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Patrão de Oleg, principal suspeito do homicídio, foi absolvido,. Quatro pessoas foram condenadas, mas apenas por profanação de cadáver, por terem transportado corpo de cidadão ucraniano
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Patrão de Oleg, principal suspeito do homicídio, foi absolvido,. Quatro pessoas foram condenadas, mas apenas por profanação de cadáver, por terem transportado corpo de cidadão ucraniano

Patrão de Oleg, principal suspeito do homicídio, foi absolvido,. Quatro pessoas foram condenadas, mas apenas por profanação de cadáver, por terem transportado corpo de cidadão ucraniano

As últimas horas de vida, as críticas à investigação e um crime sem culpados. Quem matou Oleg?

Ucraniano foi encontrado morto a 10 de junho. O principal suspeito foi absolvido do crime de homicídio. Tribunal criticou a investigação, que só analisou o possível local do crime 4 dias depois.

A garagem foi transformada numa sala de jantar. Em cima da mesa comprida, rodeada de dois conjuntos aleatórios de cadeiras brancas e castanhas, encontravam-se pousados vários objetos: um chapéu azul, com pequenas flores brancas, sacos de plástico, uma mala preta, uma caneca vazia e bananas e peras dentro de dois pequenos cestos. Junto à parede, garrafões de vinho, caixas com batatas e duas cadeiras. Numa dessas cadeiras, com o corpo tombado para o lado direito, estava Oleg — morto. A olhar para o cadáver estavam três pessoas, “bastante calmas, a beber chá”, segundo o auto da GNR que consta do processo consultado pelo Observador.

Na garagem transformada em sala, dois militares da GNR observavam este comportamento suspeito. Tinham sido chamados pelo INEM, que chegou àquela casa, na Póvoa de Varzim, pouco depois das 21h, no dia 10 de junho de 2022. A desconfiança começou no preciso momento em que os elementos do INEM entraram na divisão e rasgaram a camisola vermelha de Oleg, para prestar os primeiros socorros, e perceberam que a morte já teria ocorrido há várias horas. Possivelmente, o homem de nacionalidade ucraniana nem sequer teria morrido naquele local.

Quem matou Oleg, a que horas morreu e onde morreu é uma incógnita para o Tribunal de Matosinhos, que absolveu o principal suspeito do crime de homicídio qualificado. Há, no entanto, certezas: a morte teve contornos de grande violência. No dia 10 de junho de 2021, alguém “despiu as calças a Oleg e introduziu na região anal do mesmo, pelo menos por duas vezes, um objeto de natureza contundente que não foi possível identificar”.

Suspeito de sodomizar trabalhador ucraniano foi absolvido do crime de homicídio

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O corpo apresentava mais sinais de violência, com ferimentos evidentes em várias zonas do corpo. “Tais atos hediondos” — como descreve o tribunal na sentença de um processo em que foram julgadas quatro pessoas pela morte e profanação do cadáver do cidadão ucraniano, e a que o Observador teve acesso — resultaram em mais de 20 lesões na cara, na cabeça e nos membros superiores e inferiores de Oleg. Esses ferimentos, “que levaram a perda hemorrágica abundante, provocaram, direta e necessariamente, a morte” de Oleg, que estava em Portugal há, mais ou menos, dez anos.

Para o Ministério Público, o responsável pela morte de Oleg seria o seu patrão, sócio de uma empresa de produtos hortícolas, na Póvoa de Varzim, e acusado de homicídio qualificado, escravatura e profanação de cadáver, que esteve com ele a beber vinho do Porto ainda durante a manhã daquele 10 de junho. Mas o tribunal tem dúvidas e, como refere, “in dubio pro reo”, absolveu o patrão — que diz que encontrou a vítima, já durante a tarde, sem vida — do crime de homicídio.

MP tem dúvidas, porque não sabe onde esteve o patrão de Oleg durante cerca de cinco horas e não existe ADN que o coloque em contacto com a vítima. Tem dúvidas, porque os arguidos dizem que o corpo só foi encontrado por volta das 17h30 e o INEM só foi acionado já depois das 21h, depois de o patrão, de o seu sócio, de a mulher do principal suspeito, e de a mãe terem mudado o cadáver de sítio. E, tem dúvidas, porque o local onde o corpo foi encontrado inicialmente, nas estufas, só foi analisado pelas autoridades quatro dias depois da morte.

