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Assunção Cristas. "Partilho, delego e confio mais" do que Paulo Portas

Em entrevista ao Observador, a candidata a líder do CDS frisa que "é importante que CDS vá pelo seu pé" às eleições; abre portas a diálogo com PS - sem Costa. E explica diferenças face a Portas.

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Assunção Cristas conversou com o Observador a caminho de Portalegre, no último dia de campanha interna pela liderança do partido. Garante que não está preocupada com a “pureza ideológica” do partido, explica como no atual quadro parlamentar tem que estar concertada com o PSD e como só admite dar a mão ao PS se António Costa sair da liderança do partido. Um cenário que, ainda assim, acha muito pouco provável.

“Há gente do período pré-Portas que está agora a voltar”

Qual é o maior desafio para si na sucessão de Paulo Portas?

Primeiro, ter o partido todo mobilizado e unido. Havia aquela ideia de ‘ai, quando o Paulo Portas sair desagrega-se tudo…’. Acho que este é um primeiro desafio, que nunca está ganho porque é um trabalho permanente. Mas diria que está bem encaminhado. Sentir o regresso dos militantes do antigamente, que dizem que há 20 ou 30 anos que não vinham ao partido é muito bom. Diria que esse desafio é um desafio de toda uma liderança e que vai durar todo o tempo em que eu estiver à frente do CDS. Mas eu identifico-me muito com isso. Vejo-me sempre como alguém que agrega gente, constrói pontes, que gera consensos e que procura minimizar os desentendimentos. Acho que, se calhar, essa também é uma visão mais feminina da política, menos bélica.

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"A valorização dos órgãos era uma crítica que era feita a Paulo Portas, não sei se com razão ou não. Mas esta forma de trabalhar em equipa, de valorizar os órgãos, é diferente [em relação a Paulo Portas]".

Depois há outro desafio, para mim também muito relevante, que é o desafio da proximidade às bases. Nesta volta pelo país ouvi muitas pessoas dizerem-se satisfeitas pelo facto de eu só ter escrito a moção depois de ouvir os contributos dos militantes. As pessoas gostaram dessa atitude, de ir ter com elas não apenas para fazer um discurso mas para ouvir aquilo que tinham para me dizer. 

Terceiro desafio: a valorização dos órgãos do partido. Os órgãos existem, alguns com menos atividade do que outros, e a minha ambição é poder ter os órgãos bem ativos, a trabalhar bem. Estamos a falar quer da Comissão Política Nacional, quer do Conselho Nacional, mas também do Conselho Económico e Social, do Senado, do Gabinete de Estudos, que eu quero que tenha autonomia e que trabalhe com grande autonomia.

Vejo-me como uma pessoa de trabalho em equipa, que partilha competências, que delega muito. Eu partilho, delego e confio bastante. Certamente que isso tem riscos, certamente que haverá erros, mas acho que, no final, os efeitos positivos são superiores aos eventuais efeitos negativos que, com certeza, existirão.

E diferenças entre si e Paulo Portas?

Essas. Por isso é que são desafios.

Então Paulo Portas não tinha o partido unido, não valorizava os órgãos e a proximidade com as bases?

Enfim, não no que respeita à unidade. Paulo Portas queria um partido unido. Mas, se calhar, o facto de o Filipe Anacoreta Correia me apoiar, ou mesmo o facto de sentir que militantes mais antigos me estão a apoiar, é positivo. Há gente do período pré-Paulo Portas que, agora, acha que vale a pena voltar a vir ao CDS. Acho que isso é um aspeto positivo. A valorização dos órgãos era uma crítica que era feita a Paulo Portas, não sei se com razão ou não. Em alguns casos certamente que sim, noutros possivelmente não. Mas esta forma de trabalhar em equipa, de valorizar os órgãos, é diferente [em relação a Paulo Portas].

"Eu partilho, delego e confio bastante. Certamente que isso tem riscos e certamente que haverá erros" 

Paulo Portas deu-lhe algum conselho?

Eu tenho falado muito com o Paulo Portas e continuarei a falar, nós somos amigos. Certamente que eu contarei sempre com o conselho, com a experiência e com a argúcia política, que o Paulo Portas tem. Se me pergunta um conselho, acho que não consigo identificar. Sendo muito diferentes, e tendo percursos de vida extraordinariamente diferentes, temos uma grande cumplicidade e acho isso muito positivo.

“Se o PS tiver outro líder há soluções neste quadro parlamentar”

No dia em que António Costa precisar da direita para aprovar documentos importantes deve demitir-se ou deve tentar negociar com a direita?

