O Tribunal Constitucional patrocinou mais uma reunião da família Chega e não faltaram notas dignas de reportagem. Em Viana do Castelo, houve gente a assumir-se “fascista” (seria a brincar, afinal), laranjas na lapela e liberais no bouquet, uma estranha obsessão com as limpezas, por automobilismo e com a indústria do calçado. André Ventura, o patriarca da família, apareceu disposto a fazer uma série de propostas para acabar com a ideia de que o Chega “só grita, só grita, é sempre a mesma coisa, só fita, só fita”. Mas deixou a quem percebe da poda a tarefa de dizer quanto custa a montra final que quer oferecer ao país.

Prémio “Bardamerda mais o fascista”

Depois de ter passado 36 horas fechado num Parlamento cercado por largas dezenas de milhares de manifestantes, um exasperado Pinheiro de Azevedo desabafou: “Vão bardamerda mais o fascista.” Ora, num partido como o Chega, que vai tendo alguns complexos de perseguição ao mesmo tempo que faz cercos a outras sedes partidárias, causou sururu o discurso de Rui Cruz. “Sou pai, sou avô e… sou fascista”, atirou o delegado do Chega. Como seria de esperar, a frase tornou-se imediatamente notícia. Já à noitinha, Rui Cruz diria que era, afinal, uma ironia. No dia seguinte, André Ventura veio dizer que estava “bastante incomodado” e queixou-se da “tremenda má-fé” na interpretação que foi feita das palavras de Rui Cruz, afinal, um simples e incompreendido “pai e avô”. Lição para futuro: a ironia quase nunca é boa conselheira.

Prémio “Taxistas ao poder”

Foi a grande contratação de inverno do Chega para atacar as próximas eleições legislativas: Henrique de Freitas, antigo secretário de Estado da Defesa de Durão Barroso, é agora a nova coqueluche do Chega. Não teve o privilégio de discursar nesta Convenção – talvez ainda esteja a dominar os conceitos do partido –, mas multiplicou-se em declarações à comunicação social. Ao Observador, por exemplo, o ex-governante social-democrata, antigo elemento da comissão de honra da candidatura presidencial de Manuel Alegre e agora militante do Chega explicou as suas motivações. “Quem anda de táxi em Lisboa percebe em quem é que os taxistas vão votar.” A vida de um político, como a vida de um taxista, também é assim, feita de muitas curvas, contracurvas e uns quantos ziguezagues.

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Prémio “Ranger do Texas”

António Tânger Correia – ou “Rânger Correia” como é apelidado por causa do estilo mais excêntrico – foi uma das primeiras figuras a contribuir para o processo de credibilização do Chega. O embaixador, com percurso no CDS, e antigo  adjunto de Freitas do Amaral na AD (original), está agora no núcleo duro do partido de Ventura — aliás, até há pouco tempo estava na pole position para ser o cabeça de lista nas europeias deste ano, mas esticou-se numa entrevista ao Observador e perdeu créditos. Neste congresso, voltou a levantar a sala e viu Ventura renovar-lhe a confiança, mantendo-o como vice-presidente. Tentou provar a tese de que o Chega é que era o fiel intérprete do espírito da AD e fez uma sondagem in loco durante o discurso, perguntando quantos delegados tinham passado pelo PSD e pelo CDS — a maioria dos presentes. “É o Chega que é a Aliança Democrática.” Foi aplaudido de pé.

Prémio “Liberal é conservador”

Se Henrique de Freitas foi “laranja” na lapela de Ventura, o coronel Nuno Simões de Melo serviu de “liberal” no bouquet do Chega. Em bom rigor, nunca foi muito estimado pela linha oficial da Iniciativa Liberal, que sempre foi dizendo que o coronel estava no partido errado. Agora, no Chega, sente-se em casa. Nesta Convenção, subiu ao palco para acusar o antigo partido de ter cedido “às causas identitárias”, à “cultura woke” e de ter desfraldaldo “as bandeiras fraturantes da esquerda”. É o que dá não ler as letras pequeninas do contrato. Continua a afirmar-se como um “liberal clássico”, mas diz que encontrou no Chega, finalmente, um “partido de direita”.

Prémio “Conforlimpa”

Em letras garrafais, nas duas mesas do palco, o Chega inscreveu o mote já espalhou por todo país: “Limpar Portugal”. Não faltaram referências à pulsão de Ventura para limpar tudo o que mexe e que, aos olhos do partido, está conspurcado ou a conspurcar o país. Como disse Pedro Frazão, vice-presidente do partido, “quem ama cuida, quem ama limpa”. Atendendo às sucessivas referências à necessidade de limpar, limpar, limpar, talvez o Chega consiga que o seu carro-vassoura possa contar com o apoio e patrocínio da Conforlimpa. Às vezes, é só um questão de visão.

