789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

As eleições brasileiras em 17 pontos: facadas, fake news e muitas hashtags

Candidatos com a justiça à perna, armas para todos ou só para os pobres, guerras de vídeos e muitas notícias falsas. Estas eleições no Brasil não são normais — e por isso explicamo-las por pontos.

#elenão

Quase não é preciso dizer quem é “ele”, porque “ele” tem dominado grande parte do debate para estas eleições. No dia 29 de setembro, 114 cidades foram palco de manifestações contra Jair Bolsonaro— além das maiores, em São Paulo e no Rio de Janeiro, houve até outras fora do Brasil, incluindo em Lisboa, no Porto ou em Coimbra. As palavras de ordem mais ouvidas foram, sem surpresa, “ele não!”. Mas e o que disse “ele” sobre as manifestações?

Em declarações ao jornal O Globo, desvalorizou-as: “Só vi um certo vulto no Rio de Janeiro e em São Paulo. No resto do Brasil foi um desastre. São apenas minorias contra mim, não existe isso de rejeição de eleitorado feminino ao meu nome”. Na sondagem do Ibope realizada entre 1 e 2 de outubro, Bolsonaro ficou nos 32% e, à semelhança do que já acontecia em sondagens anteriores, continuou a ser o favorito das mulheres, com 26%.

A 29 de setembro, várias cidades brasileiras foram palco de manifestações anti-Bolsonaro, com o lema #elenão (NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images

#elenão e #aqueletambémnão

Nestas eleições, diz-se mais “não” do que “sim”. Se é verdade que os dois preferidos nesta primeira volta — Jair Bolsonaro e Fernando Haddad — têm, cada um, um grupo sólido de apoiantes, é ainda mais verdadeiro o facto de terem um número ainda maior de opositores. Nesse aspeto, tal como vence no número de votos, Bolsonaro surge também em primeiro (com 32%) como o candidato com maior taxa de rejeição: 45%, no último Datafolha. Logo atrás está Fernando Haddad. Apesar de ter 21% de previsão de votos a favor, 41% dos eleitores dizem que é impossível virem a votar nele.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Que país é este que vai a votos? Veja no vídeo o retrato do Brasil em 3 minutos]

Um dado interessante é o facto de a taxa de rejeição de Haddad ter subido 9 pontos percentuais (de 32% para 41%) entre 28 de setembro e 2 de outubro. Entre as duas datas, houve as manifestações do #elenão contra Bolsonaro. Mas, pelos vistos, durante esse período, houve muita gente que, pensando em Haddad, concluiu que #aqueletambémnão.

Marina Ainda-Não-É-Desta

Há muito tempo que Marina Silva tenta ser presidente. A insistência da candidata do REDE faz até lembrar a de Lula, que se candidatou várias vezes antes de finalmente chegar ao Palácio do Planalto. No caso de Lula, houve três candidaturas falhadas antes do sucesso: 1989, 1993 e 1998. No caso de Marina, já há duas candidaturas falhadas, em 2010 e em 2014 — e, da maneira como as sondagens estão, 2018 também não será o ano do seu êxito.

Marina começou no PT, mas foi fora dele que mais floresceu. Militante desde os anos 80, foi chamada por Lula para ministra do Ambiente em 2003. Desde cedo, o confronto entre Marina Silva e Dilma Rousseff, que começou como ministra das Minas e Energia, tornou-se evidente. Com Dilma Rousseff a prevalecer sobre Marina Silva nas decisões e estratégia do governo, a ambientalista bateu com a porta em 2008.

(FERNANDO BIZERRA JR./EPA)

FERNANDO BIZERRA JR./EPA

No ano seguinte, saiu do PT e entrou para o Partido Verde. Sem surpresa, apresentou-se como candidata às eleições de 2010, defrontado precisamente Dilma Rousseff. Apresentando-se como ambientalista e uma alternativa à esquerda ao PT, Marina Silva teve ainda o forte apoio do voto evangélico. Contados os votos, não conseguiu passar à segunda volta, mas demonstrou que a sua força não era de somenos: 19,33% e um terceiro lugar. Em 2014, voltou à carga e o resultado foi semelhante: 21,32%, outra vez na terceira posição.

