Mónica Quintela é uma das autoras da proposta de alteração à lei dos metadados, apresentada pelo PSD. Com a porta aberta para alterações, a deputada considera que o PS não pode “fugir muito” à proposta dos sociais-democratas e entende que o Governo é o culpado por não ter legislado a tempo. Mónica Quintela esclarece ainda a declaração sobre os salários dos funcionários públicos, que gerou polémica durante um debate no Parlamento.
Em entrevista ao Observador, no programa “Sofá do Parlamento”, a social-democrata acusa ainda o António Costa e os socialistas de estarem ativamente a “impedir” que o caso dos refugiados ucranianos em Setúbal “seja deslindado”. “O PS e o Governo estão a fazer uma barreira, num mau uso da maioria absoluta, a impedir que uma matéria de relevante interesse nacional seja verdadeiramente fiscalizada e que possam ser apuradas as responsabilidades políticas”, diz.
A terminar, Quintela defende-se ainda polémica em que se viu envolvida, depois de ter dito, no Parlamento, que se, no fim de ciclo de José Sócrates, “toda a gente ficasse sem receber os salários, um mês, dois meses, aprendiam, era uma pressinha, aprendia o povo e aprendia o PS”. “Senti-me profundamente injustiçada. Ao ter visto a descontextualização, arrependo-me”, assume.
[Ouça aqui a entrevista à deputada Mónica Quintela, no Sofá do Parlamento]
Mónica Quintela, do PSD, sobre o caso de Setúbal. “PS está a fazer mau uso da maioria”
O PSD apresentou logo uma alteração à lei dos metadados. Esta foi uma proposta apressada como considerou o PS ou é uma alteração que pode dar resposta às normas consideradas inconstitucionais?
Não foi obviamente uma proposta apressada porque não iríamos legislar apressadamente sobre uma matéria desta importância. Está em causa todo o sistema de investigação criminal e isto não se compadece com amadorismos e manobras políticas, como o líder parlamentar do PS veio acusar o PSD. Resulta de um estudo maturado do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, que vem na sequência das três decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Trata-se de expurgar o que foi declarado inconstitucional e procurar salvaguardar aquilo que foi posto em causa pelo Tribunal Constitucional.
Mas não seria mais prudente para o PSD esperar pelas conclusões do grupo de trabalho criado pelo Governo?
Primeiro, até foi dito se não seria pouco simpático face à iniciativa da Procuradora da República. Nós sabíamos que a arguição da nulidade iria ter o desfecho que teve. Juridicamente não havia manobra para que o Tribunal Constitucional decidisse de outra forma. Do ponto de vista político não nos parecia que o Constitucional recuasse. Quanto ao grupo de trabalho da ministra da Justiça, consta que existe, não sei quem faz parte dele e promete resultados para junho. O que está em causa são várias investigações pendentes e urge assegurar a paz social, a certeza jurídica e a tranquilidade da própria comunidade. Isto sem prejuízo de estarmos abertos a que a iniciativa do PSD seja melhorada com os contributos de todos, desse grupo de trabalho, durante a especialidade. Reconhecemos que podem existir melhorias e não estamos fechados a isso.
Mas acha que o PS vai associar-se a esta proposta ou vai querer apresentar uma proposta própria e ignorar a do PSD?
Poderá ignorá-la de uma forma antidemocrática. O PS tem maioria absoluta e quando o projeto for a votação o PS pode, renegando o interesse nacional, votar contra esta iniciativa e depois apresentar uma que, em termos jurídicos, não poderá estar muito distante daquilo que foi apresentado pelo PSD. O que é apontado pelo Tribunal Constitucional e que procuramos expurgar é a questão de proibir a transferência de dados para fora da União Europeia, é o prazo de conservação dos dados, a notificação aos visados e também a questão da lei 32/2008 ser aquilo que chamo um antibiótico de largo espectro: abrange todas as pessoas e todos os dados, violando o principio da proporcionalidade. Conhecendo os elementos apontados como inconstitucionais, a solução terá que andar por aqui. Não me parece como é que o PS possa fazer tábua rasa da nossa iniciativa. Não me parece inteligente ou coerente.
Acredita que o prazo de 12 semanas dá resposta ao problema ou há maneiras melhores, como o caso alemão que aponta dois prazos diferentes?
O Tribunal Constitucional não disse o que pretendia nesta matéria, não deu pistas. Parece-nos que 12 semanas, três meses, salvaguarda o interesse da privacidade da vida de cada cidadão. Ouvi pessoas dizer que no caso de um sequestro, por exemplo, já não se pode aceder aos dados. Pode. A partir do momento em que desaparece alguém, a PJ atua para que os dados sejam preservados. Nesta matéria até estamos mais no âmbito da cibercriminalidade e da criminalidade económico-financeira e não dos crimes contra as pessoas. Mas sem prejuízo de podermos olhar para outros exemplos, como o alemão. Não fazemos finca pé. Isto foi o que nos pareceu razoável no equilíbrio dos interesses conflituantes em jogo. O que interessa é que a lei possa ser certa e segura para salvaguardar todos
Já falou nalgumas declarações mais exacerbadas. A Ordem dos Advogados criticou o que diz ser uma ingerência do primeiro-ministro nesta matéria. Tem essa opinião de que António Costa misturou política e justiça?
