A primeira revisão concluída com sucesso e mais 10,3 mil milhões de euros a caminho de Atenas. Acordo em (quase) toda a linha: entre a Grécia e a troika, entre o Eurogrupo e a Grécia, entre o FMI e o Eurogrupo. Tudo está bem quando acaba bem. Mas será mesmo assim? A disputa entre o FMI e a Alemanha ainda está a aquecer e ainda é preciso que o Governo grego faça aquilo que nunca fez – nem qualquer país resgatado –, que é implementar tudo o que a troika lhe exige.
Depois de nove meses de negociações e de muitos vaticinarem, mais uma vez, o falhanço em Bruxelas, a Grécia conseguiu sair do Eurogrupo com um sim (à condição) à sua primeira revisão do terceiro resgate e ainda uma promessa de reestruturação. Mais importante para os parceiros europeus, até havia acordo para o FMI voltar a participar no resgate.
Com o FMI voltava também a credibilidade do programa grego e mais dinheiro. Os parceiros europeus venciam a contestação de alguns Estados-membros, especialmente da Alemanha, de aprovarem mais um cheque para a Grécia sem a cobertura de Washington. Pelo menos foi assim que Eurogrupo, FMI, Grécia e Alemanha venderam o acordo.
No entanto, o bate-boca começou de imediato com o FMI a meter água na fervura. Nada está garantido, diziam. Wolfgang Schäuble respondeu, menosprezando as declarações do diretor do Departamento Europeu do FMI: “Ele devia estar cansado” quando falou, disse o ministro.
O verão pode não ser tão quente para os lados de Atenas como alguns esperavam, mas o braço-de-ferro entre Washington e Berlim parece estar só a começar e só o contexto político na Europa pode adiar um embate cada vez mais certo. Em Atenas, o Governo perde popularidade e apoio quando ainda tem de aprovar mais medidas duras para continuar a receber ajuda.
O caminho até ao acordo
A história do FMI na Grécia está marcada pela forma como entrou no primeiro resgate, em maio de 2010. Na altura o Fundo acedeu a participar no resgate sem exigir a reestruturação da dívida, violando assim as suas próprias regras. A verdade foi conhecida em 2013, numa fuga de informação, mas Poul Thomsen, o diretor do departamento europeu do Fundo e antigo líder da equipa do FMI para a Grécia, garantiu que se voltasse atrás faria o mesmo para salvar a Europa.
Em junho do ano passado, a Grécia não pagou a tempo ao FMI e tornou-se no primeiro país desenvolvido a falhar um pagamento ao Fundo. Com isso, as dores de cabeça da equipa que validou sucessivamente os acordos com a Grécia aumentaram consideravelmente.
As negociações desde que o Syriza chegou ao poder foram difíceis, com muitos episódios e acusações de parte a parte, e nas negociações para o terceiro resgate o FMI decidiu finalmente marcar finalmente a sua posição: não avançaria para mais um resgate sem a dívida ser sustentável. Para que passasse a ser sustentável, precisava de ser reestruturada. Outra vez.
A forma de fazer pressão do Fundo foi inédita. A meio das negociações, o FMI divulga a sua análise da sustentabilidade da dívida pública grega, um documento habitualmente publicado apenas depois de aprovadas as revisões, e nele diz o que viria a ser o seu mantra daí em diante: a dívida grega precisava de uma significativa reestruturação.
Desde então que a estratégia tem sido de afastamento, especialmente dos parceiros europeus mais ortodoxos – caso da Alemanha —, embora continue nas negociações como parceiro técnico, à semelhança do BCE, que é apenas credor por via da compra de obrigações gregas no mercado secundário.
No último Eurogrupo, o FMI voltou a ganhar destaque e as negociações centraram-se nestes dois pesos pesados: FMI e Alemanha, chegando-se a dar o caso de os restantes ministros ficarem à espera de mais que uma reunião bilateral entre Wolfgang Schäuble e Poul Thomsen.
Segundo o jornal norte-americano Wall Street Journal, as negociações atrasaram-se devido à dificuldade em contactar a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, que se encontrava no Cazaquistão para uma conferência. O próprio Schäuble admitiria que tudo seria mais fácil com Lagarde presente, já que durante horas foi impossível a Thomsen conferir se a diretora-geral aceitava a mais recente contraproposta alemã.
O que o acordo significa para a Grécia
Se é verdade que houve um acordo de princípio para que a Grécia recebesse os fundos, viesse a ter direito a medidas de alívio da dívida pública e que o FMI participasse no resgate, a verdade é que todos os envolvidos sabem que quase nada está fechado. Nas letrinhas pequenas do acordo vai jogar-se o futuro do programa.