Penso que António Costa fez a sua opção. Não apoiou o Governo [PSD/CDS] e desde a primeira hora que tinha isso na cabeça dele. E usou de uma grande hipocrisia política. Fez a sua escolha, que foi governar apoiado no PCP e no BE por isso tem de retirar daí consequências. Eu não posso dizer, porque nem sei quanto é que este Governo dura, que o CDS não pode vir a apoiar nunca uma ou outra medida, se elas fizerem sentido no contexto do pensamento e dos objetivos do CDS. O que posso dizer é que isso é uma coisa que podemos eventualmente ponderar em dar. Mas não reconheço a António Costa moral para nos pedir o que quer que seja nessa matéria.

Então não rejeita à partida.

Não posso rejeitar desde já porque não sei se estamos a falar para um ano, para seis meses, ou para quatro anos. Eu não seria responsável e prudente se fizesse uma afirmação taxativa. Agora, o que posso dizer é que sinto que António Costa não tem moral para nos pedir, ao CDS – o PSD falará por si, mas certamente não entenderá muito diferente – uma ajuda para o que quer que seja.

Nós estaremos a fazer uma oposição política e construtiva ao mesmo tempo. Construtiva de uma alternativa. António Costa retirará daí as suas consequências. Não poderá querer estar de bem com todos – ter um discurso em Bruxelas, outro em Portugal, ter um discurso com a esquerda e depois, eventualmente, um pedido da mão à direita. Nós já tivemos um primeiro momento, que foi o do orçamento retificativo, em que o CDS por razões fundadas e ponderadas não apoiou António Costa.

"Não acredito que António Costa se demita do Governo, esse é o meu cenário base. Se se vier a demitir, então pode haver espaço para outro tipo de conversa com outro PS"

Mas entende que se houver uma crise no acordo à esquerda pode sentar-se à mesa com o PS?

António Costa tem uma boa razão para se demitir nessa altura. Foi a escolha dele, a opção dele. Se não funcionam tem uma boa razão para se demitir.

E se não o fizer?

Se não o fizer a bola está do lado do Presidente da República.

Que deve convocar eleições nessa altura?

O Presidente da República saberá o que deve fazer. Mas no atual quadro parlamentar há soluções. António Costa pode demitir-se, pode vir outro líder do Partido Socialista que faça o que António Costa não fez desde a primeira hora, que é apoiar um governo dos vencedores das eleições, que foi a coligação PàF.

Então admite sentar-se à mesa com o PS se tiver outro líder?

Numa perspetiva de o PS apoiar um governo do centro-direita. Não numa perspetiva de o centro-direita apoiar o perdedor das eleições. No atual quadro parlamentar isso é possível. Não creio que isso seja um cenário credível olhando para António Costa.

"Não posso dizer, porque nem sei quanto é que este Governo dura, que o CDS não virá nunca a apoiar uma ou outra medida [do PS]"

Com António Costa não é de todo possível?

Com quem chegou a primeiro-ministro nestas circunstâncias não. Eu acho que António Costa não se vai demitir da liderança do PS por nada. Se perdeu as eleições por 6 pontos percentuais abaixo da PàF, com o mesmo resultado que tinha tido o seu antecessor nas europeias [António José Seguro], ou seja, uma derrota retumbante, e mesmo assim não se demite e quer ser primeiro-ministro apesar disso…não acredito que se vá demitir do Governo. Este é o meu cenário base. Não acredito que António Costa se demita do Governo.

Se se vier a demitir, porventura, então pode haver espaço para outro tipo de conversa com outro PS, com um Partido Socialista que não olha para a esquerda, mas que olha para o centro. Isso é outra conversa. Não posso dizer que nunca nos poderemos entender com o PS. Não é com este, não sei se com outro será diferente. Nós e o PSD, porque neste quadro parlamentar a nossa posição terá sempre de ser acertada com o PSD de um ponto de vista de governação – porque temos um projeto governativo comum. No atual quadro parlamentar é assim. Se houver eleições…

No atual quadro parlamentar o PSD e o CDS estão sempre ligados.

Foi o programa que foi sufragado nas urnas, sim. Se for para encontrar uma solução no atual quadro parlamentar então certamente que o CDS conversará e terá uma posição articulada com o PSD. Nem eu vejo outra maneira possível de ver as coisas, em respeito para com os nossos eleitores. Se houver eleições e houver outro contexto parlamentar, aí as coisas são todas completamente diferentes. Mas neste quadro parlamentar há uma solução. Não acredito é que António Costa alguma vez se venha a demitir. Mas isso já é outra história.