Tem dúvidas porque, a determinado momento, naquela manhã, o patrão abandonou as estufas onde estava Oleg, não se sabendo onde esteve durante cerca de cinco horas — e não foi encontrado ADN que o colocasse em contacto com a vítima. Tem dúvidas porque os arguidos dizem que o corpo só foi encontrado por volta das 17h30 e o INEM só foi acionado já depois das 21h, depois de o patrão, o seu sócio, a mulher do principal suspeito e a mãe — os quatro arguidos neste processo cuja sentença foi lida a 20 de dezembro — terem mudado o cadáver de sítio. E tem dúvidas porque o local onde o corpo foi encontrado inicialmente, num anexo das estufas, junto à roullote onde vivia, só foi analisado pelas autoridades quatro dias depois da morte.

Das estufas para a garagem: a encenação de um cenário de vida e de morte

Naquela noite, depois de desconfiarem do comportamento das três pessoas que guardavam o corpo – o patrão de Oleg, a sua mãe e o seu sócio –, os militares da GNR decidiram chamar a Polícia Judiciária. E a primeira versão dos acontecimentos que apresentaram já deixava algumas pontas soltas: desde logo, as horas indicadas por cada um deles. De acordo com o processo que o Observador consultou no Tribunal de Matosinhos, a mulher e os dois homens começaram por contar que Oleg vivia naquela casa, com a mãe do seu patrão, e que naquele manhã não tinha ido trabalhar por estar bêbado. Oleg trabalhava nas estufas – ajudava o patrão a cortar alfaces e feijão verde e a fazer entregas em várias empresas. Os três disseram ter sido a mãe do patrão de Oleg a encontrar o corpo, assim que chegou à tal garagem, por volta das 20h. Mas já passava das 21h quando foi feita a chamada para o INEM.

A primeira versão dada pelos arguidos denunciava pontas soltas, começando logo pelas horas indicadas por cada um deles. De acordo com a mulher e os dois homens que ali estavam explicaram que Oleg vivia naquela casa, com a mãe do seu patrão, e que naquele dia não tinha ido trabalhar por estar bêbado. Oleg trabalhava nas estufas – ajudava o patrão a cortar alfaces e feijão verde e a fazer entregas em várias empresas. Os três disseram ter sido a mãe do patrão de Oleg a encontrar o corpo, assim que chegou à tal garagem, por volta das 20h.

Além das “incongruências nas declarações”, foi também mostrado um quarto, que os três garantiam pertencer a Oleg. Mas dentro das gavetas não havia qualquer vestígio pessoal da presença regular do homem naquela divisão. Existiam apenas, junto à cómoda, “três caixas plásticas de transporte de frutas e legumes, contendo diversas roupas e objetos” de Oleg, como se tivessem sido levadas para ali naquele instante.

Depois de percorridas as divisões da casa, os inspetores da PJ acabaram por entrar num anexo onde eram guardados utensílios agrícolas e onde também estava estacionada uma carrinha. Pertencia ao patrão. No banco carrinha surge a primeira pista de que este poderia ser um caso com contornos menos óbvios: vestígios de sangue no banco, do lado do pendura. É nesse instante que os três suspeitos mudam a versão inicial: admitem que, afinal, Oleg não tinha morrido naquela casa, mas tinha sido encontrado nas estufas onde, de facto, vivia. E dizem que tinham transportado o corpo para aquela casa para camuflar as condições indignas em que o ucraniano vivia, numa roulotte estacionada, precisamente, dentro do terrenos das estufas. Além de ter sido transportado para a garagem, os suspeitos contam que também decidiram trocar a roupa de Oleg.

Nesta altura, segundo o relatório feito pela PJ, as autoridades já tinham percebido que existiam “sinais de hemorragia grave através do ânus”. Não sabiam, no entanto, o que teria provocado essa hemorragia e, por isso, se estavam perante um crime, ou não.

A primeira visita às estufas: um cenário remexido e o local da morte

Assim que a PJ percebeu que o corpo tinha sido transportado – como já desconfiavam, aliás, os elementos do INEM quando viram a vítima –, os inspetores foram até às estufas, acompanhados pelo principal suspeito da morte de Oleg — o seu patrão. E foi aqui que encontraram a roulotte branca e cinzenta a que Oleg chamava casa. O espaço tinha poucas condições de habitabilidade: não existia sequer uma casa de banho nas imediações e este trabalhador tinha apenas um anexo, perto da roulotte, “que servia de cozinha, no interior do qual se encontravam uns armários, um fogão, um micro-ondas, um frigorífico, utensílios de cozinha e um lavatório, tudo em mau estado de conservação”, detalha o tribunal na sentença, considerando como provado aquilo que já vinha plasmado na acusação feita pelo Ministério Público.

