789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Nos primeiros dias de escola, Arson tem sido o companheiro inseparável do pequeno Artem
i

Nos primeiros dias de escola, Arson tem sido o companheiro inseparável do pequeno Artem

Nos primeiros dias de escola, Arson tem sido o companheiro inseparável do pequeno Artem

Artem tem 10 anos e fugiu da guerra em março — a vida (re)começa agora numa escola de Santarém. A integração de um refugiado ucraniano

É o único menino louro da turma, tem dez anos e chegou a Portugal há cerca de meio ano. Foi no distrito de Santarém que entrou na escola e encontrou a ajuda de um pequeno tradutor — Arson.

Artem tem 10 anos. Está no 5ºB na Escola Dr. Anastácio Gonçalves em Alcanena, no distrito de Santarém. Tem um irmão e chegou a Portugal em março depois do estalar da guerra no país em que nasceu — a Ucrânia. Mas só esta sexta-feira se estreou nas aulas em português.

É um entre 4098 alunos de nacionalidade ucraniana inscritos nas escolas portuguesas este ano letivo, do pré-escolar ao ensino secundário.

13.677

Desde o início do conflito na Ucrânia, chegaram a Portugal mais de 14 mil menores. Desses, apenas 4.098 — menos de um terço do total — estão inscritos este ano para frequentar algum nível de ensino. O Ministério da Educação está preocupado com a diferença nos números.

Os números preocupam o ministro da Educação. A 13 de setembro, João Costa dava nota de que o número de crianças requerentes de asilo e a estudar nas escolas portuguesas — na altura, 3900 — é muito inferior ao número de menores que chegou a Portugal. De acordo com os últimos dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), foram atribuídas 52.383 proteções temporárias “a cidadãos ucranianos e a estrangeiros que residiam no país. Os menores representam 13.677 do total”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É uma diferença de quase 10 mil menores que, tendo requerido proteção ao Estado português no último meio ano, e estando em idade de frequentar a escola, não frequentam o sistema de ensino.

A grande dificuldade: a língua

A língua é a maior barreira para a aprendizagem dos alunos que entram no sistema de ensino português, mas não é a única.

O Ministério da Educação estabeleceu medidas extraordinárias para a integração de crianças e jovens requerentes de proteção internacional, concedendo “equivalências de habilitações estrangeiras e/ou posicionamento e inserção num dado ano de escolaridade e oferta educativa, com simplificação de procedimentos, não sendo obrigatória a apresentação de documentação comprovativa de habilitação para a inscrição imediata numa escola pública”, explica a tutela.

“O ano de integração, não havendo documentação comprovativa de habilitação reconhecida, é avaliado pela idade do aluno. Todos os menores requerentes de proteção internacional têm direito ao escalão A da Ação Social Escolar”, acrescenta o ministério de João Costa.

  • Artem foi integrado na turma do 5ºB da Escola Dr. Anastácio Gonçalves, em Alcanena
  • Artem e Arson sentam-se lado a lado e passam o dia juntos na nova escola do refugiado ucraniano

O Agrupamento de Escolas de Alcanena está a seguir estas recomendações. Mas a adaptação vai sendo feita aula a aula, professor a professor e aluno a aluno. Os docentes do 5ºB já ganharam experiência em lidar com crianças e jovens refugiados vítimas da invasão russa à Ucrânia.

Na quarta-feira, o dia começou com a aula de Cidadania. A disciplina está a cargo do coordenador da Escola Dr. Anastácio Gonçalves, Daniel Café, que considera que, a partir do momento em que Artem passar a ter aulas de Português Língua Não Materna, a integração fica mais fácil. “Estas aulas foram um exemplo de como os alunos conseguem avançar muito rapidamente na integração linguística na escola. Vimos uma mudança significativa a partir do momento em que tiveram essa aula. Os alunos têm uma apetência natural para apreender esta língua nestas tenras idades. Não vão ter dificuldades, vão apreender o português de forma natural.”