Já aconteceu na história uma aliança direta entre o PS e o CDS, é possível repetir-se?

O cenário de futuro não sabemos qual é. Em relação a este PS de António Costa, ligado às esquerdas, é impossível. Impossível. E o nosso parceiro natural de diálogo é, certamente, o PSD.

Não arrisca dizer até quando é que este Governo dura?

Acho que ninguém arrisca, e ninguém sabe. Essa é a pergunta para um milhão de euros. O problema é que quando o país todo faz essa pergunta, é porque algo está mal. É sempre um governo a prazo, sempre um governo provisório. Mesmo que o Governo dure dois, três ou quatro anos, quando os portugueses têm sempre essa pergunta na cabeça é muito mau sinal. É um Governo que só desfaz, que não cria nada, que não constrói, que não progride num bom sentido.

Está disposta a ficar os quatro anos da legislatura na oposição?

Certamente. Certamente.

"No atual quadro parlamentar a nossa posição terá sempre de ser acertada com o PSD"

“Ganhamos em ir separados a eleições”

Quando o PSD é mais liberal, o CDS é mais social. Agora que o PSD quer voltar a ser mais social-democrata como fica o CDS?

O CDS tem o seu caminho e penso que não nos devemos focar excessivamente em tecer fronteiras em relação aos outros partidos. O nosso foco deve ser em frente. António Lobo Xavier escreveu um texto recentemente, para a folha do CDS, com o título “Olhar em frente”. O título não é meu, mas podia ser. É exatamente isso que eu penso, o CDS deve olhar em frente, deve preocupar-se em focar a sua ação na resolução concreta dos problemas dos portugueses, da vida quotidiana. Inspirado sempre na doutrina democrata-cristã, que é a nossa inspiração de base, que está no nosso ADN, na nossa carta de princípios. Mas não devemos estar com a preocupação de perceber o que é que nós fazemos, o que é que os outros fazem, como é que é e não é… Simplesmente devemos fazer a nossa reflexão, sabendo que quanto mais ativos e eficazes formos na construção de soluções concretas para os problemas dos portugueses e menos nos focarmos na pureza ideológica mais bem sucedidos vamos ser. Porque, no final das contas, as pessoas sabem pouco de doutrina política, mas sabem muito sobre os problemas do quotidiano.

O PSD é um adversário do CDS, tal como é o PS?

Acho que não fazem essa pergunta ao PS ou ao PSD e, portanto, não vejo porque é que têm de a fazer ao CDS. O CDS inscreve-se na matriz democrata-cristã que tem grandes partidos na Europa; é parte do Partido Popular Europeu, temos de facto uma forte preocupação social e de olhar com especial atenção para as situações de maior fragilidade, que são muitas em momentos muito diferentes. Quando pensamos numa relação de desequilíbrio entre grandes distribuidores e pequenos produtores, a nossa doutrina sugere-nos que estejamos ao lado dos pequenos produtores e que ajudemos a reequilibrar essa relação. Isso é, também, a democracia-cristã a funcionar.

Não há um cardápio fechado de matérias, há uma sensibilidade que nos leva a, no fundo, defender algo em determinadas circunstâncias. Dito isto, não creio que devemos perder muito tempo em auto-definirmo-nos por comparação. Temos é que nos definir pelas propostas concretas que fazemos. Nuns casos hão-de coincidir com o PSD, noutros casos hão de ser diferentes, e já se viu como o CDS tem tido posições nuns casos iguais ao PSD mas noutros casos diferentes.

"Quanto menos nos focarmos na pureza ideológica mais bem sucedidos vamos ser"

Em todas as circunstâncias o que me parece é que para o centro-direita voltar a governar em Portugal, tem que governar com condições de governabilidade. Ou seja, tem que alcançar um mínimo de 116 deputados. Estarei certamente empenhada em que o CDS contribua ativamente para esse número. E se não forem 116 e forem 130 ou 140 melhor. Mas eu gostaria, e trabalharei para isso, que o CDS possa contribuir com mais força, com mais deputados para uma maioria de centro-direita.

Então o PSD e o CDS devem ir separados nas próximas eleições?

