Índice

    Índice

Francisco Rodrigues dos Santos utiliza um caderno, onde escreve numa caneta azul, a cor do CDS, mas as linhas azuis são neste caso sublinhados, círculos ou formas retangulares onde destaca a luta pela sobrevivência do CDS, enaltece o trabalho da PàF e ataca o PS. Inês Sousa Real usa quase sempre o IPad, o discurso escrito que preparou para uma das poucas intervenções em palanque mostra que o partido está empenhado em mostrar que foi o partido responsável (ao contrário de BE e PCP) que chumbaram orçamento, entre outros pontos da estratégia. Quem utiliza também o Ipad, ao contrário do secretário-geral Jerónimo de Sousa, foi João Oliveira que escreveu tópicos em três/quatro parágrafos só para o guiarem num discurso de meia hora. João Cotrim Figueiredo tinha três páginas de tópicos para os debates televisivos, que mostram parte da estratégia da IL.

Após pedir a todas as candidaturas que acompanha na estrada, o Observador conseguiu resgatar e analisar o caderno do presidente do CDS — que usa em todos os discursos –, um discurso que a líder do PAN fez no Porto, o documento de word que o substituto do secretário-geral do PCP tinha no Ipad e as notas que João Cotrim Figueiredo tinha para todos os debates. Estas ainda com um extra: notas, escritas a computador, para cada debate, com detalhes como: “Soundbites [a usar nesse debate]”. O que dizem, afinal, as notas dos candidatos?

O caderno de Rodrigues dos Santos com as bandeiras escritas a azul

Francisco Rodrigues dos Santos fala essencialmente por improviso nas intervenções que tem tido em jantares-comício. Por isso, não tem discursos escritos formulados ao pormenor: nesses jantares, leva consigo um caderno de notas onde vai escrevendo — por vezes antes ou durante a refeição — apontamentos, tópicos, ideias que desenvolve depois perante a plateia. A mesma página pode ser usada para diferentes discursos — a ideia é que Rodrigues dos Santos tenha sempre à mão ‘chavões’ para apresentar (aliás, vai folheando o caderno enquanto discursa). E há alguns que estão lá, nos discursos, quase sempre — a descida dos impostos, os ataques à esquerda que tem sido o “repelente” ou o “papão dos empresários”, o passado histórico do CDS. E já mencionámos a “redução de impostos”?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O caderno de notas do líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos

1 – “Pq ñ vale a pena mudar o voto p/ os outros”. O destaque — através de um sublinhado retangular — é dado à expressão “voto p/ os outros” e, de facto, combater esses “outros” tem sido um dos focos de Francisco Rodrigues dos Santos, que tenta contrariar a ideia de “voto útil” de Rui Rio. À medida que as sondagens foram mostrando um avanço dos partidos diretamente rivais do CDS — PSD, Chega e IL — o presidente centrista foi calibrando o discurso e elencando razões para que os eleitores não mudem o voto para outros partidos. À Iniciativa Liberal tem colado o soundbite “liberalismo bloquista”, e sublinhado as posições do partido de Cotrim Figueiredo em relação à eutanásia, prostituição e legalização das drogas leves — princípios que o CDS nunca defenderá, assegura. Ao Chega tem apontado o “fanatismo populista”, com pena de morte ou castração química que o CDS rejeita. E contra o PSD lança o “elefante” do bloco central.

2 – “Desertificação”. Francisco Rodrigues dos Santos tem pontualmente falado sobre o tema da desertificação. Uma dessas vezes foi num discurso feito depois de ter visitado um mercado municipal da Guarda praticamente vazio de clientes e comerciantes e ter ouvido eleitores a queixarem-se de que “todos os dias está assim”: sem pessoas. Algumas das notícias que saíram dessa visita focaram-se na falta de movimento no mercado, um lugar peculiar para o arranque da segunda semana de campanha, que deveria ser frenética — e onde os partidos querem chegar ao maior número possível de pessoas. Mas pessoas ali havia poucas. Criticando, precisamente, essas notícias, Rodrigues dos Santos deu a volta: ele, afinal, foi à Guarda mostrar como “anos e anos de governação socialista conduziram à desertificação”. Encaixa na defesa do interior e do mundo rural que tem usado como bandeira na sua campanha.