Na roulotte onde vivia Oleg não existia sequer uma casa de banho nas imediações e este trabalhador tinha apenas um anexo, perto da roulotte, “que servia de cozinha, no interior do qual se encontravam uns armários, um fogão, um micro-ondas, um frigorífico, utensílios de cozinha e um lavatório, tudo em mau estado de conservação”.

Quando a PJ chegou, a porta da roulotte estava aberta “e no exterior, junto da mesma, era visível um amontoado de roupa e outros objetos” que o patrão “referiu ter retirado do interior da roulotte, enquanto procurava o passaporte e documentos de Oleg”. Lá dentro, “acumulavam-se detritos, roupas, sujidade e outros objetos”, descreveu a PJ.

Nessa noite, porém, os inspetores não recolheram qualquer objeto para análise. Além da falta de luz — era madrugada quando a equipa esteve no local —, a PJ acrescentou que, perante o facto de todo o interior ter sido remexido, “era impossível distinguir” entre o que seria “consistia em sujidade e desarrumação habitual da vítima e aquilo que resultava de manipulação posterior dos objetos, ou que poderia ter relevância em termos de investigação criminal”.

Perto do espaço que servia de casa a Oleg, no anexo, foram encontradas duas caixas verdes. Nestas caixas era visível uma mancha de sangue. Aliás, para a PJ e para o Ministério Público ficou claro que foi ali que Oleg morreu, sentado em duas caixas que servem para guardar alfaces. E o principal suspeito da morte do cidadão ucraniano chegou a confirmar esta informação, ainda naquela noite, ao dizer que tinha feito as entregas marcadas para aquele dia sozinho, porque Oleg estava embriagado, que tinha almoçado, dormido uma sesta até às 17h e que, “quando regressou às estufas, se deparou com Oleg morto na cozinha e a sangrar do ânus”.

PJ encontrou o rótulo de uma garrafa de vinho do Porto e uma rolha que coincide com as que são utilizadas nestas garrafas. Há, no entanto, um pormenor importante: “Não foi encontrada qualquer garrafa de vinho desta ou de outra marca”.

E foi também naquele anexo que a PJ encontrou o rótulo de uma garrafa de vinho do Porto e uma rolha que coincide com as que são utilizadas nestas garrafas. Há, no entanto, um pormenor importante: “Não foi encontrada qualquer garrafa de vinho desta ou de outra marca.”

O silêncio, a autópsia e a segunda visita às estufas

As diligências naquela noite ficaram concluídas por volta das quatro da manhã. No dia seguinte, os três — Danny (o patrão), a mãe e o sócio — foram constituídos arguidos no processo, que ainda não tinha contornos de homicídio, apenas de profanação de cadáver. As conclusões da PJ apontavam nesse sentido, mas admitiam algum tipo de intenção dos suspeitos de encobrir alguns detalhes: “Face aos elementos recolhidos, e na ausência de lesões visíveis a nível externo que se possam afigurar como causa de morte, subsiste para já a certeza de que o corpo foi removido do local onde se encontrava e composto por forma a ocultar as circunstâncias que envolveram a sua morte.”

“Face aos elementos recolhidos, e na ausência de lesões visíveis a nível externo que se possam afigurar como causa de morte, subsiste para já a certeza de que o corpo foi removido do local onde se encontrava e composto por forma a ocultar as circunstâncias que envolveram a sua morte”, escreveu a PJ.

Logo no segundo dia de investigação, os três suspeitos começaram a ser ouvidos e o sócio do patrão de Oleg deu a sua versão dos factos, descartando qualquer responsabilidade na morte do trabalhador ucraniano. Foi com esse testemunho que as autoridades conseguiram perceber vários detalhes sobre o dia em que Oleg morreu (foi também esse testemunho que conduziu os inspetores à tese de que poderia existir mais um suspeito: a mulher do patrão de Oleg, que mais tarde seria constituída arguida e que acabaria condenada pelo crime de profanação de cadáver).