Prémio “Ratton”

Existem três coisas certas na vida: a morte, os impostos e o congresso anual do Chega. Em menos de cinco anos de vida o partido já se viu obrigado a realizar seis convenções nacionais porque o Tribunal Constitucional continua a chumbar-lhe os estatutos. Este ano, mais uma moeda, mais uma voltinha. Acontece que este congresso se dá numa altura particularmente feliz, na antecâmara das próximas eleições legislativas, o que permitiu ao Chega fazer um belíssimo (e bem orquestrado) número mediático. Talvez não tenham faltado por isso referências elogiosas ao Tribunal Constitucional (estas verdadeiramente irónicas) por permitir mais uma reunião da família do Chega.

Prémio “Priberam”

Maserati – nome masculino; 1- marca italiana de carros de luxo; 2- nome pelo qual os militantes do Chega tratam Pedro Nuno Santos. Esta podia ser uma entrada do dicionário Português-Cheguês. Os militantes do Chega utilizaram ao longo do Congresso cognomes criativos – similares aos que costumam circular em caixas de comentários e publicações nas redes sociais – para se referirem a adversários políticos. Pedro Nuno Santos, por exemplo, foi chamado de Maserati por alguns congressistas. O próprio Ventura também utilizou, aliás, uma classificação que o líder do PS se deu a si próprio “neto de sapateiro”.

Prémio “Maria de Lurdes Rodrigues”

As alterações aos estatutos, que tantos problemas têm dado no Tribunal Constitucional,foram votados ao início da tarde de domingo. Logo a seguir ao almoço, para o qual houve pausa de menos de uma hora, começaram as votações às propostas de alteração. Por a sala não estar muito composta e haver dezenas pessoas nas laterais à espera para entrar, a Mesa mandou reabrir as portas e repetir as votações. O que não foi pacífico nem bem recebido para quem chegou a horas. Enquanto os que chegavam atrasados se sentavam, os outros protestavam com apupos e gritos de “buhhhhhh”. Fez lembrar quando, há uns anos, a então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, pegou no microfone para gritar mais alto que professores manifestantes, utilizando a mesma onomatopeia: “Buhhhhh”.

Prémio “Cabo Canaveral”

No passado, Otelo Saraiva de Carvalho sugeriu enviar “os fascistas para o Campo Pequeno”, mas o Chega pensa sempre mais alto e Bruno Nunes – que está longe de ser um reputado químico pois ainda procura acabar a licenciatura em direito – sugeriu que “todos aqueles que votaram no PS deviam ser colocados dentro de um frasco e enviados para a NASA para serem estudados”. Para um partido que faz do combate à corrupção uma das principais bandeiras, Bruno Nunes deve começar desde já a lançar um concurso público: é que caso o PS volte novamente a vencer as eleições vai precisar de quase 2 milhões de frascos.

Prémio “Montra Final”

André Ventura apareceu em Viana do Castelo disposto a enterrar o “partido de protesto” para fazer nascer o “partido das propostas”. E não fez as coisas por menos: mais 9 mil milhões de euros em aumento das pensões, redução e extinção de vários impostos e aumentos vários para setores específicos da Administração Pública. Mais tempo houvesse e mais propostas com relevante impacto orçamental faria Ventura. E como é que se paga isto tudo? Ventura diz que vai encontrar dinheiro com uma estratégia combinada entre a “contribuição extraordinária para a banca”, a “luta contra corrupção” e “o combate à economia paralela”. Sim, mas quanto poupa do lado da despesa para compensar esse impacto? Qual é o preço certo da montra final? Não existe porque Ventura não apresenta contas. “É um espetáaaaculo”, como diz Fernando Mendes.

Prémio “Youtuber”

João Tilly dedicou toda a intervenção aos “bravos homens que têm as câmaras aos ombros e os microfones em riste”, aqueles a quem dá mais canal no seu canal de Youtube. Os “komentekos” sem share nos canais por cabo (uma referência aos comentadores televisivos) são marionetas que Tilly não vê, nem ouve. Mas, nem por isso, o inevitável Tilly deixa de ter uma opinião sobre eles: uns são de esquerda e outros são de direita — e os que são de direita conseguem dizer ainda pior do Chega do que os de esquerda. Seja como for, vai valendo a regra de que não existe má publicidade — ou, numa linguagem que os youtubers como Tilly compreendem bem, o que importa é dar canal. Ao Chega e a André Ventura, o único político que “toda a gente conhece em Portugal”.