E em 2018? As sondagens colocam-na em quinto lugar com 4%. Porquê? Porque perdeu o apoio à esquerda (diluído entre Fernando Haddad do PT e Ciro Gomes do PDT) e porque o voto dos evangélicos fugiu-lhe das mãos para as de Bolsonaro, que agora tem 43% dos seus votos, ao passo que Marina se fica pelos 5%.

Amoêdo vai atrás na corrida, mas de corridas percebe ele

João Amoêdo é ultramaratonista e isso envaidece-o. O candidato do NOVO, conhecido pelas suas ideias liberais para a economia, tem uma longa e bem sucedida carreira banca brasileira. No entanto, no seu site de campanha, logo no primeiro parágrafo da sua apresentação, sublinha bem sublinhados outros dos seus feitos: completou 10 maratonas e 6 ultramaratonas Iron Man. Para quem não conhece esta última modalidade, o candidato explica: “Prova de triatlo no qual o participante deve nadar 3,8 km, pedalar 180 km e depois correr 42 km”.

O candidato do NOVO tem até um vídeo de campanha onde se gaba exclusivamente dos seus feitos atléticos.

Quanto a propostas propriamente ditas, João Amoêdo partilha várias ideias com Jair Bolsonaro: é a favor de privatizações de empresas públicas (“Eu privatizaria tudo”, disse numa entrevista) e evoca a “defesa das liberdades individuais e responsabilidade” para defender o porte de arma para os cidadãos comuns. No entanto, as sondagens colocam os dois homens a grande distância: enquanto Jair Bolsonaro consegue estar em primeiro com 32% nas sondagens, João Amoêdo fica-se pelo sexto lugar e 2%.

Oi? As propostas que arregalaram alguns olhos

Nos dois pólos que estão a dividir estas eleições, há pelo menos um tema em que estão de acordo: a necessidade de uma nova Constituição.

No seu programa de governo, o PT defende a convocatória de uma Assembleia Constituinte para “restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República e assegurar a retomada do desenvolvimento, a garantia de direitos e as transformações necessárias ao país”. Num debate durante a campanha, Haddad defendeu que a revisão constitucional torná-la-ia num documento “mais enxuto” e levaria a uma reformulação do “sistema tributário que penaliza gravemente os mais pobres”. No mesmo debate, Ciro Gomes acusou-o de não acreditar naquela proposta e acusou-o de ter sido encarregado de “vingar” o PT.

Também do lado de Bolsonaro há quem defenda uma nova Constituição. A proposta surgiu da boca do seu candidato a vice-Presidente, o general Hamilton Mourão, que disse que a Constituição de 1988 — que consolidou a democracia brasileira pós-ditadura militar — “foi um erro”. E, falando numa futura Constituição, defendeu que esta não deve ser criada por “grandes juristas e constitucionalistas” e não pode deputados. “Uma Constituição não precisa de ser feita por eleitos pelo povo. Já tivemos vários tipos de Constituição que vigoraram sem ter passado pelo Congresso eleito”, disse.

Três candidatos querem liberalizar o porte de arma: Bolsonaro (extrema-direita), Amoêdo (liberal) e Vera Lúcia (extrema-esquerda). No entanto, esta última admite dar armas apenas aos "trabalhadores e bairros pobres".

Mas não é só em torno da Constituição que surgem as propostas que arregalam mais olhos. Bolsonaro defende a instauração da castração química voluntária para os violadores que queiram reduzir a sua pena e promete seguir os passos de Donald Trump e mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

O porte de armas é também um tema recorrente nestas eleições: Bolsonaro e Amoêdo querem generalizá-lo, ao passo que Vera Lúcia, da extrema-esquerda do PSTU, quer dar armas apenas aos “trabalhadores e bairros pobres”. Guilherme Boulos, do PSOL, quer o fim da “guerra às drogas” e defende a legalização da cannabis.

Futebolistas, atores, cantores: quem ganha entre os famosos?