Penso que é vantajoso, neste momento. Porque ganhamos em robustecer o centro-direita em Portugal. E isso faz-se quer com um CDS forte, quer com um PSD forte. Eu não vejo a coisa como uns crescendo à conta dos outros. Acho que nós, os dois partidos, devemos ter a ambição de afirmar o nosso sentido, de afirmar as nossas respostas e de afirmar os nossos protagonistas. Acho que o CDS tem políticos de primeira água, temos boas ideias, temos muitas ideias que nunca conseguimos executar e devemos ter a ambição de as podermos executar. Isso leva a que devamos ir sozinhos, não por oposição, mas numa lógica construtiva, porque queremos contribuir mais e melhor, e mais ativamente. Não deve ser preocupar-nos em olhar para um lado e para o outro.

Há estudos que demonstram que, em 2011, o facto de PSD e CDS terem ido coligados beneficiou o CDS do ponto de vista eleitoral. Isso não a preocupa?

Nós nunca conseguiremos saber isso em concreto. O que sabemos é que os dois partidos, quando foram separados e depois fizeram o somatório, foi quando tiveram melhor resultado. Mas as eleições nunca são exatamente comparáveis porque nós nunca conseguimos saber se, naquela mesma eleição, tivessem ido juntos, como é que seria. Como não conseguimos saber como teria sido se agora tivéssemos ido separados. Portanto, é verdade que os dois partidos juntos podem ter margens melhores por causa do método de Hondt, mas também é verdade que podem deixar de votar em nós ou no PSD por estarmos juntos.

Acho que tivemos a posição correta nestas eleições. Governámos quatro anos em momentos muito difíceis e em que governamos solidariamente, portanto fazia sentido. Entendemos que o caminho ainda estava a meio e, nesse sentido, apresentámo-nos em conjunto. Neste momento, aquilo que penso é que – no caso de aparecerem umas eleições legislativas – ganhamos nós e ganha o PSD em podermos ir separados.

A nova aliança à esquerda mudou a forma de olhar para os partidos pequenos e para o voto útil. Todos contam…

Sim.

Esta nova perceção beneficia também o CDS?

O CDS não é um partido pequeno, é um partido de média dimensão. Mas acho que sim. Nós éramos muitas vezes penalizados. Senti isso em campanha eleitoral muitas vezes, de que as pessoas gostavam das nossas ideias e gostavam dos nosso protagonistas, dos nossos políticos, mas depois diziam: ‘vocês nunca chegam lá’. E tinham também a preocupação de ‘temos de pôr alguém claramente desta área política em primeiro lugar, e como o CDS não chega lá, temos que votar no PSD porque é a maneira de tirar de lá os socialistas’. Acho que essa lógica acabou. Nesse sentido, as pessoas têm um voto mais livre. Podem votar no CDS dizendo ‘queremos dar força ao CDS sabendo que CDS e PSD estão disponíveis para governar juntos. Já governaram juntos, já têm uma cultura de coligação, mas nós acreditamos nas pessoas do CDS, e se acreditamos nas ideias que o CDS defende, então podemos dar força a essas ideias e dar força a essas pessoas’. E isso, sim, faz toda a diferença na governação.

Acha que já não voltamos ao tempo das maiorias absolutas de um só partido?

Eu penso que o tempo não está para isso. Penso que as pessoas pedem consensos, entendimentos. Tivemos uma maioria absoluta do centro-direita e, depois, em virtude das dificuldades acabámos por perder essa maioria absoluta e ganhámos com maioria relativa as eleições. O que as pessoas quiseram dizer, na minha perspetiva, foi: ‘Vocês têm que ter um diálogo ainda mais alargado’. Queriam que nós governássemos, mas queriam um diálogo ainda mais alargado.

Acho que, de facto, as pessoas foram enganadas com esta solução que, entretanto, veio a vingar [aliança do PS à esquerda]. Mas não tenho dúvidas de que as pessoas queriam mais moderação. E, por isso, penso que os dois partidos separados [PSD e CDS] têm essa capacidade de chegar a mais gente e de, no fundo, ter um discurso que possa, eventualmente, agregar mais votos.

A última maioria absoluta do PSD foi em 1991, com Cavaco Silva…

Estou a olhar para toda a Europa e mesmo para países onde se governava com maioria absoluta e isso está a acabar. O tempo está para os partidos se afirmarem e para terem de gerar cada vez mais diálogos e consensos. As pessoas pedem isso. Pedem mais diálogo e mais consenso. Acho que isso é relevante e por isso entendo que o CDS deve querer ser parte ativa na construção de consensos e na produção de diálogos. E, para isso, é importante que vá pelo seu pé.

"O tempo não está para maiorias absolutas de um só partido. Penso que as pessoas pedem consensos e entendimentos"

“Sou absolutamente contra a eutanásia”

Consigo o CDS vai ser mais conservador?