Com o interrogatório ao sócio de Danny ficou a saber-se, por exemplo, que o patrão de Oleg e a mãe teriam encontrado o ucraniano morto nas estufas, no tal anexo, por volta das 17h30, cerca de quinze minutos antes de ter recebido uma chamada da mãe do seu sócio, dizendo: “Passa aqui, que parece que o Alex (nome pelo qual tratavam Oleg) está morto.”

Os dados novos com que foram confrontados no interrogatório levaram os inspetores a adiar a audição do patrão de Oleg e da mãe deste para três dias mais tarde. Mas o principal suspeito da morte de Oleg e a sua mãe acabaram por remeter-se ao silêncio, optando por não prestar quaisquer naquele momento, tal como acabariam por fazer durante toda a investigação e julgamento. O patrão diria apenas que tinha ido às estufas nos dias anteriores e sugeriu que alguém teria remexido o interior da roulotte.

A PJ regressou às estufas apenas três dias depois da morte de Oleg e, dessa vez, recolheu algumas possíveis provas, como uma colcha que continha sangue de Oleg e um pedaço de madeira — as análises a que foi submetido, porém, acabariam por indicar não existirem indícios de ter sido esse o objeto utilizado para matar o ucraniano.

O local não tinha sido vedado pela PJ, uma vez que os investigadores consideraram, até àquele momento, que não existiam contornos de homicídio no caso. A PJ só regressou às estufas três dias depois da morte de Oleg e, dessa vez, recolheu algumas possíveis provas, como uma colcha que continha sangue de Oleg e um pedaço de madeira — as análises a que foi submetido, porém, acabariam por indicar não existirem indícios de ter sido esse o objeto utilizado para matar o ucraniano. O cenário que a PJ encontrou neste dia era, de facto, bem diferente daquele que tinha registado na noite da morte de Oleg: tinham desaparecido roupas e havia agora um balde com água e utensílios de cozinha, que o principal suspeito disse “terem sido colocados ali por pessoa que desconhece”.

É aqui que o tribunal se foca quando, numa crítica à forma como a investigação foi conduzida, fala sobre a falta de provas para condenar o principal arguido pelo crime de homicídio. Nos quatro dias seguintes à morte de Oleg, “toda a área onde o corpo foi encontrado ficou acessível a quem ali se quisesse dirigir”, escreve o tribunal, que diz também não ter como saber o que se passou durante o tal período. Na sentença, o coletivo diz não ter forma de saber “se alguém ou os arguidos fizeram desaparecer vestígios que ali pudessem existir e não tivessem sido recolhidos no dia 10; se, por exemplo, o local foi limpo, desinfetado e desimpedido de objetos associados à morte do ofendido, ao ponto de no dia 14.10.2021, quando os inspetores da PJ regressaram, já não ser possível avançar na investigação”.

O tribunal criticou a forma como a investigação foi conduzida, sobretudo pela falta de provas para condenar o principal arguido pelo crime de homicídio. Nos quatro dias seguintes à morte de Oleg, “toda a área onde o corpo foi encontrado ficou acessível a quem ali se quisesse dirigir", escreve o tribunal

E foi também a 14 de junho, dia dos interrogatórios aos dois arguidos, que a médica do Instituto de Medicina Legal fez uma chamada para o inspetor da PJ, dando conta de “que o sangramento que o corpo apresentava pela região anal era proveniente, não de doença, mas de lesão traumática, provavelmente relacionada com a introdução no orifício anal de objeto contundente”. A perícia ao corpo de Oleg apontava no sentido de que teria sido esta a causa da sua morte. “Perante esta nova informação, começou a ganhar consistência a hipótese de homicídio doloso e/ou violação”, admitiu finalmente a PJ.

A reconstituição do dia e as dúvidas do tribunal

Depois dos interrogatórios em cafés e mercearias, depois da análise dos registos de câmaras e já com a certeza de que se tratava de um crime de homicídio, foi possível fazer a reconstituição do dia em que Oleg morreu e perceber por onde andou o seu patrão. Há, no entanto, períodos em que se desconhecem os seus passos e há, sobretudo, dúvidas que o Tribunal de Matosinhos diz não terem ficado esclarecidas.

Certo é que o dia da morte de Oleg começou bem cedo – tanto para ele como para o patrão, que lhe pagava cerca de 300 euros, de duas em duas semanas, segundo as “respetivas declarações”. Nesse dia, “Oleg trabalhou sob as ordens” do homem que o inscreveu na Segurança Social.