Em democracia, todos os votos contam o mesmo — mas o voto de um famoso é ainda assim mais sonante do que a de um cidadão comum. Ao longo da campanha, algumas figuras públicas já se posicionaram no debate destas eleições, jurando fidelidade ao seu candidato.

No campo dos futebolistas, Bolsonaro parece levar a dianteira. Felipe Melo (atualmente no Palmeiras, e ex-Juventus ou Galatasaray), Jádson (Corinthians) e Lucas Moura (atualmente no Tottenham e ex-Paris Saint Germain) apoiam o capitão na reserva.

Entre atores, o jogo parece estar mais dividido. Além de ter o apoio explícito do ator Alexandre Frota, que conta no seu currículo tanto novelas e também filmes pornográficos, Bolsonaro parece também ter o apoio de Regina Duarte e de Luma Costa, ambas atrizes de telenovelas da Globo. No entanto, nem toda a gente na Globo parece estar ao lado de Bolsonaro. Atrizes como Letícia Sabatella e Alessandra Negrini juntaram-se ao movimento #elenão e em 2016 já fizeram campanha para a reeleição de Fernando Haddad em São Paulo. Quem já declarou mesmo o seu apoio a Haddad foi a atriz Clarice Falcão, da Porta dos Fundos.

Na música, é a esquerda que parece ir à frente. Além do já esperado apoio de Chico Buarque, que há muito se associa ao PT, a Haddad, o ex-prefeito de São Paulo é também apoiado por Martinho da Vila e pela MC Carol, nome recente mas impactante do funk brasileiro, e que também é candidata a deputada estadual no Rio de Janeiro pelo Partido Comunista do Brasil. Mas também há música à esquerda além do PT: Caetano Veloso apoia Ciro Gomes e Gilberto Gil está com Marina Silva. Um dado importante, já que o autor de “Aquele Abraço” foi o primeiro ministro da Cultura da era do PT no poder.

Já fora do Brasil, houve uma estrela de renome a emprestar o seu nome ao protesto do #elenão: a cantora norte-americana Madonna. É certo que não declarou quem apoia nestas eleições — mas, quanto a Bolsonaro, a opinião de Madonna parece ser clara.

Madonna também é #elenão: cantora norte-americana faz post contra Bolsonaro

O fantasma de Lula e o PT

“Lula lá” é a música que marcou a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 1989. Por “lá” entendia-se o Palácio do Planalto, onde acabou por chegar 14 anos depois. Porém, nestas eleições Lula já não está “lá”: na verdade, ele está em todo o lado, como se fosse omnipresente.

Quem aposta mais na omnipresença de Lula é precisamente quem tem mais a ganhar com isso: o próprio PT. Sabendo bem que a Lei da Ficha Limpa — criada e aprovada durante os anos de Lula no poder — impediria o ex-Presidente de concorrer às eleições presidenciais, o PT insistiu até onde pôde que não havia “plano B” e que Lula era o seu candidato. Porém, quando avançaram com o nome de Fernando Haddad como candidato principal e o de Manuela d’Ávila como candidata a vice-Presidente, o PT continuou a apostar na omnipresença de Lula. Para convencer o seu eleitorado de que Haddad é uma boa escolha, apesar de desconhecido, o PT apostou no slogan “Lula é Haddad, Haddad é Lula”.

Fernando Haddad e Manuela d'Ávila, numa concentração do PT em frente à prisão de Curitiba onde Lula está preso (NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images

A verdade é que as sondagens não demonstram, para já, a aceitação dessa ideia. Na última sondagem do Ibope na qual Lula era contemplado como possível candidato, elaborada entre 17 e 19 de agosto, o ex-Presidente tinha uma previsão de voto de 37% — o que lhe garantia o primeiro lugar na primeira volta. No entanto, na mais recente sondagem do Ibope, divulgada a 3 de outubro, Haddad ficava-se pelos 23%.

