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Merkel And States Leaders Plan Further Coronavirus Policy
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Avanços e recuos de Angela Merkel: um sinal de desorientação ou um exemplo de credibilidade?

Chanceler avançou com paralisação na Páscoa, mas recuou. Dúvidas sobre variante britânica e pressão para desconfinar podem justificar recuo ou ser uma prova da credibilidade de Merkel.

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Causou estranheza a forma como a Angela Merkel de repente mudou a comunicação sobre a pandemia de Covid-19. Esta quarta-feira, a chanceler recuou no plano de paralisar a Alemanha durante cinco dias na altura da Páscoa — estratégia que tinha sido apresentada apenas 24 horas antes — e pediu desculpa pelo “erro”.

"[Os alemães] sempre estiveram muitos seguros, têm sabido comunicar e expressar-se muito bem. Mas estes impasses são uma inconsistência muito grande", classificou o perito. "Se estão com estes avanços e recuos, isso é um sintoma do receio que claramente têm da variante britânica e das dúvidas sobre o que devem fazer".
Tiago Correia, especialista em saúde internacional do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT)

É um tropeço incomum na líder alemã, apontada como um exemplo de equilíbrio entre a comunicação técnica e a política. Na terça-feira, Merkel disse que a Alemanha estava a atravessar “essencialmente uma nova pandemia” devido à variante britânica, num registo mais alarmista do que tinha feito até agora.

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A chanceler, formada em Física e doutora em Química Quântica, disse que o país combatia agora um “novo vírus”, “muito mais letal, muito mais infeccioso e contagioso durante muito mais tempo”. No entanto, a paralisação que anunciou a seguir para o conter estava repleto de complicações logísticas e foi criticado por não ter sido publicamente debatido.

São “inconsistências” em que Tiago Correia, especialista em saúde internacional do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), reparou, mas que não consegue explicar: “Tudo o que a Angela Merkel diz é muito ponderado”, defende, por isso, para ele, este foi “o sinal mais relevante sobre uma grande incerteza” em torno da variante britânica.

“[Os alemães] sempre estiveram muitos seguros, têm sabido comunicar e expressar-se muito bem. Mas estes impasses são uma inconsistência muito grande”, classificou o perito. “Se estão com estes avanços e recuos, isso é um sintoma do receio que claramente têm da variante britânica e das dúvidas sobre o que devem fazer“.

O Livro Branco da Pandemia. Onde é que a comunicação com os portugueses falhou?

Desde cedo que os alemães se têm mostrado preocupados com a linhagem do SARS-CoV-2 identificada em setembro no Reino Unido e reconhecida em meados de dezembro. Pouco depois do anúncio sobre a variante B.1.1.7, o governo alemão avisou que por causa dela o confinamento se podia prolongar até à Páscoa.

“Se o vírus realmente nos atingir com mais força, as medidas de restrição terão que ser aprimoradas”, avisou Ralph Brinkhaus, líder dos democratas-cristãos no Bundestag, o parlamento germânico: “Ninguém pode dizer agora se isto vai durar oito ou dez semanas”, acrescentou, justificando a decisão com o facto de o impacto na situação epidemiológica poder ser “muito trágico” e “triste”.

É o que se observa neste momento na Alemanha. Os números de novos contágios nas últimas semanas denunciam a chegada da terceira vaga ao país, que neste momento está a registar uma média semanal de quase 14 mil casos diários — o que já é mais de metade do verificado no pico da segunda vaga e quase o dobro do registado há um mês.

Não há qualquer consenso sobre este assunto entre a comunidade científica. Mesmo no Reino Unido, Jonathan Ball, virologista da Universidade de Nottingham, assumiu-se cético porque "interpretar a letalidade quando os cuidados intensivos estão sob grande pressão é potencialmente enganoso".
Jonathan Ball, virologista da Universidade de Nottingham

Dirk Brockmann, do Instituto Robert Koch, considerou aliás ter sido “totalmente irracional relaxar as medidas”. Os médicos intensivistas também estão a apelar ao governo alemão que dê um passo atrás no desconfinamento, que dura há 15 dias e que, mesmo tendo sido muito leve, fez não só com que os números disparassem como a pressão sobre os hospitais já se faça sentir.

Mas o que é que preocupa os alemães sobre a variante britânica?

