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"Entrelaçar" é a primeira exposição de Ai Weiwei em Serralves, no Porto. Inaugura esta sexta-feira e permanece no museu até fevereiro e no parque até julho de 2022
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"Entrelaçar" é a primeira exposição de Ai Weiwei em Serralves, no Porto. Inaugura esta sexta-feira e permanece no museu até fevereiro e no parque até julho de 2022

JOÃO SARAMAGO/OBSERVADOR

"Entrelaçar" é a primeira exposição de Ai Weiwei em Serralves, no Porto. Inaugura esta sexta-feira e permanece no museu até fevereiro e no parque até julho de 2022

JOÃO SARAMAGO/OBSERVADOR

Ai Weiwei: “A arte deve honrar-nos com a sua mensagem e representar o nosso tempo, mas tornou-se decorativa e não progressista"

Depois de Lisboa, Weiwei chega ao Porto e ergue em Serralves uma árvore em ferro, alertando para o desmatamento na Amazónia. Ao Observador, o artista fala das críticas e do desejo de voltar à China.

De mãos atrás das costas, atento a todos os cantos do Parque de Serralves, Ai Weiwei chega mesmo a tocar na vegetação húmida pelo orvalho e a cumprimentar com um sorriso as ovelhas e os cavalos da quinta. O artista ativista chinês — e um dos nomes maiores da arte contemporânea mundial — recusa a boleia do carro de golfe elétrico e prefere ir a pé até ao local onde está a ser instalada uma das suas obras mais emblemáticas, construída propositadamente para esta exposição: a pequi-vinagreiro.

Com 32 metros de altura e 54 toneladas, a peça feita em ferro fundido é apresentada pela primeira vez no Porto, à boleia da exposição “Entrelaçar”, mas a sua história é mais antiga. Em 2017, Weiwei conheceu esta árvore com 1200 anos em vias de extinção na Mata Atlântica brasileira, quando visitou a zona de Trancoso, na Bahia. Foi assim, do outro lado do oceano, que surgiu a ideia de replicar esta espécie em grande escala, alertando o mundo para a sua sobrevivência.

A peça foi moldada no Brasil, fundida na China e testada por uma equipa com elementos das duas nacionalidades. Composta por diferentes partes, a pequi-vinagreiro viajou de barco para Portugal e em junho começou a ser erguida para lá da copa das árvores no extenso Parque de Serralves, com 18 hectares, onde ficará plantada até julho 2022.

“A instalação envolveu um trabalho de engenharia bastante complexo. Foi necessário estudar o solo durante três semanas e escolher um local no Parque cuja intervenção de gruas, camiões e maquinaria tivesse o menor impacto possível. Apresentámos várias propostas ao artista e este foi o sítio escolhido”, afirma ao Observador Paula Fernandes, curadora da exposição, acrescentando que o local tem direito a uma mina de água e a estrutura mereceu escavações com quatro metros de profundidade. “É um desafio, mas acho que estivamos a altura dele.”

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De passo lento e atento ao tudo o que o rodeia, Ai Weiwei passeia pelo Parque de Serralves e até cumprimenta os animais da quinta

JOÃO SARAMAGO/OBSERVADOR

No terreno, encontra-se a trabalhar uma dezena de homens equipados a rigor, com colete refletor e capacete na cabeça, Ai Weiwei cumprimenta-os, pergunta como está a correr a obra, dá indicações e deseja bom trabalho. Discreto e sem medo de pisar a terra enlameada pela chuva com as alpercatas que tem calçadas, o artista tira o telemóvel do bolso do seu hoodie azul escuro com capuz e capta todo o processo, fazendo vídeos e fotografias lentamente. Aos 63 anos, caminha entre fios e baldes de plástico no chão sem se atrapalhar, procura pelo filho, que viajou com ele, toca várias vezes na árvore e acaba por entrar na estrutura de ferro, tal como os visitantes vão poder fazer, interagindo com a obra

“Entrelaçar” inaugura esta sexta-feira no Parque e na sala central do Museu de Serralves e reúne cinco peças do artista mais popular do mundo em 2020, segundo a The Art Newpaper. Além da Pequi Vinagreiro, (2018 – 2020) e da escultura Raízes de Ferro (2019) – dois trabalhos que refletem o seu interesse e preocupação com o ambiente e com a desflorestação da Mata Atlântica brasileira – a mostra inclui ainda a peça Duas Figuras (2018) e Mutuofagia (2018), uma fotografia do brasileiro Sérgio Coimbra em grande escala onde Ai e o filho menor surgem rodeados de bananas, melancias, abacaxis e cacaus. “Um ritual antropofágico mútuo, no qual o artista chinês está a comer frutas brasileiras, ao mesmo tempo que ele próprio se oferece como refeição”.

