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Rui Oliveira/Observador

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Autarquias, militares e dentistas juntam-se para travar cadeias de transmissão à Covid-19 num projeto piloto da ARS Norte

O projeto está a resolver o atraso dos inquéritos epidemiológicos e a identificação de contactos de risco a Norte. Poderá ser alargado ao resto do país e a intenção é despistar contágios em 24 horas.

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Entre outubro e novembro, Guimarães registou 6.300 novos casos de Covid-19, superando cidades como Lisboa ou Vila Nova de Gaia, uma incidência que provocou “o caos” nas unidades de saúde pública. “Esta segunda vaga trouxe um número de infetados muito grande e heterogéneo, o que resultou na incapacidade dos centros de saúde darem uma resposta em tempo útil às pessoas”, começa por explicar ao Observador Adelina Pinto, vice presidente da Câmara Municipal de Guimarães.

A impossibilidade do teletrabalho em áreas como a indústria têxtil ou o calçado, a propagação do vírus nas famílias e, consequentemente, nas escolas explicam o fenómeno. “Fomos completamente encharcados por chamadas na câmara de pessoas infetadas, desesperadas e angustiadas, que não sabiam o que fazer e não recebiam qualquer indicação. Havia efetivamente uma falta de resposta grande quando os casos se começaram a multiplicar muito rapidamente”, recorda a vereadora.

A 25 de novembro, Guimarães tinha 7 mil inquéritos epidemiológicos na base de dados por fazer, sendo a região a Norte com o número maior de contactos em atraso. Graças ao projeto piloto da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, “Vamos Salvar Portugal”, em 15 dias o número baixou de 7 mil para 193 contactos em atraso. “Foi um passo decisivo que deu qualidade e segurança às pessoas e funcionou como um travão no contágio da doença”, sublinha Adelina Pinto.

Nova abordagem colaborativa permite realizar rastreios mais rapidamente

Tudo começou no Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) Porto Ocidental em meados de novembro. “Tínhamos cerca de mil contactos em atraso e era algo que nos preocupava porque nos estava a impedir de bloquear a cadeia de transmissão de forma precoce. Enquanto não for feita esta entrevista aos casos confirmados, continuamos a ter transmissão da doença na comunidade”, explica Firmino Machado, coordenador do projeto “Vamos Salvar Portugal”.

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O propósito passava por colaborar com as unidades locais de saúde pública na sua resposta à Covid-19, numa altura em que a incidência era superior à capacidade de trabalho dos profissionais. Para isso, o ACeS Porto Ocidental construiu uma nova abordagem aos casos confirmados envolvendo o próprio cidadão na realização do inquérito e no processo de identificação dos contactos de alto risco, ou seja, pessoas com quem esteve a menos de dois metros, sem máscara e durante mais de 15 minutos.

Este tipo de metodologia mais colaborativa permite contactar a pessoa infetada mais rapidamente por telefone, enviar por e-mail todas as recomendações sobre o seu isolamento domiciliário, prescrever testes se necessário, pedir, através do preenchimento de um formulário, os dados dos contactos de alto risco e, posteriormente, contactá-los. Anteriormente este processo era totalmente feito por telefone e demorava entre 30 a 40 minutos. “Só esta dinâmica de ouvir e registar demorava”, sublinha o responsável.

Firmino Machado é médico no ACeS Porto Ocidental e coordenador do projeto "Vamos Salvar Portugal" (Foto: Igor Martins)

Igor Martins/Observador

Três semanas depois de ser implementado no Porto, cujos resultados de qualidade e produtividade eram comunicados diariamente à Direção Geral de Saúde, o Governo solicitou que o processo fosse expandido para outros territórios e pudesse ser colocado ao dispor de outras unidades de saúde pública. “O projeto foi discutido com o secretário de Estado numa sexta-feira e na segunda já estava a funcionar”, recorda Firmino Machado.

A ideia foi então transferida para a ARS do Norte, onde ganhou um nome próprio e algumas melhorias. A realização de contactos passou a incluir não apenas recursos humanos dos centros de saúde, mas também outros profissionais, como militares das Forças Armadas ou médicos dentistas, através de uma bolsa de voluntários que a Ordem disponibilizou, e técnicos superiores das câmaras municipais mais afetadas.