Como disse, não me revejo num catálogo e num recorte de um purismo doutrinário. Não me sinto pessoalmente como uma pessoa conservadora. Identifico-me mais com uma visão reformista das coisas e com um desassossego e inquietação constante para que as coisas possam progredir e melhorar. Mas também não me preocupo excessivamente em fazer esse tipo de análises. Acho que o que se pede é que eu analise a realidade, trabalhe aprofundadamente, proponha soluções realistas. Depois saber como é que elas, em concreto, podem vir a ser rotuladas não é coisa que me preocupe.

Já admitiu que pode haver referendo à eutanásia, que está aberta a essa possibilidade.

Sim. O que eu entendo, em primeiro lugar, é que é um tema que precisa de ser profundamente compreendido e discutido na sociedade portuguesa, e ainda não foi. Tem sido um tema que a comunicação social tem abordado com alguma regularidade, mas que não foi visto com toda a profundidade e com todas as suas vertentes. Acho que esse é o primeiro aspeto que temos que considerar. Depois, se ocorrer essa discussão e for entendido que faz sentido a consulta popular, acho que, certamente, isso deverá ser possível.

Em todo o caso, acho que há muito equívoco em toda esta matéria. As pessoas falam muitas vezes da eutanásia referindo-se apenas a situações que não têm nada a ver com eutanásia, que são evitar o prolongamento desproporcionado da vida com tratamentos desproporcionados. Uma coisa é encurtar a vida, outra é prolongar a vida, e a medicina, hoje, de facto, consegue prolongar a vida para lá daquilo que é proporcionado. Sou absolutamente contra a eutanásia, como sou contra a obstinação terapêutica, que é esta desproporção em querer continuar com tratamentos ou diagnósticos, ou com cuidados que não fazem sentido e onde, na minha perspetiva, o que devemos ter  é cuidados paleativos, que olham para o doente enquanto um todo, que retiram a dor insuportável. Não me parece que a eutanásia seja uma resposta de uma civilização do século XXI.

Admite disciplina de voto sobre este tema quando chegar à Assembleia da República?

A questão ainda está longe e na nossa perspetiva o que é importante é debatê-la aprofundadamente. No congresso vai aparecer uma moção da deputada Isabel Galrriça Neto – uma moção setorial – precisamente sobre a questão da eutanásia. Depois será levada ao Conselho Nacional do CDS, e daí depois haverá uma posição do partido.

Filipe Anacoreta Correia representa a ala mais conservadora dentro do partido e, pela primeira vez em muito tempo, já disse que não ia avançar e que a apoiava. Isso não faz do seu CDS mais conservador?

Não. Conheço o Filipe [Anacoreta Correia] desde antes de ter entrado para o CDS e penso que ele me apoia porque fez a sua análise e entendeu que eu seria uma boa candidata. Certamente que somos diferentes. Todos nós somos diferentes, mas ele reconheceu que neste momento seria, porventura, a melhor solução para o CDS. E eu, obviamente, que só posso agradecer todos os apoios que me são dados, desde o início. Primeiro com Nuno Melo, agora com Filipe Anacoreta Correia e todos os outros que vou recebendo um pouco por todo o país.

Significa que estou a conseguir fazer aquilo que era o meu objetivo, que é juntar toda a gente. Nós somos ainda poucos para aquilo que o país precisa e para aquilo que eu acho que o CDS deve dar ao país. Portanto, todos os que se puderem juntar são muito bem-vindos. E estas diferentes sensibilidades dentro de um partido também são bem-vindas porque elas refletem as diferentes sensibilidades da nossa sociedade.

O apoio de Anacoreta Correia não foi surpresa para si?

Não foi surpresa para mim, não.

Vai chamar Nuno Melo para a direção?

Certamente. Conto com todos.

“Sou patriota. Não gostaria que OE tivesse chumbado em Bruxelas”

Acha que se a Comissão Europeia tivesse chumbado a proposta de Orçamento do Estado teria sido melhor para o país?

Nessa matéria sou absolutamente patriota. Acho que o país tem um Governo, tem um diálogo com Bruxelas, tem regras europeias que cumpre e obviamente que não gosto que um documento do nosso país seja chumbado em Bruxelas. Não gosto, não gostarei, venha ele da direita ou da esquerda. Acho que é uma questão de solidariedade nacional e de proteção da nossa soberania. Dito isto, sou profundamente crítica deste Orçamente, como fui profundamente crítica do esboço do Orçamento.

Ficou melhor?

