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"As pessoas que vivem sozinhas são fortes e corajosas, merecem muito mais crédito"

Em entrevista ao Observador, a autora do livro "A arte de viver sozinha e adorar" explica como estas pessoas são estigmatizadas pela sociedade e como são, também, exemplos de força.

Jane Mathews não é psicóloga ou psiquiatra. Não tem, aliás, qualquer formação na área da saúde mental. A chegar aos 50 anos, a vida da britânica que reside na Austrália mudou completamente: um divórcio deixou-a a viver sozinha e Jane foi forçada a gradualmente adaptar-se às novas circunstâncias.

Os primeiros momentos do voo a solo foram custosos, mas o tempo ajudou-a a pôr tudo em perspetiva. Jane é a autora do livro A arte de viver sozinha e adorar (da editora Contraponto), já traduzido para oito línguas, que agora chega a Portugal. Motivo mais do que suficiente para uma conversa telefónica com o Observador.

Em entrevista, a britânica que antes trabalhou em marketing e agora é guia turística explica como quem vive sozinha/o sofre os estigmas da sociedade. Garante também que é uma das milhões pessoas que vive sem companhia. Não é por acaso que escreve no livro: “Existem quase 300 milhões de nós em todo o mundo. Fazemos parte da maior tendência sociodemográfica desde a ascensão dos baby boomers”.

Viver sozinha/o custa dinheiro, pode aproximar-nos da solidão e nem sempre é o cenário que desejámos em criança. Além disso, são muitos os estudos que apontam para os seus malefícios. Mas também há vantagens, as quais Jane Mathews relata no livro (sobretudo direcionado para o público feminino, admite a autora) e também em conversa com o Observador.

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O livro está à venda por 16,60 euros.

O tema do livro deriva da sua própria experiência. Que história tem para contar?
Casei-me e, um dia, o meu marido decidiu que já não queria estar casado. Não estava à espera disso e acabei por me divorciar. Não estava à espera de viver sozinha nos meus 50, que é o que estou a fazer agora. Penso que muitas pessoas vivem sozinhas pelo acaso da vida e não por escolha. Escrevo no livro que, no começo, viver sozinha não foi uma coisa que eu quisesse, senti-me atirada a essa realidade sem qualquer preparação. Demorei muito tempo a gostar de viver sozinha e a habituar-me a isso. Demorei muito tempo, anos até.

Há quanto tempo vive sozinha?
Desde 2010, há nove anos. A minha filha de 21 anos acabou de se mudar cá para casa por um período de tempo, uma circunstância que considero ser muito desafiante. Demorou muito tempo, mas agora gosto genuinamente de estar sozinha…

Existem quase 300 milhões de nós em todo o mundo. Fazemos parte da maior tendência sociodemográfica desde a ascensão dos baby boomers. Dois milhões de australianos vivem sozinhos. (…) As pessoas que moram sozinhas constituem o tipo de agregado familiar de mais rápido crescimento na Austrália, e o Instituto Australiano de Estudos da Família prevê que, em 2026, as famílias unipessoais passem a ser a forma predominante de organização da vida familiar. Estes dados são consistentes com a tendência global, que viu um aumento de quase 50% no número de pessoas que vivem sós nos últimos 15 anos. (…) É óbvio que apenas uma fração destas pessoas escolhe deliberadamente uma vida a solo. As pessoas casam-se mais tarde, o envelhecimento da população favorece situações em que um dos elementos do casal sobrevive ao outro, além daqueles que não estão num relacionamento ou que são divorciados. “A arte de viver sozinha e adorar”, páginas 24 e 25