Já ouvi o primeiro-ministro fazer várias interpretações deste acórdão, que me parece que tem andando um pouco perdido. Já proferiu afirmações irrefletidas. Veio dizer que o Tribunal Constitucional não devia ter feito uma interpretação tão literal e isso é complicado no que respeita à separação de poderes. Depois veio dizer que se resolvia com uma revisão constitucional cirúrgica. Veio-se a ver que não e isso nem existe. Agora, já veio dizer que será com uma iniciativa legislativa.
A crítica da Ordem dos Advogados era sobre o facto de António Costa ter dito que a decisão do TC não punha em causa casos já julgados.
Isso não cabe ao primeiro-ministro nem a ninguém dizer se vale ou não a pena. Isso compete ao interessado no recurso e a quem o representa e cada tribunal é que vai decidir. Vamos ver entretanto qual é que vai ser a jurisprudência dominante. A minha interpretação é que nos termos do artigo 282, nº3 da Constituição está excecionado o caso julgado.
Temos uma rara situação em que concorda com o primeiro-ministro.
Eu já disse que o acórdão não se aplicava a casos já transitados em julgado, até porque existiam situações que estavam a gerar alarme social. Ou seja, não será fundamento para o recurso de revisão. Mas cabe à disponibilidade das partes tentar o recurso à Justiça. O primeiro-ministro não tem que aconselhar ou desaconselhar o recurso aos tribunais. Isso é da liberdade de cada um.
Há alguém no poder político que tenha falado para que agora se esteja a tentar corrigir com urgência esta declaração de inconstitucionalidade?
Claramente o Governo do PS que está há sete anos no poder e que tinha acesso privilegiado a estas informações. A ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunen, foi alertada pela Provedora da Justiça para alterar a lei que transpôs esta diretiva. A anterior ministra disse que não o iria fazer porque o tempo para as eleições não iam permitir ao Parlamento debruçar-se sobre um caso tão complexo. Discordo. Era mais do que expectável que isto fosse acontecer. O Governo não foi prudente nem previdente e deixou que isto se fosse alastrando cada vez mais. Se tivesse sido legislado na altura era muito mais fácil mitigar os problemas que existem agora.
Noutro assunto, e porque integra também a Comissão de Assuntos Constitucionais, onde decorreram as audições sobre o caso de acolhimento dos refugiados em Setúbal. Entende que o primeiro-ministro ainda deve explicações sobre esta matéria? Por ter a tutela dos serviços de informação?
Penso que sim. Fizemos várias audições e temos a convicção de que o primeiro-ministro sabia que tinham sido transmitidas estas informações. É a nossa convicção que resultou dessas audições. O que nos parece é que o PS e o primeiro-ministro estão a impedir que o caso seja deslindado. Nós apresentámos um requerimento para ouvir o presidente da Câmara de Setúbal que foi chumbado pelo PS. O PS chumbou também o nosso pedido para que a embaixadora da Ucrânia fosse prestar esclarecimentos. O PS e o Governo estão a fazer uma barreira, num mau uso da maioria absoluta, a impedir que uma matéria de relevante interesse nacional seja verdadeiramente fiscalizada e que possam ser apuradas as responsabilidades políticas. Doa a quem doer, impõe-se que sejam apurados todos os factos.
O PSD está em campanha interna. Tem sido uma das pessoas mais próximas de Rui Rio. Vai apoiar alguém ou vai manter-se numa posição neutra?
Vou manter uma posição neutra. O processo eleitoral está a decorrer com toda a serenidade, os candidatos estão a debater as suas ideias, mas entendi nesta fase não apoiar nenhum dos candidatos. Não conheço pessoalmente nenhum deles. Estou a ver e a ouvir as ideias de cada um deles. Acho que é a atitude mais coerente
Para terminar, recordava aquele debate parlamentar mais acalorado em que sugeriu que o PSD devia ter deixado os funcionários públicos sem receber durante um ou dois meses. Arrepende-se dessa declaração?
Esta é mesmo uma pergunta em defesa da honra. Não disse que as pessoas deviam ficar sem receber. Estava a falar num tom retórico e a ironizar um bocado como os pais dizem aos filhos: “Olha o que precisavas é que te acontece isto assim e assim”. O deputado Marcos Perestrello, do PS, tinha dito algo de mau gosto. Custa-me que constantemente se diga que o PSD cortou pensões quando sabemos porque é que foram cortadas. Nunca me passou pela cabeça que os funcionários públicos ou outros pudessem ficar um mês ou sequer um dia sem receber, que é a mais justa das retribuições. Quem me conhece sabe que até nas minhas relações eu seria incapaz de deixar passar um dia sem pagar um salário a uma pessoa. Senti-me profundamente injustiçada. Não foi isso que eu disse, não foi nesse sentido. Não estava à espera que pudesse existir uma deturpação tão grande. Acho que muitas das pessoas perceberam o que eu quis dizer. Ao ter visto a descontextualização, arrependo-me. Se calhar devia ter sido by the book, dizer tudo direitinho. Isto depois é preso por ter cão e por não ter.