O fantasma quer falar

Lula quer falar, mas nem isso parece ser simples. Preso pelo crime de corrupção e lavagem de dinheiro desde abril deste ano, o ex-Presidente tem passado várias mensagens para o exterior através daqueles que o visitam — entre eles, Fernando Haddad. No entanto, o desejo de Lula no sentido de dar uma entrevista — e de vários jornais, que querem entrevistá-lo — tem sido alvo de uma disputa jurídica.

A 28 de setembro, contrariando indicações anteriores, o juiz Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a Folha de S. Paulo a entrevistar o ex-Presidente. No entanto, no mesmo dia, outro juiz do mesmo tribunal, Luiz Fux, anulou a decisão do seu colega — e a entrevista ficou sem efeito. O advogado da Folha de S. Paulo disse que a decisão de Luiz Fux foi “o mais grave ato de censura desde o regime militar” e uma “bofetada na democracia brasileira”.

O juiz Ricardo Lewandowski voltou a insistir e, numa nova ação, permitiu a entrevista — mas deixou espaço ao presidente da corte do STF, o juiz Dias Toffoli, para marcar a data. Este acabou por não fazê-lo, vetando a entrevista de Lula àquele jornal.

Se ganhar, o PT vai indultar Lula?

E se Haddad libertasse Lula? A ideia foi recentemente lançada a público pelo governador do estado de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que foi eleito pelo PT. Num comício com apoiantes daquele partido, Fernando Pimentel foi claro: “Vamos eleger Haddad Presidente da República, e eu tenho a certeza de que, eleito, o Haddad irá assinar no seu primeiro dia de governo um indulto para o Presidente Lula, irá tirá-lo desta prisão injusta e arbitrária”.

Foi quanto bastou para a ideia ficar no ar. E, nesse processo, alguém agarrou-a: Jair Bolsonaro. Naquele que foi o seu primeiro vídeo a falar a partir da cama do hospital, gravado um dia depois da declaração de Fernando Pimentel, Jair Bolsonaro arranjou tempo para falar de muitas coisas. Agradeceu a todos o que a apoiaram após a facada, pôs em causa as sondagens e levantou a hipótese de haver fraude eleitoral contra a sua campanha. No entanto, uma das mensagens que mais reverberou foi a do possível indulto a Lula.”

”Qual é o plano B desse presidiário? Desse homem pobre, lá atrás, que roubou todas as nossas esperanças? Não consigo pensar em outra coisa a não ser o plano B se materializar numa fraude."
Jair Bolsonaro, sobre a possibilidade de o Haddad indultar Lula

”Qual é o plano B desse presidiário? Desse homem pobre, lá atrás, que roubou todas as nossas esperanças? Não consigo pensar em outra coisa a não ser o plano B se materializar numa fraude”, disse. E, depois, concretizou: se for eleito, Haddad “assina no mesmo minuto da posse o indulto do Lula”.

Ora, dois dias depois, a 18 de setembro, Haddad correu para apagar este fogo. Numa entrevista à Rádio CBN disse que “Lula é o primeiro a dizer que ñao quer favor, quer reconhecimento do erro do judiciário” e sublinhou: “Não. Não ao indulto”.

Assunto arrumado? Nem por isso. Uma semana depois, a 25 de setembro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o “indulto é uma previsão constitucional” e depois disse que “não veria problema nenhum” se esse instrumento for utilizado. Depois, sublinhando que essa não é a vontade do próprio Lula, disse que “se ele não quer, nós vamos aceitar”. Mas logo acrescentou nova adversativa: “Mas não haveria problema nenhum em fazê-lo”.

A facada não matou Bolsonaro — e até lhe deu força

A facada que podia ter matado Bolsonaro acabou por torná-lo mais forte. Habituado a olhar o candidato da extrema-direita como um homem frontalmente agressivo, pouco dado a poupar nas palavras, o eleitorado brasileiro passou a olhá-lo de outra forma nas três semanas que Bolsonaro levou a recuperar. Deitado numa cama de hospital, Bolsonaro apresentou-se aos brasileiros combalido, emocionado e indefeso. E os seus adversários, habituados também a não poupar nas palavras dirigidas ao favorito nesta primeira volta, ficaram sem saber exatamente o que fazer.