Ouça aqui o episódio de “A História do Dia” sobre Artem.

Artem, o menino que fugiu de Putin para Portugal

A aula de Português Língua Não Materna está prevista no currículo dos alunos que não falam português. Mas no 5º B as circunstâncias não são iguais a todas as outras escolas, porque, além desta disciplina, em Alcanena há um método para a integração — recorrer a outros alunos. “No ano passado já lidámos bem [com estes casos], adotámos esta mesma estratégia: colocar os alunos em turmas onde já existiam meninos ucranianos, para que pudessem dar apoio no dia-a-dia e ajudar nalguma tradução que tivesse de ser feita pontualmente. Fizemo-lo para que pudessem integrar-se da melhor forma”, explica o coordenador.

Um pequeno tradutor

É aqui que entra em cena Arson. Tem 10 anos, mora em Portugal há sete. Nasceu na Dinamarca mas a família é ucraniana e é em ucraniano que fala em casa. Tem ajudado Artem a integrar-se ao fazer a tradução nas conversas com os professores e os colegas. É moreno e está sempre atento ao que se passa com o amigo com quem partilha a língua.

Na aula de Tecnologias de Informação e Comunicação, o “menino ucraniano” (como é conhecido na escola nesta primeira semana de aulas) está sentado em frente ao computador da professora. No meio da algazarra, por ter uma jornalista na turma, Artem não se manifestou. É a única cabeça loura da turma. De t-shirt com padrão camuflado e olhos cor de mel, vai observando os colegas.

O quadro interativo da sala de informática tem o tradutor da Google aberto, com frases em português e a respetiva tradução para ucraniano. Depois de dizer aos alunos que a aula estaria prestes a terminar, a professora Sandra explica que, apesar de Arson “fazer a ponte” com o colega, recorre também a outros métodos. “No ano passado já utilizei estas ferramentas, que lhes permite aceder em ucraniano e trabalhar em ucraniano. O Office Online e o Scratch também permitem a tradução. Eles conseguem ver onde eu estou na aula na língua deles”, conta.

As dificuldades com a língua portuguesa ainda se fazem sentir. Nas aulas, o tradutor automático da Google é uma ajuda constante

Terminada a aula de TIC, e com a ajuda da tradução de Arson, no primeiro intervalo da manhã Artem dizia não estar muito preocupado com o facto de a língua ser diferente. Mas acredita que vai ser difícil aprender, mesmo estando a ter também aulas de português em casa.

“Não sabiam se iam voltar ou não”

Apesar de ter chegado a Portugal em março, só agora os pais decidiram matricular Artem na escola de Alcanena. No ano passado, ainda eram muitas as incertezas. “Os pais estiveram à espera da integração. Também não sabiam se iam voltar ou não e decidiram aguardar o desenrolar da situação. Agora estão cá e a perspetiva é de cá ficarem, por isso, inscreveram-nos”, explica o coordenador da Escola Dr. Anastácio Gonçalves, Daniel Café.

Sobre a comunicação com a família, o coordenador explica que os pais das crianças ucranianas inscritas no agrupamento escolar “procuram que haja a ligação, trazem já alguém que saiba português e ucraniano e assim fazem a tradução. Isto, quando não sabem de todo português. Quando dominam alguma coisa da nossa língua, já se aventuram a vir sozinhos”.

A professora de Educação Física explica o exercício à turma mas os alunos revelam algumas dificuldades em acompanhar. "O vosso colega nem fala português e percebeu", diz ao grupo

A Escola Dr. Anastácio Gonçalves já recebeu os pais do menino louro do 5ºB. “A mãe veio e os professores da turma fizeram essa ligação e esse contacto. No início, foi integrado numa turma, normalmente. Quando percebemos que ele não falava português foi feita a mudança de turma para esta. Falta a mãe falar com a diretora de turma, que só foi colocada no início da semana, para sabermos o histórico escolar e quais são as especificidades deste aluno”.