A exposição em Serralves terá ainda um pequeno filme, uma espécie de making of, que explica o processo de construção da pequi-vinagreiro, desde a observação da árvore no Brasil até à sua montagem. “É um filme que está inacabado, uma vez que a própria exposição no Porto irá integrar uma versão mais longa do vídeo”, sublinha a curadora Paula Fernandes.

Defensor dos direitos humanos e da liberdade de expressão, muito crítico do sistema político chinês e porta-voz de crises tão atuais como a migração forçada e os refugiados, a pandemia ou o meio ambiente, Ai Weiwei usa a arte para tentar fazer do mundo um lugar melhor, mesmo que isso já lhe tenha causado alguns dissabores.

Em 2011, esteve preso durante 81 dias, na China, sem ter sido acusado de qualquer crime. Depois de libertado, demorou quatro anos até ser autorizado para sair do seu país. Exilado desde 2015, ao Observador, confessa que gostava de voltar às origens para reencontrar a mãe, mas até lá promete continuar a criar no seu estúdio em Montomor-o-Novo, no Alentejo, e a chamar Portugal de “casa”. Prova disso, é a escolha de Lisboa, mais precisamente a Cordoaria Nacional, para inaugurar “Rapture”, a sua maior exposição, patente até novembro.

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Sentando à mesa, Ai Weiwei tira a máscara do rosto, respira fundo e abre mais uma garrafa de água. Sereno, pontual e intimista, revela que é a segunda vez que visita o Porto, uma cidade que o recebe sempre com nuvens no céu, mas desta vez vai estrear o seu trabalho em Serralves e isso já é motivo para sorrir, ainda que muito timidamente.

"Quero que esta árvore seja um símbolo de reflexão global sobre o que a humanidade está a fazer, sobre as alterações climáticas"

JOÃO SARAMAGO/OBSERVADOR

Quando se começou a interessar sobre questões relacionadas com o meio ambiente, mais precisamente sobre a Amazónia?
Tenho de falar sobre a minha infância. Cresci no campo, o meu pai era poeta e estava exilado em Xinjiang, que é uma província muito remota no deserto de Gobi, por ser considerado anti-comunista e reacionário. O seu primeiro trabalho foi cuidar das árvores, uma tarefa inicial no chamado programa de reeducação como trabalho forçado, e desde essa época, tinha eu uns nove ou dez anos, comecei a prestar atenção ao que ele fazia. Nos anos 70, muitos dos meus primeiros desenhos estão ligados a árvores e na minha primeira exposição em Munique, na Alemanha, recolhi 100 raízes de árvores da região montanhosa no sul da China para expôr. Fi-lo para chamar a atenção das pessoas do que temos vindo a perder, no passado tínhamos muitas árvores e agora temos muito menos. Quando há três ou quatro anos fui ao Brasil, para preparar uma exposição, comecei a prestar atenção à floresta e às árvores, quis estudar e saber mais sobre o Brasil e sobre o meio ambiente da Amazónia e todas aquelas árvores vieram-me à mente….

Que efeito é que isso teve sobre si?
O Brasil é o pulmão verde global, do planeta, mas o que estamos a assistir no Brasil é que começaram a cortar árvores por causa do planeamento agrícola, para cultivo, no fundo, para ir de encontro às necessidades de consumo globais. A Amazónia está a ficar cada vez mais pequena, é horrível, que isso vai afetar o mundo inteiro a nível climático, vamos assistir a grandes mudanças climáticas.

Como é que surgiu o conceito e o processo de construção destas esculturas que expõe agora em Serralves?Fiquei entusiasmado por ver que Portugal tem um museu tão profundamente bem organizado e estou muito contente por terem conseguido organizar tudo para que a árvore seja exibida aqui pela primeira vez, depois de três anos de elaboração durante a pandemia, o Brasil para pesquisa, e a China para construção da peça, vou poder finalmente estrear a peça. O diretor do Museu de Serralves tem uma grande visão e paixão, e também ambição e coragem, para aceitar estes projetos difíceis.