Enquanto isso, a seguir à facada, Bolsonaro consolidou a sua posição nas sondagens, ao passo que Haddad, após a desistência de Lula, começou a ganhar terreno. Pior foi para Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB, partido que oscila entre o centro-esquerda e o centro-direita. Ao Observador, especialistas explicaram que, por mais que tenha doído a Bolsonaro, quem morreu da facada foi mesmo Geraldo Alckmin.

A facada atingiu Bolsonaro, mas só matou Alckmin

Ainda assim, com a facada, nem tudo foram ganhos políticos para Bolsonaro. Arredado da primeira linha da campanha, Bolsonaro viu o seu candidato a vice, o general Hamilton Mourão, a tomar-lhe o lugar em várias ações de campanha. Num discurso perante uma plateia repleta de empresários, o vice de Bolsonaro criticou o 13º salário, referindo-se a este como uma “jabuticaba” que é “uma mochila nas costas de todo o empresário”.

As declarações não caíram bem na opinião pública e, diretamente do hospital, Bolsonaro desautorizou o seu candidato a vice. Referindo que o 13º salário está previsto na Constituição, o candidato da extrema-direita disse que “criticá-lo, além de uma ofensa à [sic] quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição”.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo que os efeitos negativos da facada na sua saúde chegavam ao fim, os efeitos positivos do golpe na sua campanha começaram a desaparecer. Dois dias depois, Bolsonaro receberia alta do hospital.

A facada de Bolsonaro e os rumores: #cadêosangue?

Pouco depois de Bolsonaro ter sido esfaqueado em Juiz de Fora, Minas Gerais, e quando ainda não se sabia a gravidade dos ferimentos nem se a vida do candidato estava fora de perigo, já muitos rumores circulavam em torno do que se passara. E, como a procura por boatos e rumores era muita, a oferta também — e para todos os gostos.

Escassas horas depois do atentado, começou a circular no WhatsApp uma mensagem onde se lia: “Fato comprovado: Jair Bolsonaro FORJOU o atentado contra si mesmo para ganhar o coração dos eleitores indecisos. Os indivíduos envolvidos foram avisados, às 13:00 do dia 6 de Setembro (um dia antes da independência do Brasil para gerar mais comoção)”. Também houve quem comentasse o facto de, nas imagens de Bolsonaro logo após o ferimento, não haver qualquer sangue. Chegou a ser feita a hashtag #cadêosangue. Essa foi uma dúvida que vários médicos se apressaram a esclarecer, explicando que a facada tinha provocado uma hemorragia interna e não externa.

Quando ainda não era certo o estado de saúde de Bolsonaro após a facada, já circulavam inúmeros rumores sobre o atentado (RAYSA LEITE/AFP/Getty Images)

RAYSA LEITE/AFP/Getty Images

Já do lado dos apoiantes de Jair Bolsonaro, houve quem tentasse passar a ideia de que o alegado atacante do candidato da extrema-direita, Adélio Bispo de Oliveira, é militante do PT. Para tal, foi feita uma montagem numa imagem onde Lula e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apareciam na frente e, logo atrás, estava o homem acusado de esfaquear Bolsonaro.

Uma coisa é certa: a facada existiu. E outra é bastante provável: ajudou a consolidar a posição de Jair Bolsonaro como preferido na primeira volta e possível futuro Presidente do Brasil.

No país com terreno mais fértil para as fake news, 2018 é uma colheita forte

Não há outro país onde se acredite tanto em fake news como no Brasil. Segundo um estudo da Ipsos, que entrevistou 19 243 pessoas em 27 países, foi no Brasil que mais pessoas admitiram já ter acreditado em notícias falsas: um total de 62%.

