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iStockphoto/FamVeld

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Afinal, os bebés conseguem comer sozinhos?

Qual colher, qual quê. A autora do "Baby-led weaning" esteve em Lisboa e, ao Observador, explicou como os pais controlam em demasia a alimentação dos bebés e como deviam confiar mais nos filhos.

Deixar os bebés, a partir dos seis meses, comer sólidos sozinhos. Dizer “não” à colher e colocar diante dos mais pequenos alimentos cortados de maneira a que eles possam alcançá-los e levá-los à boca. Em última análise, a ideia é que os bebés partilhem as refeições com os pais de forma descontraída, prazerosa até. Refeições onde pais e filhos comem o mesmo e onde cabe aos bebés decidir se querem comer e o quanto querem comer.

“Baby-led weaning” é o conceito por detrás de uma teoria que quer ajudar os bebés a descobrir os alimentos de forma segura e sem os habituais dramas associados à alimentação dos pequenos. O nome é da autoria de britânica Gill Rapley que, em conjunto com a jornalista Tracey Murkett, escreveu o livro Os bebés sabem comer sozinhos (editora Matéria-Prima).

Rapley e Murkett estiveram em Lisboa esta semana e, em entrevista ao Observador, explicaram como dar de comer com uma colher consiste em anular o instinto básico do bebé e como os pais devem confiar neles e deixá-los comer sozinhos. “Infelizmente, nunca deveríamos ter obtido tanto controlo na alimentação do bebé, isso nunca deveria ter acontecido. Não há nenhum outro mamífero que faz isto com o seu bebé.”

Gill Rapley e Tracey Murkett são as autoras do livro "Os bebés sabem comer sozinhos"

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

As refeições dos bebés são mesmo um dos momentos mais temidos pelos pais?
Tracey Murkett (TM): De facto, os pais preocupam-se muito com a introdução da comida sólida. Eu também me preocupei. Ouvi tantas histórias de bebés que se recusavam a comer, que parecia que as refeições eram uma batalha. Penso que é muito importante evitar isso. Não é preciso lutar-se contra o instinto dos bebés de apanhar comida e brincar com ela.
Gill Rapley (GR): Quando se introduz sólidos é uma altura assustadora porque somos responsáveis pela sobrevivência dos nossos filhos. Nos primeiros meses é tempo de leite materno ou de fórmula — sim, o materno é melhor, mas o de fórmula também é muito bom nos dias que correm –, pelo que não é tão difícil, sentimo-nos confiantes que o nosso bebé está bem nutrido. No que toca a sólidos, temos de tomar decisões sobre o que vamos oferecer ao bebé e sentimos uma grande responsabilidade.

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Os pais tendem a fazer uma série de “truques” para que a hora da refeição passe mais facilmente. O que têm a dizer sobre isso?
TM: Não são precisos truques ou qualquer forma de persuasão, nada de subornos ou de esconder a comida. É preciso confiar no bebé e deixá-lo comer as quantidades que ele desejar, isto é, deixá-los explorar a comida à vontade. Não temos de ficar preocupados se o bebé não comer de todo, desde que ele esteja a ser amamentado — isso apenas significa que ele não precisa de nada [naquele momento]. Não há truques, caso contrário é como enganar um amigo ou um companheiro: quando estamos num restaurante não os persuadimos a comer, eles é que decidem e controlam o que comem.
GR: Os truques partem da suposição de que os bebés não querem comer comida saudável. Não temos provas disso. Eles ficam muito contentes por comer comida saudável. Porque é que dizemos que um bebé não gosta de couves só porque não as comeu numa refeição em particular? [Ouvindo isso] A criança fica a pensar que realmente não gosta de couves. Com base em pesquisas feitas sabemos que, por exemplo, ao subornarmos o bebé com gelado, de maneira a que ele coma os feijões, o bebé acaba por gostar menos de feijões e gostar mais de gelado. Como é que isso ajuda?
TM: Isso também introduz um aspeto emocional ao ato de comer, como a culpa. E não se quer qualquer aspeto emocional a não ser a felicidade de comer comida saudável com a família.