3 – “Não é fácil ser do CDS”. Francisco Rodrigues dos Santos alude ao passado centrista, que, tem dito, esteve várias vezes “cercado”. Rodrigues dos Santos já afirmou, até, que o partido “nasceu debaixo de pedras e ameaças” (frase que também consta dos tópicos escritos a caneta azul), “sob cerco” (em referência ao cerco no Palácio de Cristal em 75, durante o primeiro congresso do partido e que durou 12 horas, levado a cabo por militantes ligados à esquerda) e “debaixo de fogo”.

4 – 11 de março; 25 novembro. Em alguns dos discursos, Rodrigues dos Santos tem feito referência a episódios que marcaram a história política do país e do partido, como o Verão Quente de 75, o golpe falhado de 11 de Março ou o 25 de Novembro, neste último caso para ilustrar como militares do regimento de comandos contiveram uma tentativa de golpe levada a cabo pela fação mais extremista das forças armadas, o que resultou no fim do processo revolucionário em curso (PREC). Essas referências são feitas ao de leve. Por exemplo: “Nós sempre escolhemos o lado certo, do 25 de Novembro, de lutarmos até às últimas consequências”. Esta ideia tem sido frisada por Rodrigues dos Santos também para insistir que o partido foi e é uma “barreira” contra a “extrema-esquerda”.

O caderno de notas do líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos

5 – “Vaticinaram a nossa morte”. A expressão “a nossa morte” está bem destacada nos apontamentos do líder centrista. É que a vida não está fácil para o CDS e é o próprio Francisco Rodrigues dos Santos a reconhecê-lo — assim como históricos do partido como Manuel Monteiro ou António Lobo Xavier, nesta campanha. A saída de nomes de peso do partido, como Adolfo Mesquita Nunes ou António Pires de Lima, ou da vida política ativa, como Cecília Meireles, é disso exemplo. Ou as sondagens, que apontam para um enfraquecimento do partido — mas esses estudos de opinião o presidente do partido recusa comentar por serem feitos “à medida do bloco central”. Ainda assim, Francisco Rodrigues dos Santos tem mantido um tom otimista e repetido nos discursos que o CDS será “forte” e que “vai ser a surpresa do dia 30”. “As notícias da morte do CDS foram manifestamente exageradas”, tem dito.

6 – “Sempre que a esquerda falhou o CDS foi chamado a salvar o país. Um dos alvos de Rodrigues dos Santos tem sido António Costa e os governos do PS. Confesso saudosista do governo da PàF (Portugal à Frente, coligação PSD/CDS), o líder centrista ambiciona reeditar essa solução. E, para isso, tem invocado as parcerias “tradicionais” entre os dois partidos que se seguiram a governos socialistas. A ideia é conotar a coligação PSD/CDS como a “responsável” e “previsível” e a governação socialista como a da “bancarrota”. Aliás, depois da entrevista de Sócrates à CNN, Rodrigues dos Santos não se ficou e usou o ex-primeiro-ministro para vincar as críticas ao PS. Disse que José Sócrates “é o melhor argumento para não darmos uma nova maioria absoluta à esquerda” sob risco de “caos absoluto no país”. O líder do CDS tem mesmo dito que a troika foi chamada quando não havia dinheiro para pagar salários nem pensões e lembrou os “sacrifícios enormes” feitos pelos portugueses.