“Fake News”. Depois dos EUA, o “rastilho de pólvora” chega às eleições no Brasil

Neste ciclo eleitoral, que ainda só vai a meio, já houve um pouco de tudo. Além das falsos rumores que apontavam para diferentes teorias da conspiração em torno da facada a Bolsonaro, circularam com bastante eficácia notícias que garantiam que o PT quer apropriar-se das crianças aos 5 anos e determinar o seu género; outras em que se pensava que um dos filhos de Bolsonaro tinha defendido que um pai matar o filho gay é apenas uma “questão familiar” ou que a vice de Haddad, Manuela d’Ávila tem tatuado no seu corpo imagens de Che Guevara e Lenine. As fake news tocaram até em Portugal: uma notícia que dava conta de um pedido de ajuda da Europa à ONU a favor da libertação de Lula. A fotografia escolhida era a da líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.

Mais do que nas redes sociais, é no WhatsApp que grande parte destas notícias falsas são criadas e disseminadas — uma realidade à qual não é alheio o facto de que, entre os seus 209 milhões de habitantes, 120 milhões terem conta naquela aplicação de mensagens instantâneas.

Ganharia se passasse, mas nunca vai passar: o complexo de Bernie Sanders no Brasil

Ponto prévio: as sondagens falham. Segundo ponto: são feitas por especialistas e têm como base critérios científicos e não palpites. Agora, direto ao ponto. Nas eleições presidenciais dos EUA em 2016, Bernie Sanders foi recorrentemente apontado como favorito a derrotar Donald Trump — mas, como é sabido, vencer as eleições primárias revelou ser uma missão impossível para o candidato democrata.

No Brasil, o complexo de Bernie Sanders alastrou-se até Geraldo Alckmin (Win McNamee/Getty Images)

Win McNamee/Getty Images Images

Ora, no Brasil, há dois Bernie Sanders. Ou, por outra, dois candidatos que as sondagens dizem que venceriam uma segunda volta contra os dois candidatos dos extremos (Jair Bolsonaro e Fernando Haddad) mas aos quais é praticamente impossível passar para a segunda volta. Trata-se de Ciro Gomes e de Geraldo Alckmin. Segundo a sondagem da Datafolha de 2 de outubro, Bolsonaro perderia por 4 pontos percentuais contra Ciro Gomes e por 2 pontos percentuais contra Geraldo Alckmin. E, no caso de Haddad, Ciro Gomes teria mais 14 pontos percentuais e Geraldo Alckmin sairia por cima por 7 pontos.

No entanto, tal como um confronto entre Bernie Sanders e Donald Trump nunca chegou a acontecer, também será difícil ver Ciro Gomes ou Geraldo Alckmin a defrontar Bolsonaro ou Haddad.

Os vídeos de campanha já não são o que eram

Uma grande parte das campanhas eleitorais no Brasil passa pelos vídeos de cada candidato. Em 2014, o PT e Dilma Rousseff usaram logo na primeira volta um vídeo de campanha que ainda hoje é recordado. A partir da proposta de Marina Silva de tornar o Banco Central independente, o PT pegou nesta proposta de uma complexidade fora do alcance da maioria do eleitorado e simplificou-a com uma imagem: um prato vazio. O vídeo era simples. Numa primeira parte, via-se um grupo de homens engravatados a falar alegremente numa mesa de trabalho. “Parece algo distante da vida da gente, não é? Parece”, ouve-se a voz off dizer. Logo a seguir, o vídeo corta para uma mesa de família, repleta de comida. Porém, ao mesmo tempo que o locutor explica que dar independência ao Banco Central daria “aos banqueiros um grande poder de decisão sobre a sua vida e a de sua família”, a comida vai desaparecendo dos seus pratos. “Você quer dar a eles esse poder?”, pergunta no final do vídeo o locutor, sobre imagens da família desolada, sem qualquer comida na mesa.

E nesta campanha? Quais são os vídeos mais fortes? Para já, nenhum teve esta força — o que pode ser a prova de que, cientes de que os brasileiros hoje vêem menos televisão do que em 2014, as campanhas estão a tentar diversificar as suas formas de chegar ao eleitorado.

Do lado do PT, surgiu um vídeo a brincar com o facto de quase ninguém conhecer Fernando Haddad. Haider, Hadi, Hádila ou Andrade são apenas alguns dos nomes que já chamaram ao candidato do PT — e o vídeo demonstra mesmo isso. Porém, a sua mensagem principal é a de que “Lula é Haddad e Haddad é Lula”.

Depois, há também os vídeos de Geraldo Alckmin, do PSDB, que por ser o candidato com maior tempo de antena nos anúncios televisivos, está a apostar mais neste formato do que qualquer outro candidato. Ameaçado à direita por Jair Bolsonaro, é precisamente ao capitão na reserva que os principais vídeos de Alckmin fazem menção.

Num deles, apela ao voto feminino. O anúncio mostra como um casal a jantar num restaurante, onde o homem se desfaz em insultos para a própria mulher. “Dá que eu te dou outra! Dá que eu te dou outra! Você é uma idiota! Você é uma ignorante! Vagabunda! Chora agora. Chora agora!”, diz-lhe o homem. A mulher está encolhida e a chorar, enquanto o resto dos clientes olha para a mesa em desconforto. Momentos depois, o anúncio corta para vídeos onde o próprio Bolsonaro usa as mesmíssimas palavras atrás citadas para insultar outras mulheres — uma deputada do PT e uma jornalista. No fim do vídeo, lê-se: “Quem não respeita as mulheres, não merece o seu respeito”.

No entanto, houve outro vídeo de Alckmin contra Bolsonaro a ter bastante mais impacto. Com o título “A bala”, e sem qualquer voz-off, o vídeo mostra como uma bala destrói tudo por onde passa: um conjunto de livros cujas lombadas soletram a palavra “analfabetismo”, um melão onde se lê “fome” ou uma bolsa de sangue com um papel a dizer “fila na saúde”. Porém, no final do vídeo, quando já destruiu tudo, a bala aproxima-se de uma menina. Quando esta fecha os olhos, a bala aproxima-se da sua cabeça. Por fim, no rastilho do projétil, lê-se: “Não é na bala que se resolve”.

O vídeo teve algum impacto — pelo menos ao ponto de Bolsonaro dar por ele. Tanto que foi lá comentar. Com o nome de utilizador “Jair Bolsonaro é 17”, com referência ao número com que a sua candidatura aparece no boletim, o candidato da extrema-direita comentou a dizer: “Será na bala sim e o calibre é 17”.

E os vídeos de Bolsonaro? Pouco precisa deles. Na sua página de YouTube, há vários uploads, com escassas visualizações. Porém, neste campo, Bolsonaro parece tirar partido de uploads de outras redes. Uma pesquisa no YouTube com “Bolsonaro” demonstra que os vídeos mais vistos, além de duas das suas entrevistas, quatro são de Bolsonaro a confrontar quem lhe faz frente. Basta ler os títulos: “Bolsonaro coloca moleque idiota no seu devido lugar !!!”, com 7,6 milhões de visualizações; “Feminista tenta ATACAR Bolsonaro e passa vergonha”, com 6,1 milhões de visualizações”; “BOLSONARO DEIXA REPÓRTER DA GLOBO MUDA DEPOIS DA RESPOSTA QUE DEU”, 5,7 milhões de visualizações; e “Bolsonaro fica cara a cara com o Jornalista que publicou matéria sobre ele”, também com 5,7 milhões de visualizações.

Bolsonaro: polémica atrás de polémica

Jair Bolsonaro é deputado federal desde 1991 e desde então não passou um dia em que não fosse um homem polémico. Habituado a defender a ditadura militar, alguns dos seus torturadores e a possibilidade de um golpe de Estado, Bolsonaro habituou todos aqueles que o têm acompanhado aos longo da sua carreira a esperarem comentários polémicos.

Um dos que deu mais notoriedade a Jair Bolsonaro foi em 1999, quando, exaltado numa entrevista televisiva, disse que “através do voto, você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada!”. E, depois, apontou como solução “uma guerra civil” onde se fizesse “o trabalho que o regime militar não fez”. Ou seja: “Matando uns 30 mil começando pelo FHC [Fernando Henrique Cardoso, então Presidente do Brasil], não deixar ele p’ra fora, não. Matando!”.