Mas Daniel Café mostra preocupação com Artem. “Ele está ainda numa fase de alguma relutância. Não se sente à vontade para verbalizar os nossos sons, para ele é tudo muito estranho, as nasalidades — os ‘nhes’, os ‘lhes’. Retrai-se um pouco, mas isso depois vai desaparecer. É natural, o processo normal”.

A integração e o desporto. “O vosso colega nem fala português e percebeu”

Depois do intervalo das dez da manhã, é hora da aula de Educação Física. Nesta disciplina, há uma facilidade – é possível que Artem imite os outros colegas para participar na aula. Antes de a aula começar, a professora Ana Clara tinha também o tradutor da Google aberto. “Já tentei aprender algumas palavras mas é muito difícil. Como tem o colega na turma que fala ucraniano, tento que ele traduza. Mas há palavras que ele não conhece, por isso, caso ele não consiga, eu escrevo no computador umas frases em ucraniano para ele ir ler. Depois, tento que ele imite, vê os outros a fazer e faz igual. Tento também que ele diga umas palavras em português”, conta.

A primeira tarefa da professora Ana Clara é pedir a Artem que leia o texto que lhe escreveu no computador com a ajuda do tradutor da Google. Para ele perceber o o contexto dos exercícios em que as crianças iam trabalhar durante a aula.

Meio ano depois de chegar a Portugal, as dificuldades ainda se fazem sentir. Ao longo do dia, Artem não interage muito com os restantes colegas e vai brincando com a única pessoa com quem consegue conversar — Arson, o colega de carteira e tradutor improvisado.

E durante os 90 minutos de Educação Física, Artem e Arson iam interagindo, para que o menino que só fala ucraniano fosse percebendo o que estavam a fazer e as regras que estavam a ser impostas pela professora. “O vosso colega nem fala português e percebeu”, ouvia-se Ana Clara a dizer durante o jogo da apanhada.

A seguir à aula de Educação Física, Artem e Arson estão no recreio com os restantes colegas. Estiveram quase sempre juntos durante aquela manhã em que o Observador acompanhou a turma, tanto nas aulas como nos intervalos. Artem não interage muito com os restantes colegas. Vai brincando com a única pessoa com quem consegue conversar.

Uma aula à parte: Português Língua Não Materna

A última aula é Português. Na sala 2, onde os alunos se vão juntando, as crianças ainda aparecem de cabelo molhado, acabadas de sair dos balneários. Vão chegando a conta gotas, por causa dos banhos. Mas a professora Margarida dá início à lição. “Vamos começar por tirar o caderno da mochila.” Artem vai copiando o que a professora escreve no quadro, apesar de no futuro não ter esta disciplina incluída no seu horário escolar.

Em Português, como em todas as aulas do dia, o quadro interativo tem o tradutor da Google aberto. A professora Margarida foi escrevendo no teclado a tarefa do dia para aquela disciplina e lembrou Artem que, no futuro, àquela hora, vai estar com a professora de Português Língua Não Materna.

“É difícil, principalmente quando ele quer comunicar connosco. Não é muito fácil, precisamos de desenvolver a escrita, a gramática, a leitura. Ele não vai ter esta disciplina, mas enquanto está tem de sentir que está a fazer alguma coisa, tem de sentir que faz parte”, conta.

Agrupamento ponderou disponibilizar apoio psicológico aos alunos com um passado semelhante ao de Artem. “No ano passado, não foi preciso no caso dos alunos ucranianos. Eles são rijos, são muito fortes em termos emocionais. Não temos tido necessidade de intervir nessa área", refere a diretora do agrupamento.

Terminada a aula, a professora Margarida vai dizendo aos alunos, já irrequietos, para sair. Arson vai ficar na escola a almoçar e depois vai a pé para casa. Artem vai apanhar o autocarro. Os professores vão tentar que eles estejam perto um do outro durante as aulas no resto do ano letivo.