Com a mudança, o projeto permitiu também resolver um problema burocrático: a emissão das declarações de isolamento profilático. “Este é um problema crónico nas unidades de saúde pública por ser um processo manual e demasiado demorado. Neste momento, conseguimos em apenas alguns minutos enviar para a caixa de correio do utente este documento para efeitos laborais o, no caso das crianças, para justificar a sua ausência em atividades escolares.”

Além de estabelecer contacto com infetados e potenciais ligações de risco, registar todas as informações na plataforma de monotorização para posteriormente a equipa de médicos de família dar seguimento clínico, o “Vamos Salvar Portugal” lançou ainda uma linha de apoio, garantindo a acessibilidade permanente do utente.

Dúvidas que ficaram por esclarecer, perguntas que ficaram sem resposta, um erro no registo da informação ou um sintoma novo que surgiu são situações que podem e devem ser direcionadas para esta linha dedicada a cada uma das áreas geográficas. “Ao contrário daquilo que acontece muitas vezes com a Saúde 24, esta linha recebe e regista todas as chamadas, independente da hora a que são feitas, e asseguramos o call back em todos os casos”, explica o responsável Firmino Machado.

O projeto piloto da ARS do Norte arrancou a 17 de novembro no ACeS Maia/Valongo, seguiu-se Gondomar, Alto Ave, Aveiro Norte, Baixo Tâmega e Ave/Famalicão, totalizando até ao momento quase 17 mil contactos, realizados por 189 profissionais: 106 militares, 65 técnicos superiores e 18 médicos dentistas.

“Não temos os profissionais ideias para dar resposta a um alto débito e incidência de casos Covid-19. Esta deve ser uma resposta pontual, balizada no tempo.”
Firmino Machado, coordenador do projeto "Vamos Salvar Portugal"

Dos contactos a quem já morreu às desconfianças de burla

Conhecimentos em ferramentas digitais, experiência em comunicar com o público, capacidade de organização e adaptação são alguns traços que compõem o perfil dos elementos das equipas selecionadas para integrar o projeto. A formação é dada por profissionais de saúde pública durante três dias, onde os conteúdos são passados de forma teórica e prática. “Damos formação sobre a doença, como abordá-la, quais os procedimentos a ter durante a entrevista, apresentamos um algoritmo de ações que devem ser implementadas”, explica o coordenador, Firmino Machado.

Na ARS do Norte, no Porto, vários espaços foram convertidos em sala de aula, onde em cada secretária, devidamente dividida por um painel, saltam à vista os computadores, os telefones a tocar, os blocos de notas e as garrafas de água. Lídia Fernandes é técnica superior na câmara municipal de Fafe e está prestes a terminar o último dia de formação. “Até agora não tenho ido dificuldades, mas quando chegamos aqui e vemos a nossa base de dados com tanta gente é um bocadinho assustador”, confidencia ao Observador.

Entre utentes “simpáticos e compreensivos”, há também quem se queixe do atraso ou até desconfie do acesso aos dados pessoais. “Já apanhei pessoas que pensavam que estava a tentar burlá-las, mas a maioria já não precisam de nada. Uns já perderam o emprego, outros perguntam quando vão receber o dinheiro em relação aos dias que estiveram em isolamento profilático. Existe muita urgência em receber as declarações”.

É na Administração Regional de Saúde do Norte que a formação é dada durante três dias (Foto: Igor Martins)

Igor Martins/Observador

Entre as mesas a tirar dúvidas circula Marta Teixeira, enfermeira especialista em saúde comunitária. É uma das profissionais que está a formar as equipas multidisciplinares, função que se tem mostrado “um autêntico desafio”. “Estamos a falar de pessoas que não estão ligadas aos cuidados de saúde, mas que agora desempenham algumas das tarefas que nos ajudam a chegar à população. Vejo as equipas motivadas, a vestirem a camisola e a sentir que estão a fazer algo de positivo”, afirma.

Se os médicos dentistas já têm alguma formação na área, o pessoal técnico das autarquias mostra mais dúvidas e os militares guiam-se pelo sentido de missão. “Os militares não são menos sensíveis, são mais práticos, executam com maior rapidez porque se focam muito no objetivo”, explica a enfermeira, acrescentando que as preocupações, essas, são comuns. “É essencialmente o medo de lesar alguém, de não dar uma informação importante ou esquecer algum pormenor.”

Para Marta Teixeira esta é uma ação que traz efeitos práticos no combate à pandemia. “O mais importante é conseguirmos chegar às pessoas em tempo útil, dizer-lhes que representam um risco para a família e para os amigos, e conseguirmos isolá-las rapidamente, evitando, assim, a disseminação comunitária do vírus.”

Após a formação de três dias, militares, dentistas e funcionários das câmaras municipais podem trabalhar remotamente, seja em casa ou até mesmo no seu local de trabalho habitual. Para isso, basta terem internet para aceder à base de dados e bateria no telemóvel que lhes é fornecido. É o caso de Estrela Mendes, psicóloga de formação e uma das 12 pessoas que a autarquia de Guimarães dispensou para integrar a iniciativa da ARS do Norte, a partir do dia 23 de novembro, e que continua a operar no edifício camarário.

“Num dos primeiros contactos que fiz, a senhora já tinha morrido”, conta ao Observador, acrescentando que o mais difícil na sua nova função é “desconstruir quem está do outro lado”. “Quando ligamos, as pessoas atendem-nos zangadas, confusas e nervosas, no fundo, estão fragilizadas em casa. Geralmente recebemos logo uma resposta negativa, mas temos de suavizar o discurso para podermos trabalhar.”

Dificuldades em lidar com as novas tecnologias ou dúvidas sobre o período de isolamento são os feedbacks que mais tem recebido. “Quando estão acamados ou com sintomas fortes, torna-se difícil a comunicação, mas no geral não tenho sinto medo ou receio, mas sim fragilidade por quem está a passar por uma situação destas.”

“Os idosos às vezes só querem ter alguém com quem conversar e falam com mais calma. A ausência de contacto foi de tal forma que quando recebiam a atenção de uma pessoa, que podia gastar 5 ou 10 minutos ao telefone, isso dissipava metade dos problemas."
Ernesto Machado, líder da equipa responsável pela região do Alto Ave

“Não temos os profissionais ideais para um alto débito de incidência”

Cada uma das equipas, geralmente compostas por 15 a 20 profissionais, tem direito a um líder, alguém que faz os contactos aos utentes mais difíceis, ou que tenham mais dúvidas, atende a linha de apoio, é responsável por garantir a motivação do grupo e verifique os erros que possam surgir na base de dados. É o caso de Ernesto Machado, assistente social da câmara municipal de Guimarães e líder da equipa do Alto Ave, a região que tinha mais contactos em atraso.

“A expressão que melhor define este projeto é: ‘primeiro estranha-se, depois entranha-se’. Pelo menos foi o que aconteceu comigo”, declara ao Observador o responsável por uma equipa de 54 pessoas – 31 militares, 20 técnicos superiores e 3 médicos dentistas — a maior do projeto. “Todos abraçaram esta causa, trabalham além do seu horário, incluindo fins de semana e feriados, e percebem a urgência em diminuir significativamente estes números.”

As principais preocupações dos utentes prendem-se sobretudo com o isolamento em casa, os cuidados a ter com a roupa, as refeições, a higiene ou o distanciamento, e o número de dias do período de isolamento. “Se não tiverem conhecimento em informática, preenchemos o formulário com eles. Há, de facto, um acompanhamento e um diálogo permanente.”

A Câmara Municipal de Guimarães dispensou 12 técnicos superiores para integrar o projeto da ARS do Norte (Foto: Igor Martins)

Igor Martins/Observador

Se os mais jovens muitas vezes omitem e escondem detalhes importantes, o mesmo não acontece com os mais velhos. “Os idosos às vezes só querem ter alguém com quem conversar e falam com mais calma. A ausência de contacto foi de tal forma que quando recebiam a atenção de uma pessoa, que podia gastar 5 ou 10 minutos ao telefone, isso dissipava metade dos problemas”, refere Ernesto Machado, acrescentando que “pouca coisa pode correr mal” e que em média cada infetado identifica 3 a 4 contactos de alto risco.

Depois de atualizar os inquéritos epidemiológicos em atraso, o objetivo do “Vamos Salvar Portugal” é despistar contágios em apenas 24 horas, o que em alguns casos implica informar os infetados que testaram positivo. “Ainda ontem telefonei para um senhor de 45 anos que não sabia que já tinha teste positivo, disse-me só que já imaginava porque já tinha alguns sintomas. No geral, as pessoas não reagem com naturalidade, mas também não dramatizam.

Apesar de durante a abordagem, a equipa sensibilizar para a responsabilidade cívica, há omissões ou esquecimentos que são difíceis de controlar. Ainda assim, o projeto conta com uma equipa de controlo de qualidade e auditoria composta por médicos de saúde pública, que foram recrutados especificamente para ligar aleatoriamente a casos confirmados e contactos de alto risco abordados por esta nova metodologia.

“Através de um inquérito epidemiológico tradicional, esta equipa compara o número de contactos de alto risco identificados com o número identificado pelo novo método colaborativo. Percebemos que existe um desvio, como é natural, porque a experiência das duas equipas não é a mesma, mas este desvio não é substantivo. Existe um sub reporte de 9% em contactos de alto risco. Esta não é uma metodologia perfeita, mas é a metodologia possível numa situação de alto débito”, explica Firmino Machado, coordenador.

O responsável defende que a intenção do projeto piloto da ARS do Norte não é substituir os profissionais de saúde, mas “ter uma resposta excecional a um problema excecional”. “Não temos os profissionais ideias para dar resposta a um alto débito e incidência de casos Covid-19. Esta deve ser uma resposta pontual, balizada no tempo.”

Firmino Machado esclarece que as equipas multidisciplinares dão resposta aos casos mais simples, ou seja aos casos confirmados que adquiram a doença em contexto familiar ou social. “Todas as situações mais complexas, como casos confirmados em estruturas residenciais para idosos, escolas, creches ou centros de hemodiálise necessitam de uma abordagem diferente, eventualmente uma visita ao local ou a alteração de medidas especificas para aquele equipamento, algo que só a unidade de saúde pública poderá fazer.”

“Quando ligamos, as pessoas atendem-nos zangadas, confusas e nervosas, no fundo, estão fragilizadas em casa. Geralmente recebemos logo uma resposta negativa, mas temos de suavizar o discurso para podermos trabalhar.”
Estrela Mendes, psicóloga na Câmara Municipal de Guimarães

Ideia pode ser alargada ao resto do país e há outro projeto em curso

O autor e coordenador do “Vamos Salvar Portugal” revela que outros presidentes das administrações de saúde locais têm interesse em implementar metodologias similares às que já estão a ser feitas no norte do país, “e que podem ser bastante úteis numa terceira onda da pandemia, expetável que existia no início do próximo ano”. Esta semana está já agendada uma visita dos responsáveis regionais de saúde às instalações da ARS do Norte, “de forma a podermos explicar o que fazemos e como fazemos”.

“Check Point Covid-19” é o nome de um novo projeto que está a ser implementado que dá uma resposta ainda mais atempada aos casos positivos, através das mesmas ferramentas digitais. O plano envolve situações em que o utente faz um teste rápido e na meia hora seguinte é acompanhado pela equipa que realiza o seu inquérito epidemiológico e identifica os seus contactos de risco.

“Habitualmente as pessoas dirigiam-se a uma área dedicada a sintomas respiratórios nos centros de saúde, realizavam um teste, tinham o resultado em dois ou três dias e depois passavam mais dois a três dias até fazerem o inquérito. No melhor cenário, passaria quase uma semana desde que o dia em que tinham sintomas até estarem em casa porque alguém determinou o seu isolamento”, enquadra Firmino Machado.

Independentemente da hora em que o diagnostico é conhecido, a informação é enviada para os centros de saúde através de uma plataforma digital. Em 15 minutos é libertado o resultado do teste rápido e em 30 minutos a equipa contacta a pessoa infetada, “encurtando, assim, ainda mais o tempo de despiste e bloqueando ainda mais cedo a cadeia de transmissão”. O “Check Point Covid-19” arrancou recentemente no ACeS Porto Ocidental, já se encontra em funcionamento em Gondomar e ainda esta quinta-feira será implementado na região do Alto Ave.

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