Como foi essa adaptação? Há uma Jane Mathews antes e depois de viver sozinha?
Demorou algum tempo [a habituar-me] porque estava chocada [com o que se passara]. Tenho muita sorte porque sempre gostei da minha própria companhia. O mais importante é mesmo gostarmos de nós próprios — algumas pessoas não gostam de si próprias, mas precisam de aprender a fazê-lo. Escrevi o livro porque queria um livro destes e não consegui encontrar nenhum. Queria uma espécie de mapa para me ajudar a navegar por isto. Escrevi-o porque queria muito ler um livro assim. O objetivo do livro passa por explicar como é muito importante tomar iniciativa e não deixar que os dias passem sem que nunca avancemos realmente. Quando vivemos sozinhas precisamos mesmo de agir e de planear algumas coisas. Se eu ficasse à espera que o telefone tocasse, talvez não saísse de casa durante um mês. Eu tomo a iniciativa, marco coisas, ligo às pessoas, convido as amigas, recebo amigos para jantar, vou a aulas noturnas. Faço coisas, sozinha ou acompanhada. Penso que a ação é a inimiga da solidão. O mundo pertence às pessoas que agem. Temos de fazer coisas, não podemos sentar-nos passivamente. É muito fácil, quando vivemos sozinhos, construir gradualmente uma pequena muralha à nossa volta — exige um esforço sério e coragem para criar uma uma grande vida para nós, sozinhos. É por isso que acho que as pessoas que vivem sozinhas são fortes e corajosas, merecem muito mais crédito.

Dez coisas que aprendi ao escrever este livro: algumas das pessoas mais fortes, mais capazes, mais sociáveis e mais amorosas do mundo moram sozinhas; tem de gostar de si própria; viver sozinha é uma competência que requer esforço, mas encontrará forças que nunca imaginou ter; encare a situação de uma perspetiva diferente, concentre-se em viver a sua vida ao máximo; estar sozinha não é sinónimo de isolamento; a sua felicidade depende única e exclusivamente de si. Encontrá-la está nas suas mãos; estar sozinha dar-lhe-á tempo e espaço para descobrir quem é e quem quer ser; a maioria das pessoas mente sobre o que come quando não tem companhia; o mundo pertence aos que agem; tops com botões nas costas são o triunfo de Santanás. “A arte de viver sozinha e adorar” páginas 14 e 15

"A sociedade está a ficar melhor, mas penso que ainda nos vê [a quem vive sozinho] como um prémio de consolação — ficámos em segundo lugar porque não estamos a viver com ninguém. Acho que precisamos de uma resiliência incrível para mantermos a cabeça erguida numa sociedade que ainda pensa que nós não fomos bem sucedidas ou bem sucedidos." 
Jane Mathews

Mas viver sozinho acarreta desafios. É a solidão o maior deles todos?
Não é que todos os dias sejam maravilhosos, não são. Há dias bons e dias maus, mas temos de ser autossuficientes, temos de ser incrivelmente fortes. Há grandes desafios, um deles é a solidão, não podemos fugir dela, é parte da condição humana. A doença também é um grande desafio. Se estamos doentes precisamos de ter uma rede de apoio, amigos, médicos ou alguém que nos possa ajudar se estivermos doentes, presos à cama. Alguém que nos faça canja de galinha.

Os preconceitos da sociedade também não devem ajudar…
A sociedade está a ficar melhor, mas penso que ainda nos vê [a quem vive sozinho] como um prémio de consolação — ficámos em segundo lugar porque não estamos a viver com ninguém. Acho que precisamos de uma resiliência incrível para mantermos a cabeça erguida numa sociedade que ainda pensa que nós não fomos bem sucedidas ou bem sucedidos.

A solidão, a doença e a forma como a sociedade olha para estas pessoas são grandes desafios, mas também há coisas pequenas que nos podem afetar: cozinhar apenas para uma pessoa, ir de férias sozinha, o Natal, os aniversários… e não podemos sucumbir ao ritual que inclui vinho, botas e Netflix todas as noites. Podemos comer pizza ao pequeno-almoço todos os dias e ninguém vai dizer nada porque estamos sozinhos, pelo que precisamos de ser muito disciplinados. Às vezes, coisas simples podem fazer-nos descarrilar: não conseguirmos mudar mobília pesada, não conseguirmos pendurar uma quadro na parede e precisarmos de um par extra de mãos, etc. Às vezes temos aranhas do tamanho de um cão no duche… quer dizer, é provável que vocês não tenham isso, mas na Austrália há aranhas do tamanho de um cão. Viver sozinha implica construir uma rede amigos, de conhecidos, de vizinhos — é ir ao mesmo café todos os dias, à mesma loja todos os dias e tentar ser amigo do assistente de loja. Estas pequenas coisas podem fazer uma grande diferença.