Ficou diferente, porventura mais credível. Não sei se necessariamente melhor, mas eu discordo das opções de base que estão neste Orçamento. Eu não teria nunca feito este Orçamento. Nessa medida, quando olho para um Orçamento que não dá a volta à austeridade, mas altera a composição dessa austeridade, que continua a penalizar as famílias e as empresas, não alivia nada e não dá sinais no sentido de reforçar a economia, para que possa gerar riqueza e para que venha a ser distribuída de forma sustentada, fico extraordinariamente preocupada.

O CDS já admitiu que ia apresentar propostas de alteração ao Orçamento. Que propostas são essas?

Essas serão, a acontecer, vistas a seu tempo e é matéria para perguntar ao nosso líder da bancada.

Não tem medo que o CDS seja visto como uma muleta do Governo?

Não. Penso que vai ficar muito claro que as nossas propostas são propostas de alternativa. Mas é importante que elas sejam conhecidas e é importante que as pessoas percebam onde é que nós faríamos diferente.

Na primeira reação que o CDS teve ao Orçamento de Estado disse que se tratava de um aumento de impostos muito significativo, que atingia o coração da classe média. Este aumento de impostos não é menor do que o que houve no Governo PSD/CDS, do ponto de vista do impacto nos bolsos das famílias?

Este aumento de impostos acontece num momento em que o sentido é o do desagravamento de impostos, de forma progressiva, com gradualismo e com critério. O que vemos é o PS, por um lado a dar tudo à esquerda mais radical – desde os salários da função pública às 35 horas, passando por tudo o que é reverter concessões, eliminação da sobretaxa, tudo o que tem que ver com política de rendimento – mas depois, na prática, acaba por encontrar outra forma de austeridade. Claro que há a tese, que o PS alega, de que ‘é uma escolha devolver dinheiro e depois taxar mais na parte dos impostos indiretos’. Mas esses impostos indiretos têm diretamente que ver com o que é o consumo das pessoas, no que diz respeito por exemplo ao uso de combustíveis. E tem a ver com outra coisa, no caso das empresas, que é a competitividade das empresas.

Mesmo dentro do IRS, quando acaba com o quociente familiar e põe uma dedução à coleta, não é verdade que esteja a colocar as famílias portuguesas em melhor situação. Elas ficam piores do que aquilo que estavam com o quociente familiar mais devolução de uma parte da sobretaxa este ano. Porque é essa comparação que tem que ser feita: o que é que nós faríamos e o que é eles estão a fazer. Nós faríamos uma devolução progressiva da sobretaxa e manteríamos o quociente familiar. Eles eliminam o quociente familiar e põe uma devolução à coleta. E fazem uma eliminação mais rápida da sobretaxa. Porém, comparando as duas coisas e, certamente, teremos oportunidade de fazer essa prova, as famílias ficam pior, são mais penalizadas.

O Governo optou por aumentar as pensões até 628€ de forma a abranger mais pessoas. Ou seja, mesmo que isso represente um aumento menor nas pensões mais baixas, há mais gente a ver as pensões atualizadas. Não acha que quem tem uma pensão de 300 ou 400 euros não tem direito a aumento?

É um aumento que, num certo sentido, toca as raias do ridículo. Quando se vão a ver as promessas que tinham sido feitas e, nomeadamente, da esquerda mais radical, de aumentos de 25€ por mês de pensões, e quando se vê que, neste momento, esses aumentos darão, em alguns casos, cêntimos, percebe-se que, de facto, há aqui alguma coisa que não está a correr bem. Aliás, quanto é que põem do Orçamento de Estado para o Complemento de Solidariedade para Idosos? Salvo erro estamos a falar de oito milhões de euros. Isso não é nada, não é nada. Aquilo que a coligação se propunha colocar nessa matéria das pensões era 40 ou 60 milhões, para se ver a diferença.

Mas há uma atualização de mais pensões, portanto mais pensionistas com aumentos, e a coligação só propunha aumento para as pensões mais baixas.

Não garantem sequer um nível de inflação para as pensões mais baixas, para as pensões mínimas sociais e rurais. Também em matéria de pensões parece que a história está mal contada. Mas haverá matéria na discussão do Orçamento de Estado para, com exemplos, referirmos tudo isso.

O Governo optou por suspender as reformas antecipadas por dizer que havia penalizações, algumas até 40%. O CDS é contra também esta suspensão das reformas antecipadas?

O que posso dizer é que há um conjunto de instrumentos que têm a ver com a forma como o mercado de trabalho se organiza na função pública e fora da função pública que nem sempre é simétrico. E a questão das reformas antecipadas no sistema da Segurança Social e no sistema da função pública nem sempre é simétrico, isso é uma coisa que nos preocupa. Parece que há dois países – o país da função pública e dos outros.

