Num congresso em que o protagonista foi quase sempre André Ventura e num partido em que o protagonista é quase sempre André Ventura, é preciso imaginação para atribuir outros prémios. Mas o Observador respeita a tradição e, como é hábito em todos olá reuniões magnas, pensou em sete formas de premiar as figuras que marcaram o conclave, com um prémio Sakharov para a liberdade de pensamento, uma homenagem a Francisco Sá Carneiro e até um galardão a homenagear a produção (de acordos políticos) açoriana.

Prémio Francisco Sá Carneiro

Rui Rio, Paulo Rangel; Paulo Rangel, Rui Rio. O número de vezes que os nomes dos candidatos à liderança do PSD (ainda antes de se saber o resultado) saíram das bocas dos congressistas é incontável. Até o próprio André Ventura, no segundo dia, admitiu que talvez se tivesse falado demasiado de “quem não interessa” e fez “mea culpa”, até porque no discurso inaugural não tinha poupado nem minutos nem críticas aos adversários. Mas a verdade é que os sociais-democratas são um alvo (ou uma meta) para os militantes do Chega, como Ventura confirmou de forma cristalina no encerramento do congresso: “Ninguém acredita que o PSD é de direita. Se chegámos aqui, porque é que não conseguimos vencer o PSD?”.

Durante o Congresso houve de tudo, desde a necessidade de se contabilizar o preço de uma coligação com o PSD ao juramento de que os “desiludidos” do PSD têm um lugar e uma “alternativa” no Chega. E no auge das conversas sobre o PSD, até António Tânger Correa, vice-presidente do partido, fez comparações com Sá Carneiro (que na verdade foi várias vezes referido): “André Ventura não é Sá Carneiro, nem Sá Carneiro seria André Ventura, mas os valores são os mesmos.” Com mais PSD, com menos PSD, com mais ou menos tentativas de não falar sobre o PSD, a verdade é que o Chega não conseguiu esquecer-se do partido de Rui Rio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas as referências ao próprio Sá Carneiro atingiram o auge no discurso final de Ventura, que não só disse que o antigo líder social-democrata “provavelmente pagou com a vida” por não se ter “vendido à esquerda” como ainda acrescentou que não descansa enquanto não encontrar os “verdadeiros responsáveis” pelo “pseudo-acidente” que matou Sá Carneiro em Camarate.

Prémio estadista relâmpago

Por falar em PSD, não é caso para dizer que André Ventura vestiu a gravata (tal qual Costa quando troca entre primeiro-ministro e secretário-geral do PS), mas é caso para dizer que o líder do Chega apareceu no último dia de Congresso pronto para adotar uma postura de estadista… por pouco tempo. “Os nossos egos são importantes, mas não são o que o país precisa.” As palavras foram ditas às televisões e dirigidas a Rui Rio, e vinham embrulhadas num pedido de “lealdade institucional” para que a direita consiga encontrar uma “solução” para o país.

No entanto, os apelos para fora surgiram sempre misturados com a promessa inflamada, dirigida aos militantes, de que não vai “negociar” (prefere “impor-se”) nem deixar de ser um partido “de rutura”. Um apelo para fora, outro diferente para dentro, só uma conclusão comum nos vários discursos: é de António Costa que André Ventura “irá atrás” nas eleições de 30 de janeiro, posicionando-se como se liderasse a oposição.

Prémio bolo lêvedo

Foi um acordo cozinhado nos Açores contra a vontade de André Ventura e deu frutos: José Pacheco, o deputado regional que desautorizou o líder e segurou o Governo do arquipélago numa prova de “responsabilidade”, não só não perdeu a confiança política de Ventura — como já tinha acontecido com o outro deputado do Chega nos Açores, Carlos Furtado, que passou a não-inscrito — como ainda ganhou uma promoção. Horas depois de ter jurado fidelidade ao “capitão” Ventura e de ter explicado a sua linha de raciocínio — com a sua atitude nos Açores, o Chega considera que provou que consegue governar também o país como um todo — passou a vice do partido.

É uma linha política que ganha influência, apesar de Ventura insistir que não vai apenas negociar, mas “impor” as suas ideias se houver maioria de direita no Parlamento depois das eleições de janeiro. Também pode ser uma forma de pressão de Ventura: já este domingo, à chegada ao Congresso, o líder disse acreditar que com esta promoção e este sinal de “articulação” ficará “claro” para José Manuel Bolieiro, o social-democrata que lidera o Governo regional, “que é a última oportunidade que se dá ao Governo dos Açores”. Resta saber se é igualmente “claro” para Ventura e para Pacheco.

Prémio Comité Central

O Comité Central é o órgão onde as decisões são tomadas no PCP, durante os congressos, à porta fechada — e o que se sabe cá fora é invariavelmente que essas decisões serão tomadas por “unanimidade” e altas percentagens a provar consenso no seio do partido. No partido de Ventura, que tenta provar que não é de um “homem só”, a aparência de consenso está lá: as recomendações que pedem mais democracia interna não são votadas (nem sequer discutidas), o líder é reeleito com mais de 94% dos votos e durante o congresso todo os ecrãs gigantes passam fotografias de uma figura única — Ventura — em eventos do partido, campanha e por aí fora. Continua a ser o líder absoluto do Chega. E aqui o coletivo conta menos. Aliás, notou-se logo no primeiro dia, quando o secretário-geral Tiago Sousa Dias se envolveu numa discussão com uma militante que questionava a figura das “recomendações” (em vez de moções, como costuma acontecer nos congressos) e a atacou duramente, acusando-a de falar “grunhês”, em vez de “português”.

Prémio Sakharov

Na verdade, o prémio Sakharov é atribuído todos os anos à liberdade de pensamento, mas no congresso do Chega dificilmente seria entregue: uma intervenção após outra, os delegados fizeram da imprensa um dos alvos preferenciais, acusando os meios de comunicação social de estarem ao serviço do Governo e do PS ou de escreverem mentiras sobre o Chega, entre um longo rol de acusações.

Prémio Último a sair

Mas o maior inimigo que os dirigentes do Chega que passaram pelo palco identificaram foram mesmo as pessoas que criticam internamente o partido. Grande parte do congresso foi passada em ataques para dentro do Chega e convites à saída dos críticos, dos que “fingem sorrisos” e dão “palmadinhas nas costas” — “a porta da rua é serventia da casa”, “rua daqui para fora!”, ouviu-se no púlpito. Ventura concorda: em entrevista ao Observador, considerou que, para quem “boicota” o partido, a solução “tem mesmo de ser” a porta da rua.

No sábado, Ventura garantiria ainda que, apesar dos “momentos tensos” que se registaram e dos recados entre militantes, o congresso deu provas de “maturidade”.  Mas os “mecanismos de controlo” têm de continuar a ser usados para pôr ordem no Chega: a Comissão de Ética do partido, anunciou Ventura, vai ser retomada porque uma coisa são críticas políticas internas, outra são “ataques a famílias” e “pessoais”. O aviso ficou feito.

Prémio gelado

A última homenagem fica, neste congresso, para as condições climatéricas: em Viseu, onde se realizou o conclave do Chega, o frio era de rachar e as temperaturas chegaram aos graus negativos, segundo os termómetros dos telemóveis. Ainda assim, o programa de um congresso marcado apenas por questões legais foi mais longo do que costumam ser os dos outros partidos, arrastando-se noite dentro na sexta e no sábado — o que acabou por fazer com que o Observador tivesse mais dificuldades em arrancar e abandonar o congresso na madrugada de sábado, dada a camada de gelo que se tinha instalado num dos carros da equipa.