"Não são precisos truques ou qualquer forma de persuasão, nada de subornos ou de esconder a comida. É preciso confiar no bebé e deixá-lo comer as quantidades que ele desejar, isto é, deixá-los explorar a comida à vontade."
Tracey Rapley

Na vossa opinião, de onde vem a ideia de que os bebés não gostam de comida saudável?
TM:
Talvez as pessoas assumam que as crianças gostam de coisas mais doces…
GR: À nascença, elas são naturalmente atraídas para comidas doces, o próprio leite materno é muito doce. Isso dura algum tempo, mas não significa que precisem de muitas coisas doces. Acho que muito disso diz respeito ao facto de se alimentar os bebés com colheres. Ao pormos uma colher na boca deles, se não for uma coisa que imediatamente saiba a algo a que eles estão habituados, é provável que eles façam uma careta e não tenham a certeza sobre aquela comida. Mas isso é porque estamos a pôr a comida na boca deles em vez de os deixar fazer isso. Já vimos que os bebés gostam de apanhar brócolos ou feijões, por exemplo, e prová-los, mas não querem uma colher cheia disso na boca deles. Acho que dar de comer com uma colher fez com que as crianças não gostassem de vegetais.

A colher é, então, uma inimiga?
GR:
Não é necessariamente uma inimiga, mas sobrepõe-se ao instinto básico dos bebés.
TM: Aos seis meses os bebés conseguem alimentar-se sozinhos, não precisam de ser alimentados com a colher. Aos seis meses, detestam ser alimentados com uma colher, não querem que façam coisas por eles, querem antes explorar a comida sozinhos.
GR: Não é a colher. Se o bebé quiser segurar na colher, tudo bem. O que está aqui em causa é o dar de comida ao bebé. Devem ser os bebés a pôr comida nas suas próprias bocas.

© Divulgação

Que tipo de sinais é que os bebés dão quando não querem ser alimentados com a colher?
TM:
É muito comum os bebés recusarem ser alimentados com recurso a uma colher. Mas se lhe oferecerem a mesma comida, em pedaços, é provável que eles peguem nela e a levem à boca.

Então seria um bom conselho dizer aos pais para pôr a comida à frente dos bebés, em vez de lhes dar com uma colher?
TM:
Sim. Segundo o Baby-led Weaning, pais e bebés apenas partilham as refeições. Comem à mesma hora e o bebé está incluído nas refeições.
GR: É preciso lembrar que os bebés não sabem que tipo de comida é e não sabem que se trata de comida, ou seja, não associam o que veem no prato com a sua barriga. Pensam que aquilo é mais um brinquedo e querem explorá-lo. Também temos de pensar que, enquanto adultos, somos confrontados com diferentes tipos de comida. A Tracy e eu estamos em Portugal e estamos a comer coisas que não conhecemos, às quais não estamos habituadas. A primeira coisa que faço ao almoço ou ao jantar não é pôr a comida numa colher e levá-la à boca. Primeiro olho para ela, depois cheiro-a e testo a sua consistência com o garfo. Antes de levar a comida à boca, quero primeiro compreender do que se trata. Se pusermos a comida na boca dos bebés em vez de serem eles a fazê-lo, não estamos a permitir aos bebés fazer nada disso. Nós sabemos que determinada comida sabe bem, afinal são só maçãs ou morangos, mas para eles é algo completamente novo. Precisamos de ter isso em mente: para os bebés toda a comida é nova.

"É muito comum os bebés recusarem ser alimentados com recurso a uma colher. Mas se lhe oferecerem a mesma comida, em pedaços, é provável que eles peguem nela e a levem à boca."
Tracey Murkett

Mesmo não sabendo que se trata de comida, os bebés levam as coisas à boca. A boca é um mecanismo de descoberta?
TM:
Os lábios e a língua são muito sensíveis, pelo que os bebés de cinco ou seis meses pegam em tudo o que conseguirem apanhar, chaves ou canetas, e exploram isso com a boca e com a língua. Ao fazê-lo, ganham muita informação [nova].