Oleg e o seu patrão encontraram-se nas estufas ao início da manhã do dia 10 de junho e, quando faltavam cerca de cinco minutos para as oito horas, saíram daquele local e dirigiram-se a uma mercearia para comprar duas garrafas de vinho do Porto.

Às 5h30, o patrão foi aos armazéns da sua empresa de hortícolas buscar caixas de plástico para colocar, mais tarde, as alfaces que iria apanhar e que depois entregaria a um cliente, que tinha feito uma encomenda no dia anterior. Colocou então as caixas na sua carrinha de caixa aberta e seguiu para as estufas, onde ficava a roulotte de Oleg.

Os dois encontraram-se nas estufas ao início dessa manhã e, quando faltavam cerca de cinco minutos para as oito horas, saíram daquele local e dirigiram-se a uma mercearia para comprar duas garrafas de vinho do Porto. Demoraram poucos minutos, até porque, por volta das 8h03, estavam de regresso às estufas – aliás, as imagens das câmaras confirmam esta informação. “Nesse local, o arguido e o Oleg consumiram daquele vinho, vindo o Oleg a apresentar uma TAS (Teor de Álcool no Sangue) de 2,21 g/l”.

As maiores dúvidas incidem sobre o que se passou nas horas seguintes. Depois do vinho do Porto, a história apresenta falhas, que não foram clarificadas durante o julgamento, uma vez que o principal arguido nunca quis falar e as imagens analisadas pela PJ não mostram este homem durante várias horas.

Sabe-se que o patrão saiu sozinho das estufas pelas 11h15 – mais de uma hora atrasado para a entrega da encomenda das alfaces –, dirigiu-se para o local da entrega, uma empresa de legumes, “onde se apresentou alcoolizado” e onde disse “que o seu empregado não tinha aparecido e que tinha cortado as alfaces sozinho” (uma versão que não correspondia à verdade, uma vez que os dois tinham estado juntos nessa manhã, tanto nas estufas como na mercearia onde compraram o vinho que consumiram de seguida). Segundo os interrogatórios feitos pela PJ, o patrão apresentava um golpe na testa, que parecia ser recente. Não se sabe se, nesta altura, Oleg ainda estaria vivo.

Sabe-se que o patrão saiu sozinho das estufas pelas 11h15 – mais de uma hora atrasado para a entrega da encomenda das alfaces. E, segundo os interrogatórios feitos pela PJ, o patrão apresentava um golpe na testa, que parecia ser recente quando chegou ao local das entregas. Não se sabe se, nesta altura, Oleg ainda estaria vivo.

Dois minutos antes do meio-dia, o principal suspeito saiu da empresa onde tinha deixado as alfaces, ao volante da mesma carrinha de caixa aberta que conduziu desde que saiu de casa, ainda de madrugada — uma informação que foi possível confirmar também através do cruzamento de várias gravações de imagem. Nesse momento, fez duas chamadas: uma para o cliente que tinha feito a encomenda no dia anterior, para justificar, mais uma vez, o seu atraso, e outra para a mãe – também constituída arguida e condenada pelo crime de profanação de cadáver. Aliás, Danny fez duas chamadas para a mãe, em dois momentos distintos daquele dia. De acordo com os registos, o primeiro telefonema foi feito às 12h04 e o segundo por volta das 17h – hora em que terão encontrado o corpo de Oleg nas estufas.

Entre as duas chamadas, não se sabe o que aconteceu. O patrão, nas breves declarações que fez, logo no início da investigação, indicou que foi almoçar e dormir uma sesta. Mas esta versão não foi confirmada pela PJ e o tribunal considerou não ter ficado provado onde esteve e o que fez o patrão. Nem onde estava Oleg.

A hora, os contornos da morte e a ausência de marcas de resistência

Para o Ministério Público, Oleg morreu quando o patrão estava nas estufas, ainda durante a manhã, apontando para um intervalo entre as 08h00 e as 11h15. No entanto, uma vez que os meios de socorro foram chamados já durante a noite, não foi possível determinar a hora exata da morte e o tribunal não considerou que esse dado tivesse ficado provado durante o julgamento.