© DR

Houve algum episódio em particular que lhe tenha custado mais?
Há uns 3 anos ninguém se lembrou do meu aniversário, ninguém mesmo. O que não seria muito mau até porque não sei o aniversário dos meus amigos, mas tenho dois filhos e eles não se lembraram que eram os meus anos. Então, fui a uma loja e comprei alguns perfumes e disse à senhora que fazia anos. Ela desejou-me um feliz aniversário, olhou para o meu cartão de crédito e disse “Mrs. Mathews”. E eu pensei que nunca mais ia deixar que uma coisa destas acontecesse. Agora, no meu aniversário, convido amigos para jantar. Há alturas em que há coisas que te fazem perder caminho quando menos esperamos.

Ainda assim, a pesquisa mostra que as pessoas que vivem sozinhas têm melhores vidas sociais, contribuem mais para a sociedade, são mais orientadas em prol da comunidade, fazem mais voluntariado, têm vidas mais ativas do que as pessoas que estão casadas. Não há dúvida em relação a isso. Acho que ainda há essa noção antiquada de que casar é a forma como as coisas devem ser. Ainda assim, acho que as coisas estão a mudar. No setor das viagens, viajar sozinho é uma coisa que está a crescer muito depressa.

O estigma associado a viver sozinho permanece presente, mais para as mulheres do que para os homens, numa sociedade em que a norma é a vida conjugal ou familiar. São as pequenas coisas que sinalizam o nosso estatuto social, como preencher um formulário com as opções: solteiro/separado mas não divorciado/viúvo/casado (legendas invisíveis: perdeu o barco/falhado!/falhado!/pobre de si/parabéns). Onde está a opção ‘alegremente só’? “A arte de viver sozinha e adorar”, página 22

Essa ideia de fazer mais coisas e conhecer pessoas novas parece um estilo de vida mais imprevisível e, dependendo do ponto de vista, entusiasmante…
Acho que isto faz-nos olhar um pouco para dentro e descobrir o que gostamos. Eu tento fazer muitas coisas, tento ter interesses diferentes. Já participei em aulas de escrita e de pintura. Acho que a melhor cura para a solidão é a imersão num hobby, seja pintar ou fazer caminhadas. O tempo voa quando estamos totalmente imersos em algo [de que gostamos].

Como digo no livro, há implicações ao nível da saúde muito bem documentadas associadas ao viver-se sozinho e tudo o que os media dizem é resumido a três coisas: escrevem que a solidão é uma epidemia silenciosa, falam sobre como no Japão os idosos preferem ser presos para estarem com outras pessoas e para terem uma refeição quente, e que a solidão é pior do que fumar 15 cigarros por dia, pior do que ser obeso ou alcoólico. Para mim, estas ideias são três soundbites baratos. E ainda que estejam tecnicamente certas, também penso que quem vive sozinho tem de se afastar delas. Um dos motivos porque as pessoas que vivem sozinhas ficam mais vezes doentes é porque não vão ao médico quando deviam. Um parceiro levá-los ao médico, é tão simples como isso. O tema da solidão está na agenda de vários países, Austrália incluída. Nos EUA os cientistas estão à procura de um comprimido para curar a solidão para que as seguradoras não tenham de dar dinheiro às pessoas que vivem sozinhas e que ficam doentes — querem parar isso desde cedo.

