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Em período de campanha os políticos são música para os ouvidos dos eleitores. Mas a música também ajuda a definir esses políticos ou, no mínimo, o gosto musical de cada um. Rui Rio é um homem com gosto clássico que traz Santana em dose dupla. João Oliveira não evita a Carvalhesa, mas revela outros gostos como uma música que junta a fadista Sara Correia ao DJ de hip hop e música eletrónica Stereossauro. Francisco Rodrigues dos Santos tem muitas escolhas nacionais que vão desde Samuel Úria a Fernando Daniel. Inês Sousa Real não foge do mainstream, com escolhas de Eddie Vedder a Sinéad O’Connor. André Ventura muda tudo da playlist de há um ano, exceto uma música, o Porto Sentido, de Rui Veloso. Rui Tavares, pouco contido, enviou 25 músicas, embora só lhe tenham sido pedidas dez, em escolhas que vão desde Mler Ife Dada a Conan Osíris.

O Observador desafiou os candidatos às legislativas a indicarem dez músicas que gostassem, que os definissem ou que, simplesmente, gostassem. Seis dos candidatos dos nove partidos que elegeram representação parlamentar em 2019 enviaram as suas preferências ao Observador. Veja e, sobretudo, ouça as playlists do líder do PSD, Rui Rio, do líder parlamentar do PCP, João Oliveira, do líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, da líder do PAN, Inês Sousa Real, do líder do Chega, André Ventura, e do fundador do Livre, Rui Tavares.

A playlist de Rui Rio

Rui Rio é um homem de gosto clássico — e não parece ser fácil canções novas entrarem-lhe no gosto. Olhando para as suas escolhas musicais, oito dos dez temas remontam ou aos anos 60 ou aos anos 70. E até há duas canções de um mesmo disco, Abraxas, editado pelos Santana em 1970. As únicas exceções ao gosto notório por clássicos de pop-rock e suas variantes, como o blues, são a portuguesíssima “Lusitana Paixão”, de Dulce Pontes, e o hit disco “Can’t Take My Eyes Off”, que talvez Rui Rio ainda tenha dançado nas pistas de dança nos anos 90.

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Quanto a Santana, não o Carlos, mas o Pedro, que é ex-líder do PSD e seu antigo adversário nas diretas, também lhe deu uma surpresa de última hora: apareceu ao seu lado na grande arruada do Chiado para lhe dar o apoio e, pela primeira vez, estar alinhado com a estratégia do presidente social-democrata.

A playlist de João Oliveira

Chamem à vontade ao PCP conservador nos costumes, na música João Oliveira não está só sintonizado com os discos que vão ganhando pó pela idade. Se não repare-se na escolha pouca clássica de “O mundo há de ser mais”, que junta a fadista Sara Correia ao DJ de hip-hop e música eletrónica Stereossauro, revelada em 2021. Talvez seja também pela letra, a pedir mais respeito pela diferença e projetar amanhãs que cantam, bem melhores do que o presente: “Vou gritar p’ro mundo inteiro ouvir / a ânsia de ser mais / que ao gritar, dizer e repetir / que todos são iguais / o mundo há-de ser mais / já chega de ódios, de invejas / (…) já chega do branco, o preto, o agarrado ou o liberto / julgados por quem vê passar”. Da playlist fazem também parte a inevitável “Carvalhesa”, o single também recente (igualmente do ano passado) “Reviravolta” do fadista Duarte, “Veneno” dos Peste & Sida, “Caminhos do Alentejo” de Paulo Ribeiro e Vitorino (que apela à sua costela alentejana) e “Danças na Eira”, do tocador de guitarra portuguesa Ricardo J. Martins.

A “Senhora Lua”, música da Estudantina Universidade de Coimbra, também não aparece ao acaso: o líder parlamentar do PCP — que substituiu Jerónimo de Sousa na maior parte das ações de campanha, estudou na Universidade de Coimbra.

A playlist de Francisco Rodrigues dos Santos

João Cotrim Figueiredo acusou-o de ser o líder político mais novo mas também aquele que “tem a cabeça mais velha”. Pelo menos no gosto musical, não tem razão. É verdade que há patriotismo e muito na playlist de Francisco Rodrigues dos Santos — oito das dez escolhas são nacionais —, mas há canções tão recentes que saíram há menos de um ano, como “Higher Power” dos Coldplay. A costela pop é evidente, como se percebe também pelas inclusões de “Melodia da Saudade”, de Fernando Daniel, e “O Tempo Vai Esperar”, da banda Os Quatro e Meia (a segunda também escolhida por André Ventura). Mas a escolha mais curiosa talvez seja “Império”, de Samuel Úria, de um “não facho” acusado de o ser. Ou como canta o tondelense, aficionado de John Wayne e que em tempos até terá chegado a usar t-shirts a dizer que se fosse americano seria republicano: “E ao queimarem-me a bandeira / seguram o facho / com orgulho inflamado vou marchar pelo Império”.

Há uma música que foi escolhida tanto por Francisco Rodrigues dos Santos como por André Ventura: “O Tempo vai esperar”, do grupo Os quatro e meia — uma das raras repetições nas playlists enviadas ao Observador. Há ainda uma música escolhida pelo líder centrista que não está no Spotify — e daí não estar na playlist: trata-se “Gabriel’s Oboe”, tocada por Henrik Chaim Goldschmidt e que pode ouvir aqui. O mesmo acontece com “As Montadeiras”, na voz de Luís Trigacheiro, que pode ouvir aqui.

A playlist de Inês Sousa Real

É uma playlist eclética e variada, a de Inês Sousa Real. A líder do PAN gosta de ouvir “Society”, o lamento em tom de crítica social de Eddie Vedder, que apareceu no filme “Into the Wild” — um filme em que um protagonista se afastava da “civilização” e dos modos de vida mais consumistas e convencionais, para se refugiar na natureza e na beleza do mundo natural. Mas não só: há “Canção de Engate”, de António Variações (resta saber com quem vai o PAN flirtar, se Rio ou Costa), há Ana Moura, Prince, Amy Winehouse, GNR (é Sub-16 e não o Efetivamente, embora o PAN goste de “todos os bichos do mato”,  Guns N’ Roses, Sinéad O’Connor, Keane e Manic Street Preachers. Uma playlist adequada para animar todos, até cães e gatos.

A playlist de André Ventura

Os programas e aqueles que se propõem a representar não podiam vir de meios mais distantes, mas André Ventura e Inês Sousa Real têm duas coisas em comum: ambos gostam de ouvir “Purple Rain”, do cantor Prince, e a banda portuguesa GNR. Na sua playlist, Ventura vai da pop mais recente e radiofónica (“O Tempo Vai Esperar”) à canção argentina de Coti e ao R&B, com o lascivo The Weeknd — que conhecendo, talvez Ventura descrevesse como “o músico marijuana” — e o seu êxito “Save Your Tears”. Ainda há fado (Amália Rodrigues, Fernando Farinha), trazido por um homem que também é devoto aos restantes dois F’s.

A playlist de Ventura mostra uma das duas únicas repetições que estão nas escolhas de todos os candidatos: o “Purple Rain”, de Prince, que também foi escolha de Inês Sousa Real. Outro curiosidade é que, durante as presidenciais de janeiro de 2021, o Observador pediu também uma playlist a André Ventura (na altura foram 15 músicas), mas o líder do Chega repetiu apenas uma música entre as suas favoritas no espaço de um ano: o Porto Sentido, de Rui Veloso. Há um simbolismo político: o Chega tem os piores resultados do país no Porto, um verdadeiro calcanhar de Aquiles do partido, mas onde Ventura não desiste de tentar eleger deputados.

Mais uma nota: Ventura tinha na playlist como candidato presidencial “As ilhas dos Açores”, de Madredeus, na playlist de janeiro de 2021, para se regozijar com o resultado dos Açores, em que fez parte da solução que permitiu um Governo de direita. Tudo correu mal ao Chega: um deputado desvinculou-se do partido e o outro foi praticamente forçado a manter o Governo PSD de Bolieiro (a alternativa era o regresso do PS).

A playlist de Rui Tavares

Se for eleito e se acabar por, como deseja, ser chamado à mesa das negociações para integrar uma eco-geringonça, Rui Tavares vai ter de fazer o que para a sua playlist não conseguiu: ser parcimonioso e dietético no que quer. Incapaz de escolher apenas dez canções prioritárias e deixar várias outras de fora, Tavares cedeu ao Observador porventura a playlist que melhor se enquadrará no tipo de ouvinte música indie, sempre atento à novidade. Há clássicos, claro, e politizados (com algo a dizer sobre a sociedade), como Chico Buarque, José Afonso e a recentemente falecida Elza Soares. Mas as escolhas que mais podem surpreender estão apontadas ao passado recente, como as de “Amália” de Conan Osiris, e “E Não Sobrou Ninguém” dos Linda Martini — canção de rock-combate, alertando para o crescimento de movimentos fascistas e para os efeitos de se assobiar para o lado por não se ser diretamente visado (até não sobrar ninguém). Se em vez de político e candidato a deputado pelo Livre, Rui Tavares fosse DJ ou programador musical num bar de música alternativa, era capaz de ter garantida a estabilidade laboral.

[Ouça aqui o Isto não passa na rádio especial sobre “As canções dos candidatos às Legislativas:] 

As canções dos candidatos às Legislativas