O caderno de notas do líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos

7 – “PS é o repelente dos empresários”. Francisco Rodrigues dos Santos insiste que o Governo socialista, apoiado pelos partidos à esquerda, foi prejudicial para a economia — diz que fez aumentar a carga fiscal e a dívida pública e diminuiu o investimento estrangeiro. E quando David Neeleman entrou na campanha ao exigir um pedido de desculpas a António Costa sobre as declarações do secretário-geral do PS em relação ao ex-acionista da TAP, aproveitou o repto: apelidou Costa do “papão” dos empresários, uma ideia que foi repetindo nos dias seguintes, com um novo adjetivo — o “repelente” dos empresários, da “iniciativa privada” e da “captação de investimento”.

Uma das bandeiras do CDS tem sido, aliás, o “choque fiscal” — “menos impostos” ou “redução de impostos”, lê-se nas notas, até com círculos à volta e sublinhados para destacar —, com medidas como a redução do IRC até aos 15%, ao longo da legislatura, ou a isenção do imposto às empresas que reinvistam a totalidade dos lucros. Nas notas, Rodrigues dos Santos frisa ainda a ideia de que é um “inferno ser empresário em Portugal”. “Se o imposto não desce, vota CDS”, chegou a atirar a uma comerciante numa feira.

8 – “De que interessa 7 unicórnios se apenas 1 deles está sediado em PT?” Ainda no dossiê económico, nos últimos dias, Rodrigues dos Santos começou a usar a Web Summit como arma de arremesso contra as políticas económicas do PS, que diz serem pouco atrativas para os empresários. Chegou mesmo a comparar o evento tecnológico realizado em Portugal a uma “estância de esqui em Albufeira” para passar a ideia de que não é muito útil para o país dado que “aprende-se na teoria como esquiar, mas depois para esquiar é preciso ir a um sítio onde haja neve e onde se possa colocar em prática aquilo que se aprendeu”. Rodrigues dos Santos critica que dos sete unicórnios (empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares) apenas um tenha sede em Portugal, a Feedzai.

9 – “Reparar o elevador social”. Afirmando-se como a “direita certa e social”, que tem preocupações sociais e não quer tirar rendimentos a quem vive pior, Francisco Rodrigues dos Santos tem insistido na tecla do aumento dos rendimentos, por exemplo, por via redução do IRS às famílias mais numerosas, também como forma de reparar o “elevador social”.

Inês Sousa Real. Críticas e causas num discurso escrito à mão e à base de tópicos e palavras-chave

Foi com um discurso de 27 minutos que Inês Sousa Real se apresentou esta segunda-feira no Espaço Porto do PAN, naquela que foi a sua primeira intervenção atrás de um palanque nesta campanha. Para a apoiar no discurso, usa habitualmente um tablet, onde tem os tópicos e as ideias que quer defender. No entanto, nessa noite serviu-se de folhas escritas à mão, que acabou depois por partilhar com o Observador.

As ideias foram pensadas junto do grupo de assessoras que têm acompanhado Inês Sousa Real nestas duas semanas, mas o discurso foi posteriormente redigido apenas e só pela líder do PAN. Na hora de discursar, e comparando com o que tinha escrito, conclui-se que Sousa Real optou por trocar a ordem de algumas ideias (por exemplo, o tópico 3 foi proferido mais à frente, apenas depois dos tópicos 6, 7 e 8).

Ao todo, foram seis páginas de escrita à mão, apenas com os tópicos que quer seguir, entre setas, palavras rasuradas e ideias sublinhadas.

O discurso manuscrito da líder do PAN, Inês Sousa Real

1. Agradecimentos. Inês Sousa Real sabe que apostar em dois dos maiores círculos eleitorais do país é uma prioridade. Evoca Bebiana Cunha, cabeça de lista pelo Porto, e uma das principais caras do partido — que é simultaneamente sua rival devido à ambição de liderar o partido e na guerra interna Porto-Lisboa (qualquer esquecimento do nome de Bebiana podia ser mal interpretado e, por isso, nada como escrever logo em primeiro lugar). Seguia-se também Rafael Pinto, o candidato do PAN mais novo nestas legislativas, cuja candidatura Sousa Real já deixou garantias de que é também um dos principais objetivos – eleger em Braga.