Que a variante britânica era mais infecciosa já se sabia. Quando Boris Johnson revelou a descoberta a meio de dezembro da nova linhagem, o primeiro-ministro britânico avisou desde logo que seria 71% mais transmissível do que a variante dominante até então, embora nada indicasse na altura que causasse quadros clínicos mais severos de Covid-19.

Desta vez, Angela Merkel afirmou que a variante era realmente muito mais letal, repetindo o que Boris Johnson acrescentara em janeiro, após ter recebido informações do seu grupo de aconselhamento científico. A variante B.1.1.7 parecia ter um risco 30% maior de levar à morte por Covid-19.

Mas não há qualquer consenso sobre este assunto entre a comunidade científica. Mesmo no Reino Unido, Jonathan Ball, virologista da Universidade de Nottingham, assumiu-se cético, porque “interpretar a letalidade quando os cuidados intensivos estão sob grande pressão é potencialmente enganoso”. “Quando as unidades de cuidados intensivos estão sobrecarregadas, o padrão de atendimento pode ser comprometido e as taxas de letalidade aumentam. As causas e os efeitos são difíceis de estabelecer com modelos matemáticos, a menos que se incluam todas as variáveis”, resumiu o perito inglês.

Diana Lousa, investigadora do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB), e Ricardo Leite, coordenador da Unidade de Genómica do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), transmitiram isso mesmo ao Observador: “A altura em que a variante se espalhou foi de picos na pressão nos hospitais, e por isso é difícil avaliar”, disse o investigador.

O grande entrave que os cientistas colocam a esta hipótese é exatamente a de ser estranho que esta variante fosse mais letal. O segredo para a replicação do vírus é infetar o maior número de pessoas possível durante o mais longo período de tempo. Se o vírus matar os hospedeiros, deixa de ser transmitido na comunidade e também ele desaparecerá.

A mesma incerteza científica gira em torno do debate sobre a duração do intervalo de tempo em que um hospedeiro com a variante britânica permanece infeccioso — outro assunto abordado por Angela Merkel. Um estudo da Universidade de Harvard sugere que esse intervalo de tempo é maior em comparação com os infetados com outras variantes. Mas o estudo tem limitações: o número de participantes é muito pequeno (foi baseado em 65 voluntários) e não é representativo da generalidade da população (todos eles eram atletas na Associação Nacional de Basquetebol norte-americana, a NBA), colocando reservas à interpretação dos dados.

A comunicação de Merkel

São detalhes que não são ignorados na estratégia de comunicação de Angela Merkel — cientista de formação —, quando quer transmitir uma mensagem mais incisiva. No Natal, no parlamento, por exemplo, disse sem rodeios e de modo emotivo (chegou a chorar) que lamentava as regras apertadas que ia impor na época festiva, mas que elas eram imperativas. “Se tivermos contacto com muitas pessoas antes do Natal e, posteriormente, acabar por ser a última celebração com os avós, certamente teremos sido negligentes e não deveríamos fazer isso”, declarou. “Lamento, do fundo do meu coração, mas se o preço a pagar é 590 mortes por dia, então isso, na minha opinião, não é aceitável“.

Mesmo sem a benevolência natalícia, a Alemanha registou um pico de 1.734 mortes por Covid-19 a 19 de janeiro. A situação foi mais controlada a partir daí, mas o país nunca deixou de registar centenas de mortes quase todos os dias. Esta quarta-feira, as autoridades de saúde anunciaram apenas 53 óbitos. Mas na terça tinham sido perto de 250.

O discurso de Merkel no Natal é um momento que, para Robert Roncón, médico intensivista do Hospital São João, simboliza um exemplo da boa comunicação da pandemia. Questionado sobre os avanços e recuos de Angela Merkel sobre a paralisação na Páscoa, o médico que não vê neste episódio uma erro de comunicação. Só um erro político.

Roberto Roncon, médico intensivista do Hospital de São João: “Podíamos ter evitado aquilo a que estamos a assistir”

"Este é o tipo de erros que aumenta a confiança, não a diminui", concluiu Roberto Roncón, porque "com a mesma credibilidade de sempre, disse que tinha sido precipitada": "Quem me dera ter em Portugal mais políticos assim".
Roberto Roncón, médico intensivista do Hospital São João

O médico argumenta que, se Angela Merkel tivesse um cometido um erro de comunicação, a mensagem essencial não teria passado: a de que a líder da Alemanha acredita ser necessário encerrar completamente o país para controlar a terceira vaga, mas só não o faz porque não tem os meios para avançar. Recuar nessa decisão, e assumir a culpa pessoalmente, é seguir uma “política de verdade”. Foi “transparente”, classificou Roberto Roncón, para quem a chanceler representa aquilo que deve ser a política: “Não está isenta de erros e eles nem sempre são premeditados. Mas também não houve tentação de apontar o dedo a outros“.

O médico acredita que avanços e recuos deste género são permitidos a Angela Merkel porque a chanceler alemã tem uma estrutura política sólida. Só se começarem a ser mais recorrentes é que isso pode minar a credibilidade da líder da alemã. Prova disso é que o país está preocupado com a chegada da terceira vaga. Portugal já a passou. “Este é o tipo de erros que aumenta a confiança, não a diminui”, concluiu Roberto Roncón, porque “com a mesma credibilidade de sempre, disse que tinha sido precipitada”: “Quem me dera ter em Portugal mais políticos assim”, concluiu.

Uma análise à estratégia comunicacional alemã publicada no livro “Political Communication and COVID-19 — Governance and Rhetoric in Times of Crisis” (em português, “Comunicação Política e Covid-19 — Governação e Retórica em Tempos de Crise”), concluiu que a satisfação com a estratégia de Angela Merkel foi realmente “alta”. O capítulo dedicado à Alemanha dá conta que a atuação do governo resultou porque foi centrada no conhecimento científico. Mas teve um problema: de tanto se focar na virologia e na epidemiologia, deixou para trás os impactos das medidas na economia e na saúde mental.

E isso está a ser cobrado agora a Angela Merkel, num momento em que, segundo um inquérito da Deutsche Presse-Agentur, 43% dos alemães a defender um relaxamento das medidas, 17% a pedir um levantamento total das regras e 26% a apelar que, pelo menos, não sejam apertadas. Embora partes do país apenas tivessem entrado num confinamento total no início do ano, outras já estão em “confinamento light” desde novembro do ano passado. Todas as reaberturas foram muito leves, com o regresso às aulas presenciais e aos cabeleireiros. Nada mais.

"A ideia de uma paralisação na Páscoa foi elaborada com as melhores intenções, porque precisamos urgentemente de conseguir desacelerar e reverter a terceira onda da pandemia", justificou Angela Merkel. Mas foi "um erro somente meu": "Todo este assunto gerou mais incertezas, lamento profundamente e peço desculpas a todos".
Angela Merkel, chanceler da Alemanha

O constante adiamento no levantamento das medidas por Merkel, contrariando até os poderes locais, está agora a ser criticado na Alemanha. “O federalismo e a competição interna pela liderança dentro da CDU acabaram com as medidas centralizadas, resultando numa manta de retalhos de diferentes regras e contra-medidas“, diz o livro.

Tudo isto acontece em ano de eleições federais para o parlamento alemão e numa altura em que a CDU perde popularidade. De acordo com as sondagens da INSA, as intenções de voto no CDU dispararam assim que a Covid-19 entrou na Alemanha e mantiveram-se altas (chegaram mesmo aos 31%) até fevereiro. Mas desde aí que estão em tendência decrescente e situam-se agora nos 24%.

Se todos estes aspetos pressionaram Angela Merkel a recuar nas decisões relativas à Páscoa e a adotar uma linguagem mais expressiva em relação à pandemia, ela não o admitiu. Nas explicações do governo alemão, o encerramento total do país andou para trás porque ele obrigaria a mudanças legais que não conseguiriam ser feitas a tempo.

“A ideia de uma paralisação na Páscoa foi elaborada com as melhores intenções, porque precisamos urgentemente de conseguir desacelerar e reverter a terceira onda da pandemia”, justificou Angela Merkel. Mas foi “um erro somente meu”: “Todo este assunto gerou mais incertezas, lamento profundamente e peço desculpas a todos”.

Covid-19. Angela Merkel cancela planos de paralisação na Páscoa e pede desculpas

Outra dor de cabeça de Angela Merkel neste momento é o ritmo a que a vacinação contra a Covid-19 tem vindo a decorrer no país. Os dados reportados a 22 de março demonstram que, em termos de percentagem de população vacinada com pelo menos uma dose, a Alemanha (13,26%) está abaixo da média da União Europeia (13,59%) e de Portugal (13,43%), embora a maioria dos países europeus estejam com números semelhantes.

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