Se assim fosse, poderia ter sido possível colocar o patrão no local do crime. Mas o Tribunal de Matosinhos ouviu os peritos e os profissionais de saúde que viram o corpo e todos recusaram a hipótese de que a morte tenha acontecido antes do meio-dia.

O relatório preliminar da autópsia realizada pelo Instituto de Medicina Legal indicava que teria sido a hemorragia a provocar a morte de Oleg, na sequência de uma agressão com um objeto contundente e que “tal mecanismo pode provocar a morte imediata da vítima, sendo, porém, mais provável que a mesma tenha ocorrido algum tempo depois da agressão”.

O enfermeiro do INEM, por exemplo, que foi chamado apenas às 21h desse dia, “admitiu como possível hora da morte, face ao que observou, [um momento] algures no início da tarde desse dia, revelando não se sentir seguro considerar a hipótese colocada do início da tarde para trás”, ou seja, precisamente no período em que o principal suspeito da morte de Oleg tinha estado, durante cerca de três horas, na companhia do ucraniano.

No entanto, já o relatório preliminar da autópsia realizada pelo Instituto de Medicina Legal, que foi enviado à PJ, indicava que teria sido a hemorragia a provocar a morte de Oleg, na sequência de uma agressão com um objeto contundente e que “tal mecanismo pode provocar a morte imediata da vítima, sendo, porém, mais provável que a mesma tenha ocorrido algum tempo depois da agressão” – sugerindo que a morte possa ter acontecido durante o período em que os dois estiveram sozinhos.

Mas, para o tribunal, o vazio de informação sobre as movimentações e ações do patrão de Oleg, entre o final da manhã e o meio da tarde, impediam qualquer conclusão definitiva sobre o que aconteceu de facto naquele intervalo de tempo: “Partindo do pressuposto de que tivesse sido ele a matar Oleg, estranha-se como após a entrega [das alfaces] só regressa às estufas cerca das 17h30, já com a sua mãe, não cuidando, entretanto, de diligenciar pelo encobrimento do corpo e desaparecimento dos indícios que o pudessem incriminar, caso fosse esse o seu propósito. Na realidade, após circular na EN13, pouco depois das 12h00 — quando telefonou à mãe —, nada mais se apurou sobre as suas movimentações até ao momento em que pouco depois das 17h00 a foi buscar”.

Não foi possível encontrar marcas de resistência às agressões que Oleg sofreu e que provocaram a sua morte. E esta ausência de vestígios pode significar, para a PJ, que “aquele se encontrasse incapaz de resistir, fosse porque estava imobilizado, fosse porque estava inconsciente pela ação do álcool, fosse porque tivesse sido surpreendido no decurso de relação sexual consentida, fosse por qualquer combinação destas hipóteses”.

Não se sabendo onde esteve o patrão, o tribunal acrescenta as alegações de um dos inspetores da PJ, que disse “não poder garantir que entre a saída e as 17h00 ninguém tenha entrado ou saído das estufas”.

De um lado, o tribunal considera que não existem provas suficientes e, do outro, a PJ e o Ministério manifestaram grandes certezas quanto à autoria do crime. Quando a investigação começou a ganhar novos contornos, depois do relatório preliminar da autópsia, sabia-se que Oleg apresentava marcas de lesões na cara, na cabeça, no tórax, nos braços e nas pernas. Mas não foi possível encontrar marcas de resistência às agressões que Oleg sofreu e que provocaram a sua morte. E esta ausência de vestígios pode significar, para a PJ, que “aquele se encontrasse incapaz de resistir, fosse porque estava imobilizado, fosse porque estava inconsciente pela ação do álcool, fosse porque tivesse sido surpreendido no decurso de relação sexual consentida, fosse por qualquer combinação destas hipóteses”.

É no dia 21 — 11 dias após a morte — que os inspetores sugerem, pela primeira vez, que Oleg e o patrão poderiam ter um relacionamento íntimo. Nesse dia, é emitido um mandado de detenção para o arguido. Nas escutas, as conversas telefónicas mantidas entre o sócio de Danny e as várias pessoas com quem manteve contactos suscitavam dúvidas sobre um possível relacionamento: “Corria o boato de que eles tinham um relacionamento.” Estavam sempre juntos, almoçavam sempre na companhia um do outro, mas, mais uma vez, esta hipótese terminou sem provas. “Desconhece-se se a relação entre Danny e Oleg tinha ou não natureza sexual”, admitiu, mais tarde, a PJ.

“Corria o boato de que eles tinham um relacionamento.” Estavam sempre juntos, almoçavam sempre na companhia um do outro, mas, mais uma vez, esta hipótese terminou sem provas. “Desconhece-se se a relação entre Danny e Oleg tinha ou não natureza sexual”, admitiu, mais tarde, a PJ.

Além disso, e este facto assume grande importância na absolvição do crime de homicídio qualificado, não foi encontrado ADN de Danny, o principal suspeito. Foi, sim, encontrado “um perfil genético de ADN de mistura (que não sangue) de, no mínimo, dois contribuintes, o da vítima e de terceira pessoa”. Esta terceira pessoa não foi identificada, apesar de esse facto não ter assumido grande relevância na investigação, já que a PJ considerou que “a manifesta falta de cuidados de higiene” de Oleg justifica “a deposição e conservação de material genético sob as unhas em período muito anterior à altura da morte”.

E também não foi encontrado sémen no corpo da vítima, mas, “por não haver suspeita de agressão sexual, [os técnicos de medicina legal] terão previamente à autópsia procedido à limpeza do corpo”. Para isso terá contribuído o facto de a morte de Oleg não ter sido encarada, logo desde o início da investigação, como sendo resultado de um crime. 

Questionado sobre a limpeza do corpo, o Instituto de Medicina Legal explicou ao Observador que “a colheita de vestígios num cadáver depende de diversos fatores, entre os quais as informações previamente existentes sobre o caso e as informações testemunhais“. Neste caso, as informações disponíveis na altura da autópsia não apontariam para um crime de natureza sexual, nem de homicídio com contornos de sodomização — essa informação só seria, aliás, obtida com a realização da autópsia. “Depois da colheita dos vestígios que o perito médico entender relevantes, é usual e boa prática a limpeza do cadáver, para a adequada visualização e fotodocumentação das lesões, a adequada realização da autópsia e a entrega dos corpos às famílias sem que estejam conspurcados com sangue, outras manchas ou detritos”, acrescentou.

O único crime provado: profanação de cadáver

O patrão de Oleg, a mãe, a mulher e o sócio acabaram apenas por ser condenados pelo crime de profanação de cadáver, já que este foi o único considerado provado pelo tribunal. E a prova é dada a partir do momento em que, naquele dia 10 de junho, por volta das 17h30, o patrão de Oleg e a mãe deste chegaram às estufas e dizem ter encontrado Oleg já sem vida, coberto de sangue. A reação não foi chamar a polícia ou pedir assistência médica, mas sim engendrar um plano para transportar o corpo até à casa da mãe do principal arguido, a seis quilómetros das estufas, “e assim levar as autoridades policiais que depois se deslocassem ao local a acreditar que Oleg havia falecido na residência da arguida”. Tudo para, alegadamente, esconder as más condições em que Oleg vivia na roullote.

Este plano, no entanto, demorou várias horas para ser colocado em prática. Primeiro, a mãe do principal arguido telefonou para a mulher deste, dando conta da morte do ucraniano. A mulher chegou entretanto às estufas e os três decidiram chamar uma quarta pessoa – o sócio do principal suspeito, que apareceu no local acompanhado pela mulher e pelo filho menor. Entre a chegada da mulher e do sócio, Danny fez uma chamada para o número de Oleg, para saber onde se encontrava o telemóvel, e a mulher “remexeu todo o conteúdo da roulotte” para encontrar os documentos do cidadão ucraniano.

Entre a chegada da mulher e do sócio, Danny fez uma chamada para o número de Oleg, para saber onde se encontrava o telemóvel, e a mulher “remexeu todo o conteúdo da roulotte” para encontrar os documentos do cidadão ucraniano.

Com todos os arguidos já presentes no anexo, o plano é interrompido por uma encomenda de alfaces. O sócio teria ainda de apanhar e entregar as verduras a um cliente nesse mesmo dia e, por isso, “todos os arguidos abandonaram as estufas” para ajudar naquela tarefa, deixando o corpo de Oleg no mesmo local.

Só pelas 20h19 os arguidos voltam às estufas. Foi nesse momento que colocaram o corpo de Oleg no carro de Danny, juntamente com as suas roupas. O objetivo era transformar rapidamente um dos quartos da casa onde vive a mãe do patrão de Oleg de forma a dar a aparência de que esse era o local onde o ucraniano passava as noites, e não na roullote onde de facto vivia. Aliás, a mãe não acompanhou o grupo no regresso às estufas, ficando “a preparar a sua residência para fazer crer que o mesmo era utilizado por Oleg e que era ali que residia”.

Mais dúvidas e as interferências na investigação

Além das dúvidas sobre a hora da morte, permanece outra dúvida: o local onde Oleg sofreu as agressões. Não foi possível afirmar que o anexo onde foi encontrado inicialmente, sentado em caixas de plástico, foi o local do crime, permanecendo a dúvida sobre se as agressões de que foi vítima aconteceram ali ou noutro local, tendo, depois, o corpo sido movimentado. “Não foram detetados sinais de arrastamento nem sangue no exterior e no interior do anexo, no chão, com exceção do local por baixo dos caixotes”, aponta o tribunal, acrescentando, no entanto, que a perita ouvida no âmbito do processo “não afastou a possibilidade, em teoria, de a vítima ter conseguido deslocar-se após a ocorrência das lesões traumáticas que ditaram a sua morte”.

“Não foram detetados sinais de arrastamento nem sangue no exterior e no interior do anexo, no chão, com exceção do local por baixo dos caixotes”, aponta o tribunal, acrescentando, no entanto, que a perita ouvida no âmbito do processo “não afastou a possibilidade, em teoria, de a vítima ter conseguido deslocar-se após a ocorrência das lesões traumáticas que ditaram a sua morte”.

E a PJ também não afastou essa hipótese, já que foi encontrado sangue na colcha que estava na sua cama, indicando que Oleg passou por ali já com ferimentos. As calças encontradas perto da roulotte, e que eram também de Oleg, continham igualmente sangue, estavam molhadas “e impregnadas de areia, inclusivamente no interior dos bolsos, indiciando arrastamento no solo das estufas que tinha aquelas características”.

Todas estas dúvidas foram suficientes para o Tribunal de Matosinhos decidir não condenar o patrão pelo crime de homicídio. Na tese da PJ, a ausência e o desaparecimento de provas, evidentes desde o início da investigação, foram promovidas pelo principal suspeito da morte de Oleg. O patrão não foi detido, o local onde o ucraniano vivia não foi vedado e a conjugação destes dois factos pode ter resultado na manipulação de provas. Os arguidos, lê-se no processo, “tudo têm feito para dificultar a investigação, nomeadamente destruindo e ocultando elementos probatórios essenciais e contactando outras testemunhas”.

Exemplo dessa manipulação é o dia em que os inspetores da PJ se dirigiram a um dos cafés que Oleg costumava frequentar com o seu patrão. Dentro do estabelecimento, com a porta fechada aos clientes, estavam sentados a uma mesa, precisamente, o patrão e o seu advogado, a conversar com o proprietário. Nesse dia, o dono do café prestou declarações, que viria, no entanto, a negar nos dias seguintes. “O meio é pequeno e toda a gente se conhece, facto que faz supor que os arguidos continuem a condicionar a investigação, coagindo testemunhas ou eliminando outros vestígios.”

“O meio é pequeno e toda a gente se conhece, facto que faz supor que os arguidos continuem a condicionar a investigação, coagindo testemunhas ou eliminando outros vestígios”, referiu a PJ, justificando as dificuldades encontradas nesta investigação. 

Também numa das escutas, o sócio do principal arguido – o único que deu detalhes sobre aquele dia – disse que o seu advogado — no início deste processo, era defendido pelo mesmo advogado que representava os restantes arguidos –, tentou que este mudasse a sua versão dos factos. Depois, escolheu outro advogado.

Foi precisamente pelo receio na interferência da investigação que o Ministério Público pediu, logo no mês em que aconteceu o crime, a prisão preventiva do patrão de Oleg. O tribunal, no entanto, optou pelas apresentações periódicas e pelo pagamento de uma caução de 25 mil euros. A decisão não convenceu o MP, que recorreu. E só em outubro de 2021 é que a Relação do Porto determinou a prisão preventiva para este suspeito — devolvendo ao patrão de Oleg a caução que este pagou.

Agora, correm os prazos legais para um eventual recurso da decisão do Tribunal. O Observador sabe que o Ministério Público tem estado a rever todo o processo. Nos próximos dias ficará mais claro se a Justiça não desiste de saber quem matou Oleg.

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