35 horas. Cristas quer discutir “horários diferenciados dentro da função pública”

Acha que os privados também deviam ter direito às 35 horas de trabalho semanais?

Não sei se o país, neste momento, com as condições que tem de competitividade pode ter 35 horas de trabalho semanal.

Mas a redução de horário vai avançar para a função pública…

Para a função pública vai avançar, e isso vai significar um aumento de despesa, porque depois há horas extraordinárias, há mais recursos humanos que é preciso assegurar para manter determinados níveis de qualidade e isso vai acabar no bolso de todos os contribuintes.

O ministro das Finanças diz que só se não houver aumentos de custos.

Veremos. Ou tem aumento de custo ou tem degradação dos serviços públicos. Ou então conseguimos de repente que as pessoas em 35 horas façam muito mais do que aquilo que faziam nas 40. Em alguns casos, e em alguns serviços, pode fazer sentido, mas na globalidade não.

Mas isso é para outra discussão, que é saber se todos têm que ter o mesmo tipo de horário na própria função pública. Não é para dizer que é a minha opinião ou que é a opinião do CDS. É matéria que deve ser debatida porque aquilo que ouvimos dizer sempre é que há serviços que não precisam nada das 40 horas. Se calhar há, mas há outros que precisam. Veja-se o problema da Saúde… Então se calhar o que temos que discutir é se, dentro da função pública, há espaço para horários diferenciados, como aliás no setor privado também há – acordos coletivos de trabalho que têm horários mais reduzidos para determinados setores. Penso que há muito trabalho para ser feito nessa matéria.

"Ou conseguimos melhorar muito a nossa produtividade e, então sim, podemos trabalhar menos, ou então a única maneira de compensar e de sermos competitivos é trabalhando, se calhar, as 40 horas"

Mas não já?

Mas quando isso for real e possível. Também acho que não nos compete vender ilusões a ninguém.

“A TSU foi o primeiro grande erro do nosso Governo”

Já disse noutra ocasião que o Governo cometeu erros, que não fez tudo bem. O que é que fez mal, o que é correu mal? Que erros são esses? O que é que teria feito de diferente?

Eu penso que o Governo teve, desde logo, um problema grande comunicação. Cometeu alguns erros, como por exemplo a questão – que deu a primeira grande fratura – a questão da TSU. O Governo errou quando foi por esse caminho e isso viu-se. O país todos saiu à rua e saiu à rua espontaneamente. Eu lamento que se tenha assumido essa posição. Não era um caminho explicável às pessoas, por muito que economicamente pudesse fazer sentido, que fosse o mais próximo da desvalorização monetária. Até admito que, do ponto de vista da teoria, economicamente isso fizesse sentido. Mas há uma realidade no país, feita de gente, de gente que pensa, que sente, e que sentiu isso com uma profunda iniquidade. Acabámos por não ir por aí mas houve um grande dano.

Depois houve dificuldade várias, mas muito do ponto de vista da comunicação. Quando nos acusam de um excesso de austeridade, se formos ver o memorando inicial, nós ainda nem atingimos o défice que estava previsto no memorando inicial para os três anos. Ainda nem sequer lá chegámos, portanto se tivéssemos cumprido a meta acordada pelo PS com a troika teríamos que ter feito ainda mais austeridade. Somos acusados, ao mesmo tempo, de termos feito austeridade para além do memorando e, por outro, porque não cumprimos as metas do défice.

Mas certamente que nós não fomos capazes de comunicar bem, não fomos capazes de explicar bem. Explicar que o que lá estava não era possível de cumprir ipsis verbis, mas que só fizemos o nosso melhor. Que tivemos medidas com as quais não concordaríamos mas que eram a única maneira – ainda que não cumprindo exatamente a meta que lá estava – de nos aproximarmos.

Que medidas, por exemplo?

De ordem diversa. Houve um grande aumento de impostos, e a nós doeu-nos particularmente – ao CDS – mas porquê? Porque não implementamos medidas de corte na despesa? Porque pararam todas no Tribunal Constitucional. As medidas que tinham a ver com a função pública, por exemplo, não podíamos nem cortar salários, nem diminuir a massa salarial, ou seja, encontrar mecanismos para que as pessoas saíssem da função pública. Não sendo isto possível, a única via possível eram os impostos. E isto não é propriamente escolha.