“Esta não é uma inclusão qualquer”

A escola onde estuda Artem faz parte do Agrupamento de Escolas de Alcanena. A sede fica na Escola Secundária de Alcanena, onde está colocada a diretora, Ana Cláudia Cohen. “Temos de começar as aulas de Português Língua Não Materna. Temos meninos que dizem que vêm para a semana. Ainda estamos a ver qual é o número total de alunos para pedirmos uma professora de Português Língua Não Materna. Além disso, normalmente costumamos esperar duas ou três semanas, quando os alunos são novos, para fazer a integração do currículo. Verificar que disciplinas consideramos que o aluno deve manter e de quais podemos eventualmente prescindir, para que a integração do nosso currículo seja progressiva. E essas são as indicações do Ministério da Educação”, explica.

A diretora do Agrupamento de Escolas de Alcanena conta que, este ano, o processo de integração de meninos como Artem foi mais fácil. “No ano letivo passado, foi de repente. Este ano, as coisas são diferentes. A situação começou em março/abril e, portanto, de um momento para o outro tínhamos alunos refugiados da guerra que vieram para todos os ciclos, desde o pré-escolar ao secundário. E desde aí tivemos de tomar uma série de medidas, desde ter dois miúdos que falam russo no secundário que nomeámos promotores da inclusão. Vão às escolas quando é preciso fazer tradução ou estar um bocadinho com os alunos que não falam português. Aqui na secundária, fizeram a integração, com uma visita aos espaços, e [conheceram os] horários — tudo aquilo que é funcional. Também fizemos logo duas turmas de língua de acolhimento para os pais, agora já vamos na terceira”.

"Esta não é uma inclusão qualquer. Toda a gente está chocada com aquilo que está a acontecer. No ano passado, fizemos um filme com as turmas sobre a necessidade de paz por causa deste conflito", conta a diretora do agrupamento, Ana Cláudia Cohen.

A integração de estudantes vindos da Ucrânia não é igual às outras. “Pelo motivo que foi, não é uma inclusão qualquer. Toda a gente está chocada com aquilo que está a acontecer. No ano passado, fizemos um filme com as turmas sobre a necessidade de paz por causa deste conflito. Eles estão atentos a isso e estão muito solidários e, portanto, estão sempre a facilitar — a ajudar e não a obstaculizar. Somos uma família, como costumo dizer”.

Há cerca de 1660 alunos no Agrupamento de Escolas de Alcanena. No ano passado foram recebidos 14 refugiados ucranianos. “Alguns foram embora e ficámos com outros novos. Outros ainda estão para vir, devemos ficar com cerca de 10.” Ana Cláudia Cohen adianta que a comunicação com as famílias dos estudantes que foram embora mantém-se. “Alguns regressaram à Ucrânia, outros foram para a Alemanha.”

Questionada sobre o apoio psicológico dado aos estudantes, a diretora conta que, “no ano passado, não foi preciso no caso dos alunos ucranianos. Eles são rijos, são muito fortes em termos emocionais. Não temos tido necessidade de intervir nessa área. Estávamos preparados para agir, mas eles enquadram as coisas de uma forma muito objetiva. É engraçado porque é cultural e, aliás, está-se a ver pela forma como estão a reagir à guerra”.

Os cidadãos ucranianos vão chegando e vão saindo de Portugal deslocados de uma guerra que começou a 24 de fevereiro deste ano. Até agora, 13.677 crianças e jovens testemunhas da invasão do país em que nasceram pediram asilo ao Estado português. Desde o início do conflito, o SEF já comunicou ao Ministério Público 732 menores que se apresentaram na presença de outra pessoa que não o progenitor ou representante legal comprovado, e à CPCJ foram reportados os casos de 15 menores não acompanhados e/ou na presença de outras pessoas que não os seus progenitores.

Artem chegou ao 5ºB e a Alcanena com a família. Está longe de casa e não sabe quando poderá regressar.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora