A última vez que o piloto do Cessna 515 comunicou com terra, depois de este domingo ter descolado do aeroporto de Jérez de la Frontera, no sul de Espanha, terá sido perto das 16h15 (menos uma hora em Portugal), altura em que saiu do espaço aéreo da Península Ibérica.

Foi nessa altura, pouco depois de entrar em França, que o alemão aos comandos da aeronave privada, propriedade de uma empresa com sede na Áustria, avisou que a cabine tinha despressurizado — a partir daí, o rádio emudeceu e todas as tentativas feitas para contactar o avião, que a bordo transportava uma família alemã de pai, mãe e filha, temporariamente a morar em Zahara de los Atunes, Cádiz, foram infrutíferas. O pai era um empresário, de 72 anos, e era também o proprietário da aeronave.

Saiu de Espanha em direção à Alemanha e despenhou-se no mar Báltico. Queda de avião privado foi acompanhada em direto na internet

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Desde o momento em que o jato, fabricado em 1979, partiu do sul de Espanha, às 14h56, até ao instante em que, às 19h45 (menos uma hora em Portugal), se precipitou nas águas do mar Báltico, a cerca de 35 quilómetros da costa da Estónia, passaram-se exatamente quatro horas e 51 minutos.

Durante esse tempo, o “avião fantasma” sobrevoou meia Europa, em grande parte do tempo escoltado por caças dos países que atravessou — e até por aviões de guerra da NATO, que face a rota incerta do Cessna 515, fez sair do aeródromo de Amari, na Estónia, os caças da missão da Polícia Aérea do Báltico para o acompanhar.

Durante aproximadamente três horas e meia foi impossível estabelecer contacto com o avião, o que levou as autoridades a acreditar, desde muito cedo, que piloto e passageiros ou tinham perdido os sentidos ou estavam mortos.

No Twitter, meia hora antes de o avião se despenhar, chegaram a ser partilhados relatos de que tinha sido avistada uma pessoa na cabine do avião “a gesticular” e um saco no lugar do piloto — não foram confirmados por qualquer fonte oficial.

Explicou à agência de notícias sueca TT Hans Kjäll, especialista em segurança na aviação, não é assim tão raro que aconteçam casos como este, de despressurização do cockpit.

Neste caso, especulou o especialista, por algum motivo o piloto não terá conseguido reagir a tempo e desengatar o piloto automático de forma a fazer descer o avião rapidamente, para uma altitude em que a falta de oxigénio não fosse um problema, o que terá sido fatal. “A esta altitude de cruzeiro, que mesmo estes pequenos jatos têm, cerca de 10 mil metros, há muito pouco oxigénio. Ficamos inconscientes em 30 segundos.”

De acordo com os registos publicados nas páginas que acompanham todos os voos de que há registo no mundo inteiro, era a essa altitude — mais, até: 35.975 pés, 10.965 metros — que o Cessna 515, matrícula OE-FGR, seguia quando abandonou o espaço aéreo espanhol, via País Basco.

Tudo leva a crer que durante aproximadamente três horas e meia e ao longo de 3.500 quilómetros o avião tenha voado em piloto automático, a uma velocidade de cerca de 670 quilómetros por hora.

Foram horas de aflição, acompanhadas, a partir de certa altura, em direto na Internet, em páginas como o Flight Radar 24 — de acordo com a imprensa sueca e alemã, terá sido apenas depois de não aterrar em Colónia, na Alemanha, como estipulava o plano de voo, que os alertas soaram de forma mais estridente e chegou mesmo a ser colocada em cima da mesa a hipótese de o avião se despenhar em terra.

“Piloto inconsciente, combustível estimado para 15 minutos ou menos”

Às 19h22, o jornal sueco Aftonbladet, que duas dezenas de minutos antes tinha aberto um liveblog para acompanhar em direto o percurso do avião, citou Lina Buurstra, responsável do Centro de Resgate Marítimo e Aéreo da Suécia, que na altura já estava a sobrevoar a zona do mar Báltico, para tentar perceber onde poderia o avião cair.

“Foram mobilizados todos os recursos. É uma área incrivelmente grande, então saímos de avião primeiro e quando o jato começar a perder altitude alertaremos os barcos na área”, explicou Lina Buurstra.

Exatamente dez minutos mais tarde, no Twitter, o TLspotting, conta de Thibaud Lapers, um “spotter” belga, deu início a uma série de mensagens a detalhar, ao instante, aquilo que estava a acontecer com o jato privado.