2. Experiência “gratificante”. A palavra está sublinhada, nesta que tem sido uma das narrativas da líder do PAN, que procura destacar a receção que tem tido nas ruas durante esta campanha. Apesar de alguns episódios mais tensos (como o episódio em que foi vaiada em Beja por um grupo de aficionados da tauromaquia), Sousa Real já tinha admitido que gosta de ouvir as pessoas e as suas ideias. Sobretudo na segunda semana de campanha, a porta-voz soltou-se mais e tem apostado mais na comunicação com os eleitores no contacto com a população. A rua era algo que não estava habituada (o que se notou, principalmente no início da campanha), mas a candidata garante que está a ser uma experiência enriquecedora.

3. Alfinetadas à esquerda. Parece ter sido uma frase acrescentada nas linhas que já estavam escritas. Inês Sousa Real foi neste discurso mais dura com claras referências ao PCP e ao Bloco de Esquerda, a quem acusou de terem faltado ao diálogo e permitido o chumbo do Orçamento do Estado. Foi um dos pontos altos do discurso, também destacados no rascunho. “Quando foi preciso fazer reuniões, não houve disponibilidade”, escreveu. “Mais vale tarde do que nunca. Bem-vindos finalmente ao diálogo”, frase escrita no rascunho e que usou para ironizar a nova abertura que os partidos da esquerda demonstraram nos últimos dias para negociações com o PS. O PAN quer capitalizar o facto de ter sido o único partido que aceitou viabilizar o Orçamento para evitar eleições antecipadas.

4. Críticas ao Bloco Central. Inês Sousa Real procurou também sublinhar ideias que visaram PS e PSD. Criticou “a lógica de mercado” perpetrada por estes dois partidos, que acusa de deixarem os mais vulneráveis para trás. Continuaram as acusações com uma frase que disse ipsisverbis na versão do discurso na oralidade: “O país precisa de respostas e não de falsos profetas”. Frases fortes que utiliza porque sabe que vão resultar na hora do discurso, em que reforça que é precisa uma “mudança de paradigma” e que só com o voto no PAN é possível concretizar. Apesar dos ataques ao Bloco Central a líder do PAN, recorde-se, não exclui coligar-se nem com o PS nem com o PSD.

5. Saúde. Palavras-chave no rascunho foram o suficiente para Inês Sousa Real dizer aquilo que queria perante a plateia. Lembrou que o SNS, “um eixo basilar”, não pode ser privatizado. E usou como exemplo o “caso Barcelos”, expressão que destacou nos papel, para referir o “episódio” de um cidadão que “se sente mal, desmaia e o que faz o privado? Ligar para o INEM, para o SNS”, apontou.

O discurso manuscrito da líder do PAN, Inês Sousa Real

6. Educação. Inês Sousa Real também não esqueceu no seu discurso a defesa da escola pública. Partindo de vários tópicos, afirmou que é preciso “corrigir o elevador social”, mais proximidade da juventude à natureza e promover a “literacia financeira”. Aqui, quis também criticar os cheques-ensino. Escreveu primeiro “cheques-escola”, mas rasurou e voltou depois a escrever, aí sim, “cheques-ensino”. Aproveitou também para acrescentar a palavra “abusos”.

O discurso manuscrito da líder do PAN, Inês Sousa Real

7. Direitos LGBTI e ideologia de género. Escreveu. Rasurou. E voltou a escrever. “Repudiamos quaisquer tentativas que têm sido feitas para retroceder” nestes dois direitos. Uma clara referência a CDS e Chega, que querem acabar com a disciplina de Cidadania. “Respeito e igualdade” bem como “LGBTI” são mais duas palavras-chave destacadas pela líder do PAN no rascunho.

8. Ataques ao Chega. Não referiu nomes no seu discurso falado, que também não estavam escritos nos rascunhos. Inês Sousa Real sabia que queria visar o partido de André Ventura, que acusa de ter “ódio” e “desprezo” pelos beneficiários o RSI.