No livro dão a entender que não há (ou não deveria haver) a chamada “comida para bebés”. Porquê se há toda uma indústria à volta disso?
GR:
Porque é assim que as indústrias funcionam: elas conseguem criar e preencher uma necessidade. Isso é muito comum e acontece em relação a várias coisas que compramos. A comida de bebé também funciona assim. Mas também porque há uns anos pensava-se que os bebés precisavam de comida sólida antes dos seis meses de idade, aos três ou quatro meses. Pensava-se também que se tínhamos de dar comida a um bebé com essa idade, tinha de ser em puré e tinha de ser com recurso a uma colher, porque ele não conseguia alimentar-se sozinho. Então, foi dito às mães que fizessem a própria comida de bebé em casa. Depois veio a indústria e disse: “Esperem, nós fazemos isso por vocês. Vamos poupar-vos dinheiro e trabalho. Vamos tornar a parentalidade mais fácil”.
O que nós dizemos é que nem sequer é preciso fazer esses purés, então porquê comprá-los quando basta cozinhar a mesma comida para a família inteira? Se se cozinhar de uma forma saudável, sem adicionar açúcar e sal, não é preciso fazer esses purés. Basta cortar a comida de forma a que os bebés consigam segurar nela. A mudança para os seis meses significa que a “comida de bebés” não é necessária. A chamada “comida de bebés” está relacionada com o facto de em tempos se dar comida a bebés que, na verdade, eram demasiado novos para a comer.

Recapitulando, a “comida de bebés” nunca é necessária porque, até aos seis meses, o bebé só é alimentado com leite materno (ou de fórmula). Depois dos seis meses, os sólidos são introduzidos e, nessa fase, os bebés podem comer o que nós comemos. É isso?
TM: Sim, desde que seja comida saudável, com pouco sal ou açúcar, e que não seja fast food. Se for comida saudável, o bebé pode comer o mesmo que nós. A única coisa que é precisa fazer, quando o bebé começa a comer, é adaptar a forma dos alimentos para que seja fácil para eles — os bebés não conseguem abrir o pulso, logo o alimento tem de estar cortado de maneira a que saia das mãos, estando o pulso fechado.
GR: Se lhe dermos uma coisa muito pequena, a comida fica presa dentro da mão porque até aos oito ou nove meses eles não conseguem abrir o pulso.
TM: É dar a mesma comida, mas cortá-la em pedaços maiores para o bebé.

Como por exemplo?
TM:
No começo, os bebés precisam de pouca comida extra. Se lhe derem muita comida, como por exemplo através de uma colher, eles reduzem o consumo de leite muito depressa. Nesta idade, o leite tem mais nutrientes. É importante que eles consigam controlar o leite e os sólidos que consomem. Eles vão comendo [sólidos] de uma forma muito gradual. O importante é confiar nos bebés: se eles não comerem muito nas primeiras semanas, e se estiverem sempre a brincar, é porque estão a familiarizar-se com a comida. É por isso que comem em quantidades pequenas. Por norma, aos nove meses é possível ver que eles estabelecem uma relação entre a fome e a comida sólida. Até aqui, a fome está sempre relacionada com a amamentação. É importante que o bebé não esteja com fome quando acompanha as refeições dos adultos, porque dar comida é como dar um brinquedo novo. É preciso ser-se muito paciente.
GR: Outro aspeto importante nesta fase é ter a certeza que ao bebé é dada a oportunidade de experimentar todos os grupos alimentares. Se eles começarem a precisar de algo extra ao leite, é possível que seja ferro, pelo que a carne é uma ótima primeira comida. No passado era normal começar-se com fruta e vegetais, mas isso era quando começávamos a introduzir os sólidos aos quatro meses. Todos os grupos alimentares devem ser dados todos os dias, mas não necessariamente a todas as refeições.

"O importante é confiar nos bebés: se eles não comerem muito nas primeiras semanas, e se estiverem sempre a brincar, é porque estão a familiarizar-se com a comida. É por isso que comem em quantidades pequenas. Por norma, aos nove meses é possível ver que eles estabelecem uma relação entre a fome e a comida sólida. Até aqui, a fome está sempre relacionada com a amamentação."
Tracey Murkett

Como é que sabemos que um bebé já comeu o suficiente?
TM:
A fome está relacionada com a amamentação (ou com o leite de fórmula). Se ele não comer toda a comida — e maior parte dos bebés não come, fica a brincar com a comida durante um longo período de tempo –, é preciso confiar que ele sabe o quanto deve comer. O que interessa é que o bebé se habitue gradualmente à comida.
GR: Ao início, apenas se está a convidar o bebé a partilhar a hora das refeições connosco, não faz mal se ele não comer.

Parece uma ideia um tanto ou quanto surpreende dizer a um pai para confiar no seu bebé, ao dar-lhe tanto poder de decisão. Não é assustador?
TM:
Se amamentou o seu bebé, então confia nele. A mama não é transparente e não dá para ver quanto leite o bebé consome de cada vez. É preciso confiar nele. Dá para ver quando o bebé já comeu o suficiente porque ele está bem, saudável. Acho que deve ser mais complicado confiar quando se trata de uma mãe que alimenta o bebé com leite de fórmula, porque ela está habituada a ver o quanto o bebé come. Mas desde que se continue com a amamentação não há problema. Confiar nos bebés pode ser uma das coisas mais difíceis que os pais têm de fazer.
GR: Muitas vezes esquecemo-nos que os bebés alimentam-se sozinhos a partir do momento em que nascem. Não é possível obrigar um bebé a amamentar se ele não o quiser — mães que o tentaram saberão bem isso. Na amamentação é ele que come sozinho, a mãe apenas disponibiliza a mama. O BLW é este conceito, mas mais alargado. Também confiamos nos nossos bebés para andar e para falar quando eles estão prontos. Damos-lhe a oportunidade para isso. Falamos com eles, metemos conversa, e confiamos que eles vão falar quando chegar a altura certa. Não podemos apressar isso. Infelizmente, nunca deveríamos ter obtido tanto controlo na alimentação do bebé, isso nunca deveria ter acontecido. Não há nenhum outro mamífero que faz isto com o seu bebé. Um macaco bebé acompanha a mãe, apenas copia os hábitos alimentares dela, ela nunca mete comida na boca dele. Nós temos de ser o exemplo para que o nosso bebé nos possa imitar.

Nesse sentido, os pais devem confiar nos filhos bebés em todos os aspetos?
TM:
Sim, no geral sim.
GR: Tivemos pais que nos contaram que, porque aprenderam a confiar nos filhos através do BLW, sentem-se mais confiantes em relação a eles noutras circunstâncias. Sim, o BLW tem efeitos além da alimentação.

E poderá ter efeitos na personalidade do bebe a longo prazo?
TM:
Não sabemos. Imagino que o bebé fique mais confiante porque os pais confiam nele e deixam-no seguir os seus instintos. Porque, ao fazê-lo, estamos a permitir o desenvolvimento da criança à medida dela. A questão de alimentar com uma colher representa lutar contra o instinto do bebé de tocar e de controlar o que levar ou não à boca. Já tivemos voluntários a serem alimentados com uma colher. A pessoa que normalmente é alimentada diz que isso é muito assustador e que o primeiro instinto é agarrar a colher de maneira a controlar a velocidade a que esta entra na boca. Na verdade, o facto de alguém alimentar outrem com uma colher pode ser sufocante, porque não sabemos como controlar a comida na boca.

"Muitas vezes esquecemo-nos que os bebés alimentam-se sozinhos a partir do momento em que nascem. Não é possível obrigar um bebé a amamentar se ele não o quiser — mães que o tentaram saberão bem isso. Na amamentação é ele que come sozinho, a mãe apenas disponibiliza a mama. O BLW é este conceito, mas mais alargado."
Gill Rapley

Imaginemos um pai ou uma mãe que nunca ouviu falar do conceito. Como descrevem o BLW?
TM: Trata-se de ter refeições saudáveis partilhadas, de ter os bebés relaxados e divertidos à hora das refeições e de os pais se deixarem levar pelo seu bebé. É deixar o bebé guiar o caminho e mostrar o que é que ele consegue fazer.

Foi Gill Rapley quem criou o conceito, não foi?
GR: Durante muito tempo fiz visitas ao domicílio enquanto enfermeira-parteira. No Reino Unido os pediatras não veem as crianças com frequência, à semelhança do que acontece aqui. Nesse sentido, vi muitos pais que estavam com dificuldades em introduzir sólidos na alimentação dos bebés. A maioria dos bébés aceitava facilmente os sólidos, sendo que na altura estes eram introduzidos aos quatro meses. Chegados aos oito meses, os bebés começavam a afastar a colher ou só aceitavam determinadas comidas. As refeições estavam a tornar-se muito difíceis. Um dia, uma mãe disse-me “se estiver a comer uma maçã ele quer comer, mas se eu lhe oferecer um puré de maçã, ele não come”. Fiquei a pensar que isto não era sobre a maçã, mas sim sobre a forma como a comida estava a ser apresentada. Comecei a sugerir aos pais para deixarem a criança comer sozinha quando esses problemas se repetissem. Essa foi a resposta.
Naqueles dias estávamos a introduzir sólidos aos 4 meses. Quando em 2000 se começou a falar em mudar a idade mínima para os seis meses, tudo ficou claro. Eu sabia que aos seis meses os bebés já se conseguem sentar direitos, ainda que possam precisar de algum apoio, que eles alcançam, agarram coisas e colocam-nas na boca. Esses são os sinais de um bebé normal de seis meses. Comecei a perceber que a solução seria deixá-los comer comida sólida sozinhos. Mas quero destacar que eu não inventei o BLW, apenas dei um nome ao conceito, mas não inventei a prática. Há muitas mães que, tal como eu, descobriram que esta era a forma mais fácil de fazer as coisas. Na altura não se falava sobre isso porque as mães pensavam que estariam a fazer alguma coisa de errado. Dar-lhe um nome permitiu que o BLW fosse falado e aplicado por pais de primeira viagem.

O BLW foi, à data, um conceito de difícil aceitação na comunidade? Que tipo de estudos o suportam?
GR: Quando comecei a falar sobre isto não tinha feito quaisquer estudos, apenas apresentei o BLW como uma ideia lógica. Na verdade, foi o suficiente para que a maior parte dos pais quisesse experimentar. Foi facilmente aceite pelos pais e, de facto, espalhou-se de imediato. Os nossos livros deram seguimento a isso. Mas já fiz pesquisa. Fiz para o meu doutoramento e há outros investigadores de volta do tema. Apesar de ainda não termos investigação científica que suporte o BLW, todas as evidências que existem são boas. E vale a pena recordar que não há evidências que suportem a alimentação de bebés de seis meses com colher, isso nunca foi investigado. Acho que temos de dar um passo atrás e seguir primeiro com aquilo que nos parece natural.

"Infelizmente, nunca deveríamos ter obtido tanto controlo na alimentação do bebé, isso nunca deveria ter acontecido. Não há nenhum outro mamífero que faz isto com o seu bebé."
Gill Rapley

Apesar de ser aceite, é um conceito ainda a ser desenvolvido nos próximos anos, é isso?
TM: Sim, há muita pesquisa a ser feita, sobretudo no Reino Unido e na Nova Zelândia, mas também na América e no Canadá. Mas todos os investigadores dizem “precisamos de mais pesquisa” . Umas das coisas que já se disse é que o BLW está relacionado com um menor risco de obesidade e escolhas alimentares mais saudáveis quando as crianças são mais crescidas.

Têm ideia de quantas pessoas “seguem”o BLW?
TM: É muito difícil de dizer. Houve um estudo que foi publicado há pouco tempo e uma das coisas que mencionava na introdução é que, quando fazemos uma pesquisa no Google pelo conceito, encontramos cerca de 1 milhão de referências. É muito popular e há livros que já foram traduzidos para 21 línguas. Está a crescer, a arrancar em diversos países. No Reino Unido já está estabilizado.
GR: São muito poucos os pais que puserem em prática o BLW e que disseram que não o fariam outra vez. Funciona e as pessoas tornaram-se um pouco evangelistas em relação a isto. Para mim, quando me dizem que criei o conceito, sinto-me como aquele rapaz que, no conto, é o único que diz que o rei vai nu. Apenas estou a dizer o óbvio.
TM: Acho que quando vemos um bebé a explorar a comida, podemos ver que é tão óbvio, tão natural. Não dá para imaginar as coisas de outra forma.

Gill Rapley criou o conceito "Baby-led Waening"

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

Deve-se introduzir os sólidos aos seis meses. Há exceções a ter em conta?
TM:
Se estivermos a comer e, por exemplo, o bebé tentar alcançar a comida e metê-la à boca aos cinco meses e meio não há problema. De qualquer maneira, eles não vão comer muito, mas isso quer dizer que já estão prontos para explorar. É importante ser-se paciente caso o nosso bebé não esteja pronto. Há bebés que não precisam de comida extra até aos nove meses, por exemplo. O importante é dar-lhes a oportunidade.
GR: Há bebes que podem precisar de alimentos sólidos mais cedo. Falamos de bebés com problemas médicos específicos, prematuros ou com deficiências. Ainda não há muita pesquisa sobre estes bebés, há quem acredite que eles precisam de comida um pouco mais cedo. Bebés com problemas físicos precisam obviamente de ajuda porque eles não conseguem alcançar a comida sozinhos. Mas estes são bebés que vão precisar de apoio a concretizar outras atividades. Todos os bebés saudáveis conseguem fazer isto. Bebés que fazem LBW tendem a amamentar durante mais tempo porque não estão a ser sobrecarregados com comida sólida, o que reduziria o seu apetite para o leite.

"São muito poucos os pais que puserem em prática o BLW e que disseram que não o fariam outra vez. Funciona e as pessoas tornaram-se um pouco evangelistas em relação a isto. Para mim, quando me dizem que criei o conceito, sinto-me como aquele rapaz que, no conto, é o único que diz que o rei vai nu. Apenas estou a dizer o óbvio."
Gill Rapley

Além do BLW permitir à criança descobrir a comida, também é capaz de contribuir para o desenvolvimento motor da criança?
GR:
Pensamos que sim. As crianças têm a oportunidade de manusear texturas, formas e tamanhos que não existem fora do mundo da comida. Nenhum dos seus brinquedos produz um espécie de sumo quando espremido, pelo que têm uma experiência bastante única. Sem isso, talvez só tenham essa experiência mais tarde, no infantário. Volto a dizer: não há estudos sobre isto, mas muitos pais dizem-nos que os bebés têm mais destreza mais cedo do que outros bebés que não fizeram BLW. No outro dia recebi uma fotografia de um bebé de 11 meses a segurar um lápis como um adulto. É só uma história, não prova nada, mas temos recebido cada vez mais histórias dessas.
TM: Coisas como segurar uma baga e perceber a pressão com que se pode segurar numa baga sem a esmagar… Numa primeira vez, o bebé segura numa baga e simplesmente esmaga-a, mas depois, com a prática, percebe que pressão aplicar para levar a baga à boca. Há muita coisa a aprender.
GR: O mesmo acontece ao nível dos músculos da fala. Ao mastigar e ao saber como mover a comida dentro da boca… A comunidade de dentistas apoia isto porque mastigar desde cedo ajuda a desenvolver o maxilar e arranja mais espaço para os dentes. Também há terapeutas da fala que dizem que isto é muito bom para o desenvolvimento da fala dos bebés.

Falando agora em potenciais desvantagens, não há o risco de os bebés sufocarem?
TM:
Não há mais risco do que o que há ao dar comida com uma colher, sendo que o nível de risco é muito baixo para todos.
GR: Nós suspeitamos que o nível até possa ser menor pelo facto de o bebé estar em controlo do que entra na boca, mas, sim, as pessoas confundem sufocar com engasgar.

Então, qual é a diferença entre sufocar e engasgar?
GR:
Há três coisas diferentes que, na nossa opinião, acontecem. São dificéis de definir. Engasgar é uma espécie de reflexo do vómito — é o que acontece se pusermos o nosso dedo no fundo da boca. É ligeiramente silencioso e, às vezes, resulta em vómitos. Isso é muito comum em BLW porque os bebés não sabem o quão fundo podem levar a comida. Achamos que esta é uma forma de lhes ensinar isso. Na verdade, já vi mais casos destes com a alimentação com recurso a uma colher e, nesses casos, o bebé não consegue tirar a comida boca. Depois temos uma coisa, que em inglês, as pessoas chamam de “sufocar”, mas que não é o caso: acontece quando bebemos algo que entra pelo sítio errado e, como resultado, tossimos. É barulhento e o bebé até pode ficar encarnado, mas é um reflexo que mostra que ele está a tratar do assunto sozinho. Perigoso mesmo é sufocar, que acontece quando alguma coisa bloqueia a passagem do ar. Como nenhum ar passa, o bebé não consegue tossir. É algo muito silencioso e o bebé começa a ficar azul — é disto que as pessoas têm medo. Mas não é preciso ficar-se preocupado quando o bebé se engasga ou tosse, porque esses são os reflexos naturais para prevenir que ele sufoque — é o corpo do bebé a defender-se. O bebé só sufoca quando esses reflexos não funcionam e aí, sim, há uma situação em que é preciso aplicar medidas de emergência. Mas esse risco é muito reduzido para todos nós, a toda a hora, e não é maior com o BLW.