A Pequi Vinagreiro tem mais de 30 metros de altura. Porquê esta dimensão? Quanto maior, mais impactante?
As pessoas normalmente têm 1,50m, 1,60m ou 1,70m, por isso usamos sempre as nossas próprias medidas para medir outras coisas. Esta árvore tem 32 metros, o que equivale a um edifício com dez andares, o que é normal. É uma árvore com mais de 1200 anos e isto diz-nos algo sobre a natureza. Uma árvore cresce na natureza, absorve o sol e a chuva e tem o seu próprio tempo de vida, é sobre isto que me interessa refletir.

"O corporativismo domina, e isto, filosoficamente, está contra a natureza. Claro que as pessoas podem tornar-se mais conscientes, mas duvido que consigam travar este impacto negativo."

Quando trabalha sobre questões sociais, políticas, de direitos humanos ou do meio ambiente, quer ter impacto. Sente que o que faz tem esse poder sobre os outros?
Sem dúvida, quero que esta árvore seja um símbolo de reflexão global sobre o que a humanidade está a fazer, sobre as alterações climáticas, que ela sirva para alertar e alarmar as pessoas com o que vamos ser confrontados no futuro. Muitas árvores vão morrer e vamos todos perder esta ligação harmoniosa com a natureza porque somos demasiado gananciosos. O desenvolvimento está a ser muito rápido e estamos a sacrificar o futuro das próximas gerações que aí vêm.

Acredita que vamos mudar a nossa atitude relativamente ao meio ambiente e ao planeta? Tem esperança que isso aconteça?
Não acho que o ser humano tenha muita consciência real, na forma como está a comportar-se. Acho que muitos agem cegamente por causa do lucro, as pessoas querem fazer mais dinheiro e ter uma vida melhor. O corporativismo domina, e isto, filosoficamente, está contra a natureza. Claro que as pessoas podem tornar-se mais conscientes, mas duvido que consigam travar este impacto negativo.

Como recebe o feedback das pessoas? Como é que os governantes e os outros artistas falam consigo?
Tenho uma voz, tento fazer-me ouvir, defendo princípios e faço os meus julgamentos estéticos, morais e filosóficos. Para muitas pessoas, o meu trabalho é importante, sentem que represento a sua voz e o que a arte deve ser, outras não ficam contentes, pensam que sou muito crítico e que tudo isto é demasiado. Não acho que seja negativo, mas algumas pessoas acham que sim.

"Para muitas pessoas, o meu trabalho é importante, sentem que represento a sua voz e o que a arte deve ser"

JOÃO SARAMAGO/OBSERVADOR

Que reações tem recebido da exposição “Rupture”, na Cordoaria Nacional, em Lisboa?
É a minha maior exposição até agora, com 85 obras. Aqui, em Serralves, são menos de dez peças, mas todas têm um estilo  e um essência completamente diferente e uma delas está a ser exibida pela primeira vez. Aliás, é a primeira vez que se apresentam esculturas de árvores tão grandes no mundo. Fico sempre muito feliz quando vou a Lisboa porque as pessoas são muito sinceras nos comentários sobre as obras, vêm ter comigo e dizem como são profundamente tocadas por elas. É uma boa exposição.

Como acha que é visto no meio artístico? Isso preocupa-o?
Não quero saber do mundo da arte, acho que o mundo da arte no geral não é sensível nem está atento às tensões, aos problemas e às questões humanas para realmente prever mudanças no futuro. Ao mesmo tempo, penso que a estrutura do mundo da arte está ultrapassada, é burocrática, corrupta e não representa os nossos tempos, não representa a atualidade, e esse é o problema. A arte deve sempre honrar-nos com a sua mensagem e representar o nosso tempo, uma das suas principais responsabilidades é criar uma nova linguagem, uma linguagem que interprete os sentimentos e as emoções dos nossos dias. Mas, na realidade, a arte tornou-se decorativa e não progressista.

Continua a viver em Portugal?
Depois de ter saído da China e de ter estado por todo o mundo, decidi ficar por Portugal. Tenho meu estúdio em Montemor-o-Novo, no Alentejo e adoro!

Pretende um dia voltar à China?
Espero que sim, que um dia me permitam regressar em segurança para poder ir ver a minha mãe.

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