O discurso manuscrito da líder do PAN, Inês Sousa Real

9. As causas do partido. Ideias também estabelecidas nos tópicos preparados. O PAN quer um novo modelo económico, verde e de bem estar e felicidade. Focado no emprego jovem e na inclusão. Não esqueceu também as medidas de acesso à habitação e as bolsas para os jovens, com várias palavras-chave.

O discurso manuscrito da líder do PAN, Inês Sousa Real

10. A proteção animal. Apenas um tópico sem concretização de ideias no rascunho. Mas no palanque, Inês Sousa Real não poupou nas críticas dos adversários políticos que “agora são todos muito animalistas”, mas que na Assembleia da República “estão ausentes” em matéria de proteção animal, lembrando também as fotografias dos animais de estimação dos vários candidatos que têm marcado esta campanha. A líder do PAN não precisou sequer de concretizar a ideia no rascunho do discurso, tendo já na ponta da língua a narrativa que queria usar. Limitou-se a desenhar uma seta para a página seguinte.

O discurso manuscrito da líder do PAN, Inês Sousa Real

11. Acordos com o PAN. Já na reta final do discurso, na sexta página, Inês Sousa Real aborda a questão de eventuais negociações no pós-eleições. A porta-voz tem mantido a porta aberta a PS e PSD, sem revelar uma preferência, mas tem insistido nas linhas vermelhas. “Qualquer acordo com o PAN tem de manter a saúde a a educação pública”. Aviso feito a socialistas e social-democratas.

12. A rejeição do voto útil. Por fim, uma das narrativas de Inês Sousa Real ao longo desta campanha e em que voltou a insistir no discurso que fez na noite desta segunda-feira no Porto. A líder tem criticado o bloco central, que diz ser nocivo para a democracia portuguesa, e acaba por deixar a questão no ar: “Que diferença faz mais um deputado do PS ou do PSD?” Inês Sousa Real termina com a última ideia elencada no rascunho do discurso e que tem também defendido nas últimas semana: o voto útil é no PAN, o voto útil é nas causas.

As notas de Cotrim para os debates: do “inimigo Rendeiro” ao “Big Brother carapau”

Para os debates, João Cotrim Figueiredo habituou-se a levar dois tipos de papelada: nos frente a frente televisivos levava argumentos gerais e outros especificamente direcionadas para o adversário que teria pela frente, nos gerais levava uma série de argumentos preparados para posicionar o partido na “alternativa e não alternância” ao PS. O candidato cedeu ao Observador alguns papéis que ilustram as notas e os tópicos que quis ter consigo ao longo da campanha.

Os papéis que serviam para os debates gerais, decifrados

As notas manuscristas de Cotrim Figueiredo para os debates televisivos

1 – O combate ao voto útil sempre presente. Aparece logo no tópico “mensagem-base”, o que atesta bem a importância que o argumento tem na campanha da Iniciativa Liberal (e importância crescente, reforçada à medida que o dia das eleições se aproxima e os indecisos definem o seu voto). Consciente de que há o risco de eleitores que simpatizam com a Iniciativa Liberal acabarem por votar num “mal menor” (Rui Rio) para derrotar um “mal maior” ( António Costa), o ponto de Cotrim estava bem presente e em lugar de destaque: “Nestas eleições os portugueses devem votar naquilo em que acreditam, nos partidos em que acreditam”. Não em quem, não os convencendo, vai insistindo que só com um voto no PSD haverá um novo Governo: de Rui Rio.