"As crianças têm a oportunidade de manusear texturas, formas e tamanhos que não existem fora do mundo da comida. Nenhum dos seus brinquedos produz um espécie de sumo quando espremido, pelo que têm uma experiência bastante única."
Gill Rapley

O que pode um pai fazer no primeiro e último caso, isto é, quando um bebé se engasga e quando está a sufocar?
TM:
No caso de ele se engasgar, os pais não podem fazer nada. Na maior parte das vezes, o bebé não fica de todo incomodado por se engasgar. A comida sai cá para fora e, o mais provável, é tentarem levá-la outra vez à boca. O mesmo acontece em relação à tosse. O mais importante é não entrar em pânico e optar pela discrição.
GR: Se vir um amigo a engasgar-se, o mais provável é perguntar se ele está bem. Ele vai tossir e não vai quer palmadinhas nas costas, mas sim um pouco de espaço para lidar com aquilo. Com os bebés acontece a mesma coisa. A ideia é ficarmos calmos e silenciosos: é mais provável que o bebé fique assustado se nós ficarmos assustados. Mas se ele não conseguir respirar, estiver a ficar azul e estiver silencioso, então temos de agir rapidamente e seguimos o procedimento habitual — no Reino Unido, nós metemos o bebé ao nosso colo, de barriga para baixo e damos algumas palmadas nas costas. Nunca se deve dar palmadas nas costas quando eles estão sentados e direitos, isso fará sempre pior. Mas a probabilidade de um bebé sufocar é maior com brinquedos.

E que alimentos devemos evitar?
TM:
Açúcar, sal e alimentos que podem fazer com que um bebé sufoque, como nozes, tomates-cereja ou azeitonas. Com a fruta, é sempre preciso tirar os caroços.
GR: É muito importante lembrar que, ainda antes de BLW e do período dos seis meses ser definido, os bebés eram encorajados a comerem finger food [comida em que se pode pegar]. Eles começavam com purés aos 4 meses e aos 6 os pais introduziam comida em que os bebés podiam segurar, como biscoitos. Ninguém estava preocupado com a questão de o bebé sufocar ou não. Porque o BLW diz que não são precisos purés, as pessoas ficam com receio. Não há diferença na verdade. Acho que, na altura, as pessoas encaravam a finger food como sendo apenas biscoitos ou assim, e não como comida séria. A única coisa nova relativamente ao BLW é que nunca há purés. O que nós dizemos é que os bebés vão começar a mastigar de qualquer forma a partir dos seis meses, mesmo que não tenham tido contacto com purés. E achamos que a experiência com purés, que lhes ensina a sugar a comida até ao fundo da boca, quando sugados de uma colher, será menos saudável do que começar com comida na qual eles conseguem segurar.

O conceito de BLW destina-se a bebés, mas será que pode ser usado mais tarde, isto é, ao longo da vida?
RG:
Definitivamente. É como a “alimentação mindfulness”. Esse conceito, achamos nós, começa com o BLW. Enquanto pai, se respeitamos o nosso bebé aos 6 meses, também deveríamos respeitar a criança de dois anos que diz que não quer comer aquilo. Esse respeito e confiança deve continuar.

Mas e se ele não comer o peixe ou os brócolos?
RG:
Ele pode comer isso noutro dia ou na próxima semana, não tem de ser naquele dia, naquela refeição.

Mas há muita pressão para que os bebés comam coisas saudáveis…
RG:
Não ajudamos nada ao pressionar. Sabemos que muitas das crianças que são descritas como “esquisitas”, no que toca a comida, têm uma dieta muito equilibrada. Elas simplesmente não comem a comida que os pais querem que elas comam. É importante que os pais se recordem que há comida que eles também não gostam. Os seus filhos podem gostar de comida que você não gosta e não há qualquer problema com isso.

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