Guterres, amigo de infância, e esteve ali connosco até às 2h ou 3h da manhã", recorda Luís Bernardo

Em campanha são raros os dias descanso, mas houve um em 1999. Nas eleições legislativas que reelegeram António Guterres como primeiro-ministro, a campanha parou inesperadamente devido à morte da fadista Amália Rodrigues e ao inevitável luto nacional. Nessa noite de descanso, a entourage de Guterres estava no bar de um hotel no Porto quando se deparou com uma presença inesperada: a de Marcelo Rebelo de Sousa, que fora pouco antes líder do PSD. O encontro foi ameno: “Viu-nos no bar e tivemos uma tertúlia deliciosa. Era muito amigo do Guterres, amigo de infância, e esteve ali connosco até às 2h ou 3h da manhã, com o estilo dele, de excentricidade”, recorda. Também houve noites em que comitivas de PS e PSD pernoitaram na mesma cidade e as equipas de campanha acabaram “a beber um café ao fim da noite ou a beber um copo, mais ao fim de semana”. Entre candidatos não acontecia, claro.

A sopa de cebola, os rebuçados dr. Bayard e as injeções para a voz

Encontro com a população aqui, visita a uma fábrica acolá, jantar-comício acoli: as exigências em campanha eleitoral são muitas e obrigam os candidatos a puxar pela voz. Ficar rouco ou, terror dos terrores, afónico, é um dos maiores dramas que se pode viver em campanha. Sem proclamações aos eleitores, não se consegue pedir o voto para dar voz a alguém.

Até há alguns anos, pelo menos, vingava no PSD o mito da sopa de cebola. Como "quando se chega a esse ponto vale tudo", mito ou não, o caldo era opção habitual. Fonte do partido revela que "aquilo até vai resultando", agradecendo o "abençoado caldinho de cebola que põe os candidatos com a voz impecável".

Há demasiados fatores a contribuir para os problemas de voz: a falta de descanso, o frio noturno, os comícios que pedem projeção da voz, os discursos acalorados. As pastilhas para a rouquidão são a primeira solução para o problema, os rebuçados da marca dr. Bayard (que recentemente até motivou uma canção dos rappers portugueses Mike El Nite, Fínix MG e Sippinpurpp) são “consumidos exageradamente” em campanha, mas até há alguns anos, pelo menos, vingava no PSD o mito da sopa de cebola. Como “quando se chega a esse ponto vale tudo”, mito ou não, o caldo era opção de recurso habitual. Fonte interna do partido revela que “aquilo até vai resultando”, agradecendo o “abençoado caldinho de cebola que põe os candidatos com a voz impecável”. No final do dia, “já de madrugada”, há sempre alguém que se “disponibiliza” para cozinhar o dito.

No Partido Socialista já se chegou a um extremo: numa campanha legislativa antiga, um candidato a primeiro-ministro chegou a levar “injeções” para manter a voz em bom estado. A culpa dos problemas nas cordas vocais foi na altura atribuída ao desgaste, nomeadamente a “duas intervenções de fundo em média por dia, muitas pequenas intervenções, contacto com as populações, mudanças de temperatura brutais e discursos noturnos exigentes”.

Campanhas mais profissionais, sim. Mas “desajustadas” dos tempos?

Se no ritmo as campanhas eleitorais mantêm os índices de velocidade em alta, nos meios e na substância política as mudanças em algumas décadas foram como da noite para o dia, entende José Manuel dos Santos. Afinal, “agora já há contratação, embora em Portugal de maneira discreta, de profissionais e agências de comunicação e publicidade”, coisa que nos atos eleitorais dos anos 1970 e 1980 “não existia”. Antigamente era tudo “com matéria-prima dos partidos, ou voluntários dos partidos que tinham certas capacidades, como por exemplo artistas plásticos e designers“. Hoje, “há uma maior profissionalização”, embora “não haja uma grande especialização de profissionais em marketing político”.

As campanhas são hoje “mais pensadas para a televisão”, há atualmente uma “prevalência da imagem sobre a palavra”, entende José Manuel dos Santos. As comitivas dos partidos também são “muito maiores do que eram” e as mensagens em tempos eleitorais “testadas peça a peça, em focus groups que decidem qual é a cor que se deve usar, as imagens, as palavras dominantes, o interesse que existe por cada tema, a perceção que se tem de cada candidato, dos seus pontos fracos e fortes”. A intuição perdeu o seu papel predominante, entende o socialista, face a um tempo em que “os políticos eram muito auto-suficientes, achavam que não precisavam de apoios de ninguém, sabiam o que queriam dizer”.

Por vezes apareciam problemas caricatos, à falta de assessores de comunicação que mantivessem tudo nos eixos: “Às vezes parava-se numa terra e passado meia hora parava-se noutra. Os políticos já perdiam a noção de onde é que estavam e às vezes enganavam-se, diziam, imaginemos: o povo de Penela é o melhor. Só que estavam noutra terra qualquer. Vi pessoas que ficavam furiosas, porque às vezes o político enganava-se a falava numa terra que ficava mesmo ao lado, que ainda por cima era rival. Era uma coisa terrível”, recorda José Manuel dos Santos.

Para o antigo assessor Luís Bernardo, o modelo atual de campanha que tem sido utilizado pelos partidos nestas Europeias e nas anteriores legislativas está “completamente desajustado da realidade atual, das multi-plataformas, das redes sociais, de uma atenção que está muito concentrada no telefone. As campanhas fazem-se como eram feitas há 20 anos, de forma quase amadora”. Andar na estrada a correr o país de lés a lés “não torna uma campanha eleitoral eficaz” e estas são feitas como se estivéssemos “numa era analógica quando estamos numa era digital”, entende.

Noutros países, aponta Luís Bernardo, fazem-se campanhas de forma “completamente diferente”. A “marcação da agenda” começa com “mensagens nas redes sociais logo de manhã, para atrair atenção” e com uma comunicação “muito mais cuidada, muito mais simples”. Já não existe uma necessidade tão avassaladora de “contacto físico com as populações” e a mobilização das “estruturas partidárias locais para o voto” também já não tem o mesmo peso nos resultados eleitorais, entende.

Mas essa certeza ainda não chegou aos partidos políticos que nestas europeias têm em marcha uma reedição das campanhas eleitorais à moda antiga. Ir a todo o lado em ações que se repetem vezes sem conta, de pé frequentemente no acelerador para garantir que a agenda cheia é cumprida sem muitos atrasos. Um ritual dos chamados partidos grandes. E que muitos dos mais novos, como o Aliança de Santana Lopes, acabam também por tentar replicar.

Com João Francisco Gomes, Rita Tavares, Rita Dinis e Rui Pedro Antunes

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