2 – PS: “Esconde/dissimula / medo / mente”. Uma das frases mais explicativas das mensagens políticas veiculadas pela Iniciativa Liberal nesta campanha foi dita pelo presidente do partido, Cotrim Figueiredo: o PS é visto como “o adversário político e estratégico” da IL nestas eleições. E portanto o candidato preparava-se para, em todos os debates, tentar destacar-se na oposição a Costa e ao socialismo, captando o voto de insatisfeitos com o PS. Num dos pontos da “mensagem-base” que Cotrim levava para os debates, estavam críticas ao PS, que “está amarrado ao poder” e que “esconde/dissimula” (a sua “política de alianças”), tenta capitalizar o “medo” (usando os argumentos de que sem Costa não há “estabilidade” e “só o PS nos salva da extrema-direita”) e “mente”. Sobre as faltas de Costa à verdade, Cotrim Figueiredo tinha até sublinhado a vermelho que Costa é “recordista do Polígrafo”, o site de fact-checking que analisou várias mensagens passadas nos debates e que fez um ranking de mensagens falsas ou enganadoras — o ranking tinha André Ventura em primeiro lugar e António Costa em segundo.

3 – O regresso a 2011 e à moção de Sócrates coordenada por Costa. Num parêntesis reto, Cotrim escrevinhou um argumento que queria atirar a Costa e em que ainda ninguém pegara. Regressando a um Congresso do PS em 2011, o candidato liberal pegava na moção “Defender Portugal, Construir o Futuro” do então secretário-geral socialista José Sócrates. “António Costa coordenou”, lia-se nas notas: o atual primeiro-ministro, então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi efetivamente o responsável pela coordenação dessa moção estratégica onde a palavra “estabilidade” era repetida mais de uma dezena de vezes. “10 dias” depois da apresentação da moção, como se lê nas notas escritas de Cotrim, Portugal pedia assistência financeira à troika. O objetivo era um só, como se percebe pelas palavras “tema estabilidade”: Cotrim queria desconstruir a ideia de que a estabilidade governativa, que Costa hoje também pede, é um bem em si mesmo.

As notas manuscristas de Cotrim Figueiredo para os debates televisivos

4 – A viagem de Costa na Ryanair. A TAP e a sua privatização futura é uma das bandeiras da Iniciativa Liberal nesta campanha e não é por acaso. É verdade que o programa liberal defende também a privatização da RTP e da Caixa Geral de Depósitos, mas Cotrim e a IL sabem — porque os estudos de opinião assim o indicam — que o número de portugueses que discorda da manutenção da TAP na esfera pública e dos 3,2 mil milhões de euros ali recentemente investidos é significativo. É um tema que pode dar votos. Nas notas, Cotrim fazia questão de levar a ideia de que “a IL foi a única que propôs há 2 anos a privatização” (sublinhado “2 anos”) e escreveu até detalhadamente os horários das viagens para Ponta Delgada no dia em que Costa viajou na Ryanair: às 6h existia um voo da SATA, às 10h um voo da Ryanair e só às 17h05 um voo da TAP.

As notas manuscristas de Cotrim Figueiredo para os debates televisivos

5 – “Progressividade = convite à mediocridade”. A área dos impostos é importante para a IL, que (menos conservador nos costumes) quer substituir o CDS como “o partido do contribuinte”. E Cotrim tinha uma página inteira escrita para levar para debates sobre impostos, que ia desde o enquadramento das duas taxas de IRS propostas pelo partido — levava pronto o argumento da IL: “Compromisso de ninguém pagar mais”, nem os mais pobres nem os mais ricos, embora a poupança seja mais significativa para quem ganha mais — e uma frase nunca dita (mas pensada e escrita) até porque poderia gerar anti-corpos e ricochete: “Progressividade = convite à mediocridade”. Ainda levava um slogan preparado: “País pobre com impostos de rico”.

As farpas preparadas a Inês Sousa Real (PAN)

Também para os debates individuais João Cotrim Figueiredo levava uma série de argumentos preparados, específicos para cada oponente nos frente a frente televisivos. O Observador analisa alguns dos argumentos preparados para o debate com o PAN, a 7 de janeiro de 2022.