Bolsonaro, o militar que começou como piada e acabou como Presidente

Mas a lista continua. Sobre homossexuais, disse: “Se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”. Depois, disse que seria “incapaz de amar um filho homossexual”, sublinhando que preferia que um filho seu morresse num acidente em vez de “aparecer com um bigodudo por aí”. Sobre negros, citando uma visita a uma comunidade de descendentes de escravos, disse que o “mais leve lá pesava sete arrobas” e que, por isso, “nem p’ra procriador ele serve mais”. E sobre mulheres já chegou a dizer que estas não merecem ganhar tanto quanto os homens porque “engravidam”.

Temer, o beijo da morte de Alckmin

Com uma taxa de aprovação apenas de 5% e 72% da população a dizer que o seu trabalho é “ruim” ou “péssimo”, Michel Temer não é propriamente um político ao lado do qual os candidatos a estas eleições queiram ser vistos. E se há candidatos que estão à vontade no que a Michel Temer diz respeito — Fernando Haddad e Ciro Gomes criticam-no sempre que podem e Jair Bolsonaro simplesmente ignora-o — o mesmo não pode ser dito sobre Geraldo Alckmin.

Ao todo, o PSDB de Alckmin tem 3 ministros no Governo de Michel Temer. No entanto, durante a campanha, o candidato do PSDB não hesitou em criticar o atual Presidente e a sua governação, dizendo que este “não tem liderança e legitimidade”. Alckmin também se demarcou da decisão do seu partido de ir em seu auxílio, tanto no parlamento como no executivo. “Na época, eu disse que devíamos dar apoio parlamentar, mas sem participar no governo. Não é um governo nosso”, sublinhou Alckmin.

Michel Temer não gostou do que ouviu — e puxou Alckmin para junto de si. Num vídeo dirigido ao ex-governador de São Paulo, o ainda Presidente relembrou-o que, além dos ministros do PSDB, o atual Governo tem no executivo quatro membros de partidos que apoiam agora Alckmin. “Não atenda o que dizem os seus marqueteiros, atenda apenas à verdade. E a verdade é que nós fizemos muito por essas áreas conduzidas por aqueles que hoje apoiam a sua candidatura”, rematou Michel Temer.

Haddad, Alckmin e Bolsonaro: candidatos com a espada da justiça a pairar

Entre os quatro principais candidatos a estas eleições — Jair Bolsonaro, Fernando Haddad, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin —, três estão a braços com processos na justiça: Alckmin, Haddad e Bolsonaro.

Alckmin foi acusado a 5 de setembro de improbidade administrativa, explicando o MInistério Público de São Paulo que, enquanto governador daquele estado, esteve na folha de pagamentos de subornos da construtora Odebrecht com o nome de código “Santo”. O Ministério Público acusa-o de ter recebido ilegalmente 7,8 milhões de reais (à altura, 2,5 milhões de euros) para financiar a sua campanha eleitoral de 2014.

Haddad foi acusado de enriquecimento ilícito, também pelo Ministério Público de São Paulo. De acordo com a acusação, Haddad tinha “pleno domínio” de um pagamento de 2,6 milhões de reais (380 mil euros) que uma construtora terá feito à sua campanha eleitoral de 2012.

Bolsonaro é réu num caso instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por incitação à violação, em comentários que fez à deputada Maria do Rosário, do PT, em 2014. Durante a campanha, foi feita também uma queixa naquele tribunal pelo crime de racismo, devido aos comentários de Bolsonaro sobre descendentes de escravos, mas o STF escolheu não dar seguimento ao caso.

Apesar de os três estarem com problemas na justiça, o facto é que, no que diz respeito às eleições e a seu futuro político, os candidatos em questão não estão em pé de igualdade. Uma vez que são acusados de crimes financeiros no exercício da atividade política, Alckmin e Haddad estão em risco de perder os seus direitos políticos no âmbito da Lei da Ficha Limpa — a mesma que impediu Lula de ser candidato nestas eleições. Já Bolsonaro, mesmo que venha a ser condenado, pode dormir descansado: o crime de que o acusam não entra na lista prevista naquela lei.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora