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Os “desenhos” usados por Luigi Mangione para imprimir a arma usada para matar o CEO da seguradora UnitedHealthCare ainda estão disponíveis no fórum online onde os encontrou. O jovem de 26 anos terá recorrido a uma impressora 3D para fazer a sua pistola, à qual juntou outros elementos comprados a terceiros. Em Portugal, PSP está preocupada e atenta a este fenómeno, mas garante que até ao momento não apreendeu armas deste tipo no país.
Quando Luigi Mangione foi detido, na segunda-feira, a polícia encontrou em sua posse uma arma impressa em 3D, que as autoridades acreditam que terá sido usada para matar Brian Thompson, já que correspondia à do crime de Nova Iorque. A comissária da polícia nova iorquina disse em conferência de imprensa que a “arma fantasma” — sem número de série registado ou peças que possam ser rastreadas — era composta por várias componentes de diferentes origens: peças fabricadas na impressora de três dimensões e peças comercializadas.
Segundo o relatório da polícia norte-americana, citado pelo The Telegraph, a arma tinha uma “corrediça [que integra a culatra] de metal e um punho de plástico” e ainda um “carregador Glock carregado com seis cartuchos de 9 milímetros”. O tipo de arma usado pelo jovem é conhecido como “Glock Frame”, sendo que há muito que circulam modelos de construção desta arma na internet.
Arma pode ser criada em impressora de 300 euros
Luigi Mangione, que é acusado de cinco crimes no total, terá utilizado “desenhos” do grupo radical digital “Deterrence Dispensed”, divulgados no seu fórum e que ainda estarão disponíveis, segundo o Telegraph. Havia ainda uma janela de chat onde terá sido mostrado um modelo de silenciador semelhante ao que Magione usou, mas os registos foram todos apagados na última terça-feira.
“Para fazer uma arma como [a que alegadamente foi usada para matar Brian Thompson], podia-se usar uma impressora 3D comprada na Amazon por cerca de 250 libras [cerca de 300 euros]”, explica o investigador do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização britânico, Rajan Basra, ao The Telegraph.
Quem é Luigi Mangione, acusado de homicídio na morte de Brian Thompson, CEO da UnitedHealthCare?
E detalha: “É mais ou menos do tamanho de um micro-ondas grande e não é um sistema particularmente complicado de operar. Bastava tê-la no quarto e seguir os tutoriais online. Pode demorar algumas horas a imprimir a arma, mas a montagem pode demorar só uns minutos. E pode ser feito por qualquer pessoa, desde que tenha paciência, ferramentas básicas e consiga seguir as instruções.”
O único aspeto que poderia atrasar o plano é a necessidade de recorrer a peças comercializadas. “Com certeza que [a necessidade de comprar peças a terceiros] dependerá do tipo de modelo da arma, mas acreditamos que será sempre necessário outros componentes. Nem que seja, por exemplo, o percutor [peça que aciona a munição] ou as munições. A arma pode ser fabricada, na sua maioria, na impressora. Mas há pequenos componentes que terão de ser adquiridos de outra forma”, explica ao Observador Paulo Costa, responsável pelo Departamento de Armas e Explosivos da PSP.
PSP imprimiu arma, mas rebentou depois de disparar
Questionada se a produção “caseira” de armas já chegou a Portugal, a PSP nega. “Até ao momento não houve qualquer registo de situação pela PSP; não há registo de termos apreendido uma arma que tenha sido produzia por impressão 3D“, garante o responsável pelo Departamento de Armas e Explosivos da polícia. Mas admite que o fabrico de armamento por esta via “é uma preocupação da PSP”.
Aliás, já o era em 2021, quando o tema foi discutido num seminário organizado pela PSP (e que contou com a participação da Europol). Na época, o tema ganhou destaque porque o grupo radical “Deterrence Dispensed” (o mesmo a que Luigi alegadamente recorreu) tinha publicado ficheiros com planos detalhados para produzir uma nova pistola semiautomática. Nesse seminário, a Europol adiantou que produzir tal arma custava entre mil e 3 mil euros.
Mas três anos antes, “quando surgiu o início da discussão destas armas”, o tema já estava em cima da mesa para a PSP. Que “decidiu verificar se a produção daquelas armas era claramente um perigo”, lembra Paulo Costa. Para tal “foi produzida uma arma 3D, com a devida autorização, e fez-se a experimentação”.
“A arma em si tem a possibilidade de ser funcional; de projetar uma munição. Sendo que o modelo que fabricámos, a ‘Liberator’, foi o primeiro que surgiu, foi a primeira receita. A arma fez apenas um disparo porque depois rebentou, não aguentou a pressão dos gases. Concluiu-se que é também um perigo para o próprio utilizador, porque poderá provocar ofensa à sua integridade física”, recorda o responsável pelo Departamento de Armas e Explosivos da PSP.
Têm surgido várias “receitas” para produzir armas
Em 2018, a arma produzida pela PSP rebentou por não aguentar a pressão, mas no ataque de Luigi Mangione em Nova Iorque isso não aconteceu: foi possível fazer pelo menos dois disparos (os suficientes para acertar no alvo e matá-lo).
O oficial da PSP Paulo Costa lembra que “um ano em tecnologia digital é algo que possibilita um elevado desenvolvimento”. “Desde o que criámos em 2018, que foi das primeiras receitas para produzir armas, já surgiram várias atualizações que terão maior fiabilidade. E o mesmo acontece com as próprias impressoras 3D.”
É por este motivo que a impressão de armas é “uma preocupação em cima da mesa” para a União Europeia, acrescenta o oficial da PSP. “Esta é uma ameaça declarada pela Europol”, que contribui para uma estrutura da UE, “que é o Empact, que tem uma ação operacional dedicada às amas 3D para diluir esta ameaça”. “Esta estrutura envolve todos os Estados-membros e agências europeias. Portugal tem participado em todos os fóruns de discussão para refletir sobre o que se pode fazer para que não se materialize esta ameaça”, remata Paulo Costa.
Produção de armas sem autorização dá pena de até 5 anos — mas não chega
Ao mesmo tempo que a tecnologia evolui, a legislação mantém-se igual, sendo que não consegue dar resposta a um caso “específico”. “Não há legislação sobre isto”, começa por dizer o advogado Rogério Alves.
Segundo o especialista, que é presidente da Associação de Empresas de Segurança Privada, “o que existe é uma proibição de produzir armas de guerra”. “A lei das armas não o permite; a indústria do armamento está regulada de forma a que só possam produzir armas as entidades que estão devidamente credenciadas para o efeito”.
“Neste sentido há uma certa legislação, mas a questão é mais complexa que isto”, sublinha Rogério Alves, e explica que está também em causa “a falta de vestígios na arma”. “Só podem ser produzidas armas por quem tem autorização para tal para que depois estas possam ser seguidas; conhecidas; matriculadas. Se hoje já se é capaz de produzir uma arma, então, para além da manutenção da proibição [de produção], a pena para isso poderá ser elevada”.
Apesar do trabalho que a PSP refere ter vindo a fazer nos últimos anos, Rogério Alves defende que “em Portugal não se tem pensado muito nisto”. E alerta que, “se for possível começar a produzir armas fora do circuito legal será muito grave”. Atualmente, a produção de armas por parte de quem não tem autorização para tal é punida com “pena de prisão entre 1 a 5 anos ou com multa de até 600 dias”, lê-se no Regime Jurídico das Armas. Mas para Rogério Alves isto não é suficiente, sendo necessário “reprimir a produção com penas” maiores.