Notas de preparação de debate televisivo contra Inês Sousa Real

6 – “FUNCIONA E FAZ FALTA”. Assim mesmo, em maiúsculas. A forma como Cotrim Figueiredo começava os seus debates — agradecendo a “oportunidade de demonstrar porque é que o liberalismo funciona e faz falta a Portugal” — chegou até a gerar segmentos televisivos humorísticos. Mas foi uma estratégia pensada: as aliterações (o som do “f”), a repetição constante da ideia nos debates e até a ordem de cada elemento da frase (o “funciona” vir primeiro, por ser esta a ideia de que a IL mais queria convencer os portugueses) foram pensadas ao detalhe para levar os espectadores a ficarem com a ideia na cabeça.

Notas de preparação de debate televisivo contra Inês Sousa Real

7 – “Ataques IL”. Cotrim ia com as balas preparadas: dependendo do decorrer do debate, poderia ser mais ou menos agressivo e atirar várias farpas ao PAN. Os ataques iam desde o “proibicionismo” do PAN, com “dezenas de propostas” apresentadas no Parlamento, incluindo o voto de condenação pela “morte de mais de 14 mil ovelhas na Roménia” e o voto pelo “fim da utilização de elefantes para passeios turísticos no Cambodja”. E ainda levava um mimo direcionado para a líder do partido: estava preparado para a acusar de “hipocrisia” pelas “estufas no Montijo”.

8 – “Se há inimigo que fiz é o Rendeiro”. Nas notas impressas que levou para o debate, Cotrim preparou uma série de respostas a ataques previsíveis que Sousa Real poderia fazer ao partido. Levava assim respostas preparadas para contra-argumentar sobre a defesa dos “paraísos fiscais” (“para o BE tudo é paraíso fiscal”), sobre “a taxa única de IRS” que “só beneficia os ricos” (“falso, isso vem do ódio aos ricos”), sobre a IL não ter “consciência social”, sobre não ter “medidas para o ambiente”, ser “um partido urbano” (“9 das nossas melhores freguesias em percentagem, foram freguesias rurais. E a maior foi na Longueira/Almograve, sabe onde é?”) e sobre o partido ser “praticamente negacionista”. Mas a réplica mais curiosa é sobre a ligação de João Cotrim Figueiredo ao BPP. Ventura tentou ligar Cotrim a João Rendeiro e o candidato levava aqui dois argumentos prontos: a ligação foi “desmentida pelos fact-checkers” e “se há inimigo que fiz na vida é o Rendeiro”.

9 – “Big Brother carapau”. A proposta do PAN para instalação de câmaras de vídeo em barcos de pesca (para combater a captura de tubarões-anequim) fazia Cotrim Figueiredo ter um soundbite preparado para o PAN: o partido de Inês Sousa Real queria uma espécie de “Big Brother carapau”, estava o candidato preparado para lhe dizer. E tinha um outro soundbite comparando o PAN ao PEV: “Os verdes do PS”.

João Oliveira. Impedir regresso da política de direita só é possível com o voto na CDU

Conhecido pela boa disposição e sentido de humor, João Oliveira com apenas 16 linhas de discurso escrito e 196 palavras conseguiu falar durante 25 minutos. Foi isso que aconteceu na última sexta-feira, em Faro, no comício de encerramento do dia. Feitas as contas são 196 palavras, 16 linhas e 1.152 caracteres, que acompanham um copo de água, palavras de ordem e alguns aplausos para recuperar o fôlego. Do combate ao voto útil no PS aos problemas económicos da região algarvia, João Oliveira falou para um auditório cheio e não resistiu a estender a piada que tinha feito no dia anterior no programa da SIC.

1. “Camaradas e amigos”. Num partido onde todos se tratam por tu, tão abraços vigorosos nos reencontros e não são de cerimónias, os comunistas mantêm na saudação inicial em todos os momentos o tradicional “camaradas e amigos”. Não são os únicos, com os partidos à esquerda a manter essa designação. O Partido Socialista além do termo ‘camaradas’ tem também a do punho erguido, embora o braço a levantar seja outro e um lapso no momento de levantar o braço não seja de desejar.