"Há implicações ao nível da saúde muito bem documentadas associadas ao viver-se sozinho e tudo o que os media dizem é resumido a três coisas: escrevem que a solidão é uma epidemia silenciosa, falam sobre como no Japão os idosos preferem ser presos para estarem com outras pessoas e para terem uma refeição quente, e que a solidão é pior do que fumar 15 cigarros por dia, pior do que ser obeso ou alcoólico. Para mim, estas ideias são três soundbites baratos."
Jane Mathews

Quais os vícios mais fáceis de ganhar quando se vive sozinha? É fácil, por exemplo, sucumbir ao negativismo, às queixas?
Sim, é. Tenho de dizer que às vezes, quando estou numa loja, consigo perceber quem são as pessoas que vivem sozinhas só pelo aspeto delas. Têm uma energia negativa à sua volta e são sensíveis. Quando vivemos sozinhas é muito fácil pensar que a culpa do que está errado é dos outros e que toda a gente é mais feliz do nós; temos mesmo de conscientemente parar com isso, cada um de nós é responsável pela própria felicidade. Não tem que ver com os amigos, com ex-maridos ou ex-companheiros, ou até mesmo com os nossos filhos. Enquanto indivíduos, somos responsáveis pela nossa própria felicidade. Acho que é muito importante assumirmos responsabilidade por isso. Muitas vezes vejo pessoas que vivem sozinhas que ficam progressivamente tristes e amargas. E não há necessidade disso. Honestamente, sou muito feliz a viver sozinha e não quero estar com mais ninguém. Se alguém chegar à minha vida e eu apaixonar-me perdidamente… fantástico. Mas não estou à procura de ninguém e não me arrependo já não estar casada. Posso dormir na diagonal na minha cama e adoro isso! Posso fazer o que quero e comer o que quero, mas não o faço…

Viver sozinha parece ser um desafio diário. De certa forma é um teste contínuo capaz de melhorar a nossa auto-estima?
Isso mesmo. Às vezes tenho tanto orgulho em mim… porque ninguém me vai dizer “Muito bem, Jane!”. Escrevi dois livros, mudei de carreira, fiz uma vida nova para mim, fiz muitos amigos. O livro foi traduzido em 8 línguas, tenho recebido feedback muito bom. Nunca teria feito isto se ainda estivesse casada com 2.4 filhos, numa casa com uma cerca branca e um cão.

Há muitas pessoas que se sentem absolutamente sozinhas, mesmo vivendo com alguém. Estar num relacionamento caracterizado pela indiferença é o pior tipo de ‘solidão’. A indiferença é o oposto do amor, não o ódio, e é horrível constatar a quantidade de pessoas que se sentem sós dentro de um casamento fraturado ou de um relacionamento que se mantém graças aos tentáculos do passado. “A arte de viver sozinha e adorar”, página 70

Mas também não há nada de errado em viver com outra pessoa…
Não, de todo. Claro que há alturas em que vemos relações maravilhosas e pensamos o quão bom seria termos alguém assim. Mas, neste momento, o meu trabalho é cuidar de mim. Não penso mal de pessoas que estão juntas. Mas o que noto, estando sozinha, é que as relações variam muito e, à medida que envelhecemos, algumas pessoas ficam juntas porque pensam que é melhor do que a alternativa. Não tem mal que pensem assim. É mais difícil estar-se sozinho, mas também tem as suas recompensas.

Este livro é orientado para mulheres? Se sim, porquê?
Penso que inconscientemente o livro é orientado às mulheres porque escrevi sobre as minhas experiências, apesar de nunca o ter direcionado a alguém em particular. Quando faço palestras diria que se falar para 100 pessoas, talvez 5 delas sejam homens. Os homens são de longe a minoria.

Acha que a sociedade se devia abrir mais a pessoas que vivem sozinhas?
Absolutamente, 100%. Já está a acontecer — as estatísticas mostram isso –, mas a um ritmo lento. O que me chateia é sobretudo nos supermercados. Aqui, no Reino Unido e nos EUA, as doses individuais tendem a ser “ready meals”, um frango com caril para aquecer no micro-ondas para uma pessoa. Devia ser possível comprar porções mais pequenas de algumas coisas. Penso que esse mercado está a mudar, há muito mais apartamentos para solteiros, mas são caros. Acho que isto é um fenómeno que se está a tornar cada vez mais normal. Já somos tantos a fazê-lo.

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