“Situação caótica no Mar Báltico, relatada por um controlador de tráfego aéreo a partir de uma mensagem de colegas do Eurocontrol. Piloto inconsciente, combustível estimado para 15 minutos ou menos. A Suécia foi alertada. É o OEFGR e devia ter aterrado em Colónia”.

Na verdade, nessa altura faltavam apenas 13 minutos para o avião a jato, de envergadura de 15,9 metros e comprimento de 14,4 metros, se despenhar. Antes de virar à direita ao sobrevoar Paris e de ter seguido em frente após passar Colónia, o Cessna 515 foi acompanhado no ar por caças espanhóis e franceses, que  descolaram para descobrir o que se passava a bordo — sem sucesso.

Uma vez em espaço aéreo alemão, onde o jato entrou às 17h34, a Força Aérea colocou outros dois caças no ar, a partir de Rostock, mas também não conseguiram descortinar ninguém no cockpit.

Quando os aviões alemães se afastaram, às 18h50, na zona da ilha de Rügen, um F16 dinamarquês descolou para acompanhar o Cessna 551. Os seus pilotos testemunharam ao vivo o momento em que o avião, sem combustível, começou a rodopiar e  se despenhou em direção ao mar, às 19h45.

A partir da internet, foram inúmeras as pessoas que também assistiram à queda, mas em modo ecrã colorido e virtual. “Acho que acabei de assistir à queda de um jato privado entre a Letónia e a Suécia”, escreveu (e publicou uma imagem a comprovar) um utilizador do Twitter, apenas cinco minutos mais tarde.

Ao longo dos últimos 10 ou 15 minutos em que permaneceu no ar, em piloto automático, a viagem do Cessna 551 foi acompanhada ao segundo: às 19h28, escreveu o Aftonbladet, o avião estava a uma altitude de quase 11 mil metros e começava a desacelarar; apenas três minutos mais tarde, entre a ilha sueca de Gotland e a costa da Finlândia, já estava nos 10 mil metros e aparentava estar a perder altitude de forma muito acelerada.

Às 19h35, prestes a entrar no espaço aéreo da Estónia, o avião já tinha descido mais um pouco, para os 9.800 metros.

Outros quatro minutos mais tarde, à entrada do espaço aéreo da Letónia, onde viria a despenhar-se dentro de apenas 6 minutos, escreveu o TLspotting, o Cessna 515 já estava “a descer muito” — 6.896 metros era o que marcava o altímetro — e não havia dúvida de que o combustível estava a chegar ao fim.

Foi justamente nessa altura, depois de o avião voltar a virar à direita, dessa vez em direção à costa letã, que se temeu novamente que o Cessna pudesse despenhar-se em terra. Eram 19h39 quando, escreveu o jornal sueco, o “avião fantasma” se aproximou da cidade de Ventspils, já a apenas 5 mil metros de altitude.

Depois de descrever uma série de círculos no ar, a aeronave acabaria por cair no mar Báltico, às 19h45. “Soubemos que o avião se despenhou (no oceano) a noroeste da cidade de Ventspils, na Letónia”, disse um porta-voz do serviço de emergências da Suécia, citado pela Reuters. “Desapareceu do radar. As hipóteses de encontrar sobreviventes são mínimas.”

Na última vez em que deu sinal, o avião voava a apenas 640 metros. Depois, desapareceu dos radares. “Infelizmente, temos que confirmar que no início da tarde um pequeno avião vindo de Espanha atravessou o espaço aéreo alemão e caiu no Mar Báltico em frente à Letónia”, informou entretanto a Força Aérea alemã.

Como este tipo de avião não tem caixa negra, disse à imprensa sueca Hans Kjäll, o especialista do Nordic Safety Analysis Group, será particularmente difícil, uma vez recuperados os destroços, no mar Báltico, reconstituir o filme dos acontecimentos e perceber exatamente o que se passou este domingo a bordo do OEFGR com destino a Colónia.

Às 19h44, quando o “avião fantasma” começou a cair em espiral, eram 290 mil as pessoas a seguir o curso da aeronave no Flight Radar 24. Nas horas que se seguiram, foram milhares as pessoas que se mantiveram atentas, mas às operações de resgate e salvamento no local. Até à publicação deste texto, ainda não tinham sido encontradas as vítimas mortais.