No PSD a formulação “camarada” também foi adotada nos primeiros tempos do partido, mas depois do 25 de novembro de 1975 transitaram para “companheiros”. Com mais de 100 anos, os comunistas continuam a manter a tradição e são frequentemente chamados pelos adversários políticos de “os camaradas”. Com o mesmo orgulho com que Cunhal escreveu “até amanhã, camaradas”, João Ferreira deu um olá aos camaradas de partido.

2. Os cumprimentos iniciais. Como é frequente nos comícios da caravana comunista, antes de João Oliveira subir ao palco houve tempo para um momento musical. Com Ricardo Martins e Cláudio Sousa nas guitarras, João Oliveira aproveitou para depois de os saudar atirar críticas ao desinvestimento no setor da cultura e ao impacto que as medidas para combater a Covid-19 tiveram nos profissionais dessa área. “Por eles lutámos muito” ou “não temos da cultura e da arte a perspetiva de que seja um bem de luxo ou de segunda necessidade” foram algumas das frases que aproveitou para deixar, já fora do guião previamente definido. Eram cumprimentos que serviam de balanço para a defesa de um setor: a cultura.

3. O auditório cheio. Depois de ter perdido o deputado pelo círculo do Algarve, a mobilização em torno da CDU é ainda mais importante para o partido naquele círculo. Com o auditório da Universidade do Algarve cheio, João Oliveira aproveitou para constatar esse apoio. Falou na necessidade de evidenciar que os partidos que integram a coligação têm provas dadas no tópico “ser-se de confiança”.

Com os tópicos apenas no discurso escrito, João Oliveira falou durante alguns minutos sobre a “exigência popular de resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo” e da “convergência” que é necessária para essa resposta. Com os comunistas a trazerem desde o primeiro dia a palavra “convergência” para as soluções possíveis no cenário pós-eleitoral.

4. O voto na CDU também é útil. No ponto em que João Oliveira tinha previsto falar do valor do voto na coligação houve espaço para alertas também sobre a “política de direita do Partido Socialista”. João Oliveira bem reforça que o “voto na CDU é o único que conta à esquerda, mas para ser mais claro carrega nas tintas: “O voto na CDU não é apenas o voto que impede as maiorias absolutas e os entendimentos entre PS e PSD”. Quase a terminar o discurso haveria de voltar a este ponto para dizer que o voto na CDU “é a mais sólida garantia de derrota da direita” e que “não vai parar a quem em nome da esquerda pensa em entender-se com a direita” ou ainda que o voto na CDU servirá para “impedir a política de direita, venha ela de uma maioria absoluta do PS ou de entendimentos entre PS e PSD”.

5. 20 minutos sem apoio dos tópicos. E precisamente 5 minutos e 39 segundos depois de ter começado a falar, João Oliveira já tinha picado todos os pontos do discurso escrito. Nos 20 minutos seguintes esteve “sem rede”. Usou o discurso em Faro para falar de “soluções limianas de má memória”, do objetivo do PS de “afastar a convergência com a CDU”, do salário mínimo em 850 euros já no próximo ano e ainda aproveitou o élan da participação no dia anterior no programa Isto é Gozar com Quem Trabalha, da SIC, para pedir ao auditório que gritasse o slogan “é justo e necessário o aumento do salário, é justo e necessário o aumento do salário”.

E ainda que a bazuca esteja completamente fora do discurso dos partidos nesta campanha, ao contrário do que aconteceu na campanha eleitoral das autárquicas há menos de quatro meses, João Oliveira aproveitou a passagem por Faro para tocar também no tema dos fundos comunitários. Lembrou o comunista que “o investimento público é reduzido e anda a reboque dos fundos comunitários” e que ainda assim a construção de infraestrutura que as “populações reivindicam” são “sempre atiradas para um futuro longínquo”.