Outro problema que tivemos foi o facto de termos tido a necessidade de corrigir sempre o caminho quando os instrumentos que estavam no memorando não eram suficientes para cumprir. Quando nós sabíamos que o que lá estava era incumprível. Agora, perguntar-me-á porque é que não disseram isso desde o início? Porque, no início, o país estava tão fragilizado do ponto de vista da credibilidade, e é importante dizê-lo, que a única maneira de devolver credibilidade ao país era dizer ‘Nós vamos cumprir’.

"Fomos acusados, ao mesmo tempo, de termos feito austeridade para além do memorando e, por outro, de não cumprirmos as metas do défice"

Mas sabiam, desde o início, que aquilo não era para cumprir.

Naqueles moldes, eu penso que desde o início. Mas fomos cumprindo as medidas e fazendo aproximações para ganhar o direito de ter flexibilidades. E flexibilizamos. Flexibilizamos as metas o défice. Depois, flexibilizamos as maturidades e os juros e os reembolsos. Tudo isso foi por flexibilizar… E o esforço foi diminuído ao longo do tempo. Mas dizendo sempre que íamos cumprir.

É o próprio Passos Coelho que diz que foi além da troika e, nos últimos discursos que tem feito a propósito da sua candidatura, até admite erros e culpa nesse sentido….

Embora eu ache que essa expressão também foi mal pegada pela comunicação social. Penso que Pedro Passo Coelho, nessa altura o que quis dizer foi que a troika não era toda a nossa agenda. Que estamos a fazer uma outra transformação relevante que não passa só por aqui.

Como é a sua relação com Pedro Passos Coelho?

É boa. Sempre foi muito boa.

No Governo eram próximos?

As minhas áreas, felizmente, nunca foram áreas de preocupação excessiva para o primeiro-ministro. Acho que um primeiro-ministro o que deseja é ter ministros e áreas que não lhe dêem grandes problemas. Nesse sentido nunca levei grandes problemas ao primeiro-ministro. Portanto, nunca tive necessidade de ter, amiúde, reuniões com o primeiro-ministro e de privar com ele sistematicamente. Dei-me sempre bem com o primeiro-ministro, nos Conselhos de Ministros, em algumas reuniões que tive com ele ao longo dos anos, mas sempre com uma grande cordialidade e tudo a correr muito bem.

Os 600 milhões de euros em relação às pensões nunca ficaram bem explicados. Nomeadamente na campanha eleitoral. Onde é que teriam ido buscar este dinheiro?

Essa uma questão à qual não sei responder exatamente porque aquilo que foi entendido foi que para essa resposta teria que haver um diálogo profundo sobre a questão da Segurança Social. Um diálogo, no mínimo, a três. O que posso dizer é que é um tema que continua as ser relevante e que merecerá a nossa melhor atenção.

"Presidenciais mostraram que a ideia de que havia uma maioria sociológica de esquerda só existiu na cabeça de António Costa"

Em relação às eleições presidenciais, a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, que era o candidato da direita, foi uma vitória dele enquanto ‘fenómeno Marcelo’, ou foi uma vitória de direita?

Penso duas coisas. Primeiro, uma eleição presidencial é sempre uma eleição nominal, portanto, a vitória é de Marcelo Rebelo de Sousa. Segundo, essa vitória, sendo de Marcelo Rebelo de Sousa, reflete algo que nós percecionávamos que é que não há uma maioria de esquerda, sociológica de esquerda, que se reveja nesta governação apoiada nas esquerdas radicais. Isso não existe em Portugal. Existiu na cabeça de António Costa, que quis fazer este acordo, mas os candidatos presidenciais que apoiavam essa maioria de esquerda, não granjearam um bom resultado nas eleições. E isso parece-me que é outra conclusão que podemos retirar daqui.

O PS não apoiava formalmente nenhum candidato.

Sim, mas tinha mais do que um candidato.

E a candidata do Bloco de Esquerda teve um a votação muito expressiva…

Sim, ainda assim some-se as votações todas. Ainda assim…

Mas a minha pergunta tem a ver com o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ser uma figura que vai buscar muito aos dois lados. Isso beneficiou-o?

Sim, vai buscar muito aos dois lados, mas vai buscar ao centro. O que digo é que a ideia de que, de repente, o país está confortável e se revê numa governação das esquerdas radicais, ou do PS apoiado nas esquerdas radicais, não se confirmou na eleição presidencial. E podia ter-se confirmado.

Ainda é ao centro que se ganham votos?

Eu creio que as pessoas são naturalmente moderadas. As pessoas não gostam de radicalismos. Naturalmente não gostam de radicalismos. E bem, na minha perspetiva.

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