Mais uma vez, o acordo chegou quando se aproximavam datas importantes… para os credores internacionais. Sem dinheiro, Atenas tinha de pagar 300 milhões de euros ao FMI a 7 de junho (próxima segunda-feira) e outros 450 milhões de euros a 13 de julho. A 20 de julho, uma semana depois, mais 2,27 mil milhões de euros a pagar, desta vez ao FMI. Pelo meio, seria necessário ainda pagar 20 milhões ao Banco Europeu de Investimento e refinanciar 8,2 mil milhões de euros de dívida de curto prazo, algo que se ia tornando mais complicado à medida que o nervosismo em relação à Grécia aumentava.
Os ministros chegaram então a acordo com a Grécia para que seja transferida a tranche de 10,3 mil milhões de euros. Ou quase. Como em praticamente tudo no processo de resgate da Grécia, este dinheiro – que será transferido em duas partes – só será transferido caso a Grécia faça algumas alterações às mais de mil páginas de legislação aprovada na noite de domingo, dia 22, com apenas 153 deputados em 300. Algumas das mudanças, a Grécia já informou o Eurogrupo de que não vai poder fazê-las. Outras, devem ir ao Parlamento, cada vez mais pequeno para o Syriza e o Anel, na próxima segunda-feira.
O que ganhou então a Grécia com este acordo? “Dá-nos algum espaço para respirar. Foi uma decisão difícil, mas tinha de ser tomada. Em negociações a nível europeu há sempre cedências”, diz ao Observador um responsável do Syriza com conhecimento das negociações.
No Governo grego, o sentimento é o de que, apesar da muito necessária liquidez e de se conseguir admitir um teto para os juros da dívida que o país pode pagar anualmente, o adiamento da extensão do prazo de pagamento da dívida grega para depois das eleições alemãs de 2018, está longe de ser o procurado. Até porque já em 2012 foram feitas promessas neste sentido, mas não chegaram a acontecer.
A Grécia ganha margem de manobra, mas as concessões são essencialmente políticas e dependem de o Governo grego implementar tudo o que é exigido pelos credores – algo que nenhum país resgatado fez – e de conseguir um saldo primário de 3,5%, continuamente, a partir de 2018, algo igualmente raro. Este limite para o saldo primário, diz a mesma fonte, traz no entanto uma coisa boa consigo: “Isto significa que não precisamos de tomar mais medidas para além do que estava previsto”.
Em busca da credibilidade perdida
Quando na noite de quarta-feira o diretor do Departamento Europeu do FMI anunciou que a direção do FMI esperava fazer até ao final do ano o pedido ao conselho de administração para que o Fundo voltasse a entrar no resgate à Grécia, de imediato se viu uma cedência.
Mas o FMI não parecer disposto a ceder assim tanto. Dizia Poul Thomsen, durante a conferência de imprensa, que o FMI fez uma concessão significativa, ao aceitar que as medidas de alívio de dívida só avancem já depois de o programa terminar. Pelo menos as mais importantes. Disse ainda que não só conseguiram que os parceiros europeus aceitem que a dívida pública grega é altamente insustentável, mas também que o FMI vai participar no programa “desde que a DSA [análise de sustentabilidade da dívida pública grega] diga que as medidas são suficientes para que a dívida seja sustentável”.
O FMI iria avaliar o cabaz de medidas que os parceiros europeus iriam propor para reduzir a dívida pública grega e só depois disso — se as medidas fossem suficientes para que na análise dos técnicos do Fundo fosse considerada sustentável — é que fariam a proposta ao conselho de administração para que o Fundo volte a entrar (e assim financiar) o resgate grego.
Wolfgang Schäuble fez questão de desautorizar o diretor do Departamento Europeu do FMI, afirmando que não haveria dúvidas que o FMI iria participar do resgate e que Thomsen “devia estar cansado”, pela hora tardia a que acabou a reunião do Eurogrupo e pelas intensas negociações, quando colocou em causa a participação do Fundo que, aos olhos do alemão – que precisa disso para convencer o seu parlamento — é já certa. Schäuble foi mais longe e lançou farpas a Thomsen, dizendo que se perdeu tempo desnecessário durante a longa maratona e que tudo teria sido resolvido mais cedo se Lagarde estivesse presente, e não no Cazaquistão.
Mas o FMI não deixou cair em saco roto as declarações do ministro alemão e respondeu fazendo uma teleconferência com alguns jornalistas que seguem o programa grego. Nessa conversa, o FMI volta a frisar que, sem a garantia de que as medidas são necessárias, não participa no resgate: “Tem de nos ser garantido que o conjunto das medidas com que a Europa está disposta a comprometer-se é consistente com o que pensamos ser necessário para produzir um alívio na dívida. Ainda não temos isso, e é por essa razão que o FMI não está a dizer abertamente que vamos avançar para [a proposta de entrar no resgate] o conselho de administração”, disse um responsável do FMI.
Como é que o FMI caracteriza este acordo então? “Digamos que as probabilidades de fazer isso [participar no resgate] melhoraram significativamente”. Mas ainda falta negociar com os parceiros europeus as verdadeiras medidas.
A posição do FMI não espanta, já que a aceitação da participação no resgate em 2010 com uma análise à sustentabilidade da dívida, que se veio a revelar apenas dois anos depois completamente furada, já que a Grécia fez uma reestruturação da sua dívida no ano de 2012 e agora já está numa posição em que necessita de mais ajuda, esperando-se que chegue aos 190% do PIB ainda este ano.
Empurrar com a barriga..à alemã?
2018. É o ano a reter. Antes disso, pouco ou nada se fará com a dívida pública grega. Pelo menos não o mais importante. A data é relevante, não só porque é quando a Grécia deve terminar o resgate, pelo menos do lado europeu, já que o FMI a entrar acaba por entrar mais tarde, mas especialmente porque é já depois das eleições alemãs.
O Governo alemão tem perdido apoios no Parlamento, ainda que continue a dispor de uma grande maioria, no caso da Grécia. O desgaste da questão dos refugiados está a deixar Berlim ainda mais cauteloso, dando mais espaço à linha dura do Governo, neste caso Wolfgang Schäuble.
O ministro das Finanças alemão foi dos que mais resistiu dentro do Eurogrupo a mais alívios na dívida grega – arrastando consigo os seus habituais parceiros Holanda e Finlândia -, mas também no próprio Governo alemão. A questão, altamente impopular, foi abordada várias vezes publicamente por Schäuble e sempre com um rotundo não. Sobre o acordo de 2012, Schäuble sempre disse o mesmo: mais alívio de dívida só se for necessário e não via como necessário. Foi aqui a primeira grande guerra do FMI e aqui que Poul Thomsen reclamou vitória, quando disse que tinha conseguido que o Eurogrupo reconhecesse que a dívida era insustentável.
E agora, acontece alguma coisa? “É uma tática para adiar, claramente, e toda a gente percebe. Tínhamos de ganhar tempo e evitar problemas nesta altura e foi o que conseguimos, com o acordo do FMI que vai entrar no resgate. Acho que para já, é um sucesso”, diz uma fonte com conhecimento das negociações.
A mesma fonte explica ao Observador que não foi exclusivamente a questão grega, mas também o referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia, que preocupou os governos dos Estados-membros. Mais um foco de instabilidade não seria bem visto nesta altura e por isso houve alguma pressão para se sair da reunião com um acordo. “Se em 2018 a Grécia terá alívio na dívida? Veremos. Não levaram um único programa até ao fim, não o estou a ver a acontecer agora. E mesmo com isso [programa terminado], a Alemanha vai resistir a dar mais benesses”, diz a mesma fonte.
Quanta austeridade aguenta este Governo?
Depois do conturbado período entre a primeira e a segunda eleição, Alexis Tsipras reformulou o partido, mudou de posição e inverteu a estratégia. Com isto conseguiu um novo resgate, o terceiro, mas com condições mais apertadas que as rejeitadas no referendo de julho de 2015. Ainda assim, o primeiro-ministro grego tem conseguido manter-se à tona, passando as leis exigidas para conseguir dinheiro do resgate, embora com uma cada vez mais curta maioria.
O último conjunto de medidas foi aprovado por margem mínima e com mais uma baixa no seu partido. A deputada Vasiliki Katrivanou votou contra e demitiu-se na sequência da sua votação. Nas ruas, as manifestações sucedem-se e, pior, as greves arrastam-se. A mais recente foi a extensão da greve pelos advogados, que terá levado ao adiamento de mais de 200 mil processos só na capital grega, alguns por mais de 15 anos, de acordo com a imprensa grega.
Nas sondagens, o Syriza continua em queda livre. De acordo com uma sondagem da Universidade de Macedónia, em Salónica, o partido de Alexis Tsipras reúne agora apenas 17,5% das intenções de voto, contra 25,5% da Nova Democracia de Kyriakos Mitsotakis, que já exige eleições antecipadas a Alexis Tsipras, o mesmo que o agora primeiro-ministro fez com o seu antecessor, Antonis Samaras.
A mesma sondagem diz que a maioria dos eleitores – sete em cada 10 – pensa que as táticas de negociação do Governo levaram a atrasos que só prejudicaram o interesse do país. Mais de 70% dos eleitores (e 54% dos eleitores do Syriza) consideram que a